Parecer nº: |
MPC/36.191/2015 |
Processo nº: |
REP 15/00046644 |
Origem: |
Município de Piratuba |
Assunto: |
Irregularidades
no Edital de Processo Seletivo nº 01/2015 |
Trata-se de Representação formulada pelo
Ministério Público de Contas a respeito de supostas irregularidades no Edital
de Processo Seletivo nº 01/2015, da Prefeitura Municipal de Piratuba, com
pedido de suspensão liminar do certame.
O Relatório DAP nº 394/2015 sugeriu o
conhecimento preliminar da Representação e a realização de audiência do Sr.
Claudirlei Dorini, Prefeito Municipal desde 01/01/2013, para apresentação de
justificativas.
O Ministério Público de Contas se manifestou
protestando pelo conhecimento da peça e reiterando a necessidade de suspensão
cautelar do certame[1].
Em Decisão Singular nº 68/2015, o Relator
acolheu o pedido de suspensão do certame até o julgamento de mérito.
A manifestação do Responsável deu-se às fls.
48 a 163.
Em novo Relatório nº 2781/2015, a Diretoria
concluiu por:
3.1. Revogar a Suspensão Cautelar do Processo Seletivo concedida pela
Decisão Singular - GAC/FF - 068/2015.
3.2. Considerar
improcedente
a representação apresentada, em razão de não ficar suficientemente comprovadas
as irregularidades suscitadas.
3.3. Recomendar à
Prefeitura Municipal de Piratuba:
3.3.1. que em futuros editais de concurso público e
processo seletivo, em todas suas etapas (inscrição e recurso), haja
acessibilidade ampla aos candidatos na forma presencial, por procuração e pela internet;
3.3.2. que seja observado o disposto no art. 37 §
1º do Decreto n. 3.298/99, no art. 35, § 1º da Lei Estadual 12.870/04 e no art.
5º, §2º da Lei n. 8.112/90, no que diz respeito às vagas para deficientes.
3.4. Dar ciência ao Representante, ao Representado e à
Prefeitura Municipal de Piratuba.
É o relatório.
A fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está
inserida entre as atribuições do Tribunal de Contas, consoante os dispositivos
constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal,
art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº. 16/1994 e art. 8°
c/c art. 6° da Resolução TC nº. 6/2001).
Do descumprimento da Decisão da Corte e do
sopesamento de normas constitucionais
Por força da Decisão
Singular nº 68/2015, restou determinada a suspensão do certame até o julgamento
do mérito da presente Representação, buscando-se evitar maiores prejuízos à
Administração Pública caso as admissões oriundas de um procedimento
flagrantemente maculado por irregularidades fossem concretizadas.
O Responsável trouxe
aos autos, como justificativa pelo descumprimento da decisão da Corte de
Contas, o Despacho do Ministério Público Estadual, exarado no Inquérito Civil
nº 06201500001632-8 da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Capinzal, que
determinou o arquivamento de Representação de idêntico conteúdo e autoria[2],
pautando-se no compromisso firmado entre o órgão ministerial e o Município de
Piratuba, mediante Termo de Ajustamento de Conduta, datado de 25/03/2015[3]:
Cláusula Primeira –
Das obrigações
1. No prazo de 30 dias, o Compromissário
obriga-se a elaborar e apresentar ao
Poder Legislativo projeto de lei objetivando instituir legislação
municipal, não destoante da Constituição da República e da Lei Federal n.
