PARECER
nº: |
MPTC/39308/2015 |
PROCESSO
nº: |
REP 08/00313313 |
ORIGEM: |
Fundação Universidade do Estado de Santa
Catarina - UDESC |
INTERESSADO: |
Basílio Elias de Caro |
ASSUNTO: |
Representação contra a UDESC. Pagamento de
verba de auxílio alimentação a servidores inativos. |
Trata-se de Representação subscrita pelo Sr.
Basílio Elias de Caro, Procurador de Justiça do Estado, por meio do Ofício n.
02/2008, a
respeito de supostas irregularidades no pagamento de verba de auxílio
alimentação a servidores inativos da Fundação Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC).
A Diretoria de Controle da Administração Estadual
apresentou informação (fls. 197-200), sugerindo o conhecimento da representação
e a adoção de providências para apuração dos fatos.
Em igual sentido manifestou-se este Ministério
Público de Contas (fls. 201-202), e a Relatora às fls. 203-204.
A Diretoria de Controle da Administração Estadual
elaborou nova informação (fls. 206-208), opinando pelo encaminhamento dos autos
à Diretoria de Controle de Atos de Pessoal para instrução do processo.
De ordem do Diretor-Geral de Controle Externo,
contudo, o processo foi redistribuído à Diretoria de Atividades Especiais (fl.
209).
Os autos foram redistribuídos ao Conselheiro Luiz
Roberto Herbst (fls. 210-211), o qual os remeteu para análise da Área Técnica
(fl. 212).
Foi acostado aos autos o Ofício n. 053/2011 (fls.
213-215), comunicando a abertura de Tomada de Contas Especial pela Unidade
Gestora.
A Diretoria de Controle da Administração Estadual
formulou informação (fls. 217-220), sugerindo a realização de diligência junto
à Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina para apresentação da
referida Tomada de Contas Especial.
A Instituição remeteu a informação de que os
trabalhos efetuados pela Comissão de Tomada de Contas Especial foram anulados,
com base nas orientações recebidas da Secretaria de Estado da Fazenda (fls.
222-232).
Perante tais fatos, após a juntada da documentação
de fls. 234-237, os Auditores Fiscais de Controle Externo desse Tribunal de
Contas requisitaram a remessa de documentos (fls. 238-240), os quais foram
enviados às fls. 241-403.
Após a juntada dos documentos de fls. 406-421 e
423-426, a Diretoria de Controle da Administração Estadual expôs relatório
(fls. 427-433v), opinando pela conversão do processo em Tomada de Contas
Especial e pela citação dos Srs. Raimundo Zumblick, Reitor no período de
18/05/1998 a 19/05/2003, José Carlos Cechinel, Reitor no período de 20/05/2002
a 15/05/2003 e de 26/06/2003 a 05/04/2004, Antônio Diomário de Queiroz, Reitor
no período de 16/05/2003 a 25/06/2003, e Anselmo Fábio de Moraes, Reitor no
período de 06/04/2004 a 10/04/2008, para apresentarem alegações de defesa em
virtude do pagamento de despesas a título de vale alimentação, em afronta às
disposições do art. 1º da Lei Estadual n. 11.647/00 e aos princípios da
legalidade e da moralidade inseridos no art. 37, caput da CRFB/88.
O Ministério Público de Contas emitiu o Parecer n.
25500/2014 (fls. 434-435), acompanhando a proposta apresentada pela instrução.
Após novo pedido de redistribuição da relatoria do
processo (fls. 436-437), foi apresentado o Despacho n. 1079/2014 (fls.
438-439v), na qual o Conselheiro Relator deixou de converter o processo em
Tomada de Contas Especial e determinou a citação dos responsáveis.
Devidamente
citados e após o deferimento de diversos pedidos de prorrogação do prazo de
resposta, os Srs. José Carlos Cechinel e Raimundo Zumblick responderam por meio
das petições de fls. 447-456 e 501-528, respectivamente, ao passo que os Srs.
