PARECER
nº: |
MPTC/37435/2015 |
PROCESSO
nº: |
REP 14/00257074 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Penha |
INTERESSADO: |
|
ASSUNTO: |
Irregularidades em despesas do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente nos exercícios de 2010 a
2012. |
Trata-se de representação encaminhada
pelo então Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Vanderlei Romer, por meio
do Oficio n. 0011649-11.2013.8.24.0600-001 e demais documentos, na qual relata
supostas irregularidades na aplicação
dos recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Penha nos exercícios de 2010 a 2012 (fls. 3-99v).
A
Diretoria de Controle dos Municípios apresentou a informação de fls. 100-104v e
o relatório de instrução de fls. 109-121 (após a juntada dos documentos de fls.
105-108), opinando pela realização de audiência do Sr. Evandro Eredes dos
Navegantes, Prefeito Municipal de Penha nos exercícios de 2010, 2011 e 2012,
para apresentar justificativas acerca da irregularidade descrita no item 1.1.1
da conclusão do relatório técnico em comento.
À fl. 111v, o Conselheiro
Relator determinou a audiência do responsável, que apresentou resposta às fls.
124-186.
Após a juntada dos documentos
de fls. 188-201v, a Diretoria de Controle dos Municípios elaborou novo
relatório (fls. 202-214v), em cuja conclusão sugeriu a
declaração de irregularidade da realização de despesas no montante de R$
70.732,43, com a consequente aplicação de multa ao responsável.
A Diretoria de
Controle dos Municípios, após análise realizada no sistema e-Sfinge, constatou
que o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Penha, nos
exercícios de 2010 a 2012, realizou despesas com recursos vinculados no
montante de R$ 172.509,55 (fls. 112-121).
Das despesas empenhadas, R$ 101.777,12
foram consideradas regulares, conforme se constata às fls. 209-211v, já que se
enquadram no que dispõe o art. 15 da Resolução CONANDA n. 137/2010.
Já a aplicação de R$ 70.732,43 foi considerada irregular, por
afronta ao art. 16 da Resolução CONANDA n. 137/2010, de acordo com a seguinte
tabela:
FIA/EXERCÍCIO |
VALOR IRREGULAR |
Dispositivo Legal em afronta |
FLS. |
Exercício 2010 |
R$
52.569,92 |
Art. 16,
parágrafo único, inciso II da Resolução CONANDA n. 137/2010 |
212-213 |
R$
7.171,51 |
Art. 16, caput e parágrafo único, inciso IV da
Resolução CONANDA n. 137/2010 |
214 |
|
Exercício
2011 |
R$
3.100,00 |
Art. 16, caput e parágrafo único, inciso III da
Resolução CONANDA n. 137/2010 |
213v |
Exercício
2012 |
R$
7.891,00 |
Art. 16,
parágrafo único, inciso II da Resolução CONANDA n. 137/2010 |
213 |
O
responsável sustentou (fls. 124-132), em síntese, que a Lei Municipal n.
2.600/12 representou significativo avanço na política de atendimento à criança
e ao adolescente do Município de Penha. Argumentou que as despesas com o FIA,
do exercício de 2010, foram consideradas irregulares, pois a Lei Municipal n.
2.306/09 (LOA) determinou as diretrizes da receita e despesas para o Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, enquanto a Resolução
CONANDA n. 137/2010 entrou em vigor apenas em 21/01/2010, dificultando a
correta aplicação dos recursos para o exercício de 2010. Aduziu que a partir do
exercício de 2011, o Município de Penha atendeu aos preceitos da Resolução do
CONANDA, tanto que as únicas despesas consideradas irregulares são os empenhos
n. 19/2011, n. 2/2012, n. 3/2012 e n. 4/2012.
Destaca-se
desde já que as justificativas do responsável não merecem prosperar, porquanto
esse Tribunal de Contas já tinha firmado entendimento acerca das despesas
consideradas regulares para a aplicação do FIA, consoante os Prejulgados n. 224
(27/06/1994) e n. 1.832 (14/11/2006), bem anteriores à publicação da Resolução
CONANDA n. 1372010.
