PARECER nº:

MPTC/38633/2015

PROCESSO nº:

TCE 14/00305656    

ORIGEM:

Celesc Distribuição S.A.

INTERESSADO:

Cleverson Siewert

ASSUNTO:

Supostas irregularidades referentes à receita da Agência

 

 

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada pelo Tribunal de Contas, em atendimento à Decisão n. 5454/2014 (fls. 638-638v) exarada pelo Tribunal Pleno quando do julgamento do processo RLA n. 14/00305656, que versava sobre auditoria ordinária realizada para verificação de procedimentos relativos à arrecadação de receita da Agência Regional de Florianópolis da Celesc Distribuição S.A.. A proposta de conversão do relatório de auditoria em Tomada de Contas Especial foi realizada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual após a realização de auditoria in loco na Unidade Gestora no mês de maio de 2014, conforme relatório de fls. 610-629, e a mencionada decisão do Tribunal Pleno restou vazada nos seguintes termos:

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Converter o presente processo em “Tomada de Contas Especial”, nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades apontadas no Relatório DCE n. 210/2014.

6.2. Determinar a citação dos responsáveis a seguir nominados, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento da deliberação, com fulcro no art. 46, inciso I, alínea “b”, desse diploma legal, c/c o art. 124 do Regimento Interno deste Tribunal, apresentarem alegações de defesa acerca das irregularidades a seguir trazidos, ensejadoras de imputações de débitos e/ou aplicações de multas previstas nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000:

6.2.1. MARIA CLÉIA TURNES DEMÉTRIO, qualificada nos autos:

6.2.1.1. Em razão dos indícios de dano aos cofres da Celesc Distribuição S.A., no montante de R$ 213.140,76, decorrente de reduções indevidas de contas de clientes, contrariando disposições regulatórias (Resoluções n. 414/2000 e 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica), o Manual de Organização das Agências Regionais Tipo I, o Código de Conduta Ética da Estatal e o Princípio da Moralidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), conforme o item 2.1 do Relatório n. 210/2014;

6.2.1.2. Pela ausência de controle e gerenciamento de notificações e suspensões de fornecimento de energia elétrica de clientes inadimplentes, contrariando o Manual de Organização das Agências Regionais Tipo I, o Código de Conduta Ética da Estatal e o Princípio da Moralidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), conforme o item 2.2 do Relatório n. 210/2014;

6.2.1.3. Por ter permitido que o Sr. Joaquim Pereira Demétrio, seu marido e subordinado, exercesse atividade privada conflitante com sua competência funcional, no horário de expediente, se utilizando de informações privilegiadas, contrariando o Manual de Organização das Agências Regionais Tipo I e o Código de Conduta Ética da Estatal, conforme descrito no item 2.3 do Relatório DCE n. 210/2014.

6.2.2. SAMARA SILVA DE SOUZA, qualificada nos autos:

6.2.2.1. Pela ausência de notificações e suspensões de fornecimento de energia elétrica de clientes inadimplentes, contrariando o Manual de Organização das Agências Regionais Tipo I, o Código de Conduta Ética da Estatal e o Princípio da Moralidade (art. 37, caput, da Constituição Federal/1988), conforme o item 2.2 do Relatório n. 210/2014.

6.3. Determinar, cautelarmente, ao Presidente da Celesc Distribuição S.A., com fulcro no art. 73 e parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, sob pena de responsabilidade solidária, que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a contar da data da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal, proceda ao afastamento temporário da funcionária da Celesc Distribuição S.A., Sra. MARIA CLÉIA TURNES DEMÉTRIO (matrícula 9910), da função de Chefe da Divisão Comercial da Agência Regional de Florianópolis, considerando que, se mantida em sua função, poderá causar novos danos ao erário, conforme o item 2.1 do Relatório DCE n. 210/2014. Ressalta-se que o afastamento da servidora dar-se-á somente quanto ao exercício da referida função de confiança, pois é nesta condição que poderá causar novos danos à Companhia, não havendo, portanto, prejuízo ao exercício do emprego público que integra no quadro funcional da Celesc Distribuição S.A.

6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DCE n. 210/2014, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação e ao Presidente da Celesc Distribuição S.A., Sr. Cleverson Siewert, para cumprimento do item 6.3 desta Decisão.

Dessa forma, foi realizada a citação dos responsáveis para a apresentação de alegações de defesa sobre as irregularidades que lhe foram imputadas. A Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, após o deferimento da solicitação de prorrogação de prazo para apresentação de defesa, remeteu as justificativas e documentos de fls. 668-790.

Já a Sra. Samara Silva de Souza foi citada no dia 09/12/2014 (fl. 642v), tendo protocolizado requerimento de prorrogação do prazo para defesa em 02/02/2015 (fl. 644), o qual restou deferido. Dessa forma, foi expedido o Ofício TCE/SEG n. 1017/2015 (fl. 660) comunicando a responsável que o prazo final para a apresentação da defesa seria o dia 12/03/2015. Ocorre que as alegações de defesa da Sra. Samara foram protocoladas nesse Tribunal apenas em 22/04/2015 (fls. 793-799), ou seja, intempestivamente.

À fl. 805, entendeu a reinstrução, no entanto, que a defesa não deveria ser considerada intempestiva, pois não haveria nos autos comprovação de que a responsável tivesse sido efetivamente notificada acerca do deferimento de seu pedido de prorrogação de prazo. Note-se, todavia, que caso a responsável de fato não tivesse ciência da prorrogação concedida, estaria, de qualquer maneira, enquadrada no art. 124, § 2º, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, dispositivo que determinava, à época, que na falta de manifestação sobre o pedido de prorrogação de prazo para resposta de citação, considerar-se-á prorrogado o prazo por período igual ao anteriormente fixado. Ou seja, a prorrogação foi expressamente deferida, mas mesmo se esse Tribunal tivesse silenciado quanto ao pedido – interpretação que teve a responsável ao, aparentemente, não ter recibo qualquer resposta sobre seu pleito – o prazo para apresentar sua resposta permaneceria o dia 12/03/2015, não havendo qualquer motivo que justifique a apresentação de sua manifestação mais de um mês após o prazo final. Dessa forma, a defesa apresentada pela Sra. Samara Silva de Souza deve ser considerada intempestiva, o que não impede sua efetiva análise no item 4 deste parecer.

A Diretoria de Controle da Administração Estadual emitiu o relatório de reinstrução de fls. 801-823v, sugerindo o julgamento irregular das contas em análise, com a imputação de débito no valor de R$ 213.140,76 e a aplicação das multas descritas nos itens 3.3.1 e 3.3.2 à Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, bem como a aplicação da multa indicada no item 3.4.1 à Sra. Samara Silva de Souza, todos da conclusão do referido relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso II da Constituição do Estado de Santa Catarina; art. 1º, inciso III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c o art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passo, assim, à análise das irregularidades apontadas pela área técnica desse Tribunal, não sem antes apreciar a preliminar de mérito aventada pela Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio.

1.     Preliminar de incompetência dessa Corte de Contas.

A responsável Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio apresentou suas alegações de defesa e documentos às fls. 668-790, pugnando, preliminarmente, que seja determinada “prejudicada” (fl. 706) a apuração realizada nos presentes autos, em atenção ao princípio do juiz natural, tendo em vista que foi instaurado no âmbito da Celesc um Inquérito Administrativo para analisar os atos objetos do presente processo, que resultou na ausência de aplicação de sanções disciplinares àquela empregada.

A preliminar aventada pela responsável é desarrazoada, pois esse Tribunal de Contas não se encontra vinculado às conclusões da comissão processante da Celesc que apurou as irregularidades que serão aqui analisadas, tendo em vista que lá foi analisada a conduta disciplinar da responsável enquanto empregada da Celesc, ao passo que aqui se perquire sua conduta enquanto responsável por recursos públicos.

Além disso, o controle externo exercido por esse Tribunal em nada fere o mencionado princípio do juiz natural, já que não foi instituído qualquer tribunal de exceção e a autoridade que julgará as contas é a competente para tanto.

Dessa forma, a preliminar aventada pela responsável não merece ser acolhida.

2.     Irregularidades em processos de apuração de fraudes na medição de consumo de energia elétrica.

A auditoria realizada na Agência Regional de Florianópolis da Celesc Distribuição S.A. constatou a existência de sindicância (fls. 06-184) naquele órgão que apurou, relativamente à redução indevida de faturas de consumo de energia elétrica, duas irregularidades em procedimentos instaurados para a apuração de fraude nas medições de consumo.

A primeira irregularidade refere-se à unidade consumidora n. 26588219, em razão de redução indevida no valor da fatura elétrica, que de R$ 131.853,75, passou para R$ 16.323,97, ocasionando, um dano, portanto, de R$ 115.529,78.

Conforme se extrai do mencionado relatório de sindicância (fls. 24-26), a análise do medidor instalado na UC n. 26588219 evidenciou a “utilização de dispositivos para injeção de corrente contínua no enrolamento da bobina de potencial, com o objetivo de levá-la ao rompimento”, o que implicou na conclusão pelo “indício de fraude no funcionamento do referido medidor” (fl. 24).

Dessa forma, procedeu-se à revisão do faturamento daquela unidade consumidora, chegando-se ao valor de R$ 131.853,75 cobrado a menor do consumidor no período de 23/05/2009 a 10/04/2012.

Ocorre que, em que pese o indeferimento dos recursos contra a cobrança protocolados pelo responsável pela unidade consumidora junto à Agência Regional de Florianópolis e à Agência Nacional de Energia Elétrica (fls. 134-137 e 139-140), a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, então Chefe da Divisão Comercial da Agência Regional da Celesc de Florianópolis, determinou em 05/12/2012 (fl. 142) que fosse revisado o faturamento da unidade consumidora em questão, na forma do art. 132, § 1º, e art. 130, inciso II, da Resolução n. 414/2010 da Aneel, o que implicou em uma redução de R$ 115.529,78 no valor que havia sido apurado.

Em suas alegações de defesa (fls. 668-707), a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio alegou, em suma, que o recálculo do faturamento da UC n. 26588219 foi definido por ela em conjunto com o empregado Rodrigo Manoel Pires, pois foram constatados no medidor apenas “indícios” de irregularidade. Logo, teriam optado por calcular o valor devido como decorrente de deficiência técnica e não como fraude, o que gerou a redução no valor da fatura de R$ 131.853,75 para R$ 16.323,97.

Note-se, no entanto, que conforme se extrai do relatório da sindicância que apurou a presente irregularidade (fl. 25), o referido Sr. Rodrigo Manoel Pires esclareceu que não concordou com a revisão determinada pela Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, tendo inclusive a alertado sobre a decisão da Aneel que considerou correta a forma de cálculo empregada pela Celesc. Ele apontou, ainda, a relação de amizade existente entre a Sra. Maria Cléia e os responsáveis pela unidade consumidora em questão, sendo que ela teria declarado que eles se tratavam de pessoas idôneas e religiosas, muito amigos dela, e que jamais fraudariam o controle de fornecimento de energia elétrica.

Como se não bastasse o indício de favorecimento pessoal por parte da responsável, deve ser ressaltada a total incompetência da Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio para determinar o recálculo do faturamento da unidade consumidora em análise.

Com efeito, a responsável admite à fl. 685 que não lhe competia identificar a ocorrência ou não de fraude em uma unidade consumidora, sendo essa atribuição de outro setor. O setor responsável, por sua vez, anotou a existência de indícios de fraude na UC n. 26588219, mas a Sra. Maria Cléia ignorou essa conclusão e entendeu que não havia fraude naquele caso, mas tão somente deficiência técnica.

Além disso, note-se que, efetuado o cálculo do faturamento que resultou na cobrança de R$ 131.853,75, o consumidor interessado protocolou recursos junto às instâncias competentes, a Agência Regional da Celesc de Florianópolis e a Agência Nacional de Energia Elétrica, sendo que ambos foram indeferidos com fundamento no acerto do cálculo que havia sido realizado. Dessa forma, a responsável excedeu suas atribuições funcionais ao rever cálculo baseado em perícia técnica a qual não tinha competência para contestar, bem como ao rever decisão tomada por instâncias superiores.

Nesse sentido, a Diretoria de Controle da Administração Estadual pontuou que (fls. 808v-809):

Neste particular, resta claro que a conduta praticada pela responsável excedeu às atribuições funcionais pertinentes ao exercício da função da chefia que ocupava dentro da estrutura da estatal.

Salienta-se, em conformidade com o apontado no Relatório de Auditoria nº DCE/CEST/Div.4 nº 210/2014 (fls. 612 e 612-v), que, após ter tomado ciência da correção de sua fatura, o responsável pela UC 26588219 interpôs recurso, junto à ARFLO, a fim de que fosse efetuada nova avaliação do registro de consumo de energia elétrica (fls. 135 a 137), sendo indeferido pelo Chefe dessa Agência, considerando que fora constatado o uso de subterfúgio visando à redução de consumo, conforme se infere da resposta formal acostada à 134, datada de 31/05/2012.

Não concordando com o indeferimento de seu pleito, a UC 26588219 interpôs novo recurso, dessa vez, junto à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, sendo este igualmente indeferido em 20/11/2012, ante a confirmação de que a distribuidora havia utilizado corretamente o critério estabelecido no inciso IV, alínea “a” do art. 72 da Resolução nº 456, de 2000 (fls. 139 e 140).

Contudo, mesmo após esgotadas a vias próprias para a revisão da decisão tomada pela concessionária (a qual avalizada pela ANEEL), a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, na data de 05/12/2012, determinou a revisão do faturamento (já corrigido, em virtude utilização de subterfúgio no medidor) da UC 26588219, conforme se infere do expediente à fl. 142.     

Portanto, a responsável praticou conduta que, além de inoportuna, excedeu às suas atribuições funcionais. Conforme reconhece, em suas alegações de defesa (fl. 685), a constatação da fraude havia sido evidenciada em setor diverso daquele em que estava lotada, já que tal procedimento não fazia parte de suas atribuições.

Conclui-se que, de forma inversa, a revisão do procedimento de constatação da fraude, igualmente, não fazia parte de suas atribuições. E mais, em virtude do indeferimento dos recursos apresentados pelo consumidor, o débito apurado, em razão da fraude, consolidou-se para a concessionária, sendo vedado a preposto ou empregado seu, a revisão do mesmo. À responsável cabia apenas proceder ao cumprimento da decisão tomada pela estatal, a qual se encontrava respaldada por parecer exarado pela ANEEL.

De outra parte, ainda, remanescia ao consumidor (e somente a ele), caso entendesse como indevido o débito, a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, como via adequada à discussão da questão.

Com tudo isso, a revisão do cálculo do valor devido pela UC n. 26588219 foi indevido, resultando em um dano no valor de R$ 115.529,78 que deve ser imputado a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio.

A segunda irregularidade constatada em processos de apuração de fraudes na medição de consumo de energia elétrica ocorreu na unidade consumidora n. 44578310, pois, assim como no caso analisado acima, a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio determinou, imotivadamente, a redução do valor do débito apurado em R$ 89.901,15 para R$ 11.457,20, ocasionando um dano de R$ 78.443,95.

Nessa unidade consumidora, o laudo de inspeção acostado à fl. 149 relata que o medidor estava com a tampa perfurada/quebrada, com dois fios fazendo um curto-circuito entre as correntes de entrada e saída do medidor. Dessa forma, apurou-se que o valor do débito relativo ao período de janeiro/2012 a outubro/2012 perfazia R$ 89.901,15 (fls. 151-153).

Ocorre que, embora o consumidor interessado sequer tenha se insurgido quanto ao cálculo efetuado[1], a Sra. Maria Cléia determinou (fl. 158 e 184) a sua revisão, considerando a irregularidade apenas a partir de outubro/2012, o que implicou na diminuição do débito para R$ 11.457,20.

No tocante a essa unidade consumidora, a responsável alega (fls. 684-685) que foi informada pelo empregado Rodrigo Manoel Pires que havia erro na memória de massa do medidor, sendo que a irregularidade na medição teria iniciado apenas em outubro/2012, de maneira que determinou a revisão do cálculo a partir dessa data.

Essa versão, no entanto, não encontra amparo nos documentos acostados aos autos, notadamente do depoimento prestado pelo mencionado Sr. Rodrigo Manoel Pires (fls. 160-162) à comissão da sindicância instaurada para apurar essa mesma irregularidade, em que afirma que comunicou a Sra. Maria Cléia que o cálculo do débito inicialmente realizado para a UC n. 44578310 estava correto e que, diante da ordem para que fosse recalculado o valor, solicitou a formalização da ordem (fl. 184).

Dessa forma, considerando que os argumentos apresentados pela responsável não são hábeis a afastar as irregularidades, as restrições ora em análise devem ser mantidas, com a imputação de débito no valor de R$ 193.973,73 (R$ 115.529,78 referente à UC n. 26588219 e R$ 78.443,95 referente à UC n. 44578310) a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio.

3.     Irregularidades em processos de manutenção de faturas de consumo de energia elétrica.

Assim como nas irregularidades analisadas no item anterior deste parecer, constatou-se que a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio determinou a redução dos valores de faturas de outras 3 unidades consumidoras da Celesc, diferenciando-se estas, daquelas, pela ausência de apuração de fraude na verificação do consumo de energia elétrica.

No tocante à unidade consumidora n. 29612455, foi verificada uma deficiência do medidor em razão de uma incoerência de data em seu sistema (fls. 540-541). Dessa forma, a fatura relativa ao mês de março/2013 foi baseada na média dos valores faturados nos últimos 12 ciclos de faturamento daquele consumidor, nos termos do que determina o art. 115, inciso II, da Resolução 414/2010 da Aneel, resultando no débito no valor de R$ 19.281,98.

No entanto, em 25/03/2013 a responsável optou por reduzir o valor da fatura para R$ 9.270,03, o que, em suas alegações de defesa, atribuiu ao aparelho de medição estar “sem parâmetros”, de maneira que teria calculado o consumo pela proporcionalidade da medição (fls. 682-683).

Ocorre que, conforme foi registrado no relatório de sindicância que também apurou esse fato (fl. 22), essa base de cálculo não tem previsão legal, não tendo sido compreendida pelos próprios técnicos responsáveis da Celesc. Dessa forma, a redução efetuada pela responsável foi irregular, já que sem amparo legal, devendo ser-lhe imputado débito no valor de R$ 10.011,95.

A segunda unidade consumidora que teve seu valor alterado pela Sra. Maria Cléia foi a n. 32149596, de maneira que a fatura relativa ao mês de janeiro/2013, que inicialmente foi calculada em R$ 20.027,77, passou para R$ 13.291,46. A responsável argumenta (fls. 681-682) que, atendendo a recurso do consumidor (fl. 715), procedeu à troca da modalidade tarifária e consequente revisão do cálculo da fatura, pois teria ocorrido falha de orientação ao consumidor que acabou ultrapassando a demanda de consumo de energia elétrica contratada ao dobrar a potência de um transformador que era utilizado. Sustenta, ainda, que não houve dano à Celesc, pois foi cobrada a demanda efetivamente medida.

Perceba-se, no entanto, que é obrigação do consumidor solicitar a alteração da demanda contratada com a Celesc. Essa informação está disponível no site da distribuidora de energia elétrica, conforme se nota do documento de fl. 588, bem como do Contrato de Fornecimento de Energia Elétrica e das correspondentes Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica que são firmados pelas partes no ato de ativação de determinada unidade consumidora[2]. Sobre o tema, dispõe o contrato firmado entre consumidor e Celesc que:

CONDIÇÕES PARA REVISÃO DA DEMANDA CONTRATADA

CLÁUSULA SÉTIMA

Na hipótese de haver aumento ou redução das demandas contratadas, deverá ser celebrado Termo de Alteração Contratual, contemplando os novos valores de demanda, sendo que o prazo de vigência será o estipulado no Contrato de Fornecimento, com a respectiva renovação automática.

[...]

CLÁUSULA OITAVA

Qualquer aumento do montante da carga instalada que provoque elevação da demanda passível de ultrapassar a potência disponibilizada pelo sistema elétrico deverá ser previamente submetido à apreciação da Celesc para a verificação da possibilidade e/ou adequação do atendimento.

PARÁGRAFO PRIMEIRO

Todos os pedidos de aumento das demandas contratadas, indicadas no Contrato de Fornecimento, deverão ser protocolados na Celesc até o último dia útil que anteceda a data da leitura, conforme calendário de leitura e faturamento previamente definido e divulgado pela Celesc, do faturamento anterior à vigência dos novos valores solicitados. Neste caso a Celesc terá o prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar da data do protocolo para efetuar os estudos necessários, devendo oficializar resposta ao consumidor, condicionado o atendimento: [...]

PARÁGRAFO SEGUNDO

O Consumidor somente poderá energizar a carga solicitada, após ter recebido sua liberação, através de comunicação oficial da Celesc.

[...] (grifei)

Nesse mesmo sentido, o documento intitulado Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica também apresenta diversas menções ao tema que, por sua importância, merecem ser transcritas:

8. LEITURA E FATURAMENTO

[...]

8.6. - Ultrapassagem da demanda: Sem prejuízo da suspensão do fornecimento, a parcela de demanda máxima registrada no período de faturamento que exceder em cada segmento horo-sazonal a demanda contratada, será aplicada a tarifa de ultrapassagem [...]

11. RESPONSABILIDADES

[...]

11.6. – O consumidor será responsável pelo pagamento das diferenças resultantes da aplicação de tarifas no período em que a unidade consumidora esteve incorretamente classificada, não tendo direito a quaisquer diferenças eventualmente pagas a maior quando constatada, pela Celesc, a ocorrência dos seguintes fatos:

[...]

II – omissão das alterações supervenientes que importarem em reclassificação (grifei).

Como se vê, o consumidor responsável pela UC n. 32149596 descumpriu diversas normas que exigiam a prévia solicitação de aumento da demanda contratada, mas, ao invés de aplicar ao consumidor as penalidades previstas no contrato, a Sra. Maria Cléia optou por recalcular o valor da fatura devida, ignorando a ultrapassagem de demanda e alterando a modalidade tarifária daquela unidade de consumo. Dessa forma, a irregularidade está inequivocamente configurada.

Diverge-se da Área Técnica desse Tribunal, no entanto, quanto à responsabilização em razão da presente restrição, pois, embora a conduta da Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio tenha sido irregular, não resultou em dano ao erário propriamente dito, tendo em vista que o valor cobrado do consumidor foi de fato aquele correspondente ao seu consumo, sendo que a divergência nos valores entre a fatura inicialmente lançada e aquela alterada pela responsável deve-se somente à alteração da modalidade tarifária. Logo, deve ser aplicada apenas multa à responsável em razão dessa inconsistência.

Se o consumidor tivesse solicitado a alteração tarifária, o novo valor da tarifa seria justamente aquele que a responsável indicou. Nesse passo, entendo que não persiste o débito, em face da ausência de prejuízo real para a Celesc com essa diminuição do valor da fatura.

Por fim, também ocorreu redução no valor da fatura da unidade consumidora n. 23661926, que de R$ 7.715,93 passou para R$ 5.297,16. Com efeito, em razão da impossibilidade de acesso para a realização da leitura do medidor dessa unidade consumidora na data de 10/01/2013, a fatura referente ao mês de janeiro/2013 foi calculada nos termos do art. 87, caput da Resolução n. 414/2010 da Aneel, considerando, portanto, as médias aritméticas dos valores faturados nos 12 últimos ciclos de faturamento.

Quanto a essa nova redução do valor de uma fatura, a responsável aduz (fls. 680-681) que foi constatado que a empresa que funcionava na unidade consumidora em questão estava com suas atividades paralisadas, tendo inclusive solicitado, em 17/05/2012, a redução da demanda contratada, o que foi indeferido pelo setor competente da Celesc. Afirma, no entanto, que temendo a propositura de eventual medida judicial, utilizou sua parcela de discricionariedade para retificar a mencionada fatura, considerando para fins de cobrança o valor de consumo mínimo.

Percebe-se, portanto, que mais uma vez a responsável agiu em desconformidade com as atribuições que lhe eram inatas, extrapolando sua competência para rever decisão do setor competente da Celesc que, por razões que não cabem aqui analisar, não autorizou a redução de demanda pleiteada pelo consumidor interessado. Por sua vez, o manto da parcela de discricionariedade inerente aos administradores públicos não pode ser utilizado pela responsável como subterfúgio para ações que afrontam diretamente uma decisão tomada pelo setor competente e, ainda, a Resolução da Aneel que, sem margem para a análise da conveniência e oportunidade do gestor, estabelece determinada regra para o cálculo da tarifa de consumo energia elétrica.

Dessa forma, a redução no valor da tarifa da UC n. 23661926 foi irregular, devendo ser imputado débito a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio no valor descontado de R$ 2.418,77.

Com tudo isso, em razão de redução nas faturas das unidades consumidoras n. 29612455 e 23661926 com a adoção de critérios de apuração de consumo não previstos na normatização regulatória do setor elétrico, deve ser imputado débito a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio no valor de R$ 12.430,72, em razão da redução indevida da fatura da unidade consumidora n. 32149596.

4.     Irregularidades relativas à notificação e à suspensão de energia elétrica de clientes inadimplentes.

A Diretoria de Controle da Administração Estadual apurou, na auditoria in loco realizada na Agência Regional da Celesc de Florianópolis, que no primeiro quadrimestre do ano de 2014 os consumidores inadimplentes não foram devidamente notificados dessa condição e, consequentemente, não tiveram o fornecimento de energia elétrica suspenso.

Conforme o Manual de Organização das Agências Regionais da Celesc Tipo I (fls. 544-564), os setores responsáveis pela omissão em promover a notificação dos clientes com faturas em atraso são a Divisão Comercial e seu correspondente setor de Supervisão de Gestão e Arrecadação, chefiados, respectivamente, pela Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio e Sra. Samara Silva de Souza.

A Sra. Maria Cléia sustenta (fls. 694-699), em síntese, que as notificações aos consumidores inadimplentes não foram realizadas via postal, pois, no período analisado pela auditoria – primeiro quadrimestre de 2014 –, a Celesc não tinha contrato ativo de prestação de serviços de notificação dos clientes. Alega, portanto, que as cobranças eram efetuadas por via telefônica, o que, segundo ela, apresentou resultados bastante positivos.

Note-se, no entanto, que a responsável não realizou a mínima prova do alegado, limitando-se a aduzir que a Celesc não dispunha do serviço de notificação dos clientes – o que, se fosse comprovado, poderia eximi-la de responsabilidade –, sem ao menos juntar cópia dos instrumentos contratuais firmados por aquela Companhia a fim de prover subsídios para que este Órgão Ministerial analisasse as vigências dos contratos e, consequentemente, a veracidade do que foi declarado. Além disso, a busca por esses contratos no endereço eletrônico[3] da Celesc também não foi exitosa, impossibilitando por completo esta Procuradora a acolher os argumentos apresentados pela responsável.

Ainda, a alegação da Sra. Maria Cléia no sentido de ter efetuado a cobrança dos créditos pendentes por via telefônica também não afasta sua responsabilidade, pois esse procedimento não está resguardado pelos arts. 172 e 173 da Resolução n. 414/2010 da Aneel, que exigem que seja enviada notificação escrita ao consumidor inadimplente. Veja-se:

Art. 172. A suspensão por inadimplemento, precedida da notificação prevista no art. 173, ocorre pelo:

I – não pagamento da fatura relativa à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica;

[...]

Art. 173. Para a notificação de suspensão do fornecimento à unidade consumidora, prevista na seção III deste Capítulo, a distribuidora deve observar as seguintes condições:

I – a notificação seja escrita, específica e com entrega comprovada ou, alternativamente, impressa em destaque na fatura, com antecedência mínima de: (grifei)

Dessa forma, embora o intento da responsável em interpelar os clientes em débito por meio de ligações telefônicas possa, eventualmente, ter trazido alguns resultados positivos, é inócuo o seu pedido para que seja solicitado por esse Tribunal o fornecimento do histórico desses consumidores para que sejam consideradas as providências por ela adotadas para que as dívidas fossem adimplidas, pois as únicas providências que lhe cabiam tomar, o envio de notificação escrita aos clientes e consequente suspensão do fornecimento de energia elétrica aos inadimplentes, inquestionavelmente não foram executadas. A responsabilidade da Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio deve ser, portanto, mantida.

A outra responsável indicada pela Área Técnica dessa Corte de Contas, Sra. Samara Silva de Souza, apresentou alegações de defesa às fls. 793-799 sustentando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, tendo em vista que gozou férias no período de 03/02/2014 a 22/02/2014, e, sendo esse, segundo ela, o prazo para encaminhamento na notificação e realização do corte de fornecimento, não teria responsabilidade pela omissão constatada. No mérito da irregularidade, a responsável limitou-se a defender a ausência de dolo em sua conduta e de dano ao erário.

É impertinente a tentativa da Sra. Samara de afastar sua responsabilização tendo em vista o gozo de 20 dias de férias no mês de fevereiro de 2014, pois o período de análise da irregularidade contemplado pela auditoria realizada foi todo o primeiro quadrimestre daquele ano. Logo, mesmo estando 20 dias afastada das suas atividades laborais, a responsável teve cerca de outros 100 dias para tomar alguma providência quanto a presente restrição, o que não foi realizado.

Igualmente, irrelevante a alegada ausência de dolo ou dano à estatal, pois não há nenhum dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do direito administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, a qual se constata nesses autos.

Quanto à ausência de dano ao erário, note-se que tal circunstância não afasta a possibilidade de responsabilização e consequente imposição de multa ao gestor que agiu irregularmente, em face no disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no acórdão paradigma exarado no RE n. 190.985/SC, em que o Ministro Néri da Silveira declara que os Tribunais de Contas possuem competência para multar mesmo quando não há dano ao erário, em razão do seu poder de polícia administrativa que pressupõe certa parcela de coercitividade.

Nesse mesmo processo, merece destaque trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República que serviu de fundamentação ao voto do Ministro Relator, no sentido que:

Não existindo ato da administração desligado do binômio poder-dever, incongruente imaginar que todas as condutas enumeradas nas leis discutidas deixem de representar efetivo dano ao Estado. Todo e qualquer ato de má gestão ou condução da coisa pública deve - logo pode! - ser coibido, independentemente de estar o mesmo associado a dano expresso em moeda (este apurável, como é de todos sabido, após longos processos administrativos). O conceito de dano, concebido desta forma, amplia adequadamente a tutela do Tribunal de Contas, privilegiando a possibilidade de sancionar inúmeros comportamentos inadequados que (mesmo que apenas a médio ou longo prazo) efetivamente causem prejuízo à coisa pública. (grifei)

Perceba-se, ainda, que embora não tenha sido quantificado pelo Corpo Técnico desse Tribunal – tendo em vista, inclusive, que a análise das faturas vencidas foi realizada por amostragem –, há potencial dano ao erário na conduta omissiva perpetrada pelas responsáveis, pois a ausência de adoção de medidas para coibir os consumidores inadimplentes significa a manutenção do fornecimento de serviço público – e, portanto, um gasto de recursos públicos – sem a devida contraprestação, o que implica sim em um dano ao erário.

Nesse contexto, cabível a aplicação de multa, nos termos do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, as Sras. Maria Cléia Turnes Demétrio e Samara Silva de Souza, consoante o disposto na conclusão deste parecer.

5.     Irregularidades relativas a conflito de interesses em razão da confluência de atividades pública e privada.

A última irregularidade apontada pela área técnica desse Tribunal na auditoria realizada diz respeito ao conflito de interesses da Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio em razão da realização de supostas condutas irregulares pelo Sr. Joaquim Pereira Demétrio que, além de ser seu subordinado, era seu marido.

Em síntese, foi apontado que o Sr. Joaquim realizava atividades privadas no horário do expediente, utilizando para tanto informações privilegiadas de que tinha conhecimento em razão da execução de suas atividades como empregado da Celesc, no intuito de favorecer sua clientela.

A celeuma partiu de uma denúncia realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de Florianópolis e Região – SINERGIA, que apontou a conduta irregular no Sr. Joaquim na elaboração de projeto elétrico para a instalação de determinadas empresas. Com efeito, foram constatados indícios de simulação em um negócio jurídico com o intuito de descaracterizar a sucessão de empresas de um mesmo ramo a fim de que a nova empresa não respondesse pelos débitos de contas de energia elétrica devidos pela empresa sucedida, sendo que a consultoria do projeto elétrico para a empresa sucessora foi realizada pelo Sr. Joaquim. A conduta irregular desse empregado da Celesc foi apurada na Sindicância cujo relatório, juntado às fls. 187-207, concluiu que:

Na busca de esclarecimentos, este corpo de Auditores, averiguou situações comprometedoras e irregulares, que de certa forma, facilitaram as manobras de mudança de titularidade com transferência de carga, ainda que de maneira tecnicamente correta, possibilitaram que as atividades laborais da empresa LUPLAST dessem continuidade até o seu completo desligamento, repassando naturalmente sua produção para a empresa JFEUBAK, empresa esta, com atividade adversa a fabricação de materiais plásticos e embalagens. (Anexo 10)

Constatamos que o empregado da Celesc, Joaquim Pereira Demétrio, foi o responsável técnico do projeto Elétrico 301/2010, projeto este que contemplou o fornecimento de carga de energia para as empresas LUPLAST, JFEUBAK e esta, através de mudança de titularidade, para a empresa SILVANO AMARAL. (Anexos 11 e 12)

Mesmo que a atividade desenvolvida pelo empregado Joaquim Pereira Demétrio tenha ocorrido após o horário de expediente, ainda na forma de consultoria, importante se faz dizer que no dia seguinte, quando o mesmo ingressou nas dependências da empresa, teria o dever de ofício de informar aos seus superiores, que a ligação pretendida tratava-se de uma sucessão de empresas, onde a principal delas, LUPLAST Indústria e Comércio de Plásticos Ltda., possuía um histórico de inadimplência junto a Celesc, e mais, como este não se atentaria para a capacidade de carga pretendida de 400 KV para uma empresa de produção de eventos e festas?

[...]

Constatamos, que apesar das mudanças de titularidade da empresa LUPLAST para a empresa JFEUBAK e posteriormente para a empresa Silvano Amaral ME, os empregados continuaram fazendo uso do uniforme e do crachá da empresa LUPLAST Indústria e Comércio de Materiais Plásticos Ltda., comprovando-se mais uma vez, que a mesma se utilizou de manobras suspeitas com o apoio do pessoal interno da Celesc para se beneficiar e postergar um débito de elevada monta, recaindo sobre a concessionária de energia os prejuízos.

[...]

Constatamos através de depoimentos a possibilidade de o empregado Joaquim Pereira Demétrio ter executado projetos para as empresas em horário de expediente se utilizando da tecnologia existente na Celesc para favorecer seus projetos particulares, fato que restou comprovado após o resultado da investigação.

[...]

Isto posto, entendemos que o empregado Joaquim Pereira Demétrio, Matrícula nº 8506, lotado na Divisão Comercial da ARFLO, afrontou gravemente os preceitos de conduta estabelecidos pelo Código de Ética da Celesc [...]

Entre as acusações citadas na denúncia e as levantadas posteriormente por esta Auditoria Interna, concluímos que há indícios de irregularidades no que concernem as práticas e costumes profissionais exercidos pelo empregado Joaquim Pereira Demétrio, Técnico Industrial, lotado na DVCL/ARFLO.

Ficou constatado que as atividades na elaboração de projetos de obras particulares que o mesmo executa, conflitam com as atribuições legais e inerentes ao cargo com o qual exerce.

[...]

Isto posto, considerando os fatos evidenciados na presente Sindicância, recomendamos a abertura imediata do Competente Inquérito Administrativo para apuração de responsabilidade do empregado JOAQUIM PEREIRA DEMÉTRIO [...]

Como se vê, diante desse caso concreto apurou-se que o Sr. Joaquim realizava projetos particulares dentro do seu horário de trabalho e utilizava seu acesso ao sistema da Celesc para realizá-los e para beneficiar seus clientes, o que resultou inclusive em punição ao empregado, conforme se denota de seu registro de empregado às fls. 607-609 dos autos.

Dessa forma, a área técnica dessa Corte de Contas (fls. 610-629), bem como este Órgão Ministerial (fls. 630-631) manifestaram-se pela citação do Sr. Joaquim em razão das irregularidades indicadas, bem como de sua superior hierárquica e esposa, Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, por sua omissão em relação ao comportamento irregular de seu esposo.

No entanto, Relator do presente processo entendeu às fls. 632-637, em voto acolhido pela Decisão n. 5454/2014 desse Tribunal Pleno (fl. 638-638v), por afastar a citação do Sr. Joaquim – tendo em vista a rescisão de seu contrato de trabalho com a Celesc e a existência de sanção disciplinar aplicada em razão da irregularidade em questão –, mantendo, apenas, a citação de sua esposa, Sra. Maria Cléia.

Devidamente citada, a responsável apresentou suas alegações de defesa, sustentando, às fls. 699-705, que nunca foi superior hierárquica de seu marido, que o contrato de trabalho dele não previa a exclusividade de prestação de serviços à Celesc e que não há prova ou indício de que ele tenha exercido atividade privada conflitante, de que essas atividades tenham ocorrido no horário de expediente ou de que ele tenha se valido de informações privilegiadas de sua atuação na Celesc para executar essas atividades particulares.

Com relação à negativa da responsável acerca da lotação de seu marido em cargo que estivesse hierarquicamente sob sua égide e subordinação, extrai-se do registro de empregado do Sr. Joaquim (fls. 607-609), que do início do ano de 2009 até o seu desligamento da Celesc, no final do ano de 2012, que ele esteve lotado em setores identificados com as siglas “FL/DVCL/SPFA” e “FL/DVCL/SPTC”, ambos ligados, portanto, à Divisão Comercial (DVCL), setor chefiado pela responsável, conforme se infere do já citado Manual de Organização das Agências Regionais da Celesc Tipo I (fls. 544-564). Nesse mesmo sentido, a sindicância instaurada para apurar a conduta irregular do Sr. Joaquim (fls. 187-207) mencionou diversas vezes sua lotação na DVCL.

Registre-se, ainda, que no depoimento prestado pela Sra. Maria Cléia à referida sindicância (fls. 194-195), foi-lhe questionado sobre o Sr. Joaquim, indicando que ele seria seu subordinado na Divisão que chefiava, informação que não foi contestada. Logo, não há dúvidas sobre a relação de subordinação existente entre a Sra. Maria Cléia e seu marido Sr. Joaquim.

No tocante aos demais argumentos levantados pela responsável que, em suma, procuram afastar a irregularidade da conduta profissional de seu marido, note-se que todos eles já foram devidamente analisados na sindicância realizada pela Celesc, conforme se pode perceber dos trechos daquele documento que foram transcritos acima neste parecer, o que resultou, inclusive, na aplicação de penalidade disciplinar ao Sr. Joaquim. Dessa forma, não são necessárias maiores divagações sobre o tema, tendo em vista a inequívoca constatação do desvio de conduta do Sr. Joaquim na mencionada sindicância, notadamente dos inúmeros depoimentos que foram colacionados àquele procedimento.

A conduta irregular da Sra. Maria Cléia também está devidamente configurada, dada sua omissão ao permitir que o Sr. Joaquim realizasse atividades particulares de consultoria que eram conflitantes com a que ele realizava junto à Celesc. Logo, além do conflito de interesses atinente ao Sr. Joaquim, esse mesmo conflito de aplica à própria Sra. Maria Cléia, tendo em vista que, sendo ele seu esposo, também tinha interesse pessoal nas atividades privadas por ele realizadas. A propósito, o relatório da auditoria realizada por essa Corte de Contas consignou que (fls. 623-623v):

Embora a Sra. Cléia negue em sue depoimento a existência de conflito de interesses entre as atividades pública e privada exercidas pelo Sr. Joaquim, seu esposo, restou amplamente evidenciado por meio das provas anexadas na sindicância a existência do conflito.

Assim, observa-se que a Sra. Cléia permitiu que o Sr. Joaquim realizasse consultoria mesmo sabendo que a tal atividade era conflitante com a que realizava na empresa. Além disso, não obstou que o Sr. Joaquim realizasse atividade privada no horário de expediente, se utilizando de informações privilegiadas e favorecendo empresas em detrimento da Celesc.

Portanto, entende-se que a Sra. Cléia facilitou a ações do Sr. Joaquim na empresa, pois tinha interesse pessoal nas atividades privadas realizadas por ele, restando assim, evidenciado, também, em relação a ela, a existência de conflito de interesses.

[...]

No caso em tela, verifica-se que o Sr. Joaquim Pereira Demétrio e a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio tinham um interesse pessoal, extraprofissional, que os levaram a não agir no melhor interesse da empresa.

 Como se vê, o comportamento omissivo da responsável contribuiu diretamente para que as irregularidades praticadas pelo seu esposo em detrimento da Celesc pudessem ser levadas a efeito, em grave afronta, portanto, aos preceitos do Código de Ética[4] daquela Companhia, a saber:

2 CONDUTA PROFISSIONAL

2.1 Regras Gerais

Todo e qualquer profissional que realize atividades em nome da Celesc compromete-se a:

[...]

b. agir com lealdade para com a Empresa, defendendo e preservando os legítimos interesses e a imagem da Celesc;

[...]

g. utilizar instalações, utensílios, equipamentos, imagem, informações, dentre outros bens da Celesc, somente a serviço da Empresa;

h. posicionar-se contra todo ato que possa atentar contra o patrimônio da Empresa, sejam bens tangíveis (instalações, utensílios, equipamentos, recursos financeiros etc.) ou intangíveis (imagem, informações);

i. acompanhar criteriosamente o cumprimento dos contratos, de forma a assegurar os legítimos interesses da Empresa;

[...]

n. resguardar e difundir mutuamente os valores contidos neste Código de Conduta Ética; o. manter aparência pessoal e vestuário compatíveis com o ambiente institucional e cultural em que atuam.

2.2 Regras para Diretores e Gerentes

O corpo diretivo e gerencial da Celesc compromete-se a:

a. ser um exemplo de comportamento ético para os empregados da Celesc, priorizando o interesse público em suas decisões;

[...]

c. impedir que decisões baseadas em relacionamentos pessoais e político-partidários afetem o desempenho e a carreira profissional de empregados;

d. garantir que recursos humanos e materiais disponíveis, sob sua responsabilidade, sejam aplicados com a máxima eficiência na execução das atividades da Celesc;

[...]

2.3 Proibições

Não é permitido ao corpo diretivo, gerencial, empregados, bem como a outros profissionais que realizam atividades em nome da Celesc:

a. utilizar cargo, função, posição, bens, influência ou informações privilegiadas com o fim de obter qualquer favorecimento para si ou outrem, bem como, participar de negócios externos à Celesc, nos casos em que houver conflito com os interesses da empresa;

b. praticar suborno, propina, favorecimento ou nepotismo;

[...]

d. aceitar presentes, favores ou outros tipos de gratificação, assim como formas de tratamento preferencial, que possam resultar na obtenção de vantagem pessoal ou para terceiros;

e. prestar serviços remunerados particulares a clientes, quando conflitarem com os interesses da Celesc;

f. oferecer aos clientes benefícios e compensações contrários às leis, às normas e aos valores da Celesc;

[...]

n. usar tratamento que possa comprometer a isenção e a integridade nas relações comerciais entre a Celesc, fornecedores e contratadas;

o. prestar serviços remunerados particulares a clientes durante o horário de expediente ou utilizar-se de equipamentos, materiais e espaço físico da Empresa.

Com tudo isso, a responsável, Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio, deve ser responsabilizada, com a aplicação de multa, por ter permitido que o Sr. Joaquim Pereira Demétrio, seu esposo e subordinado, exercesse atividade privada conflitante com suas atribuições funcionais junto à Celesc, no horário de expediente e se utilizando de informações privilegiadas.

6.     Conclusão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, nos termos do analisado neste parecer e ratificando o Parecer MPTC/5406/2011, manifesta-se:

1. pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c” c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/2000;

2. pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO, na forma do art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, no montante de R$ 206.404,45, devidamente atualizado, acrescido dos juros legais, sem prejuízo da multa proporcional ao dano prevista no art. 68 e da sanção pecuniária disposta no art. 70, inciso I, ambos da mesma Lei Complementar n. 202/2000, a Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio em razão da redução indevida das faturas de energia elétrica efetuadas nas unidades consumidoras n. 26588219, 44578310, 29612455 e 23661926 (itens 2 e 3 deste parecer);

3. pela APLICAÇÃO DE MULTAS às responsáveis, na forma do art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, da seguinte maneira:

3.1. de responsabilidade da Sra. Maria Cléia Turnes Demétrio em face da redução indevida da fatura elétrica efetuada na unidade consumidora n. 32149596 (item 3 deste parecer), bem como em razão do conflito de interesses decorrente da confluência de atividades pública e privada relacionadas às atividades do Sr. Joaquim Pereira Demétrio (item 5 deste parecer);

3.2. de responsabilidade das Sras. Maria Cléia Turnes Demétrio e Samara Silva de Souza em face da ausência de controle e gerenciamento de notificações e suspensões de fornecimento de energia elétrica de clientes inadimplentes (item 4 deste parecer);

4. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 11 de novembro de 2015.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 

 

 

 



[1] Note-se que embora haja menção no sistema SIGA (fl. 158) de uma suposta manifestação do cliente em relação ao valor do débito apurado pela Celesc, não há qualquer registro formal desse recurso.

[2] Embora não tenham sido juntados aos autos os documentos pertinentes à unidade consumidora em análise, extrai-se dos documentos de fls. 357-383, 386-401, 475-488, 494-507 e 518-532 que os contratos firmados pela Celesc são verdadeiros contratos de adesão que obedecem rigorosamente às mesmas cláusulas, e, portanto, aplicam-se também para o consumidor da UC n. 32149596 em debate.

[3] http://www.celesc.com.br/portal/fornecedores/, em 20/08/2015.

[4] Disponível em: http://novoportal.celesc.com.br/portal/images/conteudos/sustentabilidade/Codigo-de-etica.pdf. Acesso em 20/08/2015.