PARECER nº:

MPTC/39691/2016

PROCESSO nº:

REC 15/00429497    

ORIGEM:

Fundo Estadual de Incentivo ao Turismo - FUNTURISMO

INTERESSADO:

Vincenzo Francesco Mastrogiacomo

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE-11/00340316

 

 

Trata-se o presente processo de Recurso de Reconsideração[1] interposto pelo Sr. Vincenzo Francesco Mastrogiacomo e pela Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC), por meio de seus procuradores, em face do Acórdão n. 0036/2015, exarado nos autos do processo TCE n. 11/00340316, o qual julgou irregulares, com imputação de débito, as contas relativas aos recursos recebidos pela Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC) para a execução do projeto “Mercolátea Milk Fair 2008”, nos seguintes termos:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com fundamento no art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata da prestação de contas de recursos repassados, através da NE n. 499, de 23/10/2008, no valor de R$ 100.000,00, P/A 4685, elemento 33504301, fonte 0262, à Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC) pelo FUNTURISMO.

6.2. Condenar, SOLIDARIAMENTE, a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE CHAPECÓ (ACIC) e os Srs. VINCENZO FRANCESCO MASTROGIACOMO - Presidente daquela Associação na gestão 2008/2009, e GILMAR KNAESEL - ex-Secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte - SOL -, ao recolhimento da quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), referente à nota de empenho acima citada, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e -, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data do fato gerador do débito, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da citada Lei Complementar), pela não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, nos termos em que determinam os arts. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual e 144, §1º, da Lei Complementar n. 381/2007, em face da:

6.2.1. transferência dos recursos recebidos pelo proponente à T12 Marketing e Comunicação Ltda., empresa privada com fins lucrativos, em desacordo com o art. 2º, §2º, da. 13.336/05 c/c com os arts. 1º, § 1º, I, "a" a "c", e 42, XIX, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 e 53, caput, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.1.1 do Relatório de Instrução DCE/Insp.1/Div.3 n. 00728/2012);

6.2.2. apresentação de notas fiscais emitidas anteriormente ao termo de início da vigência contratual e da emissão da Nota de Empenho n. 499, de 23/10/2008, contrariando o disposto no Prejulgado n. 613 desta egrégia Corte de Contas e no art. 43, VI e VIII, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 (item 2.2.1.2 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.3. realização de despesas não contempladas no plano de aplicação, contrariando o disposto nos arts. 59, caput, 66, I, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 c/c os arts. 144, §1º, da Lei Complementar (estadual) n. 381/07 e 49 da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.1.3 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.4. ausência de documentos para adequado suporte às despesas com publicidade, nos termos dos arts. 144, §1º, da Lei Complementar (estadual) n. 381/07 c/c os arts. 52, III, 60, II, e 65, I a V, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.1.4 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.5. ausência de comprovação do efetivo fornecimento dos materiais ou prestação de serviços em face da descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas e da ausência de outros elementos de suporte, nos termos do art. 60, II, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.1.5 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.6. ausência da apresentação dos três orçamentos, nos termos do art. 48, I e II, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 (item 2.2.1.6 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.7. ausência da demonstração de todas as receitas e despesas envolvidas no evento, nos termos do art. 70, XIII, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 (item 2.2.1.7 do Relatório DCE n. 00728/2012);

6.2.8. movimentação incorreta da conta bancária, mediante a transferência dos recursos públicos para conta bancária de empresa privada com fins lucrativos, em desacordo com o disposto nos arts. 16 e 24, X, do Decreto (estadual) n. 307/03 e 47, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.1.8 do Relatório DCE n. 00728/2012).

