PARECER
nº: |
MPTC/39677/2016 |
PROCESSO
nº: |
REP 15/00160269 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Camboriú |
INTERESSADO: |
Rafael Antonio Krebs Reginatto |
ASSUNTO: |
Representação de Agente Público -
Comunicação à Ouvidoria n. 79/2015 - acerca de supostas irregularidades no
Pregão Presencial n. 28/2014, cujo objeto é o registro de preços para serviço
de análise de água das redes e ramais no município |
Trata-se
de Representação oriunda de Comunicação à Ouvidoria n. 79/2015, acerca de
possíveis irregularidades no Pregão Presencial n. 28/2014, cujo objeto era o
registro de preços para serviço de análise de água das redes e ramais no
Município de Camboriú.
Após
a apresentação da documentação de fls. 9-133, pela qual a administração
municipal informou que foi iniciada uma sindicância para apuração de possíveis
irregularidades no procedimento licitatório, a Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações, por meio do Relatório de Instrução Preliminar DLC n.
226/2015 (fls. 134-137v) posicionou-se pelo conhecimento da representação em
parte, mas por considerá-la improcedente em relação aos aspectos relacionados à
aglutinação de serviços de engenharia e monitoramento de água de distribuidora,
à falta de clareza quanto à capacitação da empresa para a realização de análise
laboratorial de água, à discrepância entre a atividade econômica demonstrada e
a necessária à execução do serviço licitado, e à falta de credenciamento da
empresa pelo INMETRO, sugerindo, então, a audiência dos responsáveis, Sr. Janir
Francisco de Miranda, Secretário Municipal do Meio Ambiente, Sra. Luzia Lourdes
Coppi Mathias, Prefeita Municipal, e Sr. Márcio da Rosa, Secretário Municipal
de Administração, para apresentarem resposta acerca da exigência de a
contratada ter escritório e laboratório localizados na região de Camboriú ou
Balneário Camboriú, o que revelaria afronta ao art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei
n. 8.666/93.
Este
Ministério Público de Contas manifestou-se, por meio do Parecer MPTC n.
33835/2015 (fls. 138-140), pelo conhecimento parcial da representação e pela
determinação de audiência dos referidos responsáveis para apresentarem suas
respectivas alegações de defesa acerca da suposta irregularidade apontada.
Na
Decisão n. 0812/2015 (fls. 144-144v), o Tribunal Pleno acatou o Voto do
Relator, conhecendo da representação parcialmente e determinando a audiência
dos responsáveis no prazo de 15 dias, com fulcro no art. 7º da Resolução n.
TC-07/2002.
O Sr.
Janir Francisco de Miranda apresentou suas justificativas de defesa às fls.
149-159, com juntada de documentos às fls. 160-546. A Sra. Luzia Lourdes Coppi
Mathias justificou-se às fls. 548-555, com juntada de documentos às fls.
556-952. O Sr. Márcio da Rosa defendeu-se por meio das justificativas de fls.
954-962 e dos documentos juntados às fls. 963-1349.
Após
tais justificativas, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações
emitiu o Relatório de Instrução DLC n. 462/2015 (fls. 1352-1355), em cuja
conclusão sugeriu a procedência parcial da representação, com a determinação de
alerta à Prefeitura Municipal de Camboriú, no seguinte sentido:
3.1. Considerar
parcialmente procedente a Representação em análise.
3.2. Alertar a Prefeitura Municipal de Camboriú que, no caso de contratação de
empresa para proceder a análise de águas das redes e ramais do Município de
Camboriú, a exigência de a contratada ter escritório e laboratório localizado
na região de Camboriú ou Balneário Camboriú contraria o art. 3º, §1º, I, da Lei
n. 8.666/93.
3.3. Dar ciência
do Relatório e da Decisão, ao Sr. Rafael Antonio Krebs Reginatto, aos
responsáveis e ao Controle Interno da Prefeitura Municipal de Camboriú.
ou
3.4. Determinar o
arquivamento do presente processo por perda de objeto.
Passo,
enfim, à análise da irregularidade assinalada pela Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações.