Anselmo Fábio de Moraes e Antônio Diomário Queiroz apresentaram as
justificativas e os documentos de fls. 477-495 e 497-499, respectivamente.
A Diretoria de Controle da Administração Estadual,
após a inserção dos documentos de fls. 531-566, elaborou relatório (fls.
567-591), sugerindo o julgamento irregular dos atos e a aplicação de multas aos
responsáveis, Srs. Raimundo Zumblick, José Carlos Cechinel e Anselmo Fábio de
Moraes, já qualificados, em face da irregularidade elencada no item 3.2.1 da
conclusão do relatório técnico.
Passo, enfim, à análise da
irregularidade assinalada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual.
1. Pagamento de
despesas a título de vale-alimentação aos servidores inativos da Fundação
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em afronta às disposições do
art. 1º da Lei Estadual n. 11.647/00 e aos princípios da legalidade e da
moralidade insertos no art. 37, caput
da CRFB/88.
A instrução apurou o
pagamento de verba de auxílio-alimentação a servidores inativos da Fundação
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em
violação às disposições do art. 1º da Lei Estadual n. 11.647/00 e aos
princípios da legalidade e da moralidade, previstos no art. 37, caput da CRFB/88.
O vale-alimentação é um
auxílio concedido aos trabalhadores em efetivo exercício de suas funções para
custeio das refeições diárias. Trata-se de verba indenizatória, destinada à
reparação das despesas alimentares, sem natureza salarial, não sendo, por isso,
incorporado à remuneração ou proventos do servidor.
No âmbito da Fundação
Universidade do Estado de Santa Catarina, o referido benefício foi concedido
por meio da Resolução CONSUNI n. 002/94, posteriormente alterada pelas
Resoluções n. 025/95 e 019/97. Dentre outros dispositivos contidos na norma
inicial, destacam-se os seguintes:
Art. 2º O Programa Auxílio –
Alimentação tem como objetivo contribuir para a melhoria das condições de
alimentação dos Servidores da UDESC, e em consequência, proporcionar meios para o aumento de produtividade e eficiência
funcional (grifei).
Art. 3º O Auxílio – Alimentação será concedido aos servidores da
Universidade do Estado de Santa Catarina que estiverem no exercício de suas
funções, mediante sua opção ate o limite de CR$ 31.582,80 (trinta e um
mil quinhentos e oitenta e dois cruzeiros reais e oitenta centavos), no mês de
janeiro do corrente ano, reajustável mensalmente pelo índice de correção dos
vencimentos dos servidores da UDESC. [...]
Art. 9º O Auxílio – Alimentação não
poderá ser convertido em pecúnia, nem
ser incorporado aos vencimentos e vantagens do servidor (grifei).
Da leitura dos dispositivos,
conclui-se que a consequência direta almejada com a concessão do auxílio foi o
aumento da produtividade e eficiência funcional dos servidores em pleno exercício de suas funções,
ou seja, durante a atividade.
Muito embora tal destinação e
a não abrangência do auxílio aos servidores inativos, a Associação dos
Servidores do Estado de Santa Catarina (ASUDESC) decidiu contemplá-los, sendo o
pagamento posteriormente adotado e pago pela própria Universidade, sob a
rubrica “pagamento de fornecedores”, durante a gestão do Sr. Raimundo Zumblick
(fl. 91).
Conquanto o Reitor
alegue a inexistência de disposição proibitiva a época, convém lembrá-lo, como
é de amplo conhecimento, acerca da vinculação do gestor ao princípio da
legalidade, um dos pilares que regem toda a atividade pública administrativa,
contido no caput do art. 37 da
CRFB/88. Sobre o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[1]:
Na Administração Pública não há
liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito
fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer
o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa “pode fazer assim”;
para o administrador significa “deve fazer assim”.
