Parecer no:

 

MPC/34.519/2015

 

 

Processo nº:

 

REP 10/00222788

 

 

 

Origem:

 

Município de Imaruí

 

 

 

Assunto:

 

Representação – Supostas irregularidades nos processos de inexigibilidade de licitação nº 027/2009 e nº 029/2009 e contratos decorrentes

 

Trata-se de representação acerca de supostas irregularidades nos procedimentos de inexigibilidade de licitação nº 027/2009 e nº 029/2009 e respectivos contratos, da Prefeitura Municipal de Imaruí, cujo objeto foi a aquisição direta de livros didáticos para a Secretaria Municipal de Educação.

O caderno processual iniciou-se com os documentos encaminhados pelos vereadores Vanderlei Cunha e Eliana Vieira Roussenq, os quais foram os autores da representação (fls. 10-105).

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, através do relatório nº 520/2010, manifestou-se pelo acolhimento da representação e pela realização de audiência do Sr. Amarildo Matos de Souza (Prefeito Municipal), do Sr. Darlan dos Passos (Presidente da Comissão de Licitações) e do Sr. Eraldo José Raimundo (Secretário de Educação, Cultura, Desporto e Juventude) para, querendo, apresentarem justificativas (fls. 106-110).

O Ministério Público de Contas perfilhou o entendimento exarado pela área técnica (fls. 111-112).

Em sequência, o Relator, através da decisão singular nº 926/2010, conheceu da representação e determinou a audiência dos responsáveis (fls. 113-115).

Efetuado o ato processual, o Sr Amarildo Matos de Souza apresentou justificativas às fls. 130-139, o Sr. Darlan dos Passos às fls. 156-165 e o Sr. Eraldo José Raimundo às fls. 176-184.

Após, o Sr. Eraldo José Raimundo veio aos autos juntar cópia dos procedimentos de inexigibilidade de licitação nº 027/2009 e nº 029/2009 (fls. 195-569).

Sobreveio novo exame da área técnica, sob o relatório de nº 170/2011, considerando irregulares os atos praticados pelos responsáveis e sugerindo a aplicação de multa aos gestores, pelos seguintes atos (fls. 571-586):

3.2.1.  Ausência de comprovação efetiva da justificativa para inexigibilidade de licitação, contrariando o disposto no art. 25, I, da Lei 8.666/93 (item 2.2.1 deste Relatório);

3.2.2.  Ausência de comprovação efetiva da justificativa da razão de escolha do fornecedor ou executante, na forma do art. 26, parágrafo único, inciso II, da Lei Federal 8.666/93 (item 2.2.2 deste Relatório);

3.2.3.  Ausência de comprovação efetiva da justificativa dos preços praticados, contrariando o disposto no art. 26, parágrafo único, inciso III c/c art. 25, § 2º, ambos da Lei Federal 8.666/93 (item 2.2.3 deste Relatório).

 

O Ministério Públicos de Contas acompanhou as conclusões da área técnica (fls. 587-588).

Ato contínuo, acostou-se ao caderno processual a sentença proferida pelo Poder Judiciário Catarinense, o qual analisou o assunto através da Ação Civil Pública nº 029.10.001033-2, de autoria do Ministério Público Estadual (fls. 590-611).

Ao receber os autos, o Relator, por meio do despacho nº 023/2013, determinou que a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações procedesse à reanalise do caso (fl. 613).

Logo após, o Sr. Amarildo Matos de Souza trouxe ao feito o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o qual deu provimento ao recurso, para julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Estadual (fls. 615-621).

A área técnica, através do relatório nº 05/2014, determinou a realização de diligências ao Sr. Manoel Viana de Sousa (atual Prefeito de Imaruí) e ao Sr. Jair Paulo (atual Secretário Municipal de Educação, Cultura, Desporto e Juventude).