8745/93, para regulamentar os editais de concursos públicos e de testes
seletivos;
2. O Compromissário obriga-se a fazer constar no projeto
de lei mencionado no item 1 que o prazo para inscrições em concursos públicos e
em testes seletivos será de, no mínimo, 30 dias;
3. O Compromissário obriga-se a fazer constar no projeto
de lei mencionado no item 1 que as inscrições para os concursos públicos e para
os testes seletivos poderão ser realizadas na forma presencial, por procuração
ou via internet;
4. O Compromissário obriga-se a fazer constar no projeto
mencionado no item 1 a previsão de isenção de taxa de inscrição para os
comprovadamente hipossuficientes;
4.1 Considera-se hipossuficiente, nos termos da Lei Estadual
n. 11289/99, do Decreto n. 6593/08 e do Decreto 6135/07:
I – o candidato que
estiver inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal –
CadÚnico;
II – o candidato que
for membro de família de baixa renda, adotando-se como base os requisitos
descritos no Decreto n. 6135/07;
5. O Compromissário obriga-se a fazer constar no projeto
de lei mencionado no item 1 reserva de vagas para pessoas com deficiência, de
acordo com os arts. 5º e 37, inciso VIII, da Constituição da República Federativa
do Brasil, com a Lei 7853/90, com a Lei n. 12870/04 e com o Decreto Federal n.
3298/99, conforme segue:
I – será assegurado à
pessoa com deficiência o direito de se inscrever no concurso público, em
igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas
atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador (art. 37,
caput, do Decreto nº. 3298/99);
II – será reservado à
pessoa com deficiência, no mínimo, o percentual de 5% do total de vagas para
cada cargo, procedendo-se ao arredondamento para o número inteiro imediatamente
subsequente se resultar número fracionado;
III – haverá
previsão: a) do número de vagas existentes, bem como do total correspondente à
reserva destinada à pessoa com deficiência; b) de adaptação das provas, do
curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato;
e c) da exigência de apresentação, pelo candidato com deficiência, no ato de
inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da
deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação
Internacional de Doença – CID, bem como a provável causa da deficiência;
IV – haverá previsão
para que o candidato com deficiência que necessite de tratamento diferenciado
nos dias do concurso possa requerer, no ato da inscrição e no prazo determinado
no edital, as condições diferenciadas de que necessita para a realização das
provas;
V – haverá previsão
para que o candidato com deficiência que necessite de tratamento diferenciado
nos dias do concurso possa requerer, no ato da inscrição e no prazo determinado
no edital, tempo adicional para realização das provas, com justificativa
acompanhada de parecer emitido por especialista da área de sua deficiência;
VI – haverá
publicação de lista especial (diversa da geral, destinada aos demais
candidatos) dos candidatos com deficiência aprovados no Concurso Público ou no
Processo Seletivo;
VII – será assegurado
que o local de realização das provas disponha de instalações acessíveis,
adaptadas e organizadas segundo as normas técnicas da ABNT relativas à
acessibilidade da pessoa com deficiência;
6. O Compromissário obriga-se a consignar no projeto de
lei mencionado no item 1 a possibilidade de interposição de recursos
relacionados ao certame por via postal (com ARMP) ou pela internet;
7. Em até 10 dias
após a aprovação e a sanção da lei, o Compromissário obriga-se a encaminhar a
esta Promotoria de Justiça cópia da lei para comprovação do cumprimento das
obrigações;
Cláusula Segunda – Da
multa e da execução
1. O não-cumprimento do ajustado nos itens 1, 2, 3, 4, 5,
6 e 7 da Cláusula Primeira implicará na responsabilidade pessoal e solidária do
seu representante signatário e do ente público ao pagamento da multa pecuniária
no valor de R$ 10.000,00 para cada cláusula, além da execução judicial das
obrigações ora ajustadas;
2. As multas
pecuniárias deverão ser recolhidas em favor do Fundo para Recuperação dos Bens
Lesados de Santa Catarina, instituído pela Lei nº 15694/11 e regulamentado pelo
Decreto nº 808/12, a ser paga mediante depósito no Banco do Brasil, agência
3582-3, conta corrente nº 63000-4;
3. As multas acima
estipuladas serão exigidas independentemente da interpelação judicial ou
extrajudicial, estando o Compromissário constituído em mora com o simples
vencimento dos prazos fixados;
3.1 Eventual
impossibilidade de cumprimento dos prazos fixados nos itens 1 e 7 da Cláusula
Primeira, por ocorrência de caso fortuito ou força maior, deverá ser comunicada
até o prazo de 10 dias após sua constatação a esta Promotoria de Justiça, que
avaliará a possibilidade de prorrogação dos prazos e, se for o caso, poderá ser
firmado termo aditivo a este ajustamento;
Cláusula Terceira –
Da vigência
O presente ajuste
entrará em vigor a partir do primeiro dia útil após a sua assinatura.
Feitas estas breves
considerações, deve se destacar
que não se teve notícia do envio do referido
projeto
de lei, nos termos do TAC firmado com a 1ª Promotoria de Justiça de Capinzal, visando efetivar os compromissos firmados.
Necessário frisar ainda que
as representações propostas tramitam em esferas distintas de competência.
Dessa feita, a celebração de TAC no âmbito do
Ministério Público Comum não interfere, nem justifica, o descumprimento de
decisão proferida pelo Tribunal de Contas.
Não é permitido
ao responsável, portanto, desrespeitar decisão exarada por Tribunal competente
utilizando como fundamento acordo firmado com autoridade que atua em outra
esfera de poder.
Não bastasse, não se vislumbra da análise do feito
o efetivo cumprimento do TAC firmado em 25/03/2015 – com prazos já expirados – agravando o quadro fático aqui exposto.
O Responsável, em audiência, explicou as razões pelas quais homologou o resultado do referido processo seletivo, buscando justificar o ocorrido.
No entanto, acaso o intento fosse preservar o
interesse público, deveria o responsável buscar a revogação da cautelar junto
ao próprio Tribunal que proferiu a decisão, no lugar de desrespeitá-la tomando
como fundamento entendimentos de outro órgão.
Nesse viés, cabe apontar o entendimento já proferido pelo Tribunal de
Contas de Santa Catarina acerca da imposição de sanção pecuniária àqueles que
descumprem suas determinações:
Não
cumprimento de determinação deste Tribunal. Aplicação da multa prevista no art.
70, §1º, da Lei Complementar n. 202/2002.
Não atendimento, no prazo, à diligência
deste Tribunal. Aplicação da multa prevista no art. 70, III, da Lei
Complementar n. 202/2002[4].
Multa
por descumprimento de determinação do Tribunal de Contas.
O descumprimento de determinação contida em
acórdão ou não apresentação de justificativas no prazo fixado acarreta a
imediata aplicação da multa, independente do contraditório, já estabelecido na
fase anterior à prolação da decisão[5].
Diante do exposto, posiciono-me pela aplicação da multa prevista no
art. 70, §1º da LC nº 202/2000.
Friso, ainda, a necessidade de
determinar à Prefeitura de Piratuba a comprovação das providências adotadas para concretizar os termos do TAC firmado.
Das irregularidades
constatadas no edital de Processo Seletivo nº 01/2015
O Processo Seletivo nº
01/2015 destinou-se ao preenchimento das
vagas de: fisioterapeuta, farmacêutico, psicóloga, auxiliar administrativo,
cuidador escolar, técnico de futsal/handebol/ voleibol/atletismo, professor de
educação física, professor de educação infantil, professor anos iniciais,
auxiliar de creche, professores de matemática, história, geografia, ciências,
inglês, artes e língua portuguesa, facilitador de biblioteca, técnico de
enfermagem, facilitador de informática educacional, monitor e técnico
artístico, historiador, agente de serviços
gerais, agentes de edificação, pedreiro, arquiteto, engenheiro ambiental,
motorista, eletricista, operador de máquinas.
Extraem-se, do
instrumento convocatório, as seguintes irregularidades, apontadas na
Representação: i) prazo de 15 dias para inscrição; ii) inscrição somente
presencial; iii) ausência de isenção da taxa de inscrição para os
hipossuficientes; iv) ausência de
delimitação das vagas para deficientes; v) impossibilidade de recursos via postal.
O Responsável alegou que
a Lei Complementar Municipal nº 30/2007 (Estatuto dos Servidores Públicos do
Município de Piratuba) prevê o intervalo de publicação do edital dos concursos
públicos em 15 dias da data do encerramento das inscrições, estando o presente
edital dentro do limite legal.
Destacou, ainda, que não
houve contestação por parte de nenhum interessado quanto às irregularidades apontadas, e que, contrariando a
tese da Representação sobre o problema da acessibilidade, foi recebido um número
razoável de inscritos.