6.3. Aplicar aos Responsáveis a seguir identificados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno deste Tribunal, as multas adiante elencadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no DOTC-e, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, inc. II e 71 da Lei Complementar n. 202/00):

6.3.1. ao Sr. GILMAR KNAESEL, já qualificado nos autos, as seguintes multas:

6.3.1.1. R$ 2.000,00 (dois mil reais), em razão de irregularidade na participação dos órgãos deliberativo colegiado e técnico, no procedimento para análise de regularidade e aprovação do projeto beneficiado, em desobediência aos preceitos legais pertintes, constatando-se: a) ausência do parecer técnico e orçamentário do SEITEC, em contrariedade ao disposto no art. 36, §3° do Decreto (estadual) n. 1.291/08; e b) ausência de parecer do Conselho Estadual de Turismo, em desacordo com o disposto nos arts. 9º e 10 do Decreto (estadual) n. 1.291/08 c/c o art. 2º da Lei (estadual) n. 4.717/65 (itens 2.2.2 e 2.2.3 do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.1/Div.3 n. 376/2013);

6.3.1.2. R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), em virtude da aprovação de projeto com parecer contrário quanto ao seu enquadramento no Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL -, nos termos do art. 6º da Lei (estadual) n. 13.792/06 c/c o art. 2º da Lei n. 4.717/65 (item 2.2.1 do Relatório DCE n. 376/2013);

6.3.1.3. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da ausência do contrato/termo de apoio financeiro na prestação de contas, em desacordo com o disposto nos arts. 1°, §1°, IV, 37 e 38 do Decreto (estadual) n. 1.291/2008 (item 2.2.4 do Relatório DCE n. 376/2013).

6.3.2. ao Sr. VICENZO FRANCESCO MASTROGIÁCOMO, já qualificado nos autos, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), devido ao encaminhamento da prestação de contas fora do prazo legal, em desacordo com os arts. 69, I, do Decreto (estadual) n. 1.291/08 e 52, I, da Resolução n. TC-16/94 (item 2.2.2 do Relatório DCE n. 728/2012).

6.4. Declarar a Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC) e o Sr. Vincenzo Francesco Mastrogiacomo impedidos de receberem novos recursos do erário, consoante dispõe o art. 13 da Lei (estadual) n. 13.336/2005 c/c os arts. 61 do Decreto (estadual) n. 1.309/2012 e 16 da Lei (estadual) n. 16.292/2013.

6.5. Representar ao Ministério Público Estadual, com fundamento nos arts. 59, XI, da Constituição Estadual e 1º, XIV, e 65 da Lei Complementar n. 202/2000, dando-lhe conhecimento acerca das irregularidades ora identificadas e do teor da presente deliberação.

6.6. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, ao Sr. Itacyr Centenaro e à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL)/FUNTURISMO. (grifei)

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o parecer de fls. 26-32v, opinando por conhecer o Recurso de Reconsideração e, no mérito, por negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a Deliberação recorrida.

Os recorrentes interpuseram Recurso de Reexame pleiteando a modificação do Acórdão acima transcrito.

Ocorre que o Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de prestação e tomada de contas, exatamente a situação do presente caso.

O princípio da fungibilidade permite que um recurso, mesmo que incabível, seja recebido, como garantia do fim social do processo, ou seja, a prestação jurisdicional, evitando que o excesso de formalismo interfira no acesso à justiça.

Destaca-se, ainda, a identidade de prazos entre os recursos em comento, não havendo, assim, quaisquer prejuízos no recebimento da presente peça como Recurso de Reconsideração.

Salienta-se também que as partes são legítimas para a sua interposição, uma vez que figuraram como responsáveis pelos atos irregulares descritos na Decisão recorrida.

O Acórdão atacado foi publicado na imprensa oficial em 06/03/2015, sendo que o responsável interpôs tempestivamente Embargos de Declaração (REC n. 15/00118653, em apenso), o qual foi conhecido e desprovido por meio do Acórdão n. 0361/2015, prolatado em Sessão do dia 15/06/2015 e publicado no DOTC-e n. 1747 de 15/07/2015, sendo que a presente peça recursal teve o protocolo procedido nessa Corte de Contas em 31/07/2015, atendendo ao prazo fixado em lei, uma vez que o art. 78, § 2º da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 estabelece que os Embargos de Declaração suspendem os prazos para cumprimento de decisão embargada e para interposição dos recursos de Reconsideração, de Reexame e de Agravo.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Passa-se, na sequência, à análise dos itens impugnados do Acórdão recorrido e das alegações dos recorrentes.

1.     Razões recursais

1.1.       Preliminar prejudicial de mérito

Os recorrentes, em sede de preliminares, buscam desconstituir o julgamento sob a alegação de prescrição da pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário.