Ora, o fato de a lei não dispor de forma contrária
ao pagamento não permite que o gestor haja nesse sentido, mas sim que ele se
abstenha, pois só deve fazer aquilo que a lei autoriza.
Além do ordenamento não conter disposição
permissiva, adveio a Lei Estadual n. 11.647/00 com expressa vedação ao
pagamento do vale-alimentação em comento:
Art. 1º O Poder executivo disporá sobre a concessão
mensal de auxílio-alimentação por dia trabalhado aos servidores públicos civis
e militares ativos da administração pública estadual direta, autárquica e
fundacional. [...]
§ 8º O auxílio-alimentação não será pago nos
seguintes afastamentos: [...]
f) passagem para inatividade, reserva, ou reforma; (grifei)
Essa mesma norma trouxe em
seu art. 2º, parágrafo único, disposição tida como ambígua e contraditória
pelos Srs. Raimundo Zumblick e Anselmo Fábio de Moraes. Ao se analisar o
conteúdo do texto[2],
porém, verifica-se que a mensagem é bastante clara e precisa – ficam
convalidados e congelados os valores pagos aos servidores ativos até que seja alcançada uma igualdade entre os
auxílios-alimentação diários –, sendo forçado, desse modo, interpretação em
sentido distinto.
Pelo seu caráter
compensatório ao serviço prestado e justamente por não integrar a remuneração
ou os proventos dos trabalhadores é que essa verba não pode ser destinada aos
servidores inativos. Não é outro o entendimento manifestado pelo Supremo
Tribunal Federal por meio da Súmula n. 680, ao dispor que “o direito ao
auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos”.
De forma bastante
explicativa, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já afastou a incidência
dessa verba nos proventos dos servidores inativos ou pensionistas[3]:
APELAÇÃO CÍVEL- SERVIDOR
PÚBLICO INATIVO OU PENSIONISTA - AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO - VERBA INDEVIDA DIANTE DO
SEU CARÁTER INDENIZATÓRIO - LEI MUNICIPAL - ACOLHIMENTO DO RECURSO -
PREJUDICADO O REEXAME NECESSÁRIO.
A verba denominada
"auxílio-alimentação", diante do seu caráter indenizatório,
objetivando ressarcir o servidor das despesas com refeições efetuadas entre as
jornadas de trabalho, é indevida aos
inativos e pensionistas, pois não realizam a contraprestação que justifica o
seu pagamento, ou seja, a atividade laboral. Como vantagem condicional ou modal
que é, não se incorpora aos vencimentos e não reflete nos proventos da
aposentadoria, não se podendo cogitar da incidência do disposto no art. 40, § 8º, da Constituição Federal. (grifei)
No mesmo sentido, é pacífica
a jurisprudência pátria, conforme os seguintes julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. INATIVO. VALE-ALIMENTAÇÃO. LEI MUNICIPAL CONTESTADA
EM FACE DE LEI FEDERAL. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 40, § 8º.
SÚMULA 680 DO STF.
1. O auxílio-alimentação
não se estende aos servidores inativos por força do art. 40,§ 8º, da C.F., por tratar-se de verba indenizatória. Precedentes: RE 318.684/RS, RE
301.347, AI 345.898-AgR
2. A Súmula n. 680/STF dispõe: O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.
3. In casu, o
acórdão recorrido assentou: “AÇÃO ORDINÁRIA – Declaratória e diferenças salariais – Lei local que prevê concessão de auxílio alimentação para pensionistas e inativos – Constitucionalidade e legalidade – Recurso não provido.”
4. Agravo de instrumento provido e convertido em recurso
extraordinário.
5. Recurso Extraordinário provido (STF, Agravo de Instrumento
n. 747734/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 27/04/2012 - grifei).
PREVIDÊNCIA PRIVADA. "AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO". ISONOMIA ENTRE
ATIVOS E INATIVOS. EXTENSÃO À INATIVIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTE DO STJ.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO
1. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o
"auxílio cesta-alimentação",
percebido pelos trabalhadores em atividade, não deve integrar a complementação
de aposentadoria do inativo, por
se tratar de verba indenizatória.
