Parecer no:

 

MPC/34.626/2015

                       

 

 

Processo nº:

 

TCE 09/00062754

 

 

 

Origem:

 

Município de Passo de Torres

 

 

 

Assunto:

 

Tomada de Contas Especial referente a Registros Contábeis e Execução Orçamentária – Autos apartados das contas anuais de 2007

 

 

O Egrégio Plenário do Tribunal de Contas, quando da apreciação do Processo nº PCP 08/00159993, da Prefeitura Municipal de Passo de Torres, exarou decisão determinando a formação de autos apartados para apuração do fato apontado no item 6.5 do Parecer Prévio nº 0236/2008, nos seguintes termos:

6.5. Determina a formação de autos apartados para fins de exame da matéria referente ao não-cumprimento dos requisitos definidos no art. 14 da Lei Complementar (federal) n. 101/00, com relação à renúncia de receita na concessão de anistia e/ou isenção na cobrança dos créditos tributários municipais relativos ao IPTU, no valor de R$ 1.052.017,28, além de inobservância dos arts. 35 e 85 da Lei (federal) n. 4.320/64, com relação à inexistência das respectivas escriturações contábeis da receita e da despesa, no mesmo valor (item B.6 do Relatório DMU).

Desta forma autuou-se o Processo RLI 09/00062754.

Tendo em vista que a irregularidade constante do citado processo guardava correlação com os itens denunciados no Processo DEN 08/00762975, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou, por meio do Despacho nº GC-WRW-2009/035/EB, às fls. 14-15 do processo RLI 09/00062754, o apensamento do processo DEN 08/00762975 a estes autos.

Ainda, o Sr. Relator, em despacho exarado às fls. 184-186 do processo REP 12/00160603, determinou que este também fosse apensado aos presentes autos, visto que a representação trata de matéria conexa.

Verifica-se que os três processos em comento versam sobre renúncia de receitas decorrente de baixa no sistema de tributação mediante concessão de benefícios tributários a contribuintes.

Conforme o art. 22 da Resolução nº TC-09/2002, os processos que guardarem relação ou dependência entre si, ou os que contiverem matérias conexas, serão apensados.

Ainda conforme a citada norma, a tramitação do processo e a prática de atos processuais terão sequência no processo que estiver mais bem instruído, passando este a ser chamado de principal, e o processo dependente, de apenso ou apensado (§ 4º do art. 22).

O Processo RLI 09/00062754 passou a tramitar como feito principal, restando acompanhado dos processos DEN 08/00762975 e REP 12/00160603, que tramitam como apensos.

A Diretoria de Controle dos Municípios elaborou a Informação nº 089/2009, às fls. 16-18 dos presentes autos, por meio da qual sugeriu a realização de inspeção in loco para apuração das irregularidades constatadas.

Tal posicionamento foi acolhido pelo Ministério Público de Contas, às fls. 19-22.

Por meio do Ofício nº TC/DGCE 7.961, à fl. 30, foi designada a equipe de auditoria composta pelos Auditores Fiscais de Controle Externo, Sr. Ricardo Cardoso da Silva (coordenador), Sra. Edésia Furlan e Sr. Edson José Sehnem.

Acostou-se documentação pertinente às fls. 33-249.

A Diretoria emitiu o Relatório nº 2.598/2009, às fls. 250-272, concluindo pela conversão do feito na presente Tomada de Contas Especial e pela citação do Responsável para as devidas manifestações.

Em consonância, o Tribunal de Contas exarou a Decisão nº 3.228/2009, às fls. 283 e 284, nos seguintes termos:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Converter o presente processo em "Tomada de Contas Especial", nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 2598/2009.