Exigência editalícia presente
no Pregão Presencial n. 28/2014 no sentido de a empresa a ser contratada ter
escritório e laboratório localizados na região de Camboriú ou Balneário
Camboriú, em contrariedade ao art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93.
O
objeto da representação consiste em suposta ilegalidade na exigência prevista
no Pregão Presencial n. 28/2014 de que a empresa a ser contrata para a
prestação de serviços tivesse escritório e laboratório localizados na região de
Camboriú ou Balneário Camboriú, em ofensa ao art. 3º, § 1º, inciso I da Lei n.
8.666/93.
Acerca dessa exigência, o Sr. Janir Francisco de
Miranda apresentou argumentos (fls. 154-158) no seguinte sentido (sendo suas
justificativas seguidas e reiteradas nas defesas dos demais responsáveis às fls. 553-554 e 959-961):
[...]
Esclareço que o meu objetivo não era restringir a participação de
empresas no certame, mesmo porque foi inserido na alínea “b” do item 2.3 como
requisito básico, o seguinte: “A
CONTRATADA deverá ter seu escritório e laboratório para desenvolvimento deste
Contrato, localizado na região objeto desta contratação (Camboriú ou Balneário
Camboriú)”.
Excelência o texto é bem claro e define que somente a empresa “CONTRATADA” deverá ter escritório e
laboratório nesta cidade ou na cidade de Balneário Camboriú. Certamente que
Vossa Excelência conhece essas 02 (duas) cidades que compõe um mesmo centro
urbano localizado na Foz do Rio Camboriú. Necessário observar que as duas
cidades estão dentro do mesmo centro urbano, daí o motivo e o “porquê” de
constar também o município de Balneário Camboriú.
Observa-se, também, que somente a empresa vencedora do certame deverá
ter escritório e laboratório. A exigência editalícia não se referia aos
participantes do certame. Portanto, não era exigência para participação e não
incorreria em INABILITAÇÃO a empresa que não estivesse domiciliada nestas duas
cidades. A exigência era para a empresa contratada, isto é, para a empresa
vencedora do certame deveria se estabelecer nessa microrregião para prestar um
serviço rápido e de qualidade.
Com relação a essa situação já fui penalizado pela Administração
Municipal que diante de um processo de sindicância onde a Comissão
investigatória entendeu por sugerir a senhora Prefeita Municipal e aplicar uma
penalização de ADVERTÊNCIA.
Contudo, esclareço que toda composição de EDITAL é formada por normas e
regras que restringem a participação de várias empresas. Caso contrário o
EDITAL não seria necessário. No Departamento de Compras e Licitações da
Secretaria da Administração Municipal, não realizamos alterações em qualquer
“TERMO DE REFERÊNCIA” pois se trata de material técnico e somente os mesmos
podem modificá-lo. Desta forma é evidente que toda a responsabilidade recai
sobre a Secretaria Municipal de Saneamento Básico e de seu secretário.
Contudo, deve-se observar que os dizeres inseridos se referem que a
“EMPRESA CONTRATADA” deveria possuir escritório nas cidades de Camboriú ou
Balneário Camboriú, portanto, não houve qualquer interferência ou restrição na
HABILITAÇÃO do certame em questão, porque nenhuma empresa seria INABILITADA ou
impedida de participar do certame por este motivo.
Não há limitação geográfica dentro do certame. O que o TERMO DE
REFERENCIA indica é que após o CERTAME LICITATÓRIO, a empresa vencedora
deverá se estabelecer em umas dessas cidades. A Administração municipal
exige que a empresa contratada possua escritório e laboratório aqui. O motivo
se relaciona ao pronto atendimento que a população exige.
Neste norte o doutrinador MARÇAL JUSTEN FILHO observa que “Se a restrição for necessária para atender
ao interesse público, nenhuma irregularidade existirá em sua previsão. Terão de
ser analisados conjugadamente a cláusula restritiva e o objeto da licitação. A
invalidade não reside na restrição em si mesma, mas na incompatibilidade dessa
restrição com o objeto da licitação.”