2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO (STJ,
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1243175/RS, Terceira Turma, rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 06/03/2012 - grifei).
Mandado
de Segurança. Servidor público estadual aposentado. Supressão do
auxílio-alimentação. Providência adotada pelo Presidente do Tribunal de
Justiça. Preliminar. Ilegitimidade passiva do Presidente do Tribunal de Contas.
Acolhimento. Ato aposentatório ainda não apreciado pelo órgão de controle
externo. Ausência de relação processual entre as partes. Mérito. Modificação na
situação jurídica do impetrante, o qual, na condição de inativo, jamais recebeu
a verba pleiteada. Não pagamento que se dá em virtude de novo entendimento
vigente na Corte Catarinense. Incidência da súmula 680 do Supremo Tribunal
Federal. Ausência de direito líquido e certo. Denegação da ordem. Diante da não
supressão de verba anteriormente paga, e sim de mera modificação de situação
jurídica, não há que se falar em cientificação do servidor para o exercício do
contraditório e da ampla defesa, de onde se conclui que não há direito líquido
e certo a ser amparado em favor do impetrante, uma vez que ele não foi
beneficiado pelo pagamento do auxílio alimentação enquanto inativo e, ainda,
por não ser o auxílio devido aos
aposentados, em virtude de seu caráter indenizatório (TJSC, Mandado de
Segurança n. 2013.077143-9, da Capital, Grupo de Câmaras de Direito Público,
rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 09/04/2014 – grifei).
O próprio Tribunal de Contas
de Santa Catarina já editou o Prejulgado n. 1849, em decisão sobre o processo
CON n. 06/00321622:
Nos termos do art. 1º, § 8º, “f”, da
Lei Estadual n. 11.647/2000, os servidores públicos civis e militares ativos da
administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, que passam
para a inatividade, não têm direito ao pagamento de vale-refeição.
Em sua defesa, o Sr. Antônio
Diomário de Queiroz alegou que pelo curto espaço de tempo em que esteve à
frente da Universidade (16/05/2003 a 25/06/2003) não estava em posição de
contestar as despesas do vale-alimentação.
A instrução sugeriu o
afastamento da responsabilidade atribuída ao responsável, por entender que ele
assumiu a Universidade por um período de tempo insuficiente para solução dos
problemas, posição com a qual concorda este Órgão Ministerial, haja vista que,
de fato, um pouco mais que 1 mês de exercício no cargo se mostra insuficiente
para a ciência de todos os eventuais atos irregulares praticados no âmbito da
instituição e para a adoção de medidas corretivas.
Quanto à responsabilidade dos
demais Reitores, ressalta-se que se caracterizou no momento em que assinaram os
documentos, conferindo validade e assumindo a responsabilidade pelas
informações ali constantes, e autorizaram os pagamentos, como pode ser
observado às fls. 242-370. Justamente por esse motivo é que não se pode
atribuir a responsabilidade unicamente ao Sr. Raimundo Zumblick por ter
instituído o benefício para os servidores inativos da Universidade, como
pretendem os Srs. Anselmo Fábio de Moraes e José Carlos Cechinel.
Cumpre registrar, assim, o
conteúdo do Prejulgado n. 226 dessa Corte de Contas, o qual traça alguns
parâmetros para a aferição da responsabilidade dos agentes públicos e que
prevê, nas hipóteses de delegação para ordenação de despesas, a
responsabilização dos agentes delegados.
Colho os seguintes trechos do citado prejulgado,
por elucidativos:
No
que concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa
original, assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados em sua
gestão.
Em
casos de existência de ato de delegação regular, serão partes nos processos de
prestação e de tomada de contas, de auditoria e outros de competência desta
Corte, somente os ordenadores de despesa delegados.