Alegaram (fl. 4) que, não obstante o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o dano ao erário decorrente de atos de improbidade seja imprescritível, consideram-no vulnerador do princípio constitucional da segurança jurídica, não devendo ser aplicado ao presente processo “porque só se poderia cogitar a hipótese de imprescritibilidade de dano ao erário no caso de existirem provas cabais da ocorrência da lesão ao patrimônio público” (fls. 4-5), o que não seria o caso dos autos.

Aduziram (fl. 5) que em razão da inexistência de lei estadual reguladora da matéria, dever-se-iam aplicar analogicamente as normas federais que a regem estabelecendo o prazo prescricional de três anos para atuação da Administração no exercício da ação punitiva, com espeque no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/99. Tal dispositivo estabelece incidir a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Alternativamente, os recorrentes propugnam (fl. 5) a encampação da tese de prescrição de imputação do débito fundamentando-se no disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/32, o qual determina que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Argumentaram que o fato gerador do débito teria ocorrido em outubro de 2008, de modo que estaria evidente o decurso de prazo “de pelo menos seis anos até o momento”, motivo pelo qual deveria ser acolhida a arguição de prescrição, fosse no prazo de cinco ou de três anos.

Finalizaram a preliminar sustentando restar “clara e inequívoca a nulidade do processo administrativo que pauta a cobrança objeto de imputação aos recorrentes, por afronta direta ao princípio da segurança jurídica” (fl. 6).

Em que pesem os argumentos expendidos pelos recorrentes, entende-se pelo não acatamento da tese aventada, uma vez que além do próprio posicionamento do STJ favorável à tese de imprescritibilidade, referido pelos responsáveis, parcela significativa da doutrina pátria perfila tal entendimento, tanto na seara do Direito Constitucional como no âmbito do Direito Administrativo.

O constitucionalista José Afonso da Silva[2], discorrendo acerca do tema, ensina que

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porem, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada. (grifei)

Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3] traça a seguinte explanação:

A prescrição da ação de improbidade está disciplinada no artigo 23, que distingue duas hipóteses: pelo inciso I, a prescrição ocorre em cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo ou emprego, o inciso II estabelece que a prescrição ocorre no mesmo prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. São, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o artigo 37, §5°, da Constituição. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento do dano. (grifei)

O administrativista José dos Santos Carvalho Filho[4] trilha no mesmo sentido, afirmando que

Consequentemente, no que concerne à pretensão ressarcitória (ou indenizatória) do Estado, a Constituição assegura a imprescritibilidade da ação. Assim, não há período máximo (vale dizer: prazo prescricional) para que o Poder Público possa propor a ação de indenização em face de seu agente, com o fito de garantir o ressarcimento pelos prejuízos que o mesmo lhe causou.

Ademais, o Tribunal de Contas da União já se manifestou em diversas oportunidades acerca de tal temática, editando a Súmula n. 282, cujo texto estabelece expressamente que “As ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”, com fundamento no art. 37, § 5º, da CRFB/88.

Nesse mesmo sentido se manifestou a Diretoria de Recursos e Reexames, em seu Parecer DRR n. 498/2015 (fls. 26-32v), transcrevendo parte da análise feita por esta Unidade (fls. 28-29v) quando do Parecer DRR n. 222/2015 nos autos do processo REC n. 15/00058499.

Portanto, entende-se pelo conhecimento da preliminar em questão e pela sua improcedência.

1.2.       Razões recursais de ordem moral

Os recorrentes, inconformados com a decisão proferida, sustentaram a necessidade de sua reforma por considerarem-na distorcida nos campos moral e ético. Justificaram tal alegando que (fls. 7-8)

[...] constata-se que o caso concreto trata de recurso público na ordem de R$ 100.000,00 que foi liberado via projeto de captação datado de 16-11-2007, para evento que oocorreria entre os dias 8 e 11-04-2008, ou seja, muito tempo depois do evento ter sido realizado.