A reserva de vagas para
deficientes foi prevista no edital, item 3.8, mas não há delimitação
do percentual e número de vagas destinadas a candidatos nesta
condição.
Quanto às irregularidades
analisadas, passa-se a expor.
a)
Prazo de 15 dias para
inscrição e inscrição somente presencial
Quanto à quantidade de
inscritos no certame, é evidente que a
realidade poderia ser diversa caso a comunicação com a banca organizadora ou
com o órgão contratante fosse, de fato, acessível aos trabalhadores interessados. Ademais, a falta de impugnação do
instrumento convocatório não afasta a
constatação das irregularidades noticiadas na peça de representação.
O horário estabelecido para inscrição foi das
7h30 às 11h30, incompatível com a jornada de trabalho da grande maioria da mão
de obra ativa do mercado, que se relaciona não só com o registro de ponto, mas
com o tempo de locomoção e de almoço/descanso. Ambos inconciliáveis com os
horários disponibilizados para inscrição no concurso.
Além do prazo e do
horário insuficientes, foi imposta aos interessados a condição de que a
inscrição fosse presencial.
O possível candidato, mesmo diante da falta
de tempo para se inscrever ou impugnar o edital, teria ainda que se deslocar
até o endereço informado ou passar procuração para que alguém o fizesse em seu
lugar, providenciando, antes, a autenticação do documento no cartório.
É evidente que os períodos em dias e horas
impostos pelo edital implicaram em inúmeras desistências. O horário limitado,
por si só, é capaz de dificultar a participação daqueles que residem na cidade,
sendo incontestável o obstáculo imposto àqueles que lá não têm morada.
Ademais, há que se ressaltar que o exíguo
prazo de inscrição reduz a ampla divulgação e conhecimento da seleção pelos profissionais
competentes que poderiam por ela se interessar.
O Tribunal de Contas de Minas Gerais,
buscando extrair a máxima efetividade das normas constitucionais, posicionou-se
a respeito:
Edital de Concurso
Público. Inscrição pela Internet e por Procuração. O Edital previu somente como
forma de inscrição a presencial, excluindo a inscrição via internet ou por
procuração. Ressalte-se, neste particular, que a possibilidade de inscrição via internet é sempre devida, pois
possibilita o acesso de um maior número de candidatos, bem como deve ser admitida a inscrição por procuração,
tendo em vista a hipótese de impossibilidade do próprio candidato fazer sua
inscrição. Por essa razão, a Administração deverá adequar o Edital, prevendo
também a inscrição via internet e por procuração[6].
EMENTA: EDITAL DE
CONCURSO PÚBLICO — EXECUTIVO MUNICIPAL — IRREGULARIDADES
IV. EXCLUSIVIDADE DE
INSCRIÇÃO PELA INTERNET — PRAZO DE
INSCRIÇÃO INFERIOR A 30 DIAS — RESTRIÇÃO À ISENÇÃO DE TAXA DE INSCRIÇÃO
PARA HIPOSSUFICIENTES — RESTRIÇÃO DE ENTREGA DE TÍTULOS E CERTIFICADOS AO DIA E
LOCAL DA PROVA OBJETIVA — GARANTIA DE AMPLO ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS —
VIOLAÇÃO[7]
Restringir os meios
de inscrição ou de manifestação nos concursos públicos abala seu caráter
universal e competitivo, além de prejudicar a própria Administração, que
potencialmente teria funcionários mais bem preparados para lhe prestar serviço.
É evidente que
neste edital não houve o devido
tratamento igualitário aos administrados, que somente se concretiza à
medida que se trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida em que se desigualam[8].
Se não se aplica a
lei em seu sentindo substancial, prestando-lhe devidamente conteúdo e
densidade, o ordenamento jurídico estará fadado a subsistir como letra morta,
sem que nunca se alcance seus princípios maiores.