Todavia,
Art. 133. Em todas as etapas do processo de
julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de
fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados
ampla defesa.
§ 1º Para efeito do disposto no caput,
considera-se:
a) responsável àquele que figure no processo em
razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de
dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município
respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou
por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erário.
De igual modo, não se
justificam os argumentos dos reitores de que o gestor não pode ser
responsabilizado por ter delegado funções às Pró-Reitorias e tido conhecimento
da irregularidade somente após a consulta ao Tribunal de Contas, quando é seu
dever a supervisão e fiscalização dos serviços executados no órgão de sua responsabilidade.
Nesse sentido, deve-se deixar claro que cabe ao gestor a
responsabilização em face das chamadas culpa in eligendo e
culpa in vigilando, significando esta a ausência de fiscalização
das atividades de seus subordinados, ou dos bens e valores sujeitos a esses
agentes, ao passo que aquela representa a responsabilidade atribuída a quem deu
causa à má escolha de seu representante ou preposto.
A
responsabilidade do gestor, destarte, decorre de seu comportamento omissivo
quanto ao dever de fiscalizar, o que se tornou, no caso em comento, uma das
causas determinantes da irregularidade assinalada.
Acrescenta-se
que toda a já referida legislação que define a competência desse Tribunal de
Contas pode ser resumida, no presente caso, pelo teor do art. 1º, inciso III,
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000:
Art.
1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle
externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida
nesta Lei: [...].
III
- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município,
e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário.
Na condição de Reitor da Universidade do Estado de
Santa Catarina, o então gestor enquadrava-se exatamente no conceito de
responsável “por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta”,
consoante inclusive o já referido art. 133, § 1º, alínea “a” da Resolução n.
TC-06/2001 (Regimento Interno dessa Corte de Contas).
Ademais, salienta-se que a execução de tarefas
ordinárias da entidade configura delegação interna de competência e reflete,
apenas, a desconcentração da atividade administrativa no âmbito da
Universidade, pois não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo
máximo de chefia executasse diretamente todas as atividades cotidianas. Nesse
sentido, ainda que haja delegação interna para a execução de determinados
serviços, o titular da Unidade Gestora não se exime da condição de responsável
pelos atos praticados por seus subordinados, em face das atribuições de
supervisão e controle que lhe são afetas.
Com efeito, para o Plenário do Tribunal
de Contas da União, a discussão já está pacificada há bastante tempo,
como evidencia o seguinte trecho da decisão do processo TC n. 009.202/2011-0,
de 15/10/2014:
II. Ausência do nexo causal entre a conduta do Prefeito e os achados de
auditoria
140.
Em tópico separado, o advogado alega a ausência de nexo causal entre a conduta
do defendente e os achados de auditoria, não cabendo imputar responsabilidade
ao Prefeito porque esse cumpriu seu dever de fiscalização conforme estipulado
no contrato de repasse, ou seja, o objeto foi devidamente executado; e não cabe
ao dirigente máximo do município rever todos os atos administrativos praticados
por seus subordinados, sob pena de inviabilizar a gestão como um todo. Assevera
que trilhar o caminho em que se responsabiliza o gestor máximo
indiscriminadamente por todas as ações praticadas pelos funcionários
hierarquicamente inferiores, das quais não teve ciência ou não deveria ter,
além de contrariar as modernas tendências de organização gerencial em que se
privilegiam a descentralização de atividades e a segregação de funções, pode
gerar situações desarrazoadas em que o representante maior do órgão seja
convocado a responder por ato mais comezinho praticado por subordinados. Assim,
a responsabilização das autoridades delegantes não comporta soluções
monolíticas ou generalizantes, devendo ser analisado caso a caso.
141.
No caso em tela, alega que seria absurdo instar o Prefeito a realizar trabalhos
burocráticos como conferir numeração de páginas de processos administrativos ou
verificar o modelo dos formulários dos balanços patrimoniais apresentados pelos
pretensos licitantes a fim de verificar a ocorrência de fraude à licitação.
