Parecer no :

 

MPC/33.839/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 06/00252639

 

 

 

Un. Gestora:

 

Município de Caçador

 

 

 

Assunto:

 

Representação de Agente Público acerca de supostas irregularidades praticadas no exercício de 2005.

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada em cumprimento à Decisão n.º 1085/2009 (fls. 1381-1382), exarada pelo Tribunal Pleno nos autos do processo RPA 06/00252639, deflagrado com o objetivo de apurar a veracidade de denúncia feita pelo vereador Marcos da Silva Creminácio, Presidente da Câmara Municipal de Caçador no exercício de 2006, a qual versava sobre suposto desvio de recursos financeiros da Secretaria Municipal de Saúde de Caçador, referente à aquisição de passagens junto à Empresa Reunidas, para atendimento do transporte de pacientes para outros municípios – TFD.

A primeira representação foi protocolada no Tribunal de Contas em 12/04/2006 e autuada sob o n.º REP 06/00237591, a qual não foi conhecida por não atender às prescrições contidas no art. 65, § 1º, c/c o art. 66, parágrafo único da Lei Complementar n.º 202/2000 e art. 102, caput, da Resolução n.º TC-06/2001.

O Tribunal Pleno, por meio da Decisão n.º 1.995/2006, ratificou o posicionamento sugerido pelo corpo instrutivo, determinando o arquivamento dos autos (fl. 10 da REP n.º 06/00237591). Posteriormente, este processo foi apensado à Representação n.º 06/00252639, convertida na presente Tomada de Contas.

A Diretoria de Denúncias e Representações, após apreciar o processo, emitiu o Relatório de Admissibilidade n.º 217/06, manifestando-se pelo conhecimento da Representação (fls. 214-216).

O órgão ministerial manifestou-se no mesmo sentido da área técnica (fl. 218).

Ato contínuo, o Conselheiro Relator, por meio de um comunicado à SEG/DICAN, determinou à Diretoria de Controle dos Municípios que adotasse providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligências (fl. 226).

A auditoria in loco foi realizada no período de 22 a 26 de setembro de 2008.

Das ações de inspeção originou-se o Relatório de Inspeção n.º 5.009/2008 (fls. 1352-1374) e a Decisão n.º 1085/2009 (fls. 1381-1382), convertendo o processo REP 06/00252639 em Tomada de Contas Especial e determinado a realização da citação dos responsáveis.

Efetivado o ato processual, conforme demonstrado às fls. 1387-v-1390-v, os responsáveis, Sr. Saulo Sperotto, Prefeito Municipal, Sr. Nereu Baú, Secretário da Administração e Fazenda, e as Sras. Salete de Mattos Pereira e Cleone Silva Ceretta, Coordenadoras do TFD, encaminharam esclarecimentos (fls. 1392-1394) e documentos (fls. 1402-1633).

Após analisar as razões expostas, a Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Relatório de Reinstrução n.º 4908/2009, por meio do qual manteve o apontamento, nos termos da conclusão do Relatório n.º 5.009/2008 (fls. 1635-1670).

Encaminhados os autos ao Ministério Público, este manifestou-se no mesmo sentido da Instrução Técnica, conforme Parecer MPTC/208/2011 (fls. 1672-1682).

O Sr. Saulo Sperotto juntou aos autos esclarecimentos complementares e memoriais (fls. 1692-1697 e 1703-1714).

Os autos foram a plenário em 13/10/2014, ocasião em que o Procurador do Sr. Saulo Sperotto proferiu sustentação oral, situação essa que levou ao adiamento do processo para que fosse feito novo exame por parte do Relator.

O Sr. Saulo Sperotto protocolou esclarecimentos e documentos às fls. 1727-1747.

O Relator, por meio do Despacho GAC/WWD n.º 1407/2014 (fls. 1749-1751-v), determinou a citação da Sra. Sílvia Linhares Martelo, Secretária Municipal de Saúde de Caçador no exercício de 2005, bem como a análise da nova documentação e memoriais encaminhados pelo Sr. Saulo Sperotto (fls. 1727-1747).

A Sra. Sílvia Linhares Martelo apresentou suas justificativas sobre a restrição 3.2.4.1 do Relatório de Reinstrução DMU n.º 4.908/2009 (fls. 1754-1756).