6.2. Determinar a citação do Sr. Newton Bitencourt da Silva - Prefeito Municipal de Passo de Torres, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b , do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar alegações de defesa acerca

6.2.1. das irregularidades abaixo especificadas, ensejadoras de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1.1. Divergência, no valor de R$ 257.521,59 (duzentos e cinquenta e sete mil, quinhentos e vinte e um reais e cinquenta e nove centavos) entre os valores arrecadados  do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU registrados no sistema de tributação do Município e os valores  escriturados na contabilidade, nos exercícios  de 2007 e 2008, em afronta ao art. 85 da Lei (federal) 4.320/64, revelando deficiência no Controle Interno do Município, em descumprimento ao disposto nos arts. 74, § 1º, da Constituição Federal, 61 da Lei Complementar (estadual) 202/2000 e 59 da  Lei Complementar (federal) n. 101/2000 c/c o art. 4º da Resolução n. TC-16/94 (itens 2.1 do Relatório DMU);

6.2.1.2. Concessão de benefícios fiscais relativos ao IPTU em valor superior ao que determina o art. 4º  da Lei (municipal) n. 506/2005, no valor de R$ 1.155.208,38 (um milhão cento e cinquenta e cinco mil, duzentos e oito reais e trinta e oito centavos) - item 2.3 do Relatório DMU;

6.2.2. das irregularidades abaixo relacionadas, ensejadoras de imputação de multas, com fundamento nos arts. 69 ou 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.2.1. Renúncia de receita, no valor de R$ 2.393.708,38, em razão da concessão de benefícios tributários relativos ao IPTU, sem comprovação de que tenham sido atendidos os dispositivos  contidos no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como inobservância dos arts.  35 e 85 da Lei (federal) n. 4.320/64, com relação à inexistência das respectivas escriturações  contábeis da receita e da despesa, no mesmo valor (item 2.2 do Relatório DMU);

6.2.2.2. Ausência de processo licitatório para a construção de ponte de concreto, em afronta aos arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 2º da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.4 do Relatório DMU);

6.2.2.3. Ausência de remessa anual ao Poder Legislativo dos relatórios circunstanciados previstos no art. 3º da Lei (municipal) n. 506/2005, a partir da data de sua publicação (item 2.5 do Relatório DMU).

6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 2598/2009, ao Sr. Newton Bitencourt da Silva - Prefeito Municipal de Passo de Torres.

O Responsável foi notificado através do Ofício TCE/SEG 14.352 (fl. 285), tendo o Sr. Newton Bittencourt da Silva, através do Ofício nº 02/2010 (fl. 291), apresentado justificativas e documentos, às fls. 292-343.

 Em respeito ao contraditório e à ampla defesa, a Instrução emitiu o Relatório n° 4.053, às fls. 344-347, no qual concluiu pela citação complementar do Responsável, em razão do equívoco quanto aos valores apontados no item 2.3 do Relatório de Inspeção nº 2.598/2009, relativamente à tabela de quantificação do valor dos benefícios fiscais do IPTU, não havendo alteração quanto à restrição apurada, mas somente em relação ao montante devido.

O Sr. Relator acolheu tal posicionamento em seu Despacho nº GAC/AMFJ – 006/2013, à fl. 348.

Novamente, o Responsável foi notificado por meio do Ofício DMU/TCE nº 387/2013 (fl. 349), todavia não exerceu o contraditório.

Ante a inércia do Responsável, a Instrução apresentou o Relatório n° 2.214/2013, às fls. 351-369, no qual manteve as restrições anteriormente apontadas, conforme a conclusão abaixo:

1 - NÃO CONHECER da Representação (REP) autuada sob nº 12/00160603 quanto ao item “III.d” do Relatório de Admissibilidade nº 1.137/2012 (fls. 178/182 dos referidos autos) pelas razões expostas naquele relatório, por deixar de preencher os requisitos e formalidades do art. 66 c/c 65, §1º, da Lei Complementar nº 202/2000, bem como do art. 100 e seguintes do Regimento Interno.

2 - CONHECER do presente Relatório de Reinstrução, decorrente do Relatório de Inspeção nº 2.598/2009, resultante da inspeção in loco realizada na Prefeitura Municipal de Passo de Torres, cujo objeto contempla as matérias do Processo REP 12/00160603 não incluídas no item 1 da presente Conclusão para, no mérito:

3.1 - JULGAR IRREGULARES COM DÉBITO, na forma do artigo 18, inciso III, alínea “c” ou “d” c/c o artigo 21 caput da Lei Complementar nº 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial e condenar o responsável, Sr. Newton Bitencourt da Silva – ex-Prefeito Municipal, CPF 489.324.349-72, residente à Rua 1º de Maio, Bairro Progresso, s/n, 88.980-000, Passo de Torres-SC, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-E) para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

3.1.1 – Concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU em valor superior ao que determina o art. 4º da Lei Municipal nº 506, de 15/06/2005, no montante de R$ 1.308.140,47, evidenciando dano ao erário de Passo de Torres (item 3.1).

