PARECER
nº: |
MPTC/35738/2015 |
PROCESSO
nº: |
REC 14/00487908 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Iporã do Oeste |
INTERESSADO: |
Adélio Marx |
ASSUNTO: |
Recurso de Reexame da decisão exarada no
processo REP-12/00468810 |
Versam os autos sobre Recurso
de Reexame (fls. 3-11) interposto pelo Sr. Adélio Marx, ex-Prefeito Municipal
de Iporã do Oeste, em face do Acórdão n. 572/2014, dessa Corte de Contas,
exarado nos autos do processo REP n. 12/00468810, que aplicou multas ao
recorrente em razão das seguintes irregularidades:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, em:
6.1.
Conhecer do Relatório DMU n. 302/2014 que trata da aplicação dos Recursos do
Fundo Municipal da Infância e Adolescência (FIA) em 2011, para considerar irregulares a realização de
despesas e ausência tratadas no itens 6.2.1 e 6.2.2 desta deliberação.
6.2. Aplicar ao Sr. Adélio Marx -
Prefeito Municipal de Iporã do Oeste em 2011, CPF n. 297.252.409-87 com
fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II,
do Regimento Interno deste Tribunal, as
multas adiante especificadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias,
a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte
de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das
multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da
Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da
realização de despesas, no valor de R$ 46.550,85, que não se referem exclusivamente
a programas, projetos e atividades de proteção socioeducativos voltados ao
atendimento da criança e do adolescente, em afronta aos arts. 15 e 16
da Resolução/Conanda n. 137/2010 c/c os arts. 2º, inciso I, da Lei n. 8.242/91
e 18, IV, da Lei (municipal) n. 1.157/2007 (item 2.1 do Relatório DMU);
6.2.2. R$ 1.000,00 (mil reais), em razão da
ausência de movimentação dos recursos financeiros, destinados ao Fundo dos
Direitos da Criança e do Adolescente (FIA), em conta bancária específica,
em desacordo com o art. 8º, §1º, da Resolução n. 137/2010 do CONANDA c/c os
arts. 2º, inciso I, da Lei n. 8.242/91, 71 a 74 da Lei n. 4.320/64 e 17, inciso
I, da Lei (municipal) n. 1.157/2007 (item 2.2 do Relatório DMU).
6.3. Dar
ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem
como do Relatório DMU n. 302/2014, ao Responsável nominado no item 3 desta
deliberação, à Promotoria de Justiça da Comarca de Mondaí e à Prefeitura
Municipal de Iporã do Oeste.
[...].
(grifei)
A
Diretoria de Recursos e Reexames dessa Corte de Contas emitiu parecer (fls.
12-16v), opinando pelo conhecimento do Recurso de Reexame, com fundamento nos
arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e, no mérito, pelo seu
desprovimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.
É
o relatório.
O Recorrente interpôs Recurso de Reexame, com
amparo nos arts. 79 e 80, ambos da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para
pleitear modificação do acórdão acima transcrito.
Salienta-se que a parte é legítima para a sua interposição,
uma vez que figurou como responsável pelos atos irregulares descritos no
acórdão recorrido.
A
decisão foi publicada na imprensa oficial em 13/8/2014 e a peça recursal
protocolizada nessa Corte de Contas no dia 8/9/2014, portanto, tempestiva.
Logo,
encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso.
Em
suas razões recursais, o recorrente afirma que o valor de R$ 46.550,85,
descritos no item 6.2.1 do acórdão ora combatido, foi aplicado em conformidade
com o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei de
Orçamento Anual (LOA), bem como atendeu às disposições da Lei Municipal n.
1.157/07 e do art. 16 da Resolução CONANDA n. 137/2010, salientando que as
despesas em questão foram realizadas de acordo com a lei que institui o Fundo
Municipal.
Argumenta
o recorrente que, há época, o Conselho Tutelar (órgão vinculado ao FIA) estava
à disposição durante 24 horas por dia, que todas as despesas por ele realizadas
deveriam ser arcadas pelo referido Fundo, pois tais gastos “garantem os
Direitos da Criança e do Adolescente, de acordo com o art. 8º da Lei Municipal
1.157/2007” (fl. 05).
Relata
ainda o recorrente, já com relação à irregularidade disposta no item 6.2.2 da
decisão recorrida, que de 1997 a 2009 o Município de Iporã do Oeste mantinha
Unidade Gestora independente para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente (FIA). Contudo, objetivando a redução de gastos, no exercício de
2009, por meio da Lei Municipal n. 1.287/09, houve a fusão do Fundo em questão
ao orçamento geral do Município, para ele não mais havendo, assim, conta
bancária específica, situação a qual foi devidamente normalizada com o advento
da Lei Municipal n. 1.601/13 (fls. 9/10), a qual determinou a abertura de conta
bancária específica ao FIA.