Após analisar as justificativas apresentadas pela Sra. Sílvia Linhares Martelo e pelo Sr. Saulo Sperotto, a Diretoria de Controle dos Municípios, às fls. 1769-1790, emitiu o Relatório n.º 008/2015, onde concluiu por sugerir:

4.1. CONHECER do presente Relatório de Reinstrução Plenária, decorrente do Relatório de Inspeção nº 5.009/2008 e do Relatório de Reinstrução nº 4.908/2009, resultantes da inspeção in loco realizada, para, no mérito:

4.2. JULGAR IRREGULARES com débito, na forma do artigo 18, inciso III, alínea “c” c/c o artigo 21 caput da Lei Complementar nº 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial:

4.2.1. CONDENAR os responsáveis solidários, Sr. Saulo Sperotto - Prefeito Municipal (Gestão 2005 a 2008 e 2009 a 2012), CPF 561.293.009-72, residente à Rua Paraguai, 434, Bairro Reunidas; Sr. Nereu Baú - Secretário da Administração e Fazenda, CPF 006.631.589-15, residente à Rua Herculano Coelho de Souza, 103, Centro; Sra. Salete de Mattos Pereira, CPF 296.402.109-00, residente na Av. Visconde Mauá, 461, Centro, Sra. Cleone Silva

Ceretta, CPF 027.261.199-99, Av. Santa Catarina, 195, Centro, ao pagamento da quantia abaixo relacionada no limite de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

4.2.1.1. Ausência de comprovação acerca da efetiva liquidação da despesa referente ao pagamento de passagens para tratamento de saúde fora do domicílio, no exercício de 2005, no montante de R$ 20.135,44, efetuados à empresa Reunidas, em descumprimento aos artigos 62 e 63, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/64 (item 3.1 deste Relatório).

4.2.2. CONDENAR os responsáveis solidários, Sr. Nereu Baú - Secretário da Administração e Fazenda, CPF 006.631.589-15, residente à Rua Herculano Coelho de Souza, 103, Centro; Sra. Salete de Mattos Pereira, CPF 296.402.109-00, residente na Av. Visconde Mauá, 461, Centro, Sra. Cleone Silva Ceretta, CPF 027.261.199-99, Av. Santa Catarina, 195, Centro, e Sra. Sílvia Linhares Martelo, CPF 439.312.609-25, residente na Rua Maturino Borges da Luz, 36, centro, todos no município de Caçador/SC, CEP 89.500-000, ao pagamento da quantia abaixo relacionada no limite de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

4.2.2.1. Ausência de comprovação acerca da efetiva liquidação da despesa referente ao pagamento de passagens para tratamento de saúde fora do domicílio, no exercício de 2005, no montante de R$ 4.613,74, efetuados à empresa Reunidas, em descumprimento aos artigos 62 e 63, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/64 (item 3.1 deste Relatório).

4.3. REITERAR a irregularidade descrita no item 3.1 da conclusão do Relatório de Reinstrução nº 4908/2009.

4.4. DAR CIÊNCIA da decisão aos Representados, Sr. Saulo Sperotto - Prefeito Municipal (Gestão 2005 a 2008 e 2009 a 2012), Sr. Nereu Baú – Secretário da Administração e Fazenda, Sra. Salete Mattos Pereira - Operadora de Equipamento Eletrônico e Sra. Cleone Silva Ceretta, - Digitadora, todos referentes à Prefeitura Municipal de Caçador e a Representante, Sra. Nilse de Fátima do Nascimento – Diretora Legislativa da Câmara Municipal de Caçador.

 

É o Relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC n.º 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC n.º 6/2001).

 

1.    Da matéria enfocada

 

O caso em tela originou-se do expediente encaminhado pelo Vereador Marcos da Silva Creminácio, Presidente da Câmara Municipal de Caçador no exercício de 2006, apontando supostas irregularidades no âmbito da Administração Municipal de Caçador referentes à “terceirização dos serviços de transporte de pacientes para tratamento fora do domicílio”.

Para fundamentar a suposta irregularidade, o Vereador retro mencionado apresentou os documentos constantes às fls. 08-213 e os fatos narrados às fls. 02-07, resumidos da seguinte maneira pela Instrução:

A administração municipal modificou a forma de transporte dos pacientes para tratamento fora do domicílio - TFD, anteriormente realizado apenas com transporte próprio da Secretaria Municipal de Saúde, para uma forma dualizada, ou seja, transporte próprio e através de ônibus da empresa Reunidas.