Ora a empresa que não queira se estabelecer no local onde se presta o
serviço que é considerado vital para a análise de água potável que se relaciona
diretamente com a saúde pública, não deve participar do certame licitatório. A
Administração tem o poder discricionário
para inserir cláusulas no Edital desde que esteja favorecendo a sua população.
A exigência de que a empresa contratada deva constituir um escritório na
região, na minha concepção é medida que se impõe a boa prestação do serviço e é
uma exigência para a boa prestação do serviço.
Entendo, também, que para se realizar a análise mais apurada da
potabilidade de água tratada é estar ou captar amostras em menor tempo possível
para se chegar a uma conclusão ou atender aos reclamos da sociedade, que a
consumidora desse produto essencial à vida humana.
Sobre esse aspecto, entendo que Vossa Excelência chegará à conclusão de
que não há controvérsia acerca da limitação relacionada no termo de referência,
já que a limitação geográfica não impede que qualquer empresa participe do
certame.
É certo se pensar que a exigência contida no TERMO DE REFERÊNCIA não
impede a participação de pretensos licitantes ao certame, somente condicionava
ao vencedor – empresa a ser
contratada” de possuir domicílio ou se estabelecer em uma destas duas
cidades para a efetiva prestação do serviço licitado.
Novamente procuro esclarecer que a administração da Secretaria de
Saneamento Básico entende que quanto maior for a proximidade da empresa
contratada do local onde prestará o serviço, melhor e mais perfeita será a
execução do serviço.
Necessário se observar que algumas prestações de serviços necessitam de
que a empresa tenha um portal de atendimento da própria cidade. Esse tipo de
serviço é um deles.
Em seguida, o responsável informou (fl. 158) que,
em razão de decisão da Comissão de Sindicância instaurada, procedeu-se à
rescisão do contrato n. 003/2015 decorrente do Pregão Presencial n. 28/2014
(fl. 290), com a adoção de um novo procedimento licitatório também na
modalidade pregão – Pregão Presencial n. 007/2015 – (fls. 466-488),
observando-se a regra legal e suprimindo a regra anterior que previra a
limitação geográfica. Contudo, aduziu que o resultado não teve alterações, vez
que a mesma empresa vencedora da licitação anterior se sagrou vencedora para o
fornecimento dos serviços necessários, concluindo do seguinte modo (fls.
158-159):
Assim sendo, apresento todas essas informações como matéria de defesa,
fotocópias de todos os procedimentos anteriores e posteriores para comprovar a
veracidade de tudo o que ocorreu administrativamente nessa contratação.
Necessário salientar ainda, que a Administração do município de Camboriú
tem procurado manter contato com os técnicos da Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações desse respeitável Tribunal de Contas Estadual para
compor os Editais com ajuste as decisões dessa Egrégia Côrte e vinculação às
leis específicas, primando pela correta aplicação de todos os atos
administrativos.
Há que se observar, em primeiro lugar, o que dispõe
a legislação que cuida do assunto.
O art. 37, inciso XXI, da CRFB/88 determina que,
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.
Já o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações
e Contratos Públicos estipula que
Art. 3º A
licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da
isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a
promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1º É
vedado aos agentes públicos:
I - admitir,
prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que
comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo,
inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou
distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de
qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico
objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de
1991; (grifei)
Relativamente ao caráter competitivo e o princípio
da isonomia insculpidos acima, o administrativista Marçal Justen Filho comenta[1]:
No inc. I, arrolam-se os casos em que as condições impostas pelo ato
convocatório distorcem o procedimento licitatório. O ato convocatório, ao
estabelecer tais requisitos, já predetermina o(s) provável(eis) vencedor(es).
