PARECER
nº: |
MPTC/35411/2015 |
PROCESSO
nº: |
REC 15/00265958 |
ORIGEM: |
Fundo Estadual de Incentivo à Cultura -
FUNCULTURAL |
INTERESSADO: |
Julio César Garcia |
ASSUNTO: |
Recurso de Reexame de Conselheiro da decisão
exarada no processo REC-13/00490001. |
Trata-se
de Recurso de Reexame de Conselheiro proposto pelo Conselheiro Julio César
Garcia, em face da decisão exarada no processo REC-13/00490001, que julgou
improcedente o Recurso de Reconsideração proposto, mantendo na íntegra o
Acórdão nº 0626/2013, proferido no Processo PCR – 08/00461002, que julgou
irregular com débito a prestação de contas de Recursos Antecipados da
Associação Coral de Criciúma no exercício financeiro de 2006, fixando as
penalidades conforme segue:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos
arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202, de 15 de
dezembro de 2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III,
"b" e "c", c/c o art. 21, da Lei Complementar (estadual) n.
202/00, as contas de recursos repassados, através das Notas de Subempenho ns.
78, de 24/10/2005 (Global n. 77), no valor de R$ 50.000,00, P/A 7948, elemento
33504301, fonte 0269, 103, de 17/11/2005 (Global n. 77), no valor de R$
47.000,00, P/A 7948, elemento 33504301, fonte 0269, 105, de 23/02/2006 (Global
n. 104), no valor de R$ 102.000,00, P/A 7948, elemento 33504301, fonte 0269, e
227, de 31/03/2006 (Global n. 226), no valor de R$ 10.000,00, P/A 7948,
elemento 33504301, fonte 0269, à Associação Coral de Criciúma pelo Fundo
Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL, de acordo com os relatórios
emitidos nos autos.
6.2.
Condenar a Sra. BENVINDA SÁ - Presidente da Associação Coral de Criciúma em
2005 e 2006, CPF n. 077.442.189-49, ao recolhimento da quantia de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais), em
face da despesa irregular com captação de recursos, em desacordo com os arts.
37, caput, da Constituição Federal e 16, caput, da Constituição Estadual e 2º e
9º da Lei (estadual) n. 5.867/81 (item 2.2.1 do Relatório DCE), fixando-lhe
o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário
Oficial Eletrônico do TCE - DOTCe, para comprovar, perante este Tribunal, o
recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente
e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar n. 202/00),
calculados a partir de 14/11/2005 (R$ 5.000,00 - fls. 90) e 09/03/2006 (R$
16.000,00 - fls. 150), sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento
de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que
adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II,
da Lei Complementar n. 202/00), em face da não comprovação da boa e regular
aplicação dos recursos.
6.3.
Aplicar aos Responsáveis a seguir especificados, com fundamento no art. 70, II,
da Lei Complementar (estadual) n. 202/00 c/c o art. 109, II, do Regimento
Interno deste Tribunal, as multas adiante elencadas, fixando-lhes o prazo de 30
(trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no DOTC-e, para comprovarem
perante este Tribunal o recolhimento do valor das multas ao Tesouro do Estado,
sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à
efetivação da execução definitiva (art. 43, II e 71 da Lei Complementar n.
202/00):
6.3.1.
à Sra. BENVINDA SÁ - já qualificada, a multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos
reais), em face da comprovação de despesas por meio de documentos rasurados, e
com insuficiência de dados, contrariando o que determinam os arts. 58,
parágrafo único, e 60 da Resolução n. TC-16/94 e 140, §1º, da Lei Complementar
(estadual) n. 284/05 (item 2.2.2 do Relatório DCE);
6.3.2.
ao Sr. GILMAR KNAESEL - ex-Secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte,
CPF o n. 341.808.509-15, a multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em
razão da realização de repasses de recursos realizados fora do prazo legal de
trinta dias, da data de publicação da homologação do Projeto e, ainda, no
exercício seguinte à realização do evento "13º Festival Internacional de
Corais, em Criciúma", contrariando o art. 21, §5º, do Decreto (estadual)
n. 3.115/05 c/c art. 9º da Lei (estadual) n. 5.867/81 (item 2.1.1 do Relatório
DCE).
6.4.
Declarar a Associação Coral de Criciúma e a Sra. Benvinda Sá impedidas de
receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo,
consoante dispõe o art. 5º da Lei (estadual) n. 5.867/81.