Esta mudança, segundo o Representante, apresentou-se desvantajosa para o município, pois o transporte próprio continua acontecendo, porém com número menor de pacientes, sendo que constam nomes de pacientes que receberam passagens e os mesmos foram transportados por veículos próprios da Secretaria e/ou Fundo Municipal de Saúde de Caçador, nas mesmas datas, sendo, inclusive, concedidas passagens para funcionários da Prefeitura e algumas coincidem com finais de semana.

A Prefeitura paga mensalmente à empresa Reunidas S/A, altos valores, sem qualquer necessidade, uma vez que os veículos da própria Prefeitura tem feito o transporte de pacientes, sempre sobrando vagas, configurando desvio e uso irregular de dinheiro público.

 

A diretoria técnica, após analisar os documentos que instruíram o presente feito, bem como as informações obtidas durante a inspeção in loco, apontou haver pagamento em duplicidade aos beneficiados do TFD, tendo em vista o fornecimento de passagens pela empresa contratada a pacientes que também constavam dos relatórios de viagens realizadas através da frota municipal, para os mesmos destinos em datas idênticas ou muito próximas.

A situação caracteriza descaso dos gestores responsáveis no trato com o erário e principalmente com a verba destinada ao setor de saúde, visto que a irregularidade acarretou em pagamento indevido no valor de R$ 24.858,65.

Passa-se à análise da restrição.

 

2.    Do Tratamento Fora de Domicílio – TFD

 

Antes de adentrar ao mérito propriamente dito, entendo pertinente tecer breves considerações acerca de como funciona o TFD.

O Tratamento Fora de Domicílio - TFD foi instituído pela Portaria nº 55 da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério da Saúde). É um instrumento que visa garantir tratamento médico a pacientes portadores de doenças não tratáveis no município de origem, por falta de condições técnicas.

Esse auxílio ao paciente em alguns casos também é estendido ao seu acompanhante, para encaminhamento às Unidades de Saúde de outro Município ou Estado da Federação, limitado ao período estritamente necessário a este tratamento e aos recursos orçamentários existentes.

Este programa oferece consulta, tratamento ambulatorial e hospitalar/cirúrgico previamente agendado, bem como transporte de ida e volta até o local onde será realizado o tratamento, com ajuda de custo para alimentação e hospedagem do paciente e acompanhante, enquanto durar o tratamento.

Para que seja concedido, o pedido deve ser formalizado em processo próprio e constituído dos seguintes documentos:

a)              Pedido de Tratamento Fora de Domicílio – PTFD (devidamente preenchido pelo médico assistente do Município);

b)          Laudo Médico;

c)              Fotocópias de Exames, Certidão de Nascimento ou carteira de identidade, além da Carteira de identidade do acompanhante, se houver.

Referido Laudo será encaminhado à Coordenadoria do TFD para avaliação pela equipe médica encarregada, determinando o local do tratamento, sendo este realizado na localidade mais próxima da origem do paciente, competindo ao Médico da Unidade analisar a necessidade de acompanhamento.

A Comissão Regional poderá indeferir referido acompanhamento, depois de analisar a justificativa apresentada.

Somente será admitido o custeio das despesas com acompanhamento nos casos de cirurgia de médio ou grande porte, nos casos de pacientes menores ou idosos acima de 60 anos ou, ainda, pacientes impossibilitados em razão da doença de adotar por seus próprios meios as providências necessárias ao seu tratamento.

 

3. Do Tratamento Fora de Domicílio – TFD no âmbito do Município de Caçador

 

Conforme explica o corpo instrutivo, no Município de Caçador o Departamento de Tratamento Fora do Domicílio funciona junto ao Fundo Municipal de Saúde. Através deste são realizados os encaminhamentos de pacientes para tratamento médico em outros Municípios.

O corpo técnico ratificou, com base na documentação coletada e nas declarações prestadas pelos servidores municipais, que o transporte de pacientes é realizado de duas formas: com veículos próprios do Fundo Municipal de Saúde, com capacidade de 3 a 18 passageiros, bem como através da Empresa Reunidas S/A, com a qual a Prefeitura Municipal de Caçador possui contrato[1] para este fim.