3.2 - APLICAR MULTAS ao Sr. Newton Bitencourt da Silva – ex-Prefeito Municipal, CPF 489.324.349-72, residente à Rua 1º de Maio, Bairro Progresso, s/n, 88.980-000, Passo de Torres-SC, conforme previsto no artigo 69 e 70, II da Lei Complementar nº 202/2000, pelo cometimento das irregularidades abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

3.2.1 – Divergências entre os valores arrecadados do IPTU, registrados no sistema de tributação do município, e os valores escriturados na contabilidade, nos exercícios de 2007 e 2008, em afronta ao art. 85 da Lei nº 4.320/64, revelando deficiência no Controle Interno do Município, em descumprimento ao disposto no artigo 74, §1º, da Constituição Federal, art. 61 da Lei Complementar nº 202/00 e art. 59 da Lei Complementar nº 101/2000 c/c o art. 4.º da Res. nº TC-16/94 (1.1);

3.2.2 – Renúncia de receita, no valor total de R$ 2.393.708,38, em razão da concessão de benefícios tributários relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU, sem comprovação de que tenham sido atendidos os dispositivos contidos no art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101, de 04/05/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como inobservância dos artigos 35 e 85 da Lei nº 4.320/64, com relação à inexistência das respectivas escriturações contábeis da receita e da despesa, no mesmo valor (item 2 deste Relatório);

3.2.3 – Ausência de processo licitatório para construção de ponte de concreto no Município de Passo de Torres, em afronta ao artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e ao artigo 2º da Lei nº 8.666/93 (item 4);

3.2.4 – Ausência de remessa anual ao Poder Legislativo dos relatórios circunstanciados previstos no artigo 3º, da Lei Municipal nº 506/2005, a partir da data de sua publicação (item 5).

4 - DAR CIÊNCIA da decisão ao Denunciado, Sr. Newton Bitencourt da Silva, e ao Interessado, Sr. Juarez Godinho Scheffer, Prefeito Municipal, bem como aos integrantes do rol de interessados dos processos REP 12/00160603, Sr. Valmir Augusto Rodrigues, Sr. Pedro Paulo Bitencourt, Sr. Emo Silveira Luiz, Sr. Paulo Roberto Cordeiro e Sr. José Edson da Silva, e DEN 08/00762975, Sr. André Hespaniol da Silva (processos apensados aos presentes autos).

O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer nº MPTC/20.908/2013, às fls. 370-375, acompanhou as proposições do Relatório da DMU.

Todavia, o Sr. Relator, em seu Despacho nº GAC/HJN – 030/2014, às fls. 376 e 377, considerando o valor do débito evidenciado, decidiu por oportunizar nova citação ao Responsável.

Efetuada a citação por meio dos Ofícios DMU/TCE nº 4.891/2014, à fl. 378, e DMU/TCE nº 9.505/2014, à fl. 391, o Responsável, Sr. Newton Bittencourt da Silva, apresentou suas alegações de defesa, às fls. 399-407.

A Instrução elaborou o Relatório nº 188/2015, às fls. 408-426, no qual ratificou a conclusão anteriormente exarada, opinando pela imputação de débito e aplicação de multa ao Responsável, diante das irregularidades evidenciadas.

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº. 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).

 

1 – Divergência entre os valores arrecadados de IPTU registrados no sistema de tributação do município e os valores escriturados na contabilidade, nos exercícios de 2007 e 2008 

 

Quanto ao tema, o Responsável apresentou as seguintes justificativas:

Conforme se extrai dos relatórios contábeis da Unidade, as receitas próprias contabilizadas em 2007 e 2008 totalizam R$ 9999, nestas incluídas o IPTU, o ITBI, o ISS, a Dívida Ativa, Taxas e Juros e Multas.

As receitas lançadas pela contabilidade são aquelas creditadas nas contas correntes bancárias, nas datas do registro do crédito no extrato.

