PARECER
nº
: |
MPTC/28652/2014 |
PROCESSO
nº : |
REP 12/00474705 |
ORIGEM : |
Prefeitura de Caxambu do Sul |
INTERESSADO : |
Glauber Burtet |
ASSUNTO : |
Irregularidades atinentes ao pagamento de
função gratificada cumulada com horas extras. |
1 – RELATÓRIO
Trata-se
de Representação formulada por Glauber Burtet, vereador de Caxambu do Sul,
comunicando suposta irregularidade na designação do Sr. Diomar Pedro Farina para
função gratificada de motorista de ambulância, e ainda, o pagamento de 80 horas
extras autorizadas pelo prefeito, Sr. Vilmar Foppa (fls. 2/12).
Auditores
da Diretoria de Controle de Atos de Pessoal - DAP sugeriram o conhecimento da
Representação e diligência dirigida à Prefeitura, visando à obtenção de
documentos e esclarecimentos necessários à instrução dos autos (fls. 13/15).
Opinei
na mesma direção (fl. 17).
O
Exmo. Relator conheceu a Representação e determinou a diligência (fls. 18/19).
Foram
apresentados documentos (fls. 23/195).
Auditores
da DAP sugeriram audiência do Sr. Vilmar Foppa, prefeito à época dos fatos
(fls. 198/200).
A
audiência foi determinada (fl. 200).
O
responsável apresentou justificativas (fls. 203/213).
Por
fim, auditores da DAP sugeriram decisão de irregularidade de ato examinado, com
aplicação de multa ao responsável e recomendação ao gestor (fls. 216/219).
2 – MÉRITO
2.1 – Concessão de função gratificada ao servidor Sr. Diomar Pedro
Farina, considerando que as atribuições de Motorista de Ambulância não
compreendem atribuições de direção, chefia e assessoramento, em desconformidade
com o art. 37, V, da Constituição.
O
representante informa que o prefeito, Sr. Vilmar Foppa, nomeou o servidor
efetivo, Sr. Diomar Pedro Farina, para exercer função gratificada de motorista
de ambulância; e que o prefeito autorizava o pagamento de 80 horas extras ao servidor,
sendo 40 horas com adicional de 100% e 40 horas com adicional de 50%.
Prevê
a Constituição, em seu art. 37, V:
Art. 37 – A Administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
V – as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento; (Grifei)
A
irregularidade foi atribuída ao Sr. Vilmar Foppa, prefeito à época dos fatos.
O
responsável apresentou justificativas nos seguintes termos: - o adicional de
função de gratificação está amparado nos arts. 15 e 16 da Lei Complementar [municipal]
nº 2/2001;[1] -
o Sr. Diomar realiza o transporte de doentes e acidentados do Município até a
Capital do Estado; - o servidor, para realizar a atividade “motorista de
ambulância”, teve que fazer um curto de Bombeiros Comunitários junto ao 6º
Batalhão de Bombeiros Militar de Santa Catarina; - foi concedida gratificação
ao servidor em razão da grande responsabilidade e por ser um trabalho
diferenciado e muito mais complexo que o realizado pelos demais motoristas do
quadro; - trata-se de gratificação faciendo,
que cessará automaticamente quando o servidor voltar a cumprir somente as
atribuições previstas originalmente para seu cargo; - a gratificação vem sendo
paga ao servidor há mais de uma década, inclusive em administrações anteriores
e sempre foi entendida como gratificação faciendo;
- a gratificação faciendo tem natureza
diversa daquelas concedidas aos ocupantes de cargos de direção, chefia e
assessoramento (fls. 203/207).
O
Tribunal de Contas possui os seguintes prejulgados sobre o assunto:
Prejulgado
0915
[...]
A concessão de vantagem pecuniária
(gratificação propter laborem) a servidor público depende de lei formal
específica, respeitando-se a iniciativa
privativa e os limites orçamentários, nos termos do art. 37, X, c/c o art. 169,
§1º, I e II, ambos da CF/88. (Grifei)
Prejulgado
0716
[...]