Ora, o Estado mediante seus agentes políticos (o então governador do Estado Luiz Henrique da Silveira inclusive opinou pela mudança do nome do evento de Mercoláctea para Mercoláctea Milk Fair) incentivou a captação de recursos para o evento, que ocorreu conforme projeto que seguiu as orientações emanadas da SRD de Chapecó, sendo fato incontroverso nos autos que houve a cessão de espaço para propaganda em benefício do Governo do Estado, Epagri, etc, e agora, depois de já ter sido devidamente colhidos os louros da participação, aparece um departamento técnico do próprio Estado de Santa Catarina para apontar questiúnculas burocráticas sobre a prestação de contas, exigindo a devolução do valor aos cofres públicos.

Com o devido respeito, cabe a este MM. Tribunal desapegar-se de detalhes técnicos de prestação de contas, de questiúnculas que ignoram olimpicamente o FATO de que o recurso captado era e foi utilizado para saldar os compromissos que decorreram do evento, é necessário que este MM Tribunal olhe para os detalhes apontados pelo corpo técnico MAS QUE NÃO SE ESQUEÇA DO PRINCIPAL, que foi o efetivo uso do evento para promoção de políticas públicas do Governo do Estado, coisa que obviamente tem um preço a ser pago, SERVINDO O VALOR CAPTADO JUSTAMENTE PARA TAL DESIDERATO, CONFORME PREVISTO NO PROJETO INICIAL. [...]

Sustenta-se que a decisão ora recorrida é imoral porque desconsiderou que a devolução de valores por parte dos recorridos significa enriquecimento ilícito do Estado de Santa Catarina, mas também porque representa que este MM. Tribunal está autorizando o fato do Estado ter use beneficiado do evento, se aproveitado da massiva propaganda que o circundou, sem qualquer custo!

Com o devido respeito trata-se de uma inversão de valores de ordem moral porque a ninguém (nem ao Estado) é dado enriquecer ou se beneficiar do esforço alheio, evidenciando-se que o julgamento, da forma como se apresenta significa uma posição literalmente revolucionária da realidade, onde um erro de ordem aparentemente formal é utilizado para justificar outro erro ainda maior (calote). [...]

A indignação apresentada pelos recorrentes não alcança a integralidade dos fatos, na medida em que, como bem reiterado pela Diretoria de Recursos e Reexames (fls. 30-31), o Relatório e o Voto do Relator (fls. 1625-1638 dos autos TCE n. 11/00340316, em apenso) trazem a reconstrução detalhada dos fatos e as consequências legais e regimentais previstas para cada uma delas.

Conforme visto (fl. 1630 dos autos TCE n. 11/00340316), é irrefutável a irregularidade das transferências financeiras efetuadas pelos responsáveis à empresa T12 Marketing Comunicação Ltda., uma vez que esta exercia atividade eminentemente mercantil, com finalidade lucrativa, diversa, portanto, do caráter das captações de recursos públicos e consequente realização do evento.

Referindo-se ao Relatório DCE n. 728/2012 (fls. 1090-1109v dos autos TCE n. 11/00340316), o Relator reconstruiu a sucessão fática, com a realização do evento nos dias 8, 9, 10 e 11 de abril de 2008, sendo que o Contrato só foi firmado em 1°/10/2008 (fl. 1089 dos autos TCE n. 11/00340316) e a Nota de Empenho n. 499/000 teria sido emitida somente em 23/10/2008 (fl. 144 dos autos TCE n. 11/00340316), com o repasse dos recursos captados à ACIC em 30/10/2008 (fl. 163 dos autos TCE n. 11/00340316), os quais, por sua vez, foram transferidos à T12 Marketing Comunicação Ltda. em 05/11/2008 (fls. 243-244 dos autos TCE n. 11/00340316).