6.5.
Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto do Relator que o
fundamentam, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, à
procuradora constituída nos autos, à Associação Coral de Criciúma e à
Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte - SOL/FUNCULTURAL.
Conforme
mencionado, o Acórdão em tela foi objeto de Recurso de Reconsideração (REC –
13/00490001 Benvinda Sá; e REC 13/00490265 – Gilmar Knaesel), julgados improcedentes,
mantendo-se a decisão recorrida. As deliberações dos recursos foram prolatadas
na Sessão do dia 18/03/2015, e publicadas no DOTC-e nº 1680 de 06/04/2015.
A
Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Relatório DRR - 301/2014 (fls. 6-11v),
opinando pelo conhecimento do Recurso de reconsideração e, no mérito, pelo seu
provimento, para modificar os termos do acórdão recorrido, propondo a exclusão
do débito e a aplicação de multa em face da realização de despesas com captação
de recursos.
É
o relatório.
1. Admissibilidade
O
Recurso de Reexame, interposto por Conselheiro do Tribunal de Contas, com
amparo no art. 81 da Lei Complementar n. 202/2000, é o adequado em face de
decisão prolatada em qualquer processo nessa Corte, sendo a parte legítima para
a sua interposição. O presente recurso é tempestivo, pois rebela-se contra
deliberação publicada em 06/04/2015, dentro do prazo de dois anos determinados
na norma legal.
Restam,
assim, atendidos os pressupostos de adequação, legitimidade, tempestividade e
singularidade, requisitos de admissibilidade do instrumento, razão pelo qual
opino pelo seu conhecimento.
2. Mérito
Quanto
ao mérito, importa, inicialmente, estabelecer, que o Recurso de Reexame de
Conselheiro em comento não questiona, em momento algum, a irregularidade da
conduta. O pedido formulado pleiteia, tão somente, o afastamento da imputação
de débito, substituindo-a pela aplicação de multa, nos seguintes termos (fl.
04):
Em
que pese não discorde da irregularidade
da conduta, ao passo que a tarefa de captar os recursos seria do proponente que
teve seu projeto aprovado para receber financiamento, o fato é que esta
Corte tem, reiteradamente, afastado a imputação de débito e aplicado a
penalidade de multa [grifei].
Em
sua argumentação, o recorrente cita decisões anteriores dessa Corte no sentido
de aplicação de multa em situações análogas, embasando seu pedido “no intuito de uniformizar as decisões
prolatadas no âmbito deste Tribunal de Contas”.
De
fato, há divergência nas decisões acerca do tema, como bem anota o Parecer
Plenário DRR-320/2015, que instrui o Recurso em comento, nos seguintes termos:
Pesquisando
no Sistema SIPROC, verifica-se que de
fato existe nesta Corte de Contas uma dicotomia no entendimento relacionado ao
pagamento de serviço para captação de recursos do SEITEC, criado pela Lei
Estadual nº 13.336 de 08 de março de 2005.
Entendimento contrário ao esposado pelo Conselheiro
propositor do Recurso de Reexame, além da Deliberação ora recorrida,
encontra-se, por exemplo, nos processos PCR 08/00323203, PCR 08/00352300, PCR
08/00324358, TCE 08/00245130, TCE 09/00645342.
[grifei]
A
instrução destaca, entretanto, que mesmo um dos entendimentos citados como
parâmetro para a conversão da penalidade em multa sofreu alteração (fls. 8 e
verso), in verbis:
Destaca-se
da amostragem colhida a TCE –
09/00645342, considerando-se que o Relator, Auditor Substituto de Conselheiro
Cleber Muniz Gavi, na sua proposta de Voto, o qual redundou no Acórdão nº
308/2014, reconsiderou a tese que
defendia anteriormente, (PCR 08/00451112, sessão do dia 26/04/2010) e que
serviu de parâmetro para o Autor do Recurso de Reexame de Conselheiro.
A
seguir, razão apresentadas pelo Relator Cleber Muniz Gavi, para retificação do
seu posicionamento sobre o tema:
(...)
Ora, nos projetos
subvencionados pelo erário, deve haver despesas ligadas, unicamente, ao
investimento nas áreas da cultura, turismo e esporte. A despesa com captação,
no caso, encontra-se desprovida de interesse público, de modo que não é
abrangida, portanto, no conceito de despesa pública na área da cultura,
afrontando, pois, ao princípio da impessoalidade, previsto no art. 16, caput,
da Constituição Estadual, o qual determina que os atos visem ao interesse
público. (Grifou-se).
(...)
Nesse
sentido, a Lei Estadual nº 5.867/81, que disciplina a concessão de subvenção
social às instituições de caráter privado ordena o seguinte:
Art. 2º - As
subvenções serão concedidas para atender aos encargos que, por interesse
público ou através de convênios, contratos e ajustes, venham a ser atribuídos
às instituições de caráter privado.
Art. 9º - As
subvenções sociais serão aplicadas exclusivamente nos fins para os quais
houverem sido concedidas.
Para coibir
tais despesas, registra-se, a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e
Esporte editou a Instrução Normativa Nº 002, de 10 de maio de 2007, que em seu
art. 3º estabeleceu:
Art. 3º -
Fica vedado o repasse de recursos dos fundos que compõe o SEITEC para custeio
das seguintes despesas:
I - serviços
de agenciamento ou captação de recursos junto aos contribuintes de ICMS do
Estado de Santa Catarina; e (...)
Ante o exposto, os argumentos de defesa ligados
à aprovação do projeto pela SOL e à ausência de proibição legal não devem
prosperar, devendo ser devolvido o montante pago à Thiago Alves dos Santos, no valor de R$
4.884,40, e à Orivan Jarbas Orsi, no valor de R$ 4.880,27 (total de R$
9.764,67), em razão da evidente a
ausência de interesse público na despesa com captação de recursos.
Assim, o Auditor Substituto de Conselheiro, Dr. Cleber Muniz Gavi,
modificou seu entendimento sobre o tema passando a imputar débito nas situações
análogas [grifei].
Por
conseguinte, resta límpido o entendimento de que, uma vez constatada a irregularidade, não há entendimento uniforme dessa
Corte a apontar, cabalmente, que o encaminhamento a ser adotado é o da
aplicação da multa, em detrimento da imputação de débito.
Ainda
sobre o alegado intuito do Conselheiro propositor do Recurso de Reexame de “uniformizar as decisões prolatadas no
âmbito desse Tribunal de Contas” (fl. 4-verso), convém citar o Parecer COG
- 768/2012, emitido no processo administrativo nº ADM-12/80065017, que esclarece
a inviabilidade do pedido de uniformização de jurisprudência nesta Corte,
conforme segue:
Parecer
COG - 768/2012 ADM-12/80065017
Processo Administrativo.
Uniformização de Jurisprudência. Ausência de órgão fracionário deliberativo.
Impossibilidade.
O
incidente de uniformização de jurisprudência somente é viável em julgamento da
competência de turmas, câmaras, ou grupo de câmaras, sendo inadmissível,
portanto, nos julgamentos proferidos pelo Plenário dos Tribunais.
[...]
Não pode, portanto haver
Uniformização de Jurisprudência em um Tribunal que possui tão somente um órgão
julgador, como já esclareceu a doutrina:
Qualquer recurso ou processo,
mesmo de competência originária do tribunal, se tiver o respectivo julgamento
afetado a um dos órgãos fracionários aludidos no caput, torna possível o
incidente previsto no art. 476, que só terá cabimento enquanto não encerrado o
julgamento do tribunal. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil
Anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 433).
Descabe o incidente se o
órgão julgador é o plenário do Tribunal ou órgão especial. (FADEL, Sérgio
Sahione. CPC Comentado, Vol. III, p. 56. In: (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código
de Processo Civil Anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 433)
O incidente de uniformização
de jurisprudência só é cabível em julgamento da competência de turmas, câmaras
ou grupo de câmaras. Exclui-se, portanto, sua oportunidade nos julgamentos
proferidos por Câmaras reunidas ou pelo plenário do tribunal. (...) ‘Se a
questão está sendo julgada em tribunal pleno, é óbvio que não cabe suscitar o
incidente de uniformização da jurisprudência (RTC 37/82)’. (LIMA, Francisco Marques
de. Uniformização de Jurisprudência no âmbito dos TRT’s. in: http://amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/494.htm.
Acesso em 26.mar.2012.
Sendo
assim, ante a existência de somente um órgão julgador no Tribunal de Contas do
Estado de Santa Catarina, não seria possível a inserção do incidente de
uniformização de jurisprudência nos termos estabelecidos pelo Código de
Processo Civil por ausência de pressuposto lógico [grifei].