Por tais razões, tem-se que a inscrição por
curto lapso temporal, somada aos horários restritos e à necessidade de sua
feitura somente por via presencial constitui restrição indevida, em afronta ao
art. 37, caput e inciso I da CRFB/88.
b)
formulário de recurso extraído da internet e sem possibilidade de envio via
postal
Os itens 11.2 e 11.3 do Edital estipularam
também que os recursos deveriam ser preenchidos em formulários modelos
disponibilizados em site da banca organizadora, e enviados por e-mail ou
entregues pessoalmente.
Quanto ao acesso à internet no Brasil[9], e para
contextualizarmos os efeitos das disposições editalícias, segue abaixo pesquisa
do IBGE/PNAD 2013, destacando-se os dados relativos aos Estados da região sul:
Conforme
evidenciado, a percentagem de pessoas que acessam a internet no Estado de Santa
Catarina é de 55,3%, pouco mais da
metade de sua população; dos trabalhadores agrícolas, nem 20% deles
acessam a web; somente 23,1% dos
trabalhadores com renda de meio a um salário mínimo o fazem; dentro do universo
de pessoas que acessam a internet, a proporção entre o acesso no meio urbano e
no meio rural é de, respectivamente, 84,7% a 15,3%; e das pessoas sem instrução
ou com fundamental incompleto e das com fundamental completo apenas 28,5% e
46,2%, respectivamente, acessam a rede.
Sabe-se que o
acesso à internet não é feito somente nos domicílios. No entanto, o que se
questiona aqui é a possibilidade de acesso à internet por qualquer meio
(incluindo, por certo, o aclamado acesso habilitado pelos telefones móveis). O
argumento é o mesmo: nem todos dispõem de tal acesso.
Quer se refira ao
acesso mediante computador domiciliar, quer se refira ao acesso mediante
telefonia móvel (cuja manutenção, inclusive, impõe custo em muito superior ao
comparado à instalação e mantenimento de rede de internet domiciliar), a
situação se agrava manifestamente entre aqueles de maior idade, cujo ciclo de
convívio social pode ser ainda mais restrito no aspecto de conhecimento
tecnológico.
Considerem-se, ainda, os cargos previstos no
edital de “agente de serviços gerais”, “pedreiro”, “motorista”, e “operador de
máquinas”, cujo nível de escolaridade é de “alfabetizado”, aos quais o manejo e
o uso da internet (como exposto na pesquisa supra) torna a comunicação com a
banca organizadora ainda mais dificultosa.
O que se defende,
além da própria harmonia e efetivação das normas jurídicas vigentes, é a adoção
de métodos simples, que permitiriam ampliar em muito a participação de
interessados no certame.
A disponibilização
dos formulários em local físico, além do site da banca organizadora, e a
possibilidade de inscrição e interposição de recursos via postal, considerando
a facilidade de o candidato preencher os formulários e postar no correio, ou
mesmo de forma presencial mediante procuração, já sanaria a problemática aqui
apresentada, sem constituir ônus significativo ao ente que promove o processo
seletivo.
Ante a
limitação dos meios de interposição de recursos, em afronta ao art. 37, caput e inciso I, da CRFB/88,
manifesto-me pela manutenção do apontamento restritivo.
c) ausência de definição de vagas para
deficientes
O item III do Edital não
definiu a porcentagem e a posição exata da vaga a partir da qual seria nomeado o primeiro candidato deficiente.
Mais especificamente no
item 3.3, determina que este candidato realize sua inscrição presencialmente na
Secretaria Municipal de Educação e Esporte [...], o que nos remete novamente aos 15 dias e ao horário
restrito das 7h30 às 11h30.
O candidato deficiente
encontra imediatamente dois obstáculos: a
falta
de previsão expressa do percentual de vagas destinadas a ele e o
deslocamento
para inscrição em horário incompatível com eventual labor ou restrição de
caráter físico ou pessoal.
A Administração Pública encontra-se, assim
como o candidato, vinculada ao edital, e deve se sujeitar ao princípio da
publicidade e transparência, proporcionando, sobretudo, o controle social de seus atos e decisões[10].
Não havendo delimitação expressa do
quantitativo de vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais, não subsistem meios objetivos e definidos
de se acompanhar a observância do percentual mínimo previsto em lei, por
parte da sociedade e dos demais interessados no certame.
A delimitação das vagas mencionadas assegura
o conhecimento prévio de quantas serão reservadas aos portadores de
necessidades especiais, independentemente de tratar-se ou não de caso de
cadastro de reserva, restringindo a
margem de discricionariedade do gestor e evitando discussões acerca do número
exato de vagas, em caso de a aplicação do percentual redundar em número
fracionado e no caso de chamamento sucessivo de candidatos.
Tal previsão afasta possíveis dúvidas e
discussões a respeito do total de vagas reservadas.
O percentual provém de legislação com
abrangência nacional, sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, de modo a se tornar de reprodução obrigatória nos editais dos concursos.
Art. 37. Fica
assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em
concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para
provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de
que é portador.
§ 1o O
candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de
condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual
de cinco por cento em face da classificação obtida.
§ 2o Caso
a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número
fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.
É necessário que se estipule expressamente no
edital o percentual e as vagas destinadas aos portadores de deficiência e se
divulgue.
Pelas razões expostas, manifesto-me pela
manutenção do apontamento restritivo.
d) ausência de isenção de taxa de inscrição para
hipossuficientes
Mais uma vez, os interessados em participar
do certame encontram obstáculos impostos pela Administração, de modo a afastar
a concretização do princípio da igualdade e do caráter universal dos concursos
públicos.
O valor, que para alguns pode parecer
irrisório, impacta de modo significativo no orçamento de famílias que, por
vezes, não possuem o mínimo para suprir suas carências básicas.
Lembre-se, ainda, que há 13,9 milhões de
famílias brasileiras que dependem do programa social Bolsa Família, o qual
atende a camada de população que percebe uma renda mensal per capita inferior a
R$ 154,00. O valor médio do benefício concedido no mês de agosto de 2014, para
citar como exemplo, foi de R$ 169,90 por pessoa[11].
Quem se encontra em tal situação não possui
meios para arcar com a inscrição de um certame público, qualquer que seja o seu
valor.
Deve-se ressaltar, ainda, que a isenção de
taxa de inscrição constitui modo de concretizar a isonomia e o amplo acesso,
também, aos cargos públicos de nível superior mais almejados, garantindo a
participação de candidatos de baixa renda ou reconhecidamente pobres, inclusive
participantes de programas sociais de distribuição de renda.
Como exemplo, cita-se o próprio concurso
realizado no âmbito do Ministério Público de Contas, no ano de 2014, em que
para o cargo de Procurador – que exige formação superior em Direito –
houve 12 (doze) solicitações de isenções deferidas em razão de o candidato ser
reconhecidamente de baixa renda e possuir cadastro no CadÚnico do Governo
Federal (Cadastro para Programas Sociais).
Já para o cargo de Analista de Contas
Públicas, Especialidade Direito, que também exige formação jurídica
superior, foram 110 (cento e dez) isenções concedidas a candidatos
hipossuficientes, sendo o valor da taxa de inscrição de R$ 100,00 (cem reais).
Por fim, percebe-se que nem mesmo o
enquadramento, como profissão valorizada, do cargo pretendido ou da
profissão/ofício exercido ou estudado pelo candidato, fornece parâmetros
seguros para afirmarmos que nenhum pretenso candidato ou interessado no certame
é real e efetivamente hipossuficiente, reconhecidamente pobre ou que não possa
arcar com as despesas e gastos da inscrição sem comprometer o seu sustento
próprio e o de sua família.
Embora não seja materialmente possível
conceder a todos administrados a isenção da taxa de inscrição, sabe-se que o
benefício pode ser estendido aos que
dele comprovadamente necessitam.
Há que se esclarecer, neste contexto, que a
taxa de inscrição em concurso público não caracteriza tributo, estando
dispensada das exigências do Código Tributário Nacional e da Lei de
Responsabilidade Fiscal quanto à sua isenção.
Em outras palavras, a isenção concedida aos
candidatos hipossuficientes não se equivale à renúncia de receita tributária
por parte do ente federado.
É que sua
instituição ocorre mediante acordo, e não lei, entre o órgão público e a
entidade realizadora do concurso. Ela se destina a cobrir gastos com a execução
do certame[12], em nada
se relacionando ao poder de polícia ou à prestação efetiva/potencial de
serviços públicos[13].
A isenção em apreço, portanto, não se
enquadra no regime da reserva legal e pode ser concedida a quem dela
necessitar, bastando a edição de ato do Poder competente em observância à
máxima efetividade das normas constitucionais.
O Tribunal de Contas de Minas Gerais
novamente se mostrou disposto a interpretar a Constituição de modo a
concretizá-la:
Com efeito, para que
efetivamente se possibilite o cumprimento do objetivo da isenção da taxa de
inscrição, deverá ser incluída no Edital cláusula que possibilite ser beneficiado pela isenção aquele que
comprovadamente seja hipossuficiente, ou seja, sofra limitações financeiras de
modo que o pagamento da inscrição venha a comprometer o próprio sustento ou de
sua família, ainda que receba renda familiar igual ou superior ao
salário mínimo. Assim, a Administração deverá adequar o item indicado, a fim de
possibilitar a participação no certame daqueles que, em razão de limitações de
ordem financeira, não podem pagar a taxa de inscrição[14].
No mesmo sentido:
Não há dúvida de que
tal previsão não pode prosperar. A isenção do pagamento de taxa de inscrição e
os critérios para sua concessão para aqueles que por razões financeiras não
podem arcar com os custos têm amparo constitucional, e sua ausência contraria
os princípios da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e
funções públicas previstos no caput do artigo 5° e inc. I do art. 37 da
Constituição Republicana.
Na jurisprudência
pátria, é pacífico o entendimento de que a omissão de previsão para concessão
de isenção do pagamento de taxa de inscrição no edital de concurso público, ou
sua vedação, contraria as normas legais regulamentadoras da matéria e fere de
morte os preceitos da Constituição da República de 1988[15].
Cabe ressaltar que se
a única problemática for a ausência de Lei
Municipal sobre o tema, deve-se aplicar por analogia (art. 4º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro) os Decretos Federais nº 6.944/09 e
nº 6.593/08, que tratam do assunto:
Decreto Federal nº 6.944/09
Art.
15. O valor cobrado a título de inscrição no concurso público será fixado
em edital, levando-se em consideração os custos estimados indispensáveis para a
sua realização, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente
previstas, respeitado o disposto no Decreto no 6.593, de 2 de outubro de 2008.
Decreto Federal nº 6.593/08
Art.
1º Os editais de concurso público dos órgãos da administração direta, das
autarquias e das fundações públicas do Poder Executivo federal deverão prever a
possibilidade de isenção de taxa de inscrição para o candidato que:
I -
estiver inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal -
CadÚnico, de que trata o Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007; e
II -
for membro de família de baixa renda, nos termos do Decreto nº 6.135, de 2007.
§ 1º
A isenção mencionada no caput deverá ser solicitada mediante requerimento do
candidato, contendo:
I -
indicação do Número de Identificação Social - NIS, atribuído pelo CadÚnico; e
II -
declaração de que atende à condição estabelecida no inciso II do caput.
§ 2º
O órgão ou entidade executor do concurso público consultará o órgão gestor do
CadÚnico para verificar a veracidade das informações prestadas pelo candidato.
§ 3º
A declaração falsa sujeitará o candidato às sanções previstas em lei,
aplicando-se, ainda, o disposto no parágrafo único do art. 10 do Decreto no
83.936, de 6 de setembro de 1979.
Necessário, por todo
o exposto, que a Corte de Contas reconheça que a falta de isenção de inscrição
aos hipossuficientes distancia os cidadãos do caráter
universal e igualitário de acesso aos cargos públicos, constituindo clara afronta ao art. 5º, caput
e ao art. 37, inciso I, da CRFB/88;
A quantidade de inscritos
e a falta de impugnação do edital não são justificativas suficientes para
conferir regularidade ao certame.