O disposto não
significa, porém, vedação a cláusulas restritivas da participação. Não impede a
previsão de exigências rigorosas nem impossibilita exigências que apenas possam
ser cumpridas por específicas pessoas. O que se veda é a adoção de exigência
desnecessária ou inadequada, cuja previsão seja orientada não a selecionar a
proposta mais vantajosa, mas a beneficiar alguns particulares. Se a restrição for necessária para atender ao interesse coletivo,
nenhuma irregularidade existirá em sua previsão. A invalidade não reside na restrição em si mesma, mas na
incompatibilidade dessa restrição com o objeto da licitação. Aliás, essa
interpretação é ratificada pelo previsto no art. 37, inc. XXI, da CF (“... o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”). A incompatibilidade
poderá derivar de a restrição ser excessiva ou desproporcionada às necessidades
da Administração. Poderá, também, decorrer da inadequação entre as exigências e
as necessidades da Administração.
O ato convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção
da proposta vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso
dependerá do tipo de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências necessárias para
assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as
cláusulas que, ainda indiretamente, prejudiquem o caráter “competitivo” da
licitação.
Assegura-se tratamento igualitário aos interessados que apresentem
condições necessárias para contratar com a Administração. A vitória de um deles
dependerá de seus próprios méritos. A regra não exige que o benefício indevido
seja derivado de uma intenção reprovável. Ou seja, não é necessário sequer a
intenção de beneficiar um ou mais competidores. (grifei)
Desse modo, percebe-se claramente que a referida
exigência editalícia no sentido de que as empresas a serem contratadas
possuíssem escritórios e laboratórios na região de Camboriú ou Balneário
Camboriú não encontra respaldo legal ou doutrinário a lhe dar legitimidade. As
análises de água poderiam muito bem ser feitas e entregues dentro de prazos
previamente estipulados pelo contrato, como bem aventado pela Unidade Técnica
em seu relatório (fl. 1354).
Há que se atentar para o fato de que a própria
rescisão do edital original para a elaboração de um novo, sem a cláusula em
comento, denota a dispensabilidade da mesma. Acerca desse fato, o Relatório de
Instrução DLC n. 462/2015 salientou que (fl. 1354)
Ainda,
conforme restou demonstrado pela documentação juntada aos autos, que o Sr.
Roberto Martins Pegorini, Procurador Jurídico do Município, mediante o Parecer
Jurídico de fls. 282-286, opinou no sentido de que o contrato 003/2015 firmado
com a empresa Juk Engenharia Ltda. deveria ser mantido até a conclusão de outro
processo licitatório objetivando a contratação dos mesmos serviços. Observa-se
ainda que o contrato 003/2015 de 05/01/2015 foi rescindido em 11/06/2015, após
a realização de novo processo licitatório escoimado da irregularidade inquinada
(Pregão Presencial 7/2015), no qual compareceu novamente apenas a empresa Juk
Engenharia Ltda. e o preço manteve-se no mesmo valor de R$ 247.025,00. Então,
não obstante o caráter restritivo da exigência do edital, fora a movimentação
da máquina pública para realizar nova licitação, não se pode afirmar que houve
prejuízo.
Assim sendo, entende-se que, na esteira da primeira
sugestão da conclusão da Unidade Técnica, deva ser declarada a procedência
parcial da presente representação, com a determinação de alerta à Prefeitura
Municipal de Camboriú no sentido de que cláusulas como a ora examinada e
correlatas afrontam o art. 37, inciso XXI da CRFB/88 e o art. 3º, § 1º, inciso
I, da Lei n. 8.666/93, podendo ensejar penalidades aos responsáveis,
esclarecendo-se, por fim, que não há, no momento, irregularidade a ser
declarada nos presentes autos, uma vez que os responsáveis empreenderam
esforços no sentido de eliminar a referida exigência com a elaboração de um
novo edital sem prejuízos consideráveis ao erário.
2.
Conclusão.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:
1.
pela PROCEDÊNCIA PARCIAL da presente
representação;
2.
pelo ALERTA à Prefeitura Municipal
de Camboriú de que a cláusula de que os contratados tenham escritório e
laboratório localizados na região de Camboriú ou Balneário Camboriú, bem como
outras que contenham exigências correlatas, afrontam o art. 37, inciso XXI da
CRFB/88 e o art. 3º, § 1º, inciso I da Lei n. 8.666/93;
Florianópolis,
5 de janeiro de 2016.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. São Paulo: Dialética, 2010, p. 82-83.