Dessa
maneira e seguindo o entendimento assinalado pela área técnica, entendo que não
caberia a alteração da penalidade imposta visando uniformizar as decisões dessa
Corte.
Ato
contínuo, o relatório de instrução defende a tese que só seria possível a
imputação de débito no pagamento de serviços de captação de recursos após a
edição das Instruções Normativas 001 e 002/2007, da Secretaria de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte.
Seguindo
tal raciocínio, restaria descaracterizada a irregularidade, uma vez que os
pagamentos ocorreram anteriormente à edição da referida instrução normativa.
Contudo, decisão nesse sentido seria, antes de tudo, extra petita – uma vez que o recorrente não lançou dúvidas acerca
da configuração da irregularidade.
Ressalte-se
que, conforme prescreve o art. 308 do Regimento Interno dessa Corte de Contas
(Resolução N. TC-06/2001), há aplicação subsidiária da legislação processual
nos processos sob sua jurisdição, nos seguintes termos:
Art.
308. Os casos omissos serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da
legislação processual ou, quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno.
Sobre
o tema, assim determina o Código de Processo Civil (Lei Nº 5.869/1973), litteris:
Art. 128 O Juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta sendo-lhe defeso conhecer de
questões, não suscitadas a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Art. 460 É defeso ao Juiz proferir sentença, a favor do autor, de
natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou
em objeto diverso do que lhe foi demandado [grifei].
Da
jurisprudência do Tribunal de Contas da União, colhe-se, da parte dispositiva
do relatório do Voto Condutor do Acordão Nº 532/2014, do Plenário daquela
Corte, de autoria do Ministro Relator José Jorge, o seguinte excerto:
Ocorre,
data venia, que essa decisão não foi
objeto do pedido da representação Ministerial, que não apontou nenhum tipo
de fraude que pudesse implicar na pena de inidoneidade. Isso se explica na
medida em que a representação se ateve unicamente a dois pontos, a saber: a)
adequabilidade dos preços praticados; b) verificação quanta a vantagem no
fracionamento da licitação.
No processo civil, situação
análoga a essa seria chamada de decisão ‘ extra petita’, ou seja, quando o juiz
conceder algo diverso do pedido formulado na inicial;
quando o magistrado se utilizar de fundamento de causa de pedir não ventilada
pelas partes.
O
que se consagrou no ordenamento jurídico pátrio, também aplicado ao processo
administrativo, e o princípio da congruência, segundo o qual a decisão judicial
deverá ter estrita relação com as pretensões do autor estabelecidas na inicial, no caso dos autos, a representação Ministerial. A não observância deste princípio gera, via
de regra, sentenças extra, ultra ou citra petita [grifei].
Ademais,
é preciso esclarecer que as instruções normativas configuram mero detalhamento
da legislação da qual decorrem, como explana Lenice Iolanda de Oliveira[1],
in verbis:
Importante
destacar a hierarquia que as leis devem se submeter, sob pena de que as mesmas
podem provocar verdadeiros conflitos no momento de aplicação da lei ao caso
concreto. Como já mencionado, e no topo da pirâmide proposta por Hans Kelsen,
está a Constituição, que representa a Lei maior, tendo abaixo desta os Tratados
Internacionais, as Leis Complementares e as Leis Ordinárias, e ainda compõem o
quadro os Decretos, os Decretos Legislativos e as Resoluções.
As Portarias, Instruções Normativas, Avisos,
Regimentos, também são normativos, mais detalhistas, os quais devem de forma
estrita, satisfazer os preceitos contidos nas Leis, as quais devem estar em
consonância com a Constituição.
(...)
A
Instrução Normativa pode ser definida como um ato puramente administrativo, uma norma complementar administrativa,
tão somente. Esta tende a completar o que está em uma Portaria de um superior
hierárquico, num Decreto Presidencial ou em uma Portaria Interministerial. Desta forma, a Instrução Normativa jamais
poderá inovar o ordenamento jurídico. Assim, a Instrução Normativa nunca poderá
passar colidir com Leis ou decretos, pois estes devem guardar consonância com
as Leis [grifei].
Ora,
a Lei 13.336/2005 já estabelecia a inviabilidade da utilização dos recursos do
FUNCULTURAL para pagamento de despesas não vinculadas diretamente aos projetos
financiados pelo Fundo, nos seguintes termos:
Art.
4º O Fundo Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL, de natureza
financeira, é constituído com recursos provenientes das seguintes fontes:
§
1º É vedada a utilização de recursos do
FUNCULTURAL, recebidos na forma do inciso I deste artigo, para pagamento de despesas com pessoal e
encargos sociais, serviços da dívida do Estado ou quaisquer outras despesas
correntes não vinculadas diretamente aos projetos ou programas financiados pelo
Fundo [grifei].
Dessa
maneira, a Instrução apenas trouxe um detalhamento acerca de tal vedação. Por
certo, tal normativo não tem o condão de regularizar os atos praticados até sua
edição. Contrario sensu, tão somente
positiva um entendimento já implícito no dispositivo legal ao qual está
subordinado.
Ressalte-se,
ainda, como bem apontou a instrução (fls. 7-verso e 8), que o Conselheiro Luiz
Roberto Herbst, Relator do processo PCR 08/00461002, ao considerar irregular a
Prestação de Contas de Recursos Repassados a Associação Coral de Criciúma pelo
FUNCULTURAL, apontou amplamente a legislação infringida, nos seguintes termos:
O Relator, Conselheiro, Luiz Roberto Herbst, em
suas razões de decidir, acolhendo sugestão da área técnica firmou o seguinte
entendimento (fl. 273):
As ponderações trazidas pela área técnica são
procedentes, pois a obrigação pela captação de recursos e agenciamento
pertence ao titular do projeto não cabendo qualquer espécie de remuneração ao
mesmo, nem tampouco a terceiros, caracterizando despesa sem finalidade pública,
não prevista no projeto e sem vinculação direta com os projetos ou programas
financiados pelo Fundo Estadual de Incentivo à Cultura, contrariando o art. 4º,
§ 1º, da Lei nº 13.336/2005, configurando dano ao erário, nos termos do
art. 18, III, "c", da Lei Complementar nº 202/2000, mostrando-se imperiosa
a imputação de débito (grifou-se).
Todavia, ao redigir a parte dispositiva do Voto,
(item 3.2), o Relator fundamenta o débito imputado conforme assentado no
Acórdão recorrido, ou seja:
R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais),
em face da despesa irregular com captação de recursos, em desacordo com os
arts. 37, caput, da Constituição Federal e 16, caput, da Constituição Estadual
e 2º e 9º da Lei (estadual) n. 5.867/81 (item 2.2.1 do Relatório DCE) (grifou-se).
Os dispositivos legais apontados assim dispõem:
Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Constituição Estadual.
Art. 16 — Os atos da administração pública de
qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade.
Lei nº 13.336/2005.
Art. 4º O Fundo Estadual de Incentivo à Cultura
- FUNCULTURAL, de natureza financeira, é constituído com recursos provenientes
das seguintes fontes:
§ 1º É vedada a utilização de recursos do
FUNCULTURAL, recebidos na forma do inciso I deste artigo, para pagamento de
despesas com pessoal e encargos sociais, serviços da dívida do Estado ou
quaisquer outras despesas correntes não vinculadas diretamente aos projetos ou
programas FINANCIADOS PELO Fundo.
Lei nº 5.867/1881
Art 2º As subvenções serão concedidas para
atender aos encargos que, por interesse público ou através de convênios,
contratos e ajustes, venham a ser atribuídos às instituições de caráter
privado.
Art. 9º As subvenções sociais serão aplicadas
exclusivamente nos fins para os quais houverem sido concedidas.
[grifei]
Dessa
forma, todo o arcabouço jurídico que precede as Instruções Normativas 001 e
002/2007, da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, ora
colacionado, permite considerar mantida a irregularidade.
Em
suma, considerar a despesa regular configuraria, além de ofensa à legislação – notadamente
à norma constitucional.
Por
conseguinte, mantida a irregularidade, não há razão para conversão da imputação
de débito em multa, uma vez descartada a possibilidade de uniformização de
jurisprudência no âmbito do Tribunal de Contas, e presentes os pressupostos
para imputação de débito, nos termos do art. 15 da Lei Complementar 202/2000,
que assim prescreve:
Art.
15. Verificada irregularidade nas
contas, o Relator ou o Tribunal:
§
3º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, considera-se débito o valor apurado em processo de prestação ou
tomada de contas decorrente de:
I — dano ao erário proveniente de ato de gestão
ilegítimo ou antieconômico injustificado;
II
— desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos; e
III — renúncia ilegal
de receita.
