PARECER nº:

MPTC/39695/2016

PROCESSO nº:

REP 15/00277964    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Mafra

INTERESSADO:

Siga Mobilidade Urbana Ltda.

ASSUNTO:

Irregularidades na Concorrência nº 001/2015 - contratação e outorga de concessão onerosa, à empresa para execução de serviços de gerenciamento, organização e exploração de estacionamento rotativo pago.

 

 

 

Trata-se de Representação, com pedido cautelar, protocolada pela empresa Siga Mobilidade Urbana Ltda., subscrita por seu procurador, Sr. Maicon Rodrigo Moreira Zambarda, a respeito de supostas irregularidades no Edital de Concorrência n. 01/2015, promovido pela Prefeitura Municipal de Mafra, que versa sobre a contratação e outorga de concessão onerosa à empresa para execução de serviços de gerenciamento, organização e exploração de estacionamento rotativo pago.

A empresa representante apresentou a petição e os documentos de fls. 2-87.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou relatório de instrução preliminar (fls. 88-95), em cuja conclusão sugeriu o conhecimento da representação, a determinação cautelar, à Sra. Débora Scardanzan, Secretária Municipal de Administração, de sustação diferida do procedimento licitatório logo após a habilitação dos proponentes até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio ou até deliberação pelo Tribunal Pleno, a sua audiência para que adote medidas corretivas ou apresente justificativas perante as restrições elencadas nos itens 3.3.1 e 3.3.2 e as recomendações e determinação constantes dos itens 3.4 e 3.5, todos da conclusão do relatório de instrução preliminar em comento.

O Relator, em Decisão Singular (fls. 96-97), determinou à Sra. Débora Scardanzan, já qualificada, e ao Sr. Diego Ricardo Krachinski, Presidente da Comissão de Licitação, a sustação do certame logo após a habilitação dos proponentes e realização do julgamento final das propostas apresentadas e antes da contratação, até manifestação ulterior que revogue a medida ou deliberação do Tribunal Pleno, e, na sequência, cumprida a ordem de sustação, o encaminhamento de cópias das atas das sessões e atos decisórios produzidos pela Comissão de Licitação ou pela Autoridade Administrativa, no prazo de 15 dias, bem como das justificativas acerca dos apontamentos efetuados pela instrução.

Em observância à determinação, a Prefeitura Municipal de Mafra encaminhou o Ofício n. 063/SMA/2015 (petição de fls. 103-104 e CD de fl. 105), informando sobre a suspensão do edital desde o dia 28/05/2015.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, então, formulou relatório de reinstrução (fls. 107-109v), opinando pela revogação da medida cautelar, pela procedência da representação, em face das irregularidades apontadas nos itens 3.3.1 e 3.3.2, e pela determinação ao Sr. Roberto Agenor Scholze, Prefeito Municipal de Mafra, para que promova a anulação do Edital de Concorrência n. 01/2015 e comprove tais providências no prazo de 30 dias, sob pena de aplicação de multa.

Passo, enfim, à análise das irregularidades assinaladas pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

1. Exigência de registro do atestado apenas no CREA e visto antes da contratação.

Consta nos autos a existência de questionamento a respeito da seguinte especificação posta no Edital de Concorrência Pública n. 01/2015 (fls. 26-87):

7.2 QUALIFICAÇÃO TÉCNICA

7.2.1. Registro ou inscrição na entidade profissional competente (CREA) a que estiver vinculada a licitante.

OBS: Nos casos de em que a proponente for inscrita em outra unidade da União, deverá apresentar todos os documentos solicitados neste item vistados pelo CREA (grifei).

A Lei n. 8.666/93 em seu art. 30 regulamenta o que se pode exigir dos licitantes quanto à qualificação técnica, abaixo:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. (grifei)

Como é de amplo conhecimento, a vinculação do gestor ao princípio da legalidade contido no caput do art. 37 da CRFB/88 é um dos pilares que regem toda a atividade pública administrativa. Sobre o assunto, comenta Hely Lopes Meirelles[1]:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa “pode fazer assim”; para o administrador significa “deve fazer assim”.

Na mesma linha de orientação, Celso Antônio Bandeira de Mello[2] comenta:

Para avaliar corretamente o principio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.

O principio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos paises subdesenvolvidos. O principio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois te como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação de cidadania. [...]

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da Republica, até o mais modesto dos servidores, só poder ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.

