PARECER nº:

MPTC/36790/2015

PROCESSO nº:

REC 15/00163527    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Joaçaba

INTERESSADO:

Joventino de Marco

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE-13/00332279

 

 

 

Versam os autos sobre Recurso de Reconsideração (fls. 3-22) interposto pelo Sr. Joventino de Marco, então Vice-Prefeito Municipal de Joaçaba, em face do Acórdão n. 1.050/2014, dessa Corte de Contas, exarado nos autos do processo TCE n. 13/00332279 (apenso ao processo REP n. 11/00412830), que imputou débito ao recorrente em face da seguinte irregularidade:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59, c/c art. 113 da Constituição Estadual, e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades envolvendo a utilização de bens e prestação de serviços públicos em beneficio de particulares, praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal de Joaçaba, mais especificamente na Secretaria de Infraestrutura e Intendência de Agricultura daquele Município.

6.2. Condenar os Responsáveis adiante identificados ao pagamento dos débitos a seguir especificados, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do montante do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido de juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):

6.2.1. De responsabilidade do Sr. JOVENTINO DE MARCO – Vice-Prefeito Municipal de Joaçaba nos períodos de 2009 e 2010, CPF n. 196.449.739-68, o montante de R$ 77.416,30 (setenta e sete mil, quatrocentos e dezesseis reais e trinta centavos), em face da ocorrência de dano ao erário, atualizado até 22/10/2012, decorrente da realização de serviços de maquinário (hora/máquina) da Secretaria de Infraestrutura (Depto. de Obras) do Município de Joaçaba, sob sua responsabilidade, em propriedades particulares, sem ingresso das receitas nos cofres do Município, em afronta aos arts. 2°, 3°, 6° a 8° e 11 da Lei (municipal) n. 2.754/2001 e 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2.1 do Relatório DMU); [...]. (grifei)

A Diretoria de Recursos e Reexames dessa Corte de Contas emitiu parecer (fls. 23-26v), opinando pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração, com fundamento no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e, no mérito, pelo seu desprovimento, ratificando na íntegra a Deliberação recorrida.

É o relatório.

O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de tomada de contas especial, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelo ato irregular descrito no acórdão ora combatido.

A decisão foi publicada na imprensa oficial em 16/12/2014 e a peça recursal protocolizada nessa Corte de Contas no dia 09/1/2015, portanto, tempestiva.

Logo, encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Quanto ao mérito, o recorrente alega que há, no Poder Judiciário, decisão a ele favorável, declarando a inexistência de qualquer dano ao erário, havendo, consequentemente, coisa julgada em relação a matéria.

Transcreve parte da sentença da Ação Civil Pública n. 037.12.000155-8, que tramitou na 1ª Vara Cível da Comarca de Joaçaba, onde constou que inexistiu dano ao erário e que os réus não praticaram ato de improbidade administrativa.

Ao final, pleiteia a admissão do presente recurso para afastar a imputação de débito, julgando improcedente a tomada de contas, determinando sua extinção.

Não assiste razão ao recorrente quanto às alegações recursais, senão vejamos.

Destaca-se desde já que o responsável não traz nenhum novo elemento ou documentos capazes de elidir sua responsabilidade pela irregularidade cometida, a qual foi exaustivamente demonstrada nos autos do processo TCE n. 13/00332279.

Limitou-se apenas a argumentar que referido assunto foi devidamente apreciado pelo Poder Judiciário, tendo a sentença declaratória da referida ação civil pública afirmado a inexistência de prejuízo à coisa pública, bem como a não ocorrência de ato de improbidade cometida pelo recorrente.

Cumpre destacar o teor do princípio da independência das instâncias, pelo qual a discussão da matéria no âmbito do Poder Judiciário não prejudica a análise do assunto pela Corte de Contas, porque distintas as consequências e as eventuais sanções a que está sujeito o responsável em cada seara.

Tal diferenciação fica ainda mais nítida na leitura do Voto condutor do Acordão exarado no processo TCE n. 04/01728307, da lavra do Conselheiro Salomão Ribas Junior:

Inicialmente, em consulta ao site do Poder Judiciário Catarinense, verifico que a Ação Popular n° 016.04.000822-9, da Comarca de Capinzal, está em curso, atualmente conclusa para Despacho. As últimas movimentações indicam a designação de perito para responder os quesitos abaixo, relativos ao Contrato n° 017/2003: [...]

De modo geral, o exame das irregularidades evidenciadas nos presentes autos não ficaria prejudicado em razão da Ação Popular em trâmite.

Isso porque a competência atribuída a esta Corte de Contas no exame dos atos administrativos é independente da atribuída ao Poder Judiciário.

Ao Tribunal de Contas, por exemplo, é conferido o poder de imputar débito, em processo de prestação ou tomada de contas decorrente de dano ao erário proveniente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, bem como renúncia ilegal de receita; e ainda aplicar multas aos Responsáveis por atos de gestão ilegais, ilegítimos ou antieconômicos dos quais resultem dano ao erário ou ainda atos praticados com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

De outro lado, ao Poder Judiciário incumbe o controle jurisdicional dos atos administrativos, com consequências e eventuais responsabilizações daí decorrentes (grifei).

Destaque-se ser plenamente plausível – e possível – que o fato seja apurado e decidido tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Tribunal de Contas.

Observe-se, que a manifestação deste Órgão Ministerial (e também a decisão desse Tribunal) não se pauta necessariamente na manifestação apresentada pelo Poder Judiciário, a qual concluiu pela improcedência da ação civil pública, por entender que não houve dano ao erário e que não ocorreu qualquer ato de improbidade. Em face do elementar princípio da independência das instâncias civil, criminal e administrativa, imprescindível que a matéria siga seu curso normal nessa Corte de Contas.