O Relator enfatizou também o fato de que “a quase totalidade das notas fiscais de prestação de serviços e produtos foi emitida entre 13/12/2007 e 05/06/2008, portanto contemporaneamente à execução do evento/projeto” (fl. 1630 dos autos TCE n. 11/00340316). Em razão de tais condutas, desrespeitou-se o item 1 do Prejulgado n. 613 do Tribunal de Contas do Estado, o qual determina o seguinte:

Prejulgado 613

1. É regular e legítimo que entidade de direito privado comprove a aplicação de recursos financeiros recebidos a título de subvenções sociais, também com documentos (recibos, notas fiscais, folha de pagamento, guia de encargos sociais e de tributos, entre outros), cuja data de emissão seja anterior a do recebimento dos valores conveniados, mas coincidente com o período de vigência do acordo e desde que posterior à extração da nota de empenho respectiva. Na hipótese da associação civil ter desembolsado antecipadamente dinheiro seu para realizar gastos vinculados ao convênio (constatada a precedente emissão da nota de empenho pelo órgão ou entidade pública), o uso dos comprovantes destas despesas, no processo regular de prestação de contas, permitirá a conseqüente devolução aos cofres da associação dos valores que lhe pertencem; deverá, porém, ficar claramente evidenciado a que dispêndios se refere cada valor transposto da conta bancária vinculada ao convênio para a conta própria da associação. (grifei)

Logo, restam inócuas as alegações e justificativas apresentadas pelos recorrentes, motivo pelo qual se entende deverem elas ser julgadas improcedentes.

1.3.       Razões recursais de ordem material

Reiterando parcialmente as afirmações aventadas e analisadas no tópico anterior, os recorrentes argumentaram (fl. 9) que os fatos deveriam ser sopesados para identificar se seriam suficientemente relevantes ou graves para justificar a sua condenação, uma vez que supostamente não haveria provas de fraude ou prejuízo ao erário. Sob esta ótica, deduziram que (fls. 9-10)

Toda a construção retórica que foi produzia em torno do contrato celebrado pela ACIC e a empresa parceira de organização do evento (T12) passam por cima de ponto fundamental na avaliação dos fatos discutidos, qual seja que existe a liberdade de contratar, que a ACIC tem liberdade para contratar com quem quer que seja aquilo que entender mais pertinente para a consecução do que contém previsão no seu Estatuto.

Assim, os recorrentes consideram um absurdo que tenham que proceder a devolução do valor que foi captado, porque DESDE O MOMENTO DO PROCOLO DO PROJETO foi declarada a existência da parceira entre a entidade recorrente e a empresa organizadora T12, portanto, se existente alguma espécie de irregularidade no convênio ou no projeto, deveria ter sido alertado pelo “corpo técnico” desde o início, e não simplesmente puxando o tapete da recorrente após a liberação de valores. [...]

O proceder constatado nos presentes autos é o típico exemplo de insegurança jurídica que vivemos, pois desde a apresentação do projeto de captação do recurso fora alertado o Estado sobre a existência da parceria formal de entidade e empresa privada para realização do evento, e agora, tal elemento é utilizado pelo Tribunal de Contas para terminar a devolução dos recursos, algo com o que não se pode concordar.

De acordo com a tese dos recorrentes (fl. 11), a necessidade de os pagamentos terem sido suportados pela empresa T12 foi gerada pelo próprio Estado, que teria atrasado na liberação dos recursos. Relativamente a tal afirmação, argumentaram que (fls. 11-12)

O fato ora apontado como irregular foi criado pelo próprio governo, pois se tivesse havido a liberação do recurso na época própria, é evidente que os pagamentos teriam sido realizados diretamente pela ACIC e não pela empresa participante do evento T12, porém, sem o dinheiro prometido, sem a liberação tempestiva do recurso de R$ 100.000,00 não havia outro caminho, com as contas tinham que ser pagas, que pagou de fato foi a empresa T12, providenciando-se a amenização dos problemas com os credores, viabilizando-se o evento e sendo providenciado a devolução do valor para a empresa T12 tão logo houve o repasse do recurso. [...]

As notas fiscais foram emitidas em desfavor da empresa T12 e não da ACIC pelo simples motivo de não existir lastro para pagamento, não precisando ser muito inteligente para saber que autorizar a emissão de notas contra quem não poderá pagar é no mínimo fato típico.

Por assim ter ocorrido, pela negligência do Estado de Santa Catarina na liberação dos recursos é que houve a emissão das notas fiscais em desfavor da empresa T12.