Sintetiza afirmando que o Prefeito gere a municipalidade ou faz licitação.
II.1. Análise
142.
Não cabe a alegação de ausência de nexo de causalidade entre a conduta do
Prefeito e os achados de auditoria, especificamente aqueles relacionados a
procedimentos licitatórios, tendo em vista a responsabilidade dos membros da
comissão de licitação, pois a responsabilidade do Prefeito está caracterizada
pelo fato daqueles que cometeram as irregularidades detectadas pela auditoria
terem sido por ele designados para cumprir a função de membros de comissão de
licitação.
143. Desta forma, além da culpa in eligendo, pela escolha dos
subordinados que cometeram as irregularidades apontadas, o gestor, na
administração dos recursos públicos federais, deveria atentar para os atos
praticados pelos mencionados subordinados, pelo que lhe pesa, ainda, a culpa in
vigilando.
144. Ressalta-se ainda que a delegação de competência não implica a
delegação de responsabilidade, cabendo à autoridade delegante a fiscalização
dos atos de seus subordinados diante da culpa in eligendo, consoante dispõe o
art. 932, inciso III, do Código Civil. Sobre o assunto há farta jurisprudência
no TCU.
145.
Observa-se ainda que a responsabilidade do Prefeito é decorrente da
administração de recursos públicos na forma da lei. Essa responsabilidade não
se confunde com a responsabilidade civil e penal e está adstrita à competência
constitucional do TCU, sem, porém, afastar a possibilidade de ações adicionais
e independentes nas esferas do poder judiciário, em decorrência de
responsabilidade de natureza jurídica diversa.
146.
Além disso, o Sr. Humberto Ivar Araújo Coutinho homologou os certames
licitatórios em questão (Concorrência 7/2006, peça 7, p. 5, e TP 13/2006, peça
11, p. 43), com isso participando da decisão da comissão licitatória. Pelos
motivos expostos, não se acatam os argumentos apresentados pelo advogado do
Prefeito. (grifei)
Resta
evidente, desta forma, a possibilidade – ou, ainda, no caso, a necessidade – da
responsabilização dos Reitores da Universidade do Estado de Santa Catarina
durante o período de 18/05/1998 a 10/04/2008 pela irregularidade em comento,
tratando-se, enfim, tal imputação de ônus inerente ao exercício do
cargo que ocupavam os Srs. Raimundo Zumblick, José Carlos Cechinel
e Anselmo Fábio de Moraes.
Ressalte-se, ainda, que não se desconhece os
esforços envidados pelo Sr. Anselmo Fábio de Moraes no sentido de questionar os
pagamentos – por meio do processo CON n. 06/00321622 – e suspender o pagamento
do auxílio. Todavia, a adoção de providências tão somente no exercício de 2007
não foi capaz de sanar a irregularidade atinente aos pagamentos autorizados por
ele desde o exercício de 2004, os quais totalizaram uma despesa de R$
3.778.687,91, motivo pelo qual deve sua responsabilidade ser mantida.
Também, mesmo que o Sr. Raimundo Zumblick afirme
que a concessão do pagamento se baseou em parecer da Procuradoria Jurídica da
Universidade do Estado de Santa Catarina, respaldada na autonomia
universitária, Estatuto dos Funcionários Públicos e Civis do Estado de Santa
Catarina, Decisão do Tribunal Superior do Trabalho e na CRFB/88, não cabe o
apontamento de responsabilidade solidária ao subscritor de parecer jurídico em
razão de seu caráter meramente opinativo e não vinculante.