A realização do transporte de pacientes até as cidades de seu atendimento médico depende da capacidade de lotação de cada veículo. Emite-se um pré-relatório contendo os nomes dos pacientes que irão viajar, anotando-se, inclusive, se estarão acompanhados ou não.

Os motoristas do Fundo de Saúde relataram que recebem o pré-relatório, conferem os pacientes e acompanhantes presentes, anotam as ausências e, posteriormente, estas informações são remetidas à Secretaria Municipal de Saúde.

Quanto ao transporte realizado através da Empresa Reunidas, a Sra. Elza Aparecida Ribeiro dos Santos de Almeida, Auxiliar Administrativa, com a função de Coordenadora do TFD, e o Sr. Hélio Luiz Wirschum, Operador de Equipamento Eletrônico, na função de Responsável pelo Sistema de Informação do Fundo Municipal de Saúde, explicaram em síntese:

a) As autorizações de retirada das passagens são emitidas pelo Fundo Municipal de Saúde, após a verificação pelo Setor de TFD da necessidade de tratamento fora do domicílio, mediante laudo médico e agendamento do atendimento, conforme se verifica em alguns exemplos colhidos, cujas cópias estão às fls. 249 a 320, sendo ainda verificada a possibilidade de transporte por meio da frota própria de veículos do Fundo Municipal de Saúde.

b) Os próprios beneficiários retiram as passagens de ônibus junto à empresa Reunidas, mediante entrega da autorização.

c) Periodicamente, a empresa Reunida manda a Fatura, acompanhada das respectivas autorizações, para posterior encaminhamento ao Departamento de Compras, que providencia o processo de pagamento.

d) O Fundo Municipal de Saúde tem controle, no seu sistema de informática, apenas dos pacientes que são transportados pela frota própria de veículos, não fazendo, contudo, registro das pessoas que utilizam o transporte pela empresa Reunidas, sendo que nem a fatura vem acompanhada de cópia das passagens e tampouco consta informações sobre quem, efetivamente, viajou com elas, nem o próprio beneficiário apresenta qualquer retorno para controle do TFD.

 

O corpo instrutivo também verificou que foi instaurado o Inquérito Parlamentar - CPI - TFD, por meio da Resolução Municipal n.º 11, de 22/03/2000, objetivando apurar a veracidade de denúncia recebida pela Presidência da Câmara Municipal de Caçador sobre suposto desvio de recursos financeiros da Secretaria Municipal de Saúde, referente à aquisição de passagens junto à Empresa Reunidas, para atendimento do transporte de pacientes para outros municípios - TFD.  

A conclusão dos trabalhos da referida CPI está anexada às fls. 1308-1344 dos autos. Esta, em síntese, concluiu pela existência de inúmeras irregularidades, apontando, inclusive a cassação do mandato do Prefeito Municipal de Caçador, em 10/06/2006, conforme segue:

Nos meses de maio a outubro de 2005, houve grande número de emissão e comprovado pagamento de passagens fornecidas pela empresa Reunidas, a pacientes que constam nos relatórios de viagens realizadas através da frota municipal, na mesma data;

Nesse período, as requisições de fornecimento de passagens, foram quase na sua totalidade, subscritas pela servidora Salete Mattos Pereira, com anuência da servidora Cleone Silva Ceretta;

A Secretaria Municipal de Saúde, entendendo haver a necessidade de ampliação e renovação da sua frota de veículos, adquiriu, no período, 10 (dez) novos veículos. Mesmo tendo efetivado tais aquisições, firmou o contrato nº 41/05, para compra de passagens de empresa privada, para encaminhamento dos pacientes para Tratamento Fora do Domicílio;

Os depoimentos das testemunhas são uníssonos em afirmar que os pacientes, em sua maioria, viajavam com acompanhantes. Será que em todos os casos era necessária a presença de acompanhante;

A Secretaria Municipal de Saúde quitava as passagens emitidas pela empresa contratada, no entanto, não efetuava qualquer espécie de controle para averiguar se as pessoas realmente se utilizaram dessas passagens, ou doaram, venderam a terceiros, uma vez que viajaram por conta da frota municipal;

Encontramos também um catálogo de infrações de natureza político-administrativa, às quais se comina pena de conotação política, vale dizer a cassação do mandato outorgado pelo Povo, a ser aplicada pelo Legislativo Municipal.