No Setor de Arrecadação as baixas são feitas de acordo com a emissão de boletins de arrecadação, especificamente sobre aquelas receitas gerenciadas pelo setor, em sistema magnético próprio, onde as receitas fazem parte de um mesmo programa, que "mistura" impostos e taxas, sem a devida discriminação.

Os registros de 2007 e 2008 dos sistemas de contabilidade e de arrecadação estão demonstrados abaixo:

 

Exercício de 2007

Tributo

Contabilidade

Tributação

IPTU

409.602,97

508.953,27

ISS

140.134,57

87.518,01

ITBI

36.241,32

109.912,00

Dívida Ativa

114.276,80

0,00

TOTAL

700.255,66

706.383,28

 

Exercício de 2008

Tributo

Contabilidade

Tributação

IPTU

404.559,10

536.008,71

ISS

104.246,19

107.014,19

ITBI

12.469,91

153.218,07

Taxa Limp. Pública

146.842,66

38.003,10

 

140.858,06

33.170,93

Dívida Ativa

103.974,75

0,00

TOTAL

912.950,67

867.415,00

 

Conforme quadros acima as variações existentes são apenas de caráter classificatório das receitas, são se constituindo em prejuízos financeiros de qualquer natureza.

Os valores foram extraídos dos Anexos TC 06 dos Balancetes de dezembro de cada exercício, para efeitos contábeis e extratos anuais das receitas arrecadadas do sistema de arrecadação, conforme documentos anexos. Documento 1

 

A Diretoria constatou que mesmo ajustando-se os valores relativos ao IPTU, os relatórios emitidos pelos sistemas de tributação e contabilidade não guardam correlação no que diz respeito aos valores arrecadados daquele imposto, apresentando divergências entre si.

Ressaltou que em 2007, relativamente à arrecadação do IPTU, o relatório apresentado pelo sistema de tributação da prefeitura registrou R$ 9.918,01 a menos que o registrado pela contabilidade do município. Já em 2008, foram os relatórios de contabilidade que registraram um valor inferior, no montante de R$ 42.125,53. Em razão da irregularidade constatada, a área técnica sugeriu aplicar multa ao Responsável.

Mostra-se evidente a deficiência do Controle Interno do Município, em razão das divergências entre os valores efetivamente arrecadados e os valores lançados pela contabilidade.

Em relação ao presente apontamento restritivo, versam o art. 85 da Lei nº 4.320/64, o artigo 74, §1º da Constituição Federal, e o art. 61 da Lei Complementar nº 202/00:

Lei nº 4.320/64:

Art. 85. Os serviços de contabilidade serão organizados de forma a permitir o acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços industriais, o levantamento dos balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros.

[...]

 

Constituição Federal:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

[...]

§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

 

Lei Complementar nº 202/00:

Art. 61. No apoio ao controle externo, os órgãos integrantes do sistema de controle interno deverão exercer, dentre outras, as seguintes atividades:

I- organizar e executar, por iniciativa própria ou por determinação do Tribunal de Contas do Estado, programação de auditorias contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas sob seu controle, enviando ao Tribunal os respectivos relatórios;

II- realizar auditorias nas contas dos responsáveis sob seu controle, emitindo relatório, certificado de auditoria e parecer; e

III- alertar formalmente a autoridade administrativa competente para que instaure tomada de contas especial sempre que tomar conhecimento de qualquer das ocorrências referidas no caput do art. 10 desta Lei.

 

Ante as divergências verificadas entre os valores arrecadados a título de IPTU e os valores lançados pela contabilidade, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo, com a devida aplicação de multa ao Responsável.

 

2. Renúncia de receita no valor total de R$ 2.393.708,38, em razão da concessão de benefícios tributários relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano, sem o atendimento ao disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como nos arts. 35 e 85 da Lei nº 4.320/64

 

A Lei nº 506/2005 concedeu benefícios fiscais (isenção e/ou anistia) aos contribuintes do Imposto Predial e Territorial Urbano do Município de Passo de Torres que comprovassem a doação de imóveis urbanos a um determinado consórcio de empresas[1] definido no artigo 1º da própria lei.