Com relação
à afirmativa do responsável no sentido de que começou a cumprir as
determinações da Resolução CONANDA n. 137/2010 já em 2011, o argumento também
não merece acolhida, pois, conforme o processo PCP n. 12/00129447, referente à
Prestação de Contas do Prefeito no exercício de 2011, 14,67% do recurso total
do FIA foi destinado ao pagamento de despesas com manutenção, pagamento e
funcionamento do Conselho Tutelar, o mesmo fato aconteceu no exercício de 2012,
conforme a análise do processo PCP n. 13/00328085, do qual se extrai que
praticamente a totalidade dos recursos do FIA, ou seja, 99,71%, foi destinada a
pagamentos de despesas relacionadas ao Conselho Tutelar, o que afronta o art.
16, parágrafo único, inciso II, da Resolução CONANDA n. 137/2010.
A Diretoria
de Controle dos Municípios, ao analisar o processo PCP n. 12/00129447, já havia
alertado o responsável acerca das irregularidades relacionadas ao FIA, no
entanto, nenhuma medida foi adotada no sentido de evitar a continuidade de tais
anomalias, tanto que na Prestação de Contas do Prefeito do exercício seguinte a
irregularidade foi novamente observada (processo PCP n. 13/00328085).
A
legislação que estabelece os critérios de criação e funcionamento do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA) é a Resolução n.
137/2010 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), que em seu art. 15 define a aplicação dos recursos do FIA, conforme
segue:
Art. 15.
A aplicação dos recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente,
deliberada pelo Conselho de Direitos, deverá ser destinada para o financiamento
de ações governamentais e não-governamentais relativas a:
I -
desenvolvimento de programas e serviços complementares ou inovadores, por tempo
determinado, não excedendo a 3 (três) anos, da política de promoção, proteção,
defesa e atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
II -
acolhimento, sob a forma de guarda, de criança e de adolescente, órfão ou
abandonado, na forma do disposto no art. 227, § 3º, VI, da Constituição Federal
e do art. 260, § 2º da Lei n° 8.069, de 1990, observadas as diretrizes do Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária;
III -
programas e projetos de pesquisa, de estudos, elaboração de diagnósticos,
sistemas de informações, monitoramento e avaliação das políticas públicas de
promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos da criança e do
adolescente;
IV -
programas e projetos de capacitação e formação profissional continuada dos
operadores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente;
V -
desenvolvimento de programas e projetos de comunicação, campanhas educativas,
publicações, divulgação das ações de promoção, proteção, defesa e atendimento
dos direitos da criança e do adolescente; e
VI -
ações de fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente, com ênfase na mobilização social e na articulação para a defesa
dos direitos da criança e do adolescente.
O que se registrou no presente processo foi a realização de despesas
irregulares, ou seja, despesas com pagamento, manutenção e funcionamento do
Conselho Tutelar, do próprio Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente,
e, ainda, despesas relacionadas à assistência social, gastos os quais chegaram
à importância de R$ 70.732,43, em afronta ao art. 16, caput e parágrafo único, incisos II, III e IV da Resolução CONANDA
n. 137/2010, in verbis:
Art. 16. Deve ser vedada a utilização dos recursos
do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para despesas que não se
identifiquem diretamente com a realização de seus objetivos ou serviços
determinados pela lei que o instituiu, exceto em situações emergenciais ou de
calamidade pública previstas em lei. Esses casos excepcionais devem ser
aprovados pelo plenário do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas
no caput, deve ser vedada ainda a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos
da Criança e do Adolescente para:
I - a transferência sem a deliberação do respectivo
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
II - pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar;
III - manutenção e funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente;
IV - o financiamento das políticas públicas sociais básicas, em caráter
continuado, e que disponham de fundo específico, nos termos definidos pela
legislação pertinente; e
V - investimentos em aquisição, construção,
reforma, manutenção e/ou aluguel de imóveis públicos e/ou privados, ainda que
de uso exclusivo da política da infância e da adolescência. (grifei)
Os recursos do FIA devem ser utilizados exclusivamente para projetos que
assegurem a proteção e a defesa da criança e do adolescente, não sendo
admitidas despesas para fins diversos.
Nesse Tribunal de Contas destacam-se os seguintes Prejulgados sobre o
assunto:
Prejulgado
n. 224:
As
despesas a serem realizadas à conta do Fundo Municipal dos Direitos da Criança
e do Adolescente são aquelas pertinentes à execução das suas atividades, na
forma da legislação aplicável, em especial a Lei nº 8.069, de 13.06.90(Estatuto
da Criança).
Prejulgado n. 1.832:
[...]
3. Os recursos do Fundo de Direitos da Criança
e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas, projetos e
atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do
adolescente.
4. A definição das despesas que podem ser
custeadas com recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao
seu gestor, a quem compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o
objeto do gasto está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção
sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como
se está em conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo
fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Em situação análoga ao presente caso, essa Corte de Contas pronunciou-se
da seguinte maneira nos autos do processo PCA n. 11/00227501:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar
(estadual) n. 202/2000, em: [...]
6.2. Aplicar ao Sr. Ademar Felisky - Gestor
do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ilhota em 2010,
CPF n. 640.694.789-49, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar (estadual)
nº 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de
R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face da aplicação de recursos do Fundo, no
valor de R$ 91.518,48, em despesas que não se referiam exclusivamente a
programas, projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao
atendimento da criança e do adolescente (aplicação na manutenção e
funcionamento do Conselho da Criança e do Adolescente, despesa relacionada à
assistência social e despesas com aluguel de imóvel), em desacordo com os arts.
15 e 16, da Resolução Conanda n. 137/2010 c/c os arts. 2º, I, da Lei n.
8.242/91 e 16, IV, da Lei Complementar (municipal) n. 008/2003 (item
5.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da
publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas,
para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o
que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar
(estadual) n. 202/2000. (grifei)
Salienta-se, ainda, que o Ministério da Justiça elaborou cartilha[1]
acerca da finalidade de aplicação dos recursos do FIA. Veja-se:
É
equivocada a ideia de que todos os programas e serviços de atendimento a
crianças e adolescentes devam ser custeados com recursos desse fundo especial.
Dessa maneira, um programa de tratamento para drogadição, por exemplo (CF:
artigo 227, §3º, inciso VII; ECA: artigo 101, inciso VI), deve ser custeado com
recursos próprios do orçamento dos órgãos responsáveis pelo setor de saúde; um
programa de apoio e promoção à família (CF: artigo 226, caput e §8; ECA:
artigos 90, incisos I e II, e 129, inciso I) deve ser custeado com dotações
próprias da área da assistência social e assim por diante, devendo o orçamento
próprio de cada órgão da administração prever recursos privilegiados para a
implementação e manutenção das políticas públicas relacionadas com a proteção à
infância e à juventude (ECA: artigo 4º, parágrafo único, alínea d).
TCE/SC Fls.
Por sua vez, importante transcrever as atribuições do
gestor do FIA no Município de Penha, conforme disposto nos arts. 21 e 22,
inciso II da Lei Municipal n. 2.600/12:
Art. 21. O
Poder Executivo deve designar os servidores públicos que atuarão como gestor
e/ou ordenador de despesas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, para o financiamento ou co-financiamento dos programas de
atendimento, executados por entidades públicas e privadas.
Art. 22. São
atribuições do gestor do FIA: [...]
II – executar
e acompanhar o ingresso de receitas e o pagamento das despesas do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;
Como
se vê, cabe ao gestor administrar os recursos do FIA avaliar, no momento da
autorização da despesa, se os gastos
autorizados estão inseridos nos programas voltados à proteção da criança e do
adolescente.
Enfim,
não obstante a resposta do responsável (fls. 124-186), a análise de toda a documentação que
compõe o presente processo e o exame da Diretoria de Controle dos Municípios no
relatório de fls. 202-214v evidenciam o mau uso dos recursos destinados ao
Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Penha nos
exercícios de 2010, 2011 e 2012.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, manifesta-se pela IRREGULARIDADE,
com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, do ato descrito no item 1.1 da conclusão do relatório de fls.
202-214v, com a consequente APLICAÇÃO
DE MULTA ao responsável, Sr. Evandro Eredes dos
Navegantes, Prefeito Municipal de Penha nos exercícios de 2010 a 2012, com
fundamento no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.
Florianópolis, 25 de setembro de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e Conselho
Tutelar: orientações para criação e funcionamento/Secretaria Especial dos
Direitos Humanos. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
Adolescente – CONANDA, 2007. p. 25.