Deve-se ressaltar que nem todos os possíveis
interessados detêm noções de cidadania para fazer valer seus direitos, uma vez que estes não costumam ser difundidos nos grandes
meios de comunicação.
A Administração Pública,
por si, deve zelar pela aplicação dos princípios constitucionais,
proporcionando de ofício o acesso direto dos cidadãos aos direitos que lhe são assegurados.
Não sendo tal prática
adotada pela administração, cabe aos órgãos de controle e fiscalização promover
o seu adequado cumprimento.
Ante o exposto, o
Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se por:
1) Julgar
irregular o Edital do Processo Seletivo nº 01/2015 do Município de Piratuba
em razão:
1.1) do prazo de 15 dias, com horário das 7h30 às
11h30, para inscrição c/c inscrição somente
presencial, em afronta ao art. 37,
inciso I, da CRFB/88;
1.2) do formulário de recurso extraído da internet e
sem possibilidade de envio via postal,
em
afronta ao art. 37, inciso I, da CRFB/88;
1.3) da ausência de
delimitação de vagas para deficientes,
em afronta ao art. 37, inciso VIII, da CRFB/88, art. 37, §1º e art. 39, I, do
Decreto nº 3.298/99, art. 35, §1º da Lei nº 12.870/04;
1.4) da ausência de isenção de taxa de inscrição para
hipossuficientes, em afronta ao
art. 5º, caput e ao art. 37, inciso I, da CRFB/88.
2) Aplicar
multa ao Responsável pelas irregularidades elencadas acimas.
3) Aplicar
multa ao Responsável em razão do descumprimento da Decisão Singular nº
68/2015, nos termos do art. 70, §1º
da Lei Complementar no 202/2000.
4) Determinar
à
Prefeitura de Piratuba, no prazo de
trinta dias, que comprove o cumprimento do TAC
extraído do Inquérito Civil nº 06201500001632-8, firmado no âmbito da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de
Capinzal.
5) Dar ciência da Decisão aos interessados.
Florianópolis, 10 de agosto de 2015.
Diogo Roberto Ringenberg
[1] GPDRR 54/2015, fls. 34 a 39
[2] Fl. 150
[3] Consulta de andamento no site
http://www.mpsc.mp.br/servicos/procedimentos-e-processos
[4] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Processo RLI
08/00449991, da Prefeitura de Petrolância, Rel. Julio Garcia, j. 26/06/2013.
[5] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Processo REC
05/04005685, da Secretaria de Estado de Educação e Inovação. Rel. Cleber Muniz
Gavi, j.11/02/2009.
[6] TCE/MG, Edital de Concurso Público n. 797.240/2009, da
Prefeitura Municipal de Volta Grande, Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada.
Sessão do dia 29/09/2009
[7] TCE/MG, Edital de Concurso Público n. 863.084, da
Prefeitura Municipal de Rosário da Limeira, Rel. Conselheiro Eduardo Carona da
Costa. Sessão do dia 22/03/2012
[8] Rui Barbosa, discurso Oração aos Moços na formatura de
1920, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, São Paulo.
[9] http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet2013/default_xls_2013.shtm
item “Utilização da Internet”
[10] CF Art. 74 § 2º Qualquer cidadão, partido político,
associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar
irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.
[11] http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2014/agosto/bolsa-familia-atende-a-mais-de-13-9-milhoes-de-familias-em-agosto;
[12] Artigo da jurista Gina Copola, colacionando
significativa jurisprudência, publicado no sítio dos contabilistas e orçamentistas
do Estado de São Paulo, acopesp.org.br, “A natureza jurídica da taxa de
inscrição nos concursos públicos”.
[13] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do
exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos
a sua disposição;
[14] Tribunal de Contas de Minas Gerais. Edital de Concurso
Público n. 797.073. Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Sessão do dia
15/09/2009
[15] Tribunal de Contas de Minas Gerais. Segunda Câmara —
Sessão: 26/03/09. Relator: Conselheiro substituto Licurgo Mourão. Edital de
Concurso Público n. 772.958. Fundação Uberlandense de Turismo, Esporte e Lazer
— FUTEL