Vale ressaltar ainda que uma das finalidades precípuas do processo licitatório é a de garantir o princípio constitucional da isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa de acordo com o interesse público, baseando-se nos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa entre outros, e que a vedação ao caráter competitivo da licitação está expressamente prevista no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações, conforme se vê:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Para fundamentar a explicação sobre o dispositivo legal acima citado, valho-me das palavras de Marçal Justen Filho[3]:

O ato convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta mais vantajosa. Se essas exigências serão ou não rigorosas, isso dependerá do tipo de prestação que o particular deverá assumir. Respeitadas as exigências necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que, ainda indiretamente, prejudiquem o caráter competitivo da licitação.

Assegura-se tratamento igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias para contratar com a Administração. A vitória de um deles dependerá de seus próprios méritos. A regra não exige que o benefício indevido seja derivado de uma intenção reprovável. Ou seja, não é necessário sequer a intenção de beneficiar um ou mais competidores. (grifei)

O que não se admite no processo licitatório é a discriminação arbitrária, produto de preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação consiste em instrumento jurídico para afastar essa arbitrariedade na seleção do contratante. A isonomia no processo licitatório, portanto, significa o tratamento uniforme em todas as situações semelhantes, distinguindo-se na medida em que a lei, e somente a lei, assim o exija.

Desse modo, ao se especificar a exigência do registro ou inscrição da proponente tão somente no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), restringiu-se a participação de empresas registradas ou inscritas em outras entidades profissionais competentes, como o Conselho Regional de Arquitetura (CAU), cujas atividades e atribuições também abrangem o objeto do certame, conforme art. 2º da Lei n. 12.378/10.

É importante salientar que esse Tribunal de Contas tem aplicado multas aos responsáveis cujos editais de licitação exorbitam exigências legais, e, assim, limitam o caráter competitivo do certame licitatório. Vejam-se algumas dessas decisões:

Acórdão n. 571/2011 – REP 10/00033039 – Sessão: 15/06/2011

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Reinstrução DLC, com abrangência sobre o Edital de Licitação Concorrência n. 264/2009, para considerar irregular, com fundamento no art. 36, §2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, o ato analisado.

6.2. Aplicar ao Sr. Ronério Heiderscheidt - Prefeito Municipal de Palhoça, CPF n. 179.763.839-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.500,000 (mil e quinhentos reais), em face da exigência de qualificação técnica exorbitante, frustrando a competição na licitação, ao exigir documentos que contrariam o art. 30 c/c os arts. 3º, § 1º, I, da Lei n. 8.666/1993 e 37, caput e XXI, da Constituição Federal (itens 2.1 e 2.2 do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

Acórdão 1494/2009 - SLC - 07/00374507 - Sessão 25.11.2009

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em: [...]

6.2. Aplicar ao Sr. Sérgio Galizza - ex-Diretor Geral Administrativo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, CPF n. 375.579.049-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de qualificação técnica exorbitante no item 8.6, II, "a" e "b", do Edital n. 144/2006, frustrando o caráter competitivo da licitação, infringindo o disposto no art. 3º, § 1º, I, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC). (grifei)

De igual modo, não é cabível o visto dos documentos pelo CREA – subentendida aqui a entidade catarinense – como exigência de qualificação técnica para proponentes registrados em entidades profissionais de outros Estados, pois no momento de habilitação o licitante possui a mera pretensão de contratar. Dessa forma, o art. 30, ao prescrever o “registro ou inscrição na entidade competente” se refere ao local de origem da empresa licitante, conforme entendimento de Pedro Jorge Rocha de Oliveira[4], colacionado pela Área Técnica no Relatório DLC n. 634/2012, referente ao processo ELC 12/00220959:

A Lei Federal nº 8.666/93 (arts. 27 e 30) estabelece que para habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados a qualificação técnica com o registro ou inscrição na entidade profissional competente, no caso de obras é Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea).

A empresa licitante deve ter o registro no Crea do local da sua origem e, o visto do Crea do local da realização da obra deve ser exigido apenas para assinatura do contrato. (grifei)

Nesse sentido, perfectibiliza-se com o disposto nos arts. 58 e 61 da Lei n. 5.194/66, que regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Agrônomo:

Art.58 – Se o profissional, firma ou organização, registrado em qualquer Conselho Regional, exercer atividade em outra Região, ficará obrigado a visar, nela, o seu registro. [...]