[grifei]
Em
suma, há plena concordância – inclusive do próprio recorrente – acerca da
ocorrência da irregularidade, restando controversa tão somente a sanção a ser
aplicada, quais sejam, imputação de débito ou multa, tendo em vista a citada
Instrução Normativa.
Entendo
que a Instrução Normativa não pode servir como marco para que se considere um
ato notadamente e reconhecidamente irregular ora passível de débito, ora de
multa.
O
que determina a consequência do ato é a sua natureza: se dele decorreu uma
despesa sem justificativa, ilegal, ilegítima, a devolução do débito é medida
que se impõe. A aplicação de multa só é utilizável para casos de grave infração
à norma, porém sem a caracterização do uso indevido do dinheiro.
Ademais,
a irregularidade constatada configura fato impeditivo à regular liquidação da
despesa, tendo em vista não terem sidos observados os requisitos necessários a
este estágio da realização de despesas públicas, como determina a Lei Federal Nº 4.320/64, nos
seguintes termos:
Art.
62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular
liquidação.
Art.
63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo
credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo
crédito.
§
1° Essa verificação tem por fim apurar:
I
- a origem e o objeto do que se deve pagar;
II
- a importância exata a pagar;
III
- a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§
2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá
por base:
I
- o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II
- a nota de empenho;
III
- os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Acerca
do tema, assim firmou o Prejulgado 1822, dessa Corte de Contas, in verbis:
Prejulgado:1822
1.
Constituem requisitos para pagamento de despesa a sua legitimidade, caracterizada
pelo atendimento ao interesse público e
à observância da lei em todas as fases de constituição e quitação, e a sua regular liquidação, consistente na
verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e
documentos comprobatórios do respectivo crédito (arts. 62 e 63 da Lei
Federal nº 4.320/64, 57 a 61 da Resolução nº TC-16/94 e 47, II, do Regimento
Interno do Tribunal de Contas).
(...)
[grifei]
Registre-se,
ainda, o entendimento do Tribunal de Contas da União, em publicação que trata
de licitações e contratos na Administração[2],
que assim aduz:
Liquidação
é o segundo estágio da despesa e consiste na verificação do direito adquirido
pelo credor ou entidade beneficiária. Tem por base títulos e documentos
comprobatórios do respectivo crédito ou da habilitação ao benefício. Em outras
palavras, é a confirmação de que o contratado cumpriu todas as obrigações contratuais assumidas.
(...)
Logo,
liquidação da despesa compreende todos os atos de verificação e conferência,
desde o fornecimento do bem ou execução da obra ou prestação do serviço,
conforme ajustado, até apuração do valor devido e a quem se deve pagar.
[grifei]
Da
jurisprudência do TCU, colhe-se ainda o seguinte excerto:
Nesse
sentido, a liquidação da despesa - uma das mais importantes fases da despesa
pública - é que permite à Administração reconhecer a dívida como líquida e
certa, nascendo, a partir dela, a obrigação de pagamento desde que as cláusulas contratadas tenham sido efetivamente cumpridas.
Enfim, é a avaliação objetiva do cumprimento contratual.
[grifei]
Por
certo, cumprir o mandamento firmado pela Lei Estadual nº 13.336/05, em seu art.
4º, §1º, já colacionado, que veda a
utilização de recursos do FUNCULTURAL (...) para pagamento de despesas com
pessoal (...) ou quaisquer outras despesas correntes não vinculadas diretamente
aos projetos ou programas financiados pelo Fundo é requisito fundamental
para a correta liquidação da despesa. Requisito este, obviamente, não atendido.
O entendimento foi detalhado pelas
Instruções Normativas em comento, que em tempo algum tornam válidos ou
regulares os atos praticados anteriormente à sua edição.
Por fim, restando inconteste a irregularidade da
conduta, fato reconhecido inclusive pelo recorrente, bem como a impossibilidade
de conversão da imputação de débito em multa sob a alegação de uniformização de
decisões, não há outro caminho que não a manutenção da decisão exarada em seus
termos originais.
Ante
o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reexame de
Conselheiro, e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO,
mantendo hígido o teor do Acórdão n. 626/2013.
Florianópolis,
24 de novembro de 2015.
Cibelly Farias
Caleffi
Procuradora
[1] OLIVEIRA, Lenice Iolanda de. A Lei e a Instrução Normativa, A Força da Instrução Normativa. EM: http://www.rochamarques.com.br/en/node/22
[2] Licitações e Contratos : Orientações e Jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria‑Geral da Presidência : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p 689.