Por
fim, requer o responsável a isenção do pagamento das multas, ou
alternativamente a redução de seus valores ao mínimo legal.
Como
bem anotado pela Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 14-16), não assiste
razão ao ora recorrente quanto à alegação de que teria utilizado os recursos do
FIA com despesas de manutenção, funcionamento e pagamento do Conselho Tutelar,
amparado pela Lei Municipal n. 1.157/07, bem como pelo PPA, pela LDO e pela LOA
do exercício de 2011.
Vislumbra-se
pela leitura da Lei Municipal n. 1.157/07 que em momento algum há referência ao
fato de que as despesas com pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho
Tutelar deveriam seriam custeadas pelo FIA.
Ressalta-se,
aliás, que a competência legislativa do Município quanto à matéria em questão é
suplementar, conforme reza o art. 30, inciso II, da CRFB/88. Veja-se:
Art. 30. Compete aos Municípios:
[...]
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
A legislação que estabelece os critérios de criação e funcionamento do
Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FIA) é a Resolução n. 137/2010 do
CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que em
seu art. 15 define a aplicação dos recursos, conforme segue:
Art. 15. A aplicação dos recursos do Fundo dos
Direitos da Criança e do Adolescente, deliberada pelo Conselho de Direitos,
deverá ser destinada para o financiamento de ações governamentais e
não-governamentais relativas a:
I - desenvolvimento de programas e serviços
complementares ou inovadores, por tempo determinado, não excedendo a 3 (três)
anos, da política de promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos da
criança e do adolescente;
II - acolhimento, sob a forma de guarda, de criança
e de adolescente, órfão ou abandonado, na forma do disposto no art. 227, § 3º,
VI, da Constituição Federal e do art. 260, § 2º da Lei n° 8.069, de 1990,
observadas as diretrizes do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária;
III - programas e projetos de pesquisa, de estudos,
elaboração de diagnósticos, sistemas de informações, monitoramento e avaliação
das políticas públicas de promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos
da criança e do adolescente;
IV - programas e projetos de capacitação e formação
profissional continuada dos operadores do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente;
V - desenvolvimento de programas e projetos de
comunicação, campanhas educativas, publicações, divulgação das ações de
promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos da criança e do
adolescente; e
VI - ações de fortalecimento do Sistema de Garantia
dos Direitos da Criança e do Adolescente, com ênfase na mobilização social e na
articulação para a defesa dos direitos da criança e do adolescente.
O
que se registrou no presente caso foi a realização de despesas irregulares, ou
seja, despesas com pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar e
ainda despesas relacionadas à assistência social e saúde, que somadas chegaram
a importância de R$ 46.550,85 (quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta reais
e oitenta e cinco centavos), em afronta ao art. 16, incisos I e II da Resolução
CONANDA n. 137/2010, in verbis:
Art. 16. Deve ser vedada a utilização dos recursos
do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para despesas que não se
identifiquem diretamente com a realização de seus objetivos ou serviços
determinados pela lei que o instituiu, exceto em situações emergenciais ou de
calamidade pública previstas em lei. Esses casos excepcionais devem ser
aprovados pelo plenário do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas no caput, deve ser vedada ainda a
utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para:
I - a transferência sem a deliberação do respectivo
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
II - pagamento,
manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar;
III - manutenção e funcionamento dos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
IV - o
financiamento das políticas públicas sociais básicas, em caráter continuado, e
que disponham de fundo específico, nos termos definidos pela legislação
pertinente; e
V - investimentos em aquisição, construção,
reforma, manutenção e/ou aluguel de imóveis públicos e/ou privados, ainda que
de uso exclusivo da política da infância e da adolescência. (grifei)
Os
recursos do FIA devem ser utilizados exclusivamente para projetos que assegurem
a proteção e a defesa da criança e do adolescente, não sendo admitidas despesas
para fins diversos.
O
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina possui entendimento consolidado
sobre o assunto, a exemplo do teor dos seguintes Prejulgados:
Prejulgado n. 224:
As despesas a serem realizadas à conta do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente são aquelas pertinentes à
execução das suas atividades, na forma da legislação aplicável, em especial a
Lei nº 8.069, de 13.06.90 (Estatuto da Criança).
[...].
Prejulgado n. 1.832:
[...]
3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente devem
ser empregados exclusivamente em programas, projetos e atividades de proteção
sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente.
4. A definição das despesas que podem ser custeadas com recursos do
Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao seu gestor, a quem
compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o objeto do gasto
está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos
voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como se está em
conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo fixados pelo
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Situação
semelhante foi observada nos autos do processo PCA
n. 11/0022750, tendo essa Corte de Contas emitido a seguinte
decisão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos,
relativos Prestação de Contas Anual de Unidade Gestora, referente ao exercício
de 2010, do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ilhota.
[...]
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do
Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões
apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da
Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, em:
[...]
6.2. Aplicar
ao Sr. Ademar Felisky - Gestor do Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente de Ilhota em 2010, CPF n. 640.694.789-49, multa prevista no art. 69 da Lei
Complementar (estadual) nº 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do
Regimento Interno, no valor de R$
2.000,00 (dois mil reais), em face da aplicação de recursos do Fundo, no valor
de R$ 91.518,48, em despesas que não se referiam exclusivamente a programas,
projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da
criança e do adolescente (aplicação na manutenção e funcionamento do Conselho
da Criança e do Adolescente, despesa relacionada à assistência social e
despesas com aluguel de imóvel), em desacordo com os arts. 15 e 16, da
Resolução Conanda n. 137/2010 c/c os arts. 2º, I, da Lei n. 8.242/91 e 16, IV,
da Lei Complementar (municipal) n. 008/2003 (item 5.1 do Relatório DMU),
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao
Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde
logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o
disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000.
(grifei)
O
Ministério da Justiça, inclusive, elaborou cartilha[1]
acerca da finalidade da aplicação dos recursos do FIA. Veja-se:
É equivocada a ideia de que todos os programas e
serviços de atendimento a crianças e adolescentes devam ser custeados com
recursos desse fundo especial. Dessa maneira, um programa de tratamento para
drogadição, por exemplo (CF: artigo 227, §3, inciso VII; ECA: artigo 101,
inciso VI), deve ser custeado com recursos próprios do orçamento dos órgãos
responsáveis pelo setor de saúde; um programa de apoio e promoção à família
(CF: artigo 226, caput e §8; ECA: artigos 90, incisos I e II, e 129, inciso I)
deve ser custeado com dotações próprias da área da assistência social e assim por
diante, devendo o orçamento próprio de cada órgão da administração prever
recursos privilegiados para a implementação e manutenção das políticas públicas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA: artigo 4º, parágrafo
único, alínea d).
Dessa
maneira, o argumento inicial do recorrente não merece ser acolhido, motivo pelo
qual a aplicação da multa descrita no item 6.2.1 da Decisão n. 572/2014 deve
ser mantida.
O
recorrente alega, ainda, que por questões de redução de gastos entendeu à época
(ano 2009) que seria desnecessário manter conta específica para gerir o Fundo
Municipal da Criança e do Adolescente (FIA), razão pela qual providenciou a
incorporação do mesmo ao orçamento geral do Município, agindo, assim, com
boa-fé – e desconhecendo a legislação regente –, tendo corrigido seu equívoco
após orientação do Poder Judiciário.
Houve,
dessa maneira, violação expressa do art. 8º, § 1º, da Resolução CONANDA n.
137/2010, que assim determina:
Art. 8º O Poder Executivo deve designar os
servidores públicos que atuarão como gestor e/ou ordenador de despesas do Fundo
dos Direitos da Criança e do Adolescente, autoridade de cujos atos resultará
emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de
recursos do Fundo.
§ 1º O órgão responsável pela política de promoção,
de proteção, de defesa e de atendimento dos direitos das crianças e dos
adolescentes ao qual o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente for
vinculado deve ficar responsável pela abertura, em estabelecimento oficial de
crédito, de contas específicas destinadas à movimentação das receitas e
despesas do Fundo.
Os
argumentos de ausência de má-fé e desconhecimento da legislação, bem como as
providências tomadas para a correção do equívoco, não são capazes,
evidentemente, de afastar a responsabilidade do recorrente pela irregularidade
cometida, razão pela qual deve ser conservada a aplicação de multa descrita no
item 6.2.2 do Acórdão n. 572/2014.
Com
relação à fixação do valor das multas, conforme já
manifestado por esta representante ministerial em hipóteses semelhantes,
entendo que o valor aplicado depende da análise do julgador, cabendo ao
Conselheiro relator sopesar as circunstâncias que revestem as irregularidades
para fixação do seu montante. Por este motivo, opino pela manutenção das
multas aplicadas no valor estipulado pela Auditora Relatora, uma vez que
possuem previsão no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, e foram aplicadas dentro dos parâmetros previstos no art. 109, inciso
II, do Regimento Interno dessa Corte de Contas.
Ante
o
Florianópolis, 18 de maio de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e
Conselho Tutelar: orientações para criação e funcionamento/Secretaria Especial
dos Direitos Humanos. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
Adolescente – CONANDA, 2007. p. 25.