Art.61 - Quando os serviços forem executados em lugares distantes da sede da entidade, deverá esta manter, junto a cada um dos serviços, um profissional devidamente habilitado naquela jurisdição.

Nessa mesma linha, dispõe o inciso XXI do art. 37 da CRFB/88 sobre a finalidade do procedimento, que é a máxima ampliação da concorrência e diminuição de preços.

Ademais, esse Tribunal de Contas já se manifestou apontando a irregularidade da exigência, vejam-se algumas decisões:

Decisão n. 2113/2012 – Processo ELC 12/00088406 – Sessão: 23/05/2012

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual, 1º da Lei Complementar n. 202/2000 e 6º da Instrução Normativa n. TC-05/2008, decide: [...]

6.1.8. Exigência, para fins de comprovação da qualificação técnica, de visto do CREA/SC na Certidão de Pessoa Jurídica das empresas que estejam sediadas em outra unidade da federação, desrespeitando os arts. 58 da Lei n. 5.194/1966 e 30 da Lei n. 8.666/1993 (item 2.1 do Relatório DLC n. 212/2012). (grifei)

Decisão n. 5529/2012 – Processo ELC 12/00220959 - Sessão: 07/11/2012

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59, c/c o art. 113 da Constituição Estadual, 1º da Lei Complementar n. 202/2000 e 6º da Instrução Normativa n. TC-05/2008, decide: [...]

6.1.31. Exigência, para fins de comprovação da qualificação técnica, de visto do CREA/SC, caso a empresa licitante possua registro em outro estado, desrespeitando os arts. 58 da Lei n. 5.194/1966 e 30 da Lei n.8.666/93. (grifei)

Sobre o tema, também é o entendimento pacificado do Tribunal de Contas da União. Veja-se:

Acórdão n. 2099/2009 – Processo n. 006.750/2009-1Ata n. 36/2009

Relator: AUGUSTO SHERMAN - Fiscobras/2009. Projeto de irrigação em Flores de Goiás. Empreendimento já auditado nos exercícios anteriores. Obra inclusa no Anexo VI da LOA de 2009 em relação à sua 3ª etapa. Licitação para contratação das obras do vertedouro complementar. Contratação não formalizada no momento da auditoria. Irregularidades detectadas no procedimento licitatório. Diligência. Audiência. Oitiva da empresa contratada. Determinações. 1. Os tributos IRPJ e CSLL não devem integrar o cálculo do LDI, nem tampouco a planilha de custo direto, por se constituírem em tributos de natureza direta e personalística, que oneram pessoalmente o contratado, não devendo ser repassado à contratante. 2. Os itens administração local, instalação de canteiro e acampamento e mobilização e desmobilização, por se tratarem de custos diretos, devem ser inseridos na planilha orçamentária, e não no BDI. 3. É vedada a exigência de visto do Crea do estado do órgão licitante para as empresas licitantes de outro estado. 4. É vedada a exigência, como requisito de aceitação de atestado de capacitação técnico-profissional, de que os profissionais constantes do atestado possuam vínculo empregatício com a licitante na data da licitação. (grifei)

O responsável, em suas justificativas, afirmou que reconhecerá também como órgão competente o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

Todavia, até o presente momento não foi encaminhado a essa Corte de Contas o Edital de Concorrência com as devidas retificações, além de não ter sido possível vislumbrar sua confecção através de consulta ao sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de Mafra, o que impede o saneamento da restrição.

Portanto, ao exigir como qualificação técnica o registro ou inscrição da proponente no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e, nos casos de registro em outras unidades da federação, o visto por parte do CREA/SC, restou prejudicada a ampla participação de empresas interessadas no certame, em desrespeito ao princípio da competitividade, basilar ao processo licitatório, motivo pelo qual sugiro a manutenção de referida restrição.

2.  Exigência de atestados de capacidade técnica emitidos somente por pessoa jurídica de direito público.

Ainda sobre a questão da presença de qualificação técnica no edital, no item 7.2.2 do Edital de Concorrência Pública n. 01/2015 foi exigida a comprovação de capacidade técnica por meio de certidões ou atestados emitidos somente por pessoas jurídicas de direito público.

Acerca das condições de habilitação técnica, a Lei n. 8.666/93 dispõe:

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: [...]

II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; [...]

§ 1º A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:

I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos. (grifei)

Sobre o tema, Marçal Justen Filho destinou as seguintes palavras em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Adminitrativos[5]:

Uma das questões reside em que a lei refere-se a atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado. A regra destinou-se a afastar a praxe anterior, consistente em autorizar apenas atestados fornecidos pela própria Administração Pública.