Ademais, as empresas construtoras beneficiadas pela doação dos imóveis de propriedade dos contribuintes - para o fim de construção da ponte sobre o rio Mampituba, conforme determinava o artigo 8º da Lei nº 506/05 - permaneceriam isentas do pagamento do IPTU enquanto fossem proprietárias dos referidos imóveis, por um período máximo de cinco anos.

Em síntese, o gestor alegou que a renúncia de receitas em tela estaria devidamente amparada em legislação municipal, sem prejuízo à arrecadação de tributos municipais, sendo ainda benéfica à atividade econômica local.

Sustentou que no valor considerado pela Instrução estariam incluídas impropriamente as correções e multas, sendo que deveria ser considerado apenas o valor principal corrigido monetariamente.

Em relação às isenções concedidas aos contribuintes que aderiram ao projeto de construção da ponte sobre o Rio Mampituba, a Instrução considerou que simples autorização por legislação municipal não poderia justificar o evidente descumprimento das normas gerais de Direito Financeiro aplicadas à Administração Municipal, notadamente as relativas à Lei nº 4.320/64 e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quanto ao efeito positivo sobre a atividade econômica local e à ausência de prejuízo na arrecadação tributária do Município, obviamente que a renúncia das dívidas vencidas e vincendas do IPTU (relativas aos contribuintes constantes do relatório de fl. 90 dos autos) ocasionou a redução do estoque de Dívida Ativa e, por consequência, a diminuição do montante de arrecadação dessa receita nos exercícios subsequentes.

Destaca-se, ainda, que a renúncia de receita em questão abrange também o Imposto Sobre a Transferência de Bens Imóveis - ITBI, tendo em vista que a Lei Municipal nº 536/2009, que altera a Lei nº 506/2005, concede isenção sobre todas as doações efetuadas ao consórcio de empresas responsável pela construção da ponte sobre o rio Mampituba.

A Instrução concluiu pela aplicação de multa ao Responsável, considerando ainda que o crédito tributário compreende o tributo vencido (valor nominal ou histórico) e todos os acréscimos legais (juros moratórios e multa). Dessa forma os encargos originados da inadimplência agregam-se ao tributo, não podendo ser desmembrados para fins de cobrança ou dispensa de pagamento.

Evidente que, em decorrência da remissão dos débitos vencidos e vincendos dos contribuintes beneficiados pela Lei nº 506/05, art. 1º e 9°, houve decréscimo nas receitas de IPTU e ITBI, os quais poderiam ser recolhidos aos cofres se não fosse o incentivo concedido indevidamente.

Cabe destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

Ela objetiva aprimorar a gestão dos recursos públicos, por meio de ações planejadas e transparentes que previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, conforme definido em seus artigos 11 e 14, incisos I e II:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente da Federação.

[...]

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Nenhuma das medidas impostas pela norma citada foi cumprida.

Constatada, portanto, a omissão do Responsável em adotar as providências legais exigíveis quando da concessão de benefícios fiscais, restam presentes indícios de aperfeiçoamento de ato de improbidade administrativa, conforme previsão do artigo 10, VII e X da Lei nº 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

 

Portanto, manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo, bem como pela comunicação do fato ao Ministério Público de Santa Catarina, para que este órgão adote as providências que considerar necessárias.

 

3. Concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano em valor superior ao determinado pelo art. 4º da Lei Municipal nº 506/2005, no montante de R$ 1.308.140,47

 

Quanto ao presente apontamento restritivo, o Responsável alegou que os débitos foram baixados dentro dos limites da Lei Municipal nº 506/2005, sendo impróprias as tabelas comparativas adotadas pela Instrução Técnica para dimensionar o valor dos benefícios concedidos, pois o Decreto nº 024/2006 teria tratado somente da avaliação dos imóveis atingidos pela remissão. Sustentou ainda que algumas avaliações de imóveis seriam menores que os respectivos débitos em face do período abrangido pela dívida, na maioria prescrita.

Outra alegação do Responsável diz respeito aos valores relativos a juros e multas, os quais, em seu entendimento, não deveriam compor o montante da dívida em caso de remissão, pois passariam a inexistir pela própria remissão do imposto.

O Responsável afirmou ainda que tanto o Corpo Técnico em seus relatórios, quanto o Relator em seu Despacho nº GAC/HJN-030/2014, não identificam com clareza a origem dos dados utilizados com relação à análise do presente apontamento, bem como não informam as bases de cálculo utilizadas.

A instrução apontou que a Lei Municipal nº 506/2005 não tratou expressamente do instituto da remissão (hipótese de extinção do crédito tributário, consoante art. 156, IV do CTN[2]), mas somente da anistia e isenção (hipóteses de exclusão do crédito tributário, nos termos dos artigos 176 e 180 do CTN[3]). No entanto, a Lei mencionada fez uso da expressão “débitos vencidos”, a qual poderia somente se referir ao instituto da extinção do crédito (em que se enquadraria a hipótese da remissão).

A Instrução, novamente, definiu que o crédito tributário compreende o tributo vencido (valor nominal ou histórico) e todos os acréscimos legais, não podendo os encargos originados da inadimplência ser desmembrados para fins de cobrança ou dispensa de pagamento.

Portanto, o montante dos créditos baixados por conta da Lei Municipal nº 506/2005 engloba multas e juros, cujos valores também devem ser entendidos como renúncia de receitas, por força do art. 14, §1º da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 14. [...]

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Por fim, a Diretoria informou que todos os dados utilizados para análise das irregularidades apontadas foram obtidos junto aos documentos oficiais apresentados pela Prefeitura Municipal, documentos estes colhidos in loco pela equipe de auditoria.

Concluo em consonância com a Instrução, sugerindo a imputação de débito ao gestor no montante de R$ 1.308.140,47, referente às dívidas baixadas em valor superior ao autorizado pela Lei Municipal nº 506/2005.

 

4. Ausência de processo licitatório para construção da ponte de concreto no Município de Passo de Torres

 

O Responsável defendeu-se alegando que a obra foi de responsabilidade de particulares, sem qualquer envolvimento do Município e, portanto, não haveria que se falar em procedimento licitatório para escolha da melhor proposta, considerando que a construção foi assumida pelo Consórcio Ponte Nova Empreendimentos e Construções Ltda. e Ábaco Engenharia Ltda., com os custos bancados pelos empresários e pessoas físicas da região beneficiada.

A Instrução considerou clara a participação de recursos do erário público, uma vez que o Município realizou renúncia de receitas próprias em favor dos contribuintes doadores de imóveis, cujos valores compensariam os custos suportados para a construção da referida ponte.

Evidente tratar-se de obra pública, estando sujeita ao procedimento licitatório, nos termos do art. 37, XII da Constituição Federal e do art. 2º da Lei nº 8.666/93.

Por todo exposto, impõe-se a manutenção do apontamento restritivo, bem como a comunicação do fato ao Ministério Público de Santa Catarina, em razão da possível tipificação do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, bem como de ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei nº 8.429/92.

 

5. Ausência de remessa anual ao Poder Legislativo dos relatórios circunstanciados previstos no artigo 3º da Lei Municipal nº 506/2005, a partir da data de sua publicação

 

O Responsável apresentou as seguintes justificativas:

O dispositivo do artigo 3° da Lei 506/2009, inserido pelo Poder Legislativo local, não foi devidamente regulamentado pelo Poder Executivo, que em função disso não se estruturou adequadamente para o cumprimento daquele dispositivo.

No entanto, todas as informações pertinentes, resultados de audiências públicas, entre outras, inclusive com a participação direta dos Vereadores, foi continuamente observada pela equipe de voluntários, empresários e gestores públicos, que tratou do Projeto.

 

A Diretoria considerou que essa regulamentação era de competência do próprio Chefe do Poder Executivo e, portanto, não poderia servir de justificativa para afastar a responsabilidade pela remessa do referido relatório circunstanciado.

A remessa ao Poder Legislativo dos relatórios no prazo exigido pela legislação permite à Administração Pública aferir a legalidade dos atos praticados e controlar a concessão de incentivos fiscais, conforme previsto no artigo 3º, da Lei Municipal nº 506/2005, a seguir transcrito:

Art. 3º - O Chefe do Poder Executivo Municipal, encaminhará anualmente à Câmara de Vereadores, até o mês de abril, relatório circunstanciado para controle do Poder Legislativo.

Portanto, não caracterizado caso fortuito ou força maior, aptos a justificar o atraso, resta configurada a negligência do gestor, sendo cabível a aplicação de multa.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso I e II, da Lei Complementar n.º 202/2000, manifesta-se:

1. Julgar irregulares com imputação de débito, na forma do artigo 18, inciso III, alínea “c” ou “d” c/c o artigo 21, caput da Lei Complementar nº 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial e condenar o responsável, Sr. Newton Bitencourt da Silva, ex-Prefeito Municipal, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-E) para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres públicos municipais, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (artigos 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência até a data do recolhimento, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (artigo 43, II da Lei Complementar nº 202/2000):

1.1. Concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano em valor superior ao que determina o art. 4º da Lei Municipal nº 506/2005, no montante de R$ 1.308.140,47, evidenciando dano ao erário.

2. Aplicar multas ao Sr. Newton Bitencourt da Silva, ex-Prefeito Municipal, conforme previsto no artigo 69 e 70, II da Lei Complementar nº 202/2000, pelo cometimento das irregularidades abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1. Divergências entre os valores arrecadados do IPTU, registrados no sistema de tributação do município, e os valores escriturados na contabilidade, nos exercícios de 2007 e 2008, em afronta ao art. 85 da Lei nº 4.320/64, revelando deficiência no Controle Interno do Município, em descumprimento ao disposto no artigo 74, §1º, da Constituição Federal, art. 61 da Lei Complementar nº 202/00 e art. 59 da Lei Complementar nº 101/2000 c/c o art. 4.º da Res. nº TC-16/94;

2.2. Renúncia de receita, no valor total de R$ 2.393.708,38, em razão da concessão de benefícios tributários relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU, sem comprovação de que tenham sido atendidos os dispositivos contidos no art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101, de 04/05/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como inobservância dos artigos 35 e 85 da Lei nº 4.320/64, com relação à inexistência das respectivas escriturações contábeis da receita e da despesa, no mesmo valor;

2.3. Ausência de processo licitatório para construção de ponte de concreto no Município de Passo de Torres, em afronta ao artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e ao artigo 2º da Lei nº 8.666/93;

2.4. Ausência de remessa anual ao Poder Legislativo dos relatórios circunstanciados previstos no artigo 3º, da Lei Municipal nº 506/2005, a partir da data de sua publicação.

3. Com fundamento no art. 59, XI da Constituição Estadual; nos arts. 1º, XIV e 18, § 3º da Lei Complementar nº 202/2000; no art. 7º da Lei Federal nº 7.347/85; nos arts. 14 c/c 22 da Lei Federal nº 8.429/92; no art. 35, I c/c 49, II da LOMAN, no art. 43, VIII da Lei Federal nº 8.625/93; no art. 24, § 2º c/c art. 40 do Decreto-Lei n° 3.689/41, pela imediata comunicação ao Ministério Público Estadual, para fins de subsidiar eventuais medidas em razão da possível tipificação de ato de improbidade administrativa, capitulado nos artigos 10, caput e incisos VII e X, e do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93.

4. Dar ciência da decisão ao Denunciado, Sr. Newton Bitencourt da Silva, e ao Interessado, Sr. Juarez Godinho Scheffer, Prefeito Municipal, bem como aos integrantes do rol de interessados dos processos REP 12/00160603, Sr. Valmir Augusto Rodrigues, Sr. Pedro Paulo Bitencourt, Sr. Emo Silveira Luiz, Sr. Paulo Roberto Cordeiro e Sr. José Edson da Silva, e DEN 08/00762975, Sr. André Hespaniol da Silva (processos apensados aos presentes autos).

Florianópolis, 15 de junho de 2015.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 



[1] Composto por Ipiranga Engenharia Ltda. (CNPJ 92.763.762/0001-68), Ábaco Engenharia Ltda. (CNPJ 03.342.915/0001-73) e Ponte Nova Empreendimentos e Construções Ltda. (CNPJ 05.451.965/0001-14).

 

[2] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

[...]

IV - remissão;

Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:

[3] Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, [...]