 

A diretoria técnica, após analisar os fatos apresentados pela CPI, bem como as informações obtidas durante a inspeção in loco em relação ao transporte de pacientes[2] que tiveram seus nomes associados a pagamento irregular[3] (tendo em vista a afirmação de que receberam passagens da Empresa Reunidas e também autorização para viagens utilizando veículos da Prefeitura na mesma data), apontou que:

[...] houve a expedição de autorização para aquisição de passagens junto à empresa contratada e a realização da viagem utilizando veículos próprios da Secretaria Municipal de Saúde, para destinos iguais e para as mesmas pessoas, tudo devidamente comprovado pelos documentos antes mencionados, bem como pela ausência de controle por parte do Setor responsável, que não possui registros sobre as pessoas que efetivamente viajaram por intermédio da empresa Reunidas, por conta dos recursos da Saúde do município de Caçador

 

Em relação aos pacientes discriminados na tabela constante às fls. 1774-v-1776-v do Relatório n.º 008/2015, a Instrução concluiu que referidos pacientes:

[...] ou viajaram utilizando-se dos veículos da Prefeitura ou através dos ônibus da Empresa Reunidas, sendo inviável, a mesma pessoa, viajar pelas duas formas na mesma data ou em datas muito próximas e para idêntico destino, configurando dois dispêndios para um único beneficiado, acarretando em pagamento indevido no valor de R$ 24.858,65, conforme documentos constantes nestes autos, já devidamente enunciados e com o resumo apresentado na tabela antes transcrita, que confirmam a ocorrência de viagem com os veículos da municipalidade e por intermédio de passagens junto à empresa contratada, para os mesmos destinos, datas idênticas, ou muito próximas e pelas mesmas pessoas.

 

Ao final, o corpo instrutivo confirmou que o Fundo de Saúde tinha controle, no seu sistema de informática, apenas dos pacientes que eram transportados pela frota própria de veículos; contudo, não fazia registro das pessoas que utilizavam o transporte pela empresa Reunidas, sendo que a fatura não vinha acompanhada da cópia das passagens, tampouco da relação de quem efetivamente viajou com elas; nem o próprio beneficiário apresentava qualquer retorno para controle do TFD.

Os pagamentos efetuados a Reunidas eram realizados com base na fatura encaminhada pela empresa, sem que houvesse o efetivo controle para averiguar se as pessoas realmente se utilizaram dessas passagens, ou doaram, ou venderam a terceiros.

Tal fato demonstra que o pagamento ocorria mesmo sem a apresentação da completa documentação necessária para comprovação das despesas efetuadas, em contrariedade ao disposto no art. 63, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/64.

Diante do exposto, restou configurada a ausência de comprovação acerca da efetiva liquidação da despesa referente ao pagamento de passagens para tratamento de saúde fora do domicílio, no exercício de 2005, no montante de R$ 24.858,65, conforme demonstrativo de fls. 1367-1370.

Tal irregularidade foi atribuída ao Sr. Saulo Sperotto (Gestão 2005-2008 e 2009-2012), Sr. Nereu Baú, Secretário de Administração e Fazenda (ordenador da despesa), e às Sras. Salete de Mattos Pereira e Cleone Silva Ceretta (Coordenadoras do TFD e responsáveis pela verificação da liquidação das despesas).

As justificativas apresentadas pelos Responsáveis naquele momento, analisadas pelo corpo instrutivo no Relatório n.º 4908/2009, limitaram-se a negar o apontado pelo corpo instrutivo, sem, contudo, apresentarem provas capazes de afastar a irregularidade.

Os argumentos exarados pela Diretoria Técnica foram ratificados pelo Ministério Público de Contas, conforme Parecer MPTC/208/2011, constante às fls. 1672-1682.

A partir desse momento serão analisados apenas os memoriais apresentados pelo Sr. Saulo Sperotto (fls. 1727-1741) e as justificativas da Sra. Sílvia Linhares Martelo (fls. 1754-1756), que buscam elucidar a questão de quem era a responsabilidade pelas irregularidades constatadas na auditoria in loco.

Para afastar a restrição, o Sr. Saulo Sperotto alegou[4] sua ilegitimidade para responder por atos praticados no Fundo Municipal de Saúde, uma vez que o Fundo possuía Gestor próprio, com competência plena, com base na Lei Municipal n.º 201/88 (que criou o referido Fundo), e na Portaria Municipal n.º 15.101/2005[5] a qual nomeou a Sra. Sílvia Linhares Martelo para ocupar o cargo de Secretária da Saúde a partir de 1º de janeiro de 2005.

Os artigos 2º e 3º da Lei Municipal n.º 201/88 assim dispõem:

Art. 2º O Fundo Municipal de Saúde ficará subordinado diretamente ao Secretário Municipal de Saúde e Bem Estar Social.

 

Art. 3° São atribuições do Secretário Municipal de Saúde e Bem Estar Social:

I - gerir o Fundo Municipal de Saúde e estabelecer política de aplicação dos seus recursos em conjunto com o Conselho Municipal de Saúde;

(...)

VII - assinar cheques com o responsável pela tesouraria, quando for o caso;

VIII - ordenar empenho e pagamentos de despesas;

(...).

 

De fato, a Portaria n.º 15.101/2005 (fl. 1747) nomeou a Sra. Sílvia Linhares Martelo como ocupante do cargo de Secretária de Saúde, cabendo a esta todas as responsabilidades elencadas no art. 3º da Lei Municipal n.º 201/1988 (fls. 1742 e 1743).

Contudo, consta à fl. 1760 que em 14/07/2005 o Sr. Saulo Sperotto publicou o Decreto n.º 3265/2005[6], designando a si mesmo como Coordenador do Fundo Municipal de Saúde.

O 4º da Lei n.º 201/1988 estabelece quais são as atribuições do Coordenador do Fundo:

I - preparar as demonstrações mensais da receita e despesa a serem encaminhadas ao Secretário Municipal de Saúde e Bem Estar Social;

II - manter os controles necessários à execução orçamentária do fundo referente a empenhos, liquidação e pagamento das despesas e aos recebimentos das receitas do Fundo;

III - manter, em coordenação com o setor de patrimônio da Prefeitura Municipal os controles necessários sobre os bens patrimoniais com carga ao Fundo;

IV - encaminhar à contabilidade geral do Município:

a) mensalmente, os demonstrativos de receitas e despesas;

b) trimestralmente, os inventários de estoques e medicamentos e de instrumentos médicos;

c) anualmente, o inventário dos bens e móveis e imóveis, e o balanço geral do Fundo.

V - firmar com o responsável pelos controles da execução orçamentária, as demonstrações mencionadas anteriormente;

(...)

IX - manter os controles necessários sobre convênios ou contratos de prestação de serviços pelo setor privado e dos empréstimos feitos para a saúde;

X - encaminhar mensalmente, ao Secretário Municipal de Saúde e Bem Estar Social, relatórios de acompanhamento e avaliação da produção de serviços prestados pelo setor privado na forma mencionada no inciso anterior;

XI - manter o controle e avaliação da produção das unidades integrantes da rede municipal de saúde;

XII - encaminhar mensalmente, ao Secretário Municipal de Saúde e Bem Estar Social, relatório de acompanhamento e avaliação da produção de serviços prestados pela Rede Municipal de Saúde.

 

O fato de o Sr. Saulo Sperotto ser Coordenador do Fundo é suficiente para ensejar sua responsabilização, pois, conforme a norma retromencionada, cabia a ele auxiliar o Secretário de Saúde nas suas atribuições.

Ademais, como Prefeito, incumbia-lhe a vigilância do adequado acompanhamento da execução dos objetos dos recursos repassados e a fiscalização dos atos praticados no âmbito do FMS, no qual se insere o Tratamento Fora de Domicílio.

Ademais, não posso perfilhar o posicionamento da área técnica, a qual sugere responsabilidade solidária da Sra. Sílvia Linhares Martelo somente no montante de R$ 4.723,21, visto que ela foi a gestora do FMS somente até a data da homologação do Decreto n.º 3265/2005 (em 16 de junho de 2005, conforme fl. 1760 dos autos).

A Sra. Sílvia Linhares Martelo, na qualidade de Secretária de Saúde, é responsável solidária com o Sr. Saulo Sperotto pela ausência de comprovação acerca da efetiva liquidação da despesa referente ao pagamento de passagens para tratamento de saúde fora do domicílio, no exercício de 2005, no montante de R$ 24.749,18 efetuados à empresa Reunidas, em descumprimento aos artigos 62 e 63, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 4.320/64.