Ou seja, podem participar do certame as proponentes que possuam atestados de capacidade técnica emitidos tanto por pessoas jurídicas de direito público, como também de direito privado.

Assim, muito embora a presença da conjunção alternativa “ou” no texto normativo, a discricionariedade por parte do gestor seria admitida apenas em casos excepcionais, conforme a natureza predominantemente pública do objeto a ser contratado.

No presente caso, todavia, verifica-se que o gerenciamento, organização e exploração de estacionamento rotativo pago e a implantação, operação e manutenção de equipamentos eletrônicos expedidores de tíquetes são atividades que também podem ser executadas no âmbito da iniciativa privada, como no caso de estacionamento privativo em shopping centers e supermercados. Esse, inclusive, já foi o entendimento manifestado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais[6]:

Há clara restrição à competitividade na exigência contida no item 9.2.3.1 do edital, quanto à previsão de comprovação de prestação do serviço à empresa jurídica de direito público, já que não há justifi cativa legal que fundamente a exclusão dos atestados emitidos por empresas jurídicas de direito privado. É de se ressaltar que esta Corte já se manifestou neste sentido ao apreciar a Denúncia apresentada em face da Prefeitura Municipal [...] [omissis], distribuída sob o nº 796.103, em que prevaleceu o voto do Conselheiro Relator Conselheiro Eduardo Carone Costa, que assim se manifestou: ‘constato, em análise perfunctória dos autos, impropriedades nas cláusulas que não contemplam a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado fornecerem atestados com o objetivo de comprovar a quali­ cação técnica dos licitantes, o que, por si só, fere o princípio da competitividade, corolário ao princípio da isonomia.’ 38 Assim, entendo que é irregular a restrição contida na cláusula 9232 em relação aos atestados emitidos por pessoas jurídicas de direito privado, que se constitui em afronta à previsão contida no art. 30, § 1º, inc. I da Lei nº 8.666/93.

Ao afrontar tais ditames, a cláusula sob análise impede a participação de empresas que possuam a capacidade técnica exigida pelo Edital, mas comprovada por meio de certidões ou atestados emitidos por pessoa jurídica de direito privado, representando restrições ilegítimas ao caráter competitivo do certame, desprovidas de motivação ou de razoabilidade, resultando na vedação disposta no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93.

Em resposta, o responsável comunicou que foi acolhido o recurso no sentido de alterar o dispositivo citado e que, após elaboração de novo edital, o mesmo seria remetido a essa Corte de Contas para análise.

Entretanto, do mesmo modo como relatado anteriormente, até o presente momento não foi remetido o edital com as devidas retificações, o que aponta para a manutenção da irregularidade.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1. pela REVOGAÇÃO da medida cautelar concedida por meio da Decisão Singular n. GAC/HJN – 022/2015;

2. pela IRREGULARIDADE do Edital de Concorrência n. 01/2015, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, diante das seguintes restrições:

2.1 Exigência de registro ou inscrição na entidade profissional competente (CREA) a que estiver vinculada a licitante, bem como a obrigatoriedade de visto junto ao CREA-SC para as empresas registradas em CREA de outras unidades da federação, em desrespeito ao disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93;

2.2 Exigência de atestados de capacidade técnica emitidos somente por pessoa jurídica de direito público, bem como comprovação de experiência idêntica ao objeto a ser licitado, em afronta ao disposto nos arts. 3º, § 1º, inciso I, e 30, § 1º, da Lei n. 8.666/93;

3. pela DETERMINAÇÃO para que o Sr. Roberto Agenor Scholze, Prefeito Municipal de Mafra, promova a anulação do Edital de Concorrência n. 01/2015, com fundamento no art. 49, caput da Lei n. 8.666/93, sob pena de aplicação de multa prevista no art. 70 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, devendo comprovar tais providências a essa Corte de Contas no prazo de 30 dias, a partir do recebimento da deliberação.

Florianópolis, 12 de janeiro de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Cf. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., cit., p. 82 e 83.

[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed., cit., p. 89.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

[4] OLIVEIRA, Pedro Jorge Rocha de. Obras Públicas: tirando suas dúvidas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 224 

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. Ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 420.

[6] TCE/MG, Processo n. 796.706, Primeira Câmara, rel. Con. Wanderley Avila, sessão de 27/03/2012.