Ressalta-se que a questão da independência de instâncias é pacífica no Supremo Tribunal Federal, a exemplo do Mandado de Segurança n. 25.880/DF, julgado em 07/02/2007, por decisão unânime do Tribunal Pleno, da lavra do Relator Min. Eros Grau, cuja ementa segue in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias (grifei).

A matéria que incide especificamente sobre a tramitação de processos em Cortes de Contas e paralelamente no Poder Judiciário já foi objeto de apreciação e deliberação do Tribunal de Contas da União em diversas oportunidades, conforme os julgados adiante registrados:

Processo AC n. 3125-46/13-P, julgado em 20/11/2013:

42. O TCU adota em seus julgados o princípio da independência das instâncias, segundo o qual os trabalhos desenvolvidos em várias instâncias sobre o mesmo fato correm de forma independente, o que pode desencadear condenações simultâneas nas esferas cível, criminal e administrativa. A competência do TCU, insculpida no texto constitucional, é bem ampla e atinge não só administradores públicos, como também pessoas físicas e jurídicas que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

43. Nesses termos, diante da constatação de atos que causem prejuízos ao Erário, o TCU pode, além de imputar débitos, aplicar outras penalidades que podem ser de cunho pecuniário ou não.

Processo AC n. 2169-31/13-P, julgado em 14/08/2013:

Tomada de contas especial. Licitação. Entidade de fiscalização profissional. Esquema entre agentes públicos, empresas e pessoas físicas para fraudar licitações. Questionamento acerca da independência das instâncias judiciária e administrativa. A prossecução de ações em ambas as instâncias é lícita, inexistindo litispendência. Também não há falar em proibição de bis in idem, pois a deliberação pelo TCU não irá se configurar em dupla condenação, mas como julgamento em outra esfera. Contas irregulares. Multa.

Processo AC n. 2059-10/11-1, julgado em 05/04/2011:

14. Nesse sentido, a ementa do Acórdão n. 193/2007 - 2ª Câmara esclarece bem o tema: 'Ementa: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. FRAUDE CONTRA EMPRESA PÚBLICA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. CONTAS IRREGULARES.

1. O prejuízo decorrente de fraude praticada por empregados de empresa pública justifica o julgamento pela irregularidade das contas, a condenação em débito e a aplicação de multa aos responsáveis.

2. A existência de processo judicial não obsta a atuação do TCU, mesmo tendo por objeto as idênticas responsabilidades ora tratadas, haja vista a independência de instâncias e a competência exclusiva do TCU para verificação do emprego de recursos federais.'

15. A propósito, é cediço que o TCU tem competência privativa constitucional e legal em matéria de contas, bem como em processos de fiscalização atinentes a esta Corte, conforme as disposições do art. 71 da Constituição Federal/1988 e do art. 1º da Lei n. 8.443/1992. Logo, sendo o objeto dos autos matéria afeta ao TCU, tem-se por nitidamente inserida nas atribuições específicas desta Corte de Contas.

16. Dessa forma, a prossecução das ações em ambas as instâncias é lícita, inexistindo, portanto, a arguída necessidade de se extinguir o presente processo, tampouco há falar em bis in idem no caso concreto, haja vista que a decisão de mérito a ser prolatada por este Tribunal não configurará dupla apenação - no caso de não-acolhimento das alegações de defesa oferecidas pela empresa -, mas sim será caracterizada como julgamento em outra esfera de forma independente e consentânea com ordenamento jurídico vigente.

17. Vale ressaltar que a questão da independência de instâncias, além de pacificada no âmbito desta Corte de Contas, tem sido sufragada pelo próprio Poder Judiciário (v. Mandados de Segurança ns. 21.948-RJ, 21.708-DF e 23.625-DF, todos do STF; MS 7080-DF, MS 7138-DF e MS 7042-DF, do STJ)."

Processo AC-0301-04/11-P, julgado em 09/02/2011:

30. [...], de acordo com entendimento pacífico desta Corte de Contas, a existência de ações tramitando junto às Justiças comum ou especializada, mesmo tendo por objeto as mesmas responsabilidades aqui tratadas, não obsta a atuação do Tribunal de Contas da União em relação ao julgamento de processo, consoante reiteradas manifestações deste Tribunal, a exemplo do excerto do voto do Ministro Relator Adylson Motta (Acórdão nº 2/2003 - TCU - 2ª Câmara): [...]

Por fim, destaca-se a didática argumentação da Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 26):

Ademais, pelo princípio da independência das instâncias, o processo de Tomada de Contas Especial - TCE não se subordina ou se vincula a eventual ação de ressarcimento do débito ajuizada no âmbito do Poder Judiciário. Obviamente, caso obtido o ressarcimento do dano pela via judicial, não há que se falar em execução do título executivo extrajudicial decorrente da deliberação do Tribunal de Contas que diz respeito à responsabilidade civil.

No entanto, a extinção do processo de tomada de contas especial ou o cancelamento de débito porventura imputado em Decisão desta Corte de Contas não se exaurem em razão da existência de ação judicial. Esta hipótese só será possível quando existir decisão em processo penal declarando a não ocorrência dos fatos que determinaram a sua instauração, fato que não se vislumbra nos presentes autos até o presente momento.

Com efeito, ressalta-se que a Tomada de Contas Especial - TCE se situa no âmbito da responsabilidade civil, correspondendo diretamente à ocorrência de dano e a sua reparação. Assim, é um importante instrumento a cargo dos Tribunais de Contas, no exercício de suas atribuições constitucionais de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, que derem causa a perda, extravio ou outras irregularidades que resulte dano ao erário.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reconsideração, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo hígido o teor do Acórdão n. 1.050/2014.

Florianópolis, 31 de agosto de 2015.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora