PARECER
nº: |
MPTC/38824/2015 |
PROCESSO
nº: |
REP 13/00778102 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Cunha Porã |
INTERESSADO: |
Jairo Rivelino Ebeling |
ASSUNTO: |
Contratação irregular de pessoal para
atendimento ao Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF). |
Trata-se
de representação encaminhada pelo Prefeito Municipal de Cunha Porã, Sr. Jairo
Rivelino Ebeling, em razão da suposta ocorrência de irregularidades na
contratação de profissionais da área médica, durante o exercício de 2012, sem o
devido amparo legal.
Após
a juntada da documentação de fls. 2-212, a Diretoria de Controle de Atos de
Pessoal, às fls. 213-215, sugeriu o encaminhamento da representação à Diretoria
de Controle dos Municípios, por entender tratar-se de irregularidade relativa a
questão contábil e orçamentária.
Assim,
a Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o relatório de instrução
preliminar de fls. 216-217, em cuja conclusão sugeriu o conhecimento da
representação, determinando a adoção das devidas providências por parte da DMU.
Este Ministério Público de Contas, então, formulou o parecer de fls. 218-219,
manifestando-se em igual sentido.
Pela
decisão singular de fls. 220-221, o Auditor Relator determinou a realização das
mencionadas providências junto à Prefeitura Municipal de Cunha Porã.
Dessa
maneira, a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu o relatório de instrução
de fls. 222-227v, sugerindo, em sua conclusão, a determinação de audiência da
Sra. Luzia Iliane Vacarin para que apresentasse alegações de defesa acerca das
irregularidades descritas nos itens 3.1.1 e 3.1.2.
A
responsável, apesar de citada em 18/06/2015 (conforme AR de fl. 229), não
apresentou alegações de defesa.
A
Diretoria de Controle dos Municípios elaborou, então, o relatório de
reinstrução de fls. 231-236, em cuja conclusão sugeriu a procedência da
representação, com aplicação de multas à responsável, nos seguintes termos:
3.1. CONSIDERAR IRREGULAR,
na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº 202/2000, o ato abaixo
relacionado, aplicando a Sra. Luzia Iliane Vacarin - Prefeita Municipal à
época, CPF 016.975.789-77, residente na Avenida do Canal, 22, apartamento 202,
Centro, Cunha Porã/SC, multas previstas no artigo 70, II da Lei Complementar nº
202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do
acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento
da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos
43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:
3.1.1.
Contratação de profissionais médicos para atendimento à Estratégia Saúde da
Família – ESF, em desacordo com o que dispõe o artigo 37, inciso II, da CRFB/88
e Prejulgado 1083 c/c art. 1º, § 3º e art. 4º da Lei Complementar nº 202/2000
deste Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Relatório de Audiência nº
1.676/2015, item 2.2.1);
3.1.2.
Contratação de profissionais e entidades privadas para prestação de serviços
médicos na área de pediatria e manutenção das atividades desenvolvidas pela
Secretaria de Saúde do Município, cujas atribuições são de caráter não eventual
e inerentes às funções típicas da Administração, em desacordo com o que dispõe
o artigo 37, inciso II e artigo 199, § 1º, ambos da Constituição Federal
(Relatório de Audiência n.º 1.676/2015, item 2.2.2)
Passo, assim, à análise das
irregularidades levantadas pela Unidade Técnica, não sem antes apresentar uma
devida introdução acerca do tema debatido no processo em comento.
1. A questão do
concurso público.
Inicialmente, cumpre destacar
que a triste e inacreditável recorrência de situações análogas ao presente
caso, nos processos que tramitam nessa Corte de Contas, exige uma breve – e
necessária – reflexão acerca do instituto do concurso público na conjuntura
pátria.
Tudo o que será visto neste
processo demonstra uma desagradável realidade: muitos gestores, mesmo duas
décadas e meia após a promulgação da CRFB/88, utilizam-se ainda de inúmeras artimanhas com o intuito de
burlar a regra do concurso público.
A propósito, a investidura em
cargo ou emprego público sob o crivo de um concurso público de provas ou de
provas e títulos é exigência
do fundamental art. 37, inciso II da CRFB/88, o qual nunca é demais ser
relembrado:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
As exceções ao concurso
público, portanto, somente serão admissíveis nos casos previstos na própria Lei
Maior, como, por exemplo, na hipótese do inciso IX do mesmo art. 37, que trata
das contratações temporárias:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
IX - a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público;
Assim, uma simples leitura de
tais dispositivos evidencia que a
obrigatoriedade da aprovação prévia em concurso público para a investidura em
cargo ou emprego público é a regra no contexto nacional, ao passo que a
admissão em caráter temporário é a exceção, ou seja, uma Unidade
Gestora que deturpa tal sistema para manter um quadro com servidores
irregularmente admitidos em caráter temporário, representa uma gritante fraude
ao instituto do concurso público, significando um verdadeiro ranço de uma época
de apadrinhamentos que já na metade da década de 80 não se mostrava compatível
com a nova ordem constitucional que se aproximava – imagine, então, hoje, três
décadas após tão distante e nebuloso período.
Por fim, salienta-se desde já
que a exigência de concurso público é por demais salutar à prestação eficiente
do serviço público em nosso País. Acabar com apadrinhamentos políticos que por
tanto tempo prejudicaram a Administração Pública pátria – e que geraram mazelas
ainda hoje arraigadas em todos os escalões estatais – é um dos objetivos mais
visíveis do instituto. Respeitar o direito dos que almejam uma vaga pública em
decorrência de seu próprio mérito também deve ser levado em consideração, assim
como a tão sonhada eficiência da Administração Pública ao contar nos seus
quadros com quem está mais apto no sentido técnico depois de avaliado pelo
critério meritório.
2. Contratação de
profissionais médicos para atendimento à Estratégia Saúde da Família (ESF), em
descordo com o que dispõe o art. 37, inciso II, da CRFB/88 e o Prejulgado n.
1083 desse Tribunal de Contas.
Após
a análise de toda a documentação remetida a essa Corte de Contas no presente
processo, a Diretoria de Controle dos Municípios assinalou, como primeira
restrição, a irregularidade na contratação de médicos e de uma clínica para
atender ao Programa Estratégia da Saúde da Família (ESF), tendo em vista a
inexistência de concurso público, em afronta ao artigo 37, inciso II da CRFB/88
e ao Prejulgado n. 1083 desse Tribunal de Contas.
Consoante
bem demonstra o quadro de fls. 232-233v, no exercício de 2012 foram realizadas
despesas do montante total de R$ 258.391,76, referente ao pagamento dos médicos
Ana Paula Weber, Luciano Chaer Resende e Gilmar Monteiro de Araújo, e da
Dermatoclin Clínica Médica LTDA.
De
acordo com os contratos juntados aos autos, verifica-se que a contratação de
todos os profissionais por dispensa de licitação (art. 24, inciso II da Lei n.
8.666/93) teve por fundamento o caráter emergencial, o que justificaria admissão em caráter
temporário nos termos do artigo 37, inciso IX
da CRFB/88.
Inicialmente,
cabe registrar que a presente discussão não é novidade na doutrina e jurisprudência pátrias.
Anote-se, por exemplo, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello[1]
acerca do fundamento da contratação temporária, consoante
o seguinte excerto de sua obra:
A razão do dispositivo constitucional em apreço,
obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser
desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária,
eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não
haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o
excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, necessidade temporária), por não
haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem
insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar.
O Supremo Tribunal Federal,
por seu turno, firmou entendimento em sede de Repercussão Geral por meio do
recente Recurso Extraordinário n. 658.026/MG, do Rel. Min. Dias Toffoli,
julgado em 09/04/2014, com a seguinte ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI
MUNICIPAL EM FACE DE TRECHO DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS QUE
REPETE TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO PROCESSADO PELA CORTE SUPREMA,
QUE DELE CONHECEU. CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA POR TEMPO determinado para
atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades
ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos
II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos
constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma
municipal. Modulação dos efeitos. 1. O assunto corresponde ao Tema nº
612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e
trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [d]a
constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de
contratação temporária de servidores públicos”. 2. Prevalência da regra da
obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que
restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição
Federal e devem ser interpretadas restritivamente. 3. O conteúdo jurídico do
art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se,
dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso
que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de
contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o
interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja
indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários
permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências
normais da Administração. 4. [...] A imposição constitucional da
obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo
resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da
impessoalidade, da igualdade e da eficiência. [...] 6. Dá-se provimento ao
recurso extraordinário para o fim de julgar procedente a ação e declarar a
inconstitucionalidade do art. 192, inciso III, da Lei nº 509/1999 do Município
de Bertópolis/MG, aplicando-se à espécie o efeito ex nunc, a fim de garantir o
cumprimento do princípio da segurança jurídica e o atendimento do excepcional
interesse social. (grifei)
A
leitura do inteiro teor deste
acórdão é de suma importância na discussão da presente questão, porquanto aprofunda
de maneira efetiva a análise da matéria. O Rel. Min. Dias
Toffoli apresentou um denso estudo do alcance dos
termos “necessidade temporária” e “excepcional interesse público” – presentes
na redação do inciso IX do art. 37 da CRFB/88 – que autoriza a contratação de
servidores por prazo determinado, sem a necessidade de realização de concurso
público. No ponto que mais interessa ao presente caso, além de estipular
claramente os requisitos para
que se considere válida a contratação temporária, deixa evidente
a vedação desta forma de contratação “para
os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro
das contingências normais da Administração”.
E é justamente essa a
situação encontrada na Prefeitura Municipal de Cunha Porã. Conforme se
depreende dos autos, as contratações visavam à prestação de serviço médico na
área da saúde da família, notadamente no Programa de Estratégia da Saúde da
Família (ESF), ou seja, representam atividades rotineiras da Administração e,
por isso, conforme visto acima, não podem ser enquadradas no conceito de
“necessidade temporária”. Deveriam,
portanto, observar a exigência constitucional da prévia aprovação em concurso
público para a investidura em cargo ou emprego público.
Exatamente a respeito da contratação
temporária na área da saúde, eis um trecho do voto do Rel. Min. Dias Toffoli no
mencionado Recurso Extraordinário:
Portanto,
a transitoriedade das contratações de que trata o art. 37, inciso IX, da CF,
com efeito, não se coaduna com o
caráter permanente de atividades que constituem a própria essência do Estado,
como já descrito no julgados colacionados, dentre os quais figuram, com destaque, os serviços de saúde e de
educação, serviços públicos essenciais e sociais previstos no art. 6º,
caput, da Constituição da República. (grifei)
Resta flagrante, portanto, a
tentativa de burla ao concurso público, nos termos do entendimento doutrinário
e jurisprudencial vigentes.
Além disso, como bem lembrado
pela Área Técnica à fl. 233v-234, especificamente acerca da contratação de
profissionais para atendimento do Programa Estratégia Saúde da Família (ESF)
foi editado o Prejulgado n. 1083 dessa Corte de Contas, proferido quando do
julgamento do processo CON n. 01/02035083, na Sessão Plenária de 06/02/2002:
2. Diante do caráter permanente da Estratégia Saúde da Família, lei
municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, deverá estabelecer a forma
e condições de realização do concurso público para os profissionais da saúde
(médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos em enfermagem, auxiliares de
enfermagem, entre outros profissionais vinculados). [...]
3.6. Por constituir-se de serviço
público essencial e atividade-fim do Poder Público, inserida na Atenção Básica
à Saúde, cuja execução é de competência do gestor local do SUS, as atividades dos demais profissionais
de saúde, tais como, médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem,
necessários ao atendimento da Estratégia Saúde da Família-ESF, não podem ser
delegadas a organizações não-governamentais com ou sem fins lucrativos,
nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n. 9.790, de
1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria, credenciamento ou mesmo contratação através de
licitação, assim como, não encontra amparo legal o credenciamento direto de
pessoal ou a contratação de prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer
outras formas de terceirização.
3.7. Para suprir necessidade temporária decorrente de afastamento
do titular do emprego ou cargo, em conformidade como Regime Jurídico adotado
pelo Ente, durante o prazo do afastamento; em face ao acréscimo de serviços,
pelo prazo necessário para adotar providências para adequar-se às disposições
da EC n. 51, de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 2006; até a criação de
novos ou outros cargos ou empregos públicos; e/ou adoção das providências
administrativas para implementar o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde e
Estratégia Saúde da Família; poderá o
Executivo Municipal realizar contratação por tempo determinado para atender
necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37,
inciso IX, da Constituição Federal), mediante
o atendimento, entre outros, dos seguintes requisitos:
I
- autorização para contratação através de lei municipal específica;
II - fixação das funções que podem
ser objeto de contratação, com limitação de vagas;
III - hipóteses em que a contratação
poderá ser efetivada;
IV - fixação da remuneração;
V - regime jurídico do contrato
(especial);
VI - definição do prazo máximo de
contratação e a possibilidade de prorrogação ou não;
VII - carga horária de trabalho;
VIII - vinculação dos contratados ao
Regime Geral de Previdência Social (INSS);
IX - condições para contratação;
X - forma e condições de realização
de processo de seleção pública, previamente à contratação. (grifei)
Logo, ainda que a situação caracterizasse a hipótese do item 3.7 acima transcrito, a contratação por tempo determinado somente poderia ocorrer mediante lei específica, o que não foi feito.
Portanto, diante da afronta à
exigência constitucional do concurso público caracterizada pela contratação
temporária (reiterada) de médicos para atendimento no Programa Estratégia Saúde
da Família (ESF), a presente restrição merece ser mantida, com a consequente
aplicação de multa à responsável.
3. Contratação de
profissionais e entidades privadas para prestação de serviços médicos na área
de pediatria e manutenção das atividades desenvolvidas pela Secretaria de Saúde
do Município, cujas atribuições são de caráter não eventual e inerentes às
funções típicas da Administração, em desacordo com o que dispõe o art. 37,
inciso II e art. 199, § 1º, ambos da CRFB/88.
Assim
como relatado no item anterior, houve também a contratação de serviços médicos
em caráter emergencial de para área de pediatria, sem a observância da
necessidade de concurso público, em afronta aos arts. 37, inciso II e 199, §
1º, ambos da CRFB/88.
Conforme
tabela de fls. 234v-235, o Sr. Marcelo José Pavliuk de Oliveira foi contratado
pela Prefeitura em 02/04/2012 pelo prazo de três meses (Contrato n. 54/2012,
fl. 49-51), enquanto a empresa Majopa Clínica Médica Ltda. (representada pelo
médico citado), celebrou contrato pelo prazo de sete meses (Contrato n.
72/2012, fls. 59-61), o que acarretou em uma despesa total de R$ 121.535,00.
Considerando
que não foram apresentadas alegações de defesa pela responsável e na linha do
que fora salientado pela Área Técnica às fls. 235-235v, a restrição em questão
merece ser mantida:
É de se ressaltar que a função desempenhada pelo
profissional - contratado tanto como pessoa física, ou por meio de sua empresa,
como discriminado nos históricos dos empenhos - é considerada de caráter
permanente, inerente às funções típicas da Administração, razão pela qual a
contratação deveria estar prevista em Quadro de Pessoal e ter sido realizada
por meio de Concurso Público, em atendimento ao artigo 37, inciso II, da
Constituição Federal, transcrito acima, bem como ao princípio da legalidade,
insculpido no caput do referido artigo 37.
Ademais, também não há referência nos autos de
que o procedimento adotado tenha decorrido de concurso público frustrado, que
pudesse justificar as contratações nos moldes em que ocorreram.
No tocante à entidade privada, a reiteração de
contratações e, principalmente, o montante gasto, demonstrou que a
Municipalidade estava terceirizando atividades que deveriam ser desempenhadas
por servidores públicos efetivos, previamente aprovados em concurso público.
A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o
Sistema Público de Atendimento à Saúde (Sistema Único de Saúde - SUS), de
responsabilidade do Estado e financiado com recursos públicos (União, Estados e
Municípios), facultando à iniciativa privada a participação somente
complementar, nos termos do artigo 199, § 1º:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à
iniciativa privada.
§ 1º. As instituições privadas poderão
participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes
deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Assim, é
evidente que a participação de profissionais ou entidades privadas na prestação
de serviços de saúde no âmbito público deve ser realizada somente como
complementação da atividade estatal, e não para substituí-la, como demonstra o
feito em análise.,
Além disso, esse Tribunal de Contas, em hipóteses
semelhantes, vem aplicando multas aos responsáveis pela ausência de realização
de processo seletivo prévio, conforme se verifica das seguintes decisões:
Processo REP n. 10/00057728:
2. Aplicar, ao Sr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, inscrito no
CPF sob n. 207.005.800-00, multa no valor R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face de contratação temporária, sem que tivesse ficado demonstrada a situação de
necessidade temporária de excepcional interesse público, bem como pela ausência de realização de processo
seletivo prévio para este provimento, em desconformidade com o disposto no art.
37, II e IX, da Constituição Federal, fixando-lhe o prazo de 30
(trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial
Eletrônico desta Casa, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao
Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71, da
Lei Complementar n. 202/2000;
Processo RPJ n. 06/00564606:
6.2. Aplicar ao Sr. Altair Cardoso
Rittes – ex-Prefeito Municipal de Dionísio Cerqueira, com fundamento nos
arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do
Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$
400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação da servidora,
Sra. Rosi Aparecida do Nascimento Scherer, no período de 1º de janeiro de
2004 a 28 de janeiro de 2005, pela Prefeitura Municipal de Dionísio
Cerqueira, sem prévia realização de processo seletivo simplificado, em
descumprimento ao disposto no art. 37, II c/c o IX, da Constituição Federal,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao
Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica
desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial,
observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
(grifei)
A
restrição em comento, portanto merece ser mantida, com a consequente aplicação
de multa à responsável.
4. Conclusão.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:
1.
pela IRREGULARIDADE dos seguintes
atos, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar Estadual n.
202/2000:
1.1.
contratação de profissionais médicos para atendimento à Estratégia Saúde da
Família (ESF), em descordo com o que dispõe o art. 37, inciso II da CRFB/88 e o
Prejulgado n. 1083 desse Tribunal de Contas;
1.2.
contratação de profissionais e entidades privadas para prestação de serviços
médicos na área de pediatria e manutenção das atividades desenvolvidas pela
Secretaria de Saúde do Município, cujas atribuições são de caráter não eventual
e inerentes às funções típicas da Administração, em desacordo com o que dispõe
o arts. 37, inciso II e 199, § 1º, ambos da CRFB/88;
2.
pela APLICAÇÃO DE MULTAS à Sra.
Luzia Iliane Vacarin, Prefeita Municipal de Cunha Porã à época dos fatos, na
forma prevista no art. 70, inciso II da Lei Complementar n. 202/2000, em face
das citadas irregularidades.
Florianópolis,
20 de novembro de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
263.