PARECER nº:

MPTC/39696/2016

PROCESSO nº:

TCE 11/00031364    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Catanduvas

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Tomada de Contas Especial nrº 001/2010

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada pela Prefeitura Municipal de Catanduvas por meio da Portaria n. 5.029/10 (fl. 6), em razão de determinação da Diretoria de Controle dos Municípios, por meio do Ofício TC/DMU n. 700/2010 (fls. 3-4), cujo objeto era a análise da regularidade de abertura de conta corrente bancária específica – Ag. 3066-0/CC 50.164-6 do SICOOB – em nome da Prefeitura do Município para movimentação de recursos oriundos da realização da V Festa do Chimarrão.

Em razão do evento acima referenciado, o Município de Catanduvas recebeu verbas de convênio firmado com a Secretaria de Estado de Turismo no valor de R$ 120.000,00, os quais foram movimentados em outra conta corrente (Ag. 052/CC 0.017.273-6 do BESC), conforme fls. 166-167. Além daquele valor, a Prefeitura arcou com a despesa de R$ 31.527,85, consoante o balancete de prestação de contas apresentado à fl. 165.

O Decreto Municipal n. 1.609/09 (fls. 13-14) instaurou Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da servidora pública municipal Fabiana Filipp dos Santos, tesoureira, com o fito de apurar, colher defesa, receber depoimentos e outros meios de prova acerca de seu conhecimento acerca da movimentação da conta bancária referida, da qual não constam registros na contabilidade municipal nem prestação de contas dos valores movimentados. A conclusão do Relatório (fls. 189-202) sugeriu a demissão da servidora e encaminhamento de cópia do referido processo ao Ministério Público, à Câmara de Vereadores e ao Tribunal de Contas do Estado.

Em razão da conclusão do relatório da Tomada de Contas instituída pela Prefeitura e sua ratificação por parte da Controladoria Geral do Município (fl. 207), a Sra. Fabiana Filipp dos Santos foi notificada a recolher a quantia de R$ 59.244,44 a ela imputada em decorrência de sua responsabilização pela falta de comprovação da aplicação dos recursos sacados na conta corrente 50.164-6, ou apresentar nova defesa. Houve a apresentação de defesa às fls. 213-222, com juntada de documentos de fls. 223-242.

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório de Instrução DMU n. 080/2015 (fls. 243-244v) sugerindo que se procedesse diligência à origem para que fossem remetidos os documentos e informações necessários à análise dos fatos e posterior pronunciamento do Tribunal sobre o assunto.

Em face do Ofício TCE/DMU n. 1774/2015 (fl. 245), o Município de Catanduvas, por meio de sua Prefeita Municipal, Sra. Gisa Aparecida Giacomin, apresentou justificativas, informações e documentos (fls. 248-314).

Em seguida, após a juntada dos