Já
quanto ao argumento de que não houve dolo ou má-fé no presente caso, convém
esclarecer que, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer
dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de
má-fé como requisito para imputabilidade. Mais ainda, no âmbito do Direito
Administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente. Sobre o
tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[4], que bem
sintetiza esse entendimento:
11. (d) Princípio da
exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a
oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de
que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao
passo que outras não podem sê-lo, acarretando consequências diversas, gravosas
para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia
qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de
prévia ciência e prévia eleição, in
concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e,
pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se
está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.
Perante tal irregularidade, a Fundação Universidade
do Estado de Santa Catarina acostou informações e documentos atestando a adoção
de medidas com vistas ao ressarcimento dos valores recebidos pelos servidores
inativos a título de auxílio-alimentação. Conforme dados fornecidos (fls.
532-548), o Sr. Antonio Heronaldo de Souza, atual Reitor da Universidade, sob
orientação da Diretoria de Auditoria Geral da Secretaria de Estado da Fazenda,
notificou os servidores inativos que receberam os pagamentos irregulares e
iniciou os descontos no contracheque dos aposentados. A maioria, contudo,
ingressou com Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça de Santa Catarina a
fim de impedir o desconto dos valores na folha de pagamento (fls. 549-563).
Portanto, diante da adoção de providências por
parte da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina para ressarcimento
dos valores pagos irregularmente, realmente descabida seria a conversão do
processo em Tomada de Contas Especial com a consequente imputação de débito aos
Srs. Raimundo Zumblick, José Carlos Cechinel, Antônio Diomário de Queiroz e
Anselmo Fábio de Moraes, ex-Reitores da Universidade, até mesmo para que se
evite o enriquecimento ilícito da Administração Pública.
Por sua vez, caracterizada a responsabilidade dos
ex-Reitores pela autorização de pagamento do auxílio-alimentação aos servidores
inativos da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina, a restrição em
questão merece prosperar com a aplicação de sanção pecuniária aos responsáveis,
consoante disposto na conclusão deste parecer.
2. Conclusão.
Ante o exposto, o
Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, incisos I e II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:
1. pela IRREGULARIDADE dos atos em
análise nestes autos, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, diante da seguinte restrição:
1.1 Pagamento de despesas a título de vale-alimentação
aos servidores inativos da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), em afronta às disposições do art. 1º da Lei Estadual n. 11.647/00 e
aos princípios da legalidade e da moralidade insertos no art. 37, caput da CRFB/88;
2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos responsáveis, Srs. Raimundo Zumblick,
Reitor no período de 18/05/1998 a 19/05/2002, José Carlos Cechinel, Reitor no
período de 20/05/2002 a 15/05/2003 e 26/06/2003 a 05/04/2004, e Anselmo Fábio
de Moraes, Reitor no período de 06/04/2004 a 10/04/2008, na forma do art. 70,
inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 c/c o art. 109, inciso II,
do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, diante da
irregularidade apontada no
item 3.2.1 da conclusão do relatório técnico e transcrita no acima referido
item 1.1 desta conclusão.
Florianópolis, 7 de dezembro de 2015.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1]
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro, 20ª ed., p. 82 e 83.
[2] Art. 2º A partir de 1º de
janeiro de 2001 fica vedada a concessão ou continuidade do pagamento de
qualquer outro benefício de natureza idêntica, devendo os órgãos da
administração direta, autarquias e fundações ter os seus procedimentos
ajustados aos termos desta Lei.
Parágrafo único. Os valores que vêm sendo pagos pela Secretaria de Estado da Casa Civil, Secretaria de Estado de Governo, DETER, DER, IPESC, IOESC, JUCESC, APSFS, FATMA e UDESC ficam convalidados e congelados até que o auxílio-alimentação diário fique em valor igual para todos os servidores civis e militares ativos da administração direta, autárquica e fundacional. (grifei)
[3] TJSC, Apelação Cível n.
2005.011373-5, de Chapecó, Segunda Câmara de Direito Público, rel. Des.
Francisco Oliveira Filho, j. 31/05/2005.
[4]
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de direito administrativo, 20ª ed., p. 805.