Novamente, não merecem prosperar as justificativas apresentadas pelos recorrentes, pois não logram êxito em desconstituir a sucessão fática apresentada no Relatório e no Voto do Relator, cujos apontamentos deixaram claras as irregularidades praticadas. Do item II.1.1 (fls. 1629-1631v dos autos TCE n. 11/00340316) colhem-se os seguintes excertos (fls. 1629-1630 dos autos TCE n. 11/00340316):

Conforme bem ressaltou o corpo técnico, o princípio de que “a ninguém é escusado alegar desconhecimento da lei, para não cumpri-la” afasta, de plano, a tese inicial aventada pelos responsáveis, pois tal presunção de sobredireito, insculpida no art. 3º do Decreto-lei n. 4.657/42 (lei de introdução às normas do direito brasileiro), remete à obrigatoriedade de conhecimento das normas vigentes. Como dito, se o proponente procurou o poder público, no intento de captar recursos para realizar um projeto, formalizando tal pleito sob a forma do seu plano de trabalho datado de 16.11.2007 e anexos, fazendo menção a normativa legal a ser observada (declaração de fl. 16), não há como alegar desconhecimento das leis que norteiam tais concessões.

Posto isto, destaca-se o desrespeito da ACIC às normas legais, pois ao analisarmos o “Termo de Parceria” celebrado entre a ACIC (parceiro) e a T12 Marketing e Comunicação Ltda. (proponente) em data de 11.05.2007 (fls. 253/255), verifica-se que a empresa T12 foi a idealizadora e executora do projeto (cláusulas primeira e segunda, item I – fl. 253), cabendo a ACIC representar junto aos órgãos do poder público a captação de recursos (cláusula segunda, item II).

Ao pleitear os recursos à Secretaria de Estado, em novembro de 2007, portanto seis meses após a subscrição do mencionado contrato de prestação de serviços/termo de parceria, a ACIC dispôs em seu plano de trabalho perante a SOL (Anexo I, item 2 – fls. 08), que a empresa T12 Marketing Comunicação Ltda. seria co-participante do evento, coordenando e executando a prestação dos serviços.

Ato contínuo, ao perceber os recursos públicos, a ACIC os transferiu para a verdadeira proponente do projeto, a empresa T12 (fls. 239/240 e 249/252), que não podia captá-los diretamente do poder público diante das seguintes proibições legais insculpidas no art. 1º, § 1º, inc. I, letra “b” e no art. 42, inciso XIX, do Decreto estadual n. 1.291/2008 e no art. 53 da Resolução N-TC 16/94 [...]

Por oportuno, ressalta-se o caráter econômico do evento/projeto, desvirtuando a finalidade da norma de instituição destas transferências de recursos públicos, uma vez que o aludido contrato (Termo de Parceria) dispôs acerca do direito das partes, proponente e parceiro, conferindo-lhes valores percentuais das vendas dos estandes e da captação dos patrocínios obtidos, bem como dos resultados financeiros líquidos do evento (cláusulas terceira e sexta – fl. 1.387). Ficou patente a irregularidade da transferência financeira, na medida em que a empresa T12 Marketing Comunicação Ltda, por exercer atividade eminentemente mercantil, não poderia captar os recursos, tendo se utilizado da ACIC para assim proceder, o que proporcionaria a ambas o auferimento de vantagens financeiras. (grifei)

Portanto, observando-se que os recorrentes não alcançaram sucesso em demonstrar a regularidade dos atos postos à lume ou afastar as restrições apontadas, este Órgão Ministerial pugna pela manutenção dos apontamentos levados à efeito no Acórdão recorrido.

2.     Conclusão

Portanto, considerando que não foram apresentados argumentos e informações hábeis a elidir as irregularidades constatadas, manifesto-me pela manutenção integral dos termos do Acórdão n. 0036/2015 proferido nos autos do processo TCE n. 11/00340316.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do recurso interposto, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida por meio do Acórdão n. 0036/2015.

Florianópolis, 12 de janeiro de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Os recorrentes interpuseram, erroneamente, Recurso de Reexame. A Diretoria de Recursos e Reexames não se manifestou acerca dessa denominação dada pelos recorrentes ao seu recurso, considerando-o como Recurso de Reconsideração.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 673.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 791.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 580.