O fato de o então Prefeito adquirir a atribuição de coordenador do Fundo não afasta os deveres inerentes ao exercício da função de Secretária da Saúde, devendo, portanto, manter-se a responsabilização tanto do Sr. Saulo Sperotto quanto da Sra. Sílvia Linhares Martelo.

No tocante à tabela[7] apresentada pela diretoria técnica, com o nome dos pacientes que teriam viajado através dos veículos próprios da municipalidade e por intermédio de passagens adquiridas junto à empresa Reunidas, o Sr. Saulo Sperotto alegou que somente em “relação a 8 pacientes tal coincidência teria se configurado, isso presumindo a data da emissão da requisição da passagem como sendo a data da viagem de ônibus”.

No entanto, razão não lhe assiste. Mesmo após a tabela ser revisada pela equipe técnica, somente o débito em relação ao paciente Sérgio Carvalho de Oliveira pôde ser afastado, pois constatou-se não haver coincidência de datas, devendo assim o valor de R$ 109,47 ser excluído do montante.

As demais justificativas apresentadas não foram acolhidas pela equipe técnica, visto terem sido analisadas no Relatório de Inspeção n.º 5.009/2008 e depois reanalisadas no Relatório de Reinstrução n.º 4.908/2009, demonstrando ser incontroverso o prejuízo causado à municipalidade de Caçador.

A Sra. Sílvia Linhares Martelo, por sua vez, defendeu-se alegando o que segue transcrito abaixo (fls. 1754-1756):

[...] quando eu assumi a pasta da Secretaria Municipal de Saúde, a equipe responsável pela tesouraria estava instalada no mesmo prédio e, já nos primeiros meses da administração, toda a tesouraria da Saúde foi transferida para o prédio da Prefeitura, para que a mesma passasse a ficar sob total gestão e responsabilidade do ex-Prefeito e do Secretário de Administração e Fazenda;

- fato que foi acompanhado com a seguida publicação dos Decretos:

N° 3127, de 03 de janeiro de 2005, que designa Coordenadora do Fundo a Sra. SÍLVIA LINHARES MARTELO e Tesoureira PRISCILA CALIXTO;

de 14 de janeiro de 2005, designa Gestora do Fundo a Sra. SÍLVIA LINHARES MARTELO e Tesoureira ADRIANA CARNEIRO SCHMITZ ;

N° 3197, de 14 de abril de 2005, designa como Tesoureira a Sra. ROSELI APARECIDA COSTENARO;

Decreto Nº 3265, de 14 de julho 2005, em seu artigo 12 que dispõe:

"Art.19 Ficam designados, a contar de 17 de junho de 2005, o Prefeito Municipal SAULO SPEROTTO, Coordenador do Fundo Municipal de Saúde do Município de Caçador, e a Servidora Pública Municipal CECÍLIA MARIA STEFANES BENETTI, Tesoureira do Fundo Municipal de Saúde, de conformidade com a Lei n° 528 de 17/6/92, que dá nova redação à Lei nº 201, de 5/10/88, e suas alterações.

SAULO SPEROTTO Prefeito Municipal

NEREU BAÚ - SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO E FAZENDA."

- e assim, com a homologação do Decreto 3265, me foram tirados os poderes e as responsabilidades sobre a gestão, aplicação dos recursos, assinar cheques, ordenar empenhos e realizar pagamentos de despesas do Fundo;

- ainda vale considerar que o Decreto 3265 permaneceu em validade até a data de 01 de janeiro de 2009, início da segunda gestão do ex prefeito Saulo Sperotto, que então homologou o Decreto 4170, que o manteve como Coordenador do Fundo. Ou seja, o mesmo permaneceu com a responsabilidade até o último dia de sua segunda gestão, em maio de 2011. Diferente do Prefeito que o sucedeu, Sr. Imar Rocha, que no primeiro dia de gestão já nomeou a Secretaria de Saúde como gestora do Fundo;

[...]. [grifo original].

 

Depreende-se de sua defesa que com a homologação do Decreto n.º 3265/2005, lhe foram tirados os poderes e as responsabilidades sobre a gestão do FMS.

Conforme documento acostado à fl. 1760, qual seja, cópia do Decreto n.º 3265/2005, não há dúvida de que a Sra. Sílvia Linhares Martelo foi a Coordenadora do FMS somente até a data de 16/06/05.