A forma legalmente assentada para a
remuneração de serviço que refoge [sic] das
atribuições do cargo de servidor público é o pagamento de gratificação pelo
desempenho de atividade especial,
prevista no art. 85, inciso VIII, da Lei Estadual nº 6.745/85. [...] (Grifei)
Conforme auditores
do Tribunal:[2]
[...] o adicional de função gratificada ao
motorista de ambulância pode se enquadrar nas condições descritas na obra de
Meirelles, exatamente por que há situação que escapa às condições normais: os
riscos aos quais servidor motorista de ambulância encontra-se exposto no
transporte de pacientes [...], a rubrica de adicional
de função gratificada está em discordância com o que prevê a constituição
federal [...], a rubrica a título de adicional pode ser especificada outra,
dentro do permissivo legal, [...] o Judiciário tem se manifestado em favor de
reconhecer direito à percepção de adicional por insalubridade a motorista de
ambulância em face do risco de contágio a que é exposto diariamente na
atividade que exerce.
No
caso dos autos, a gratificação está prevista no anexo IV da Lei Complementar
[municipal] 2/2001 (fl. 130).
Diante
do exposto, opino em consonância com o exposto por auditores do Tribunal, por recomendação
ao gestor que adote providências relacionadas à cessação de pagamento de função
gratificada de motorista de ambulância, por impedimento constitucional, com
adoção de nova rubrica adequada ao caso concreto e com permissivo legal.
2.2 – Pagamento de horas-extras de forma contínua ao Motorista de
Ambulância, com função gratificada, Sr. Diomar Pedro Farina.
O
representante sustenta que o prefeito, Sr. Vilmar Foppa, autorizava o pagamento
de 80 horas extras ao servidor, sendo 40 horas com adicional de 100% e 40 horas
com adicional de 50%.
A
irregularidade foi atribuída ao Sr. Vilmar Foppa, prefeito à época dos fatos.
O
responsável apresentou justificativa nos seguintes termos (fls. 207/210): - o
adicional por serviços extraordinários está amparado nos arts. 57 e 58 da Lei Complementar
[municipal] nº 1/2001;[3] -
o critério utilizado para o pagamento de horas extras ao servidor foi o mesmo
que se aplicou a todos os demais servidores que trabalharam além das 40 horas
semanais; - quase todos os meses ultrapassa a quantia de 100 horas extras; - a Lei
Municipal limita o máximo 80 horas extra mês; - em virtude do estabelecido em
lei, o servidor não recebe todas as horas extras feitas no mês; - além da sua
jornada normal de trabalho, o servidor transporta doentes e acidentados do
Município para a Capital do Estado; - além das viagens, o servidor faz plantões
noturnos e de finais de semana; - o servidor se reveza com outro motorista que
faz a mesma função; - o servidor faz jus às verbas que recebe como justa
retribuição ao serviço que presta; - as horas extras contínuas têm se realizado
em razão da necessidade de transporte mensal de doentes e acidentados à
Capital; - no momento em que os problemas de saúde forem resolvidos na região,
as viagens serão consideravelmente diminuídas; - a matéria em questão também
está sendo discutida nos autos da Ação Popular nº 018.12.015836-9 da Vara da
Fazenda Pública da Comarca de Chapecó, processo que se encontra em grau de
recurso no Tribunal de Justiça do Estado.
O
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina possui o seguinte prejulgado
sobre o pagamento de horas extras:
Prejulgado
277
1 – O pagamento de horas extras aos
servidores públicos, efetivos e comissionados, está condicionado às hipóteses
excepcionais e temporárias, mediante prévia autorização e justificativa por
escrito do superior imediato, sendo necessária a existência de lei que autorize
tal pagamento.
2 – O Município, unidade federativa autônoma,
é competente para estabelecer a forma de remunerar os seus servidores nos
termos fixados em norma local específica. (Grifei)
Como
se vê, cabe ao Município regulamentar a concessão de horas-extras a seus
servidores.
No
caso em questão, a Lei municipal[4]
não vem sendo respeitada, no caso do motorista de ambulância.
O
Tribunal de Contas possui ainda outro prejulgado, este sobre a forma de
ressarcimento de despesas com viagens a serviço:
Prejulgado
1001
[...]
2. São duas as formar para o Município custear
despesas com viagens a serviço de servidores públicos. Uma mediante o
pagamento de diárias previamente fixadas em tabela, cujo valor tem por base o
destino da viagem e o cargo do servidor. Outra, com o ressarcimento das
despesas com hospedagem, alimentação e deslocamento, regularmente comprovadas
quando do regresso do servidor.
[...] (Grifo meu).
Conforme
orientação da Corte de Contas, as formas de o Município custear despesas com
viagens a serviço são a concessão de diárias e o ressarcimento de despesas.
Nessa mesma direção, lembro o
teor do Prejulgado nº 1742, cujos excertos transcrevo:
Prejulgado
1742
1. Compete ao município regulamentar a concessão
de horas-extras mediante lei, definindo o limite máximo de horas-extras
permitido no município, os requisitos para a sua concessão e o percentual de
acréscimo sobre o valor da hora normal.
[…]
3. Qualquer servidor ocupante de cargo efetivo
no município pode prestar horas-extras, entretanto, no âmbito da administração
pública, sua realização depende da caracterização da necessidade imperiosa,
temporária e excepcional do serviço e somente deve ocorrer mediante
convocação direta do servidor para cumprir jornada de trabalho extraordinária e
deve ser precedida de autorização por ato da autoridade superior.
4. Para viagens fora da sede do município,
a título de indenização, devem ser concedidas diárias.
[…]
6. O município pode instituir mediante lei
outras gratificações aos servidores conforme os critérios a serem estabelecidos
nessa legislação.
7. Somente será possível a percepção de
diárias e horas extras cumulativamente se houver regulamentação local
permitindo e se existirem controles que comprovem, de forma inequívoca, que o
servidor efetivamente trabalhou em sobrejornada. (Grifos meus)
Veja-se
que a indenização devida no caso de viagens é a concessão de diárias.
Não
consta que haja referida previsão na legislação local.
Isso
é importante no caso sob análise por ter o responsável aduzido que parcela
significativa das horas-extras pagas ao motorista deu-se tendo em vista a
realização de viagens à Capital.
Quanto
à providência necessária no caso, auditores da DAP concluíram, no corpo de seu
Relatório:[5]
A situação encontrada nos autos demonstra a
existência de pagamento de horas extras de forma habitual, descaracterizando a
sua excepcionalidade e contrariando o que determina o Prejulgado TC n. 2101.
[...]
Ademais, cumpre observar que a contumaz
prática de se trabalhar além da jornada sinaliza para uma necessidade que se
apresenta evidente: aumentar o número de vagas de motorista de ambulância.
Os
auditores, na conclusão do Relatório, sugeriram aplicação de multa ao
responsável (fl. 219).
A
meu ver, não restou caracterizado que as horas extras tenham sido pagas sem que
houvesse a necessidade de serviço.
Todavia,
a ficha financeira de fl. 12 demonstra o pagamento mensal de um número fixo de
horas extras.
Dessa
feita, a irregularidade está caracterizada. merecendo sanção o responsável.
Além
disso, o assunto está afeto à recomendação ao gestor que, quanto a
horas-extras, atente para o disposto no art. 57 da Lei Complementar [municipal]
nº 1/2001, e ao conteúdo dos Prejulgados nºs 277, 1001 e 1742.
3 – CONCLUSÃO
Ante
o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, com amparo na competência conferida pelo artigo 108 da Lei
Complementar nº 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:
3.1 – DECISÃO
de IRREGULARIDADE do seguinte ato, nos termos do at. 36, § 2º, a, da Lei
Complementar nº 202/2000: - pagamento habitual e continuado de horas extras a
motorista de ambulância, desatendendo o art. 57 da Lei Complementar [municipal]
nº 1/2001 e os Prejulgados nºs 277, 1742 e 2101;
3.2 –
APLICAÇÃO de MULTA, com supedâneo no art. 70, II, da Lei Complementar nº
202/2000, ao Sr. Vilmar Foppa, prefeito, tendo em vista a referida
irregularidade;
3.3 -
RECOMENDAÇÃO ao gestor que, quanto a horas-extras, atente para o disposto no
art. 57 da Lei Complementar [municipal] nº 1/2001, e ao conteúdo dos
Prejulgados nºs 277, 1001 e 1742.
3.4 - RECOMENDAÇÃO
ao gestor que adote providências relacionadas à cessação de pagamento de função
gratificada de motorista de ambulância, por impedimento constitucional, com
adoção de nova rubrica adequada ao caso concreto com permissivo legal.
Florianópolis,
26 de junho de 2015.
Aderson Flores
Procurador
[1] Lei [municipal] nº 2/2001, fls. 102/107.
[2] Relatório nº DAP-4832/2014, fls. 217/217-v.
[3] Lei [municipal] nº 001/2001, fls. 62/101.
[4] Lei Complementar nº 1/2001, art. 57: A
realização de serviço extraordinário será permitido para atender situações
excepcionais e temporárias, respeitando o limite máximo de 2 (duas) horas
diárias, em dias úteis e de, no máximo, 10 (dez) horas diárias em sábados,
domingos e feriados, devidamente autorizadas pela chefia imediata. (fl. 75).
[5] Fl. 218-v – primeiro e último parágrafo.