Atendendo à solicitação, encaminharam-se as informações de fls. 638-639.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, sob o relatório de nº 617/2014, sugeriu a realização de nova audiência ao Sr. Amarildo Matos de Souza, ao Sr. Eraldo José Raimundo e ao Sr. Darlan dos Passos para, querendo, apresentarem justificativas quanto ao seguinte apontamento restritivo (fls. 642-647):

 

3.2.1. Aquisição, por meio dos procedimentos de Inexigibilidade de Licitação nsº 027/2009 e 029/2009, de: 850 (oitocentos e cinquenta) coleções “Nossa Gente Nossa Cor”, no valor de R$ 59.415,00 (cinquenta e nove mil quatrocentos e quinze reais); 350 (trezentos e cinquenta) coleções “Corpo Enxuto I”, no valor de R$ 34.300,00 (trinta e quatro mil e trezentos reais); 500 (quinhentas) coleções “Corpo Enxuto II”, no valor de R$ 54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos reais); e, 210 (duzentas e dez) unidades do livro “Brasilidade”, no valor de R$ 15.414,00 (quinze mil quatrocentos e catorze reais), cujo quantitativo total de livros adquiridos (11.410 unidades) se mostrou superior à demanda dos alunos matriculados no ensino fundamental para o ano letivo de 2009 (2.313 matrículas), configurando inadequada caracterização do objeto e ofensa aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, em afronta ao disposto nos arts. 3º, 14 e 15, §7º, II da Lei nº 8.666/93 e art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2 deste Relatório).

 

Perfectibilizada a audiência, os responsáveis apresentaram, em peça única, as justificativas de fls. 654-655 e juntaram os documentos de fls. 659-701.

Por fim, a área técnica, através do relatório nº 064/2015, exarou a seguinte conclusão (fls. 708-710):

 

Considerando que foi procedida nova audiência aos responsáveis referente à possível desproporcionalidade dos quantitativos de livros adquiridos nas Inexigibilidades de Licitação nsº 027/2009 e 029/2009;

Considerando as alegações de defesa encaminhadas pelos responsáveis, às fls. 654 e 655, os documentos juntados às fls. 659 a 698, e à fl. 706; e

Considerando que em resposta à audiência declarou-se a ausência de integralidade das informações na unidade gestora, caracterizando desorganização ou ineficiência do sistema local de matrículas da rede municipal de ensino.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

3.1. CONHECER o Relatório de Reinstrução nº 064/2015, que trata da análise da proporcionalidade entre os quantitativos de livros adquiridos através dos procedimentos de Inexigibilidade de Licitação nsº 027/2009 e 029/2009 e a demanda de matrículas para o ano letivo de 2009, no ensino fundamental do Município de Imaruí, para considerar regular a aquisição efetuada e improcedente a Representação.

3.2. RECOMENDAR à Prefeitura Municipal de Imaruí, à Secretaria Municipal de Educação e à Comissão de Licitação que em futuros procedimentos licitatórios para compras de livros para as unidades de ensino do Município, juntados aos autos a comprovação da estimativa de consumo e utilização prováveis, por meio de relatório de matrículas para o ano letivo em que os livros ou coleções serão utilizados, em atendimento ao que dispõe o art. 15, §7º, II, da Lei nº 8.666/93.

3.3. DETERMINAR o arquivamento do processo.

3.4. DAR CIÊNCIA da deste Relatório e da Decisão ao Sr. Amarildo Matos de Souza, ex-Prefeito Municipal, ao Sr. Eraldo José Raimundo, ex-Secretário de Educação, ao Sr. Darlan dos Passos, Ex-Presidente da Comissão de Licitação, à Prefeitura Municipal de Imaruí, à Comissão de Licitação, e aos representantes, através de seu procurador habilitado nos autos à fl. 09.

 

 

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº 06/2001).

 

 

 

1. Aquisição de livros, por meio de procedimentos de inexigibilidade de licitação, em quantidade superior ao número de alunos matriculados no ano letivo de 2009

 

Ressalte-se, inicialmente, que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao examinar o caso em tela, entendeu que a aquisição direta de livros didáticos, por meio de inexigibilidade de licitação, atende ao disposto no art. 25[1], inciso I, da Lei nº 8.666/1993, já que existe cláusula de exclusividade em favor de determinado representante.

Com efeito, sublinhe-se que a decisão proferida pela Corte de Justiça Catarinense transitou em julgado em 22.08.2013 e teve a seguinte ementa[2]:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AÇÃO POPULAR. REUNIÃO DAS AÇÕES PARA JULGAMENTO CONJUNTO. LICITAÇÃO. AQUISIÇÃO DIRETA DE LIVROS DIDÁTICOS DE EMPRESA QUE DETÉM A EXCLUSIVIDADE NA COMERCIALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA OBRA, E OS RESPECTIVOS DIREITOS AUTORAIS. INVIABILIDADE DA COMPETIÇÃO. ESCOLHA DISCRICIONÁRIA DO ADMINISTRADOR PÚBLICO NÃO CONTRASTADA OBJETIVAMENTE. ADEQUAÇÃO DA OBRA E DO PREÇO AO PROPÓSITO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE OBRAS QUE TRATAM DE TEMAS SIMILARES QUE NÃO DETRATA A OPÇÃO LEVADA À EFEITO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ILEGALIDADE OU LESIVIDADE NÃO CARACTERIZADAS. INOCORRÊNCIA DE QUALQUER MALFERIMENTO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AFETOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EM ESPECIAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. EXEGESE DO ART. 25 DA LEI DE LICITAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA, PARA DECRETAÇÃO DA IMPROCEDÊNCIA DAS DEMANDAS ACOPLADAS. RECURSOS PROVIDOS.

 

Ao encontro disso, faz-se necessário assinalar que o Tribunal de Contas da União[3] tem admitido a inexigibilidade de licitação para a aquisição de livros, seja através de editoras ou de representante/fornecedor exclusivo:

Especificamente sobre a aquisição direta de livros, por meio de inexigibilidade, seja através de editoras ou de representante/fornecedor exclusivo, o Tribunal de Contas da União – TCU já se manifestou por meio do Acórdão nº 3.290/2011-Plenário, do qual se extrai o seguinte trecho do voto do Relator:

7. De modo geral, esta Casa tem admitido a aquisição direta de livros, por inexigibilidade de licitação, quando feita diretamente às editoras, por essas possuírem contratos de exclusividade, com os autores, para a editoração e a comercialização das obras [...]; ou quando reconhecida a condição de comerciante exclusivo de uma empresa (distribuidora ou livraria), outorgada pela editora (Acórdão 320/2005- 1ªC). Tal posicionamento decorre, essencialmente, da ausência de viabilidade de competição, pela impossibilidade de confrontar ofertas. (Grifou-se)

 

Convém anotar, outrossim, que entendimento assemelhado a esse foi exarado pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, através do relatório técnico nº 177/2013, nos autos nº LCC 13/00159208.

Dito isso, cumpre consignar que, durante a instrução processual, modificou-se o apontamento restritivo, o qual consistia, em um primeiro momento, na ausência de comprovação efetiva da justificativa para inexigibilidade de licitação e, posteriormente, passou-se a analisar a desproporcionalidade entre o número de livros adquiridos e o número de alunos matriculados na rede de ensino de Imaruí em 2009.

Vale mencionar que, após a mudança da restrição, foi oportunizada aos responsáveis a apresentação de justificativas, atendendo, pois, aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

No presente caso, verificou-se que a Prefeitura Municipal de Imaruí adquiriu 11.410 livros, o que gerou o apontamento, já que a demanda do ensino fundamental, à época, era de 2.313 alunos.

A propósito, cabe salientar que os 11.410 livros adquiridos dividiam-se da seguinte forma: a) 850 coleções “Nossa Gente Nossa Cor”, no valor de R$ 59.415,00; b) 350 coleções “Corpo Enxuto I”, no valor de R$ 34.300,00; c) 500 coleções “Corpo Enxuto II”, no valor de R$ 15.414,00 e; d) 210 unidades do livro “Brasilidade”, no valor de R$ 15.414,00.

Nas suas justificativas, os responsáveis asseveram que, para análise de quantitativo adquirido, deve ser computado o número de coleções e não o número total de livros que a compõem, pois cada aluno recebeu uma coleção completa.

Ao observar o quantitativo de livros e a demanda de alunos, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações chegou aos seguintes números (fl. 709-v):

 

Séries do ensino fundamental

Total de alunos matriculados

Quantidade de coleções adquiridas

1ª a 4ª série

873

850

1ª e 2º série

365

350

3ª e 4ª série

508

500

5ª e 6ª série

202

210

 

Como se vê, a irregularidade apontada inicialmente deve ser afastada, porquanto restou devidamente demonstrado que houve proporcionalidade na aquisição do material didático.

Para a área técnica, deve ser feita apenas uma recomendação à Prefeitura Municipal de Imaruí, uma vez que nos procedimentos de inexigibilidade de licitação realizados pela Unidade Gestora não há informações relativas à demanda de matrículas e quantitativos utilizáveis, consoante prevê o art. 15, § 7º, da Lei nº 8.666/1993:

 

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:   

[...]

§ 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:

I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;

II - a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;

III - as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material. (Grifou-se)

 

Sobre a necessidade de registrar a estimativa de consumo e a utilização provável, Marçal Justen Filho[4] leciona:

 

Deverão ser adquiridas quantidades segundo as estimativas de consumo e utilização, para evitar tanto o excesso como a carência de produtos. Ademais, não deverão ser adquiridas quantidades superiores à capacidade de armazenamento. O dispositivo deve ser interpretado de modo conjugado com a regra do art. 23, § 1º. Logo, o § 7º, incs. II e II, não importa dever de adquirir unilateralmente os quantitativos necessários à Administração. Deverá formular-se a estimativa total das necessidades, o que não exclui o fracionamento dos quantitativos para a realização dos fins do art. 23, § 1º. A estimativa dos montantes totais presta-se, ademais, a permitir a determinação da modalidade de licitação cabível.

 

Dessarte, conclui-se que, de fato, deve ser feita uma recomendação à Prefeitura Municipal de Imaruí, a fim de que se atente à previsão normativa constante no art. 15, § 7º, do Diploma Licitatório.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por conhecer do relatório de reinstrução nº 064/2014, confeccionado pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações;

2. Por recomendar à Prefeitura Municipal de Imaruí, à Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Desporto e Juventude e à Comissão de Licitação que, em futuros procedimentos licitatórios, junte aos autos a comprovação da estimativa de consumo e utilização prováveis, por meio de relatórios de matrículas para o ano letivo em que os livros e/ou coleções serão utilizados, em conformidade com a previsão constante no art. 15, § 7º, da Lei nº 8.666/1993;

3. Por arquivar os presentes autos.

4. Por dar ciência da decisão do TCE/SC aos responsáveis, aos interessados, ao Procurador constituído nos autos, à Prefeitura Municipal de Imaruí e à Comissão de Licitação de Imaruí.

Florianópolis, 11 de junho de 2015.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] O art. 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/1993, prescreve: “Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou êneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; [...]”.

[2] SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2012.080571-3. Rel. Des. César Abreu. J. em: 16 jul. 2013. Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso em: 10 jun. 2015.

[3] UNIÃO, Tribunal de Contas. Acórdão nº 3.290/2011-Plenário. Rel. José Jorge. J. 07 dez. 2011. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 10 jun. 2015.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed.  São Paulo: Dialética, 2010, p. 220.