No entanto, a Sra. Sílvia Linhares Martelo, mesmo após a expedição do Decreto n.º 3265/2005, continuou exercendo o cargo de Secretária da Saúde. Cabe ressaltar, ainda, que a Coordenadoria do Fundo estava subordinada à Secretaria de Saúde, ocupada pela referida senhora.

Nesse passo, relembre-se que competia ao Secretário da Saúde a fiscalização e o controle dos recursos, nos moldes do art. 3º da Lei Municipal n.º 201/1988 (fls. 1742 e 1743).

A par disso, a Sra. Sílvia Linhares Martelo deve também ser responsabilizada solidariamente pelo montante de R$ 24.749,18.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pela irregularidade, com imputação de débito, da presente Tomada de Contas Especial, com fundamento no artigo 18, inciso III, alínea “c” c/c o artigo 21 caput da Lei Complementar n.º 202/2000:

1.2) pela condenação solidária dos Srs. Saulo Sperotto, Prefeito Municipal (Gestão 2005 a 2008 e 2009 a 2012) e Nereu Baú, Secretário da Administração e Fazenda, e das Sras. Salete de Mattos Pereira, Cleone Silva Ceretta e Sílvia Linhares Martelo ao pagamento da quantia abaixo relacionada, em razão da:

1.2.1) ausência de comprovação acerca da efetiva liquidação da despesa referente ao pagamento de passagens para tratamento de saúde fora do domicílio, no exercício de 2005, no montante de R$ 24.749,18, efetuados à empresa Reunidas, em descumprimento aos artigos 62 e 63, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 4.320/64.

2) pela aplicação de multa ao Sr. Saulo Sperotto, com fundamento no artigo 70, II da Lei Complementar n.º 202/2000, pela atuação deficitária do Órgão Central de Controle Interno, caracterizada pela ausência de providências no sentido de averiguar as irregularidades apontadas pela CPI da Câmara, bem como pela inexistência de medidas administrativas visando corrigir a deficiência na liquidação da despesa referente ao Tratamento Fora do Domicílio (TFD), em desrespeito ao art. 74, II da Constituição Federal c/c artigos 2º, IV e 9º, II, III, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Municipal n.º 2002/2003 e o caput do art. 4º da Resolução TC – 16/94.

3) pela ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam ao Sr. Saulo Sperotto, Prefeito Municipal (Gestão 2005 a 2008 e 2009 a 2012), ao Sr. Nereu Baú, Secretário da Administração e Fazenda e às Sras. Salete Mattos Pereira, e Cleone Silva Ceretta (Coordenadoras dos trabalhos do TFD e responsáveis por atestar a liquidação das despesas), todos referentes à Prefeitura Municipal de Caçador, bem como à Representante, Sra. Nilse de Fátima do Nascimento, Diretora Legislativa da Câmara Municipal de Caçador.

Florianópolis, 21 de maio de 2015.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] Os contratos n.ºs 05/05, 41/05, 44/06 e 20/07 foram analisados pela equipe técnica. No entanto, a equipe decidiu por não juntar cópia aos autos.

[2] Conforme quadro constante às fls. 1774-v-1776-v do Relatório n.º 008/2015.

[3] Os pagamentos representados como irregulares em razão da duplicidade foram extraídos confrontando os documentos de folhas 1237-1307 (relação apurada pela CPI), com as comprovações obtidas na inspeção in loco, resultando nos dados apontados na tabela constante às fls.  1774-v-1776-v do Relatório n.º 008/2015.

[4] Fls. 1727-1747.

[5] Fl. 1747.

[6] Fl. 1760.

Decreto n.º 3265, de 14 de julho 2005, em seu artigo 12 dispõe:

"Art.19 Ficam designados, a contar de 17 de junho de 2005, o Prefeito Municipal SAULO SPEROTTO, Coordenador do Fundo Municipal de Saúde do Município de Caçador, e a Servidora Pública Municipal CECÍLIA MARIA STEFANES BENETTI, Tesoureira do Fundo Municipal de Saúde, de conformidade com a Lei n.° 528 de 17/6/92, que dá nova redação à Lei n.º 201, de 5/10/88, e suas alterações.

SAULO SPEROTTO Prefeito Municipal

NEREU BAÚ - SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO E FAZENDA."

[7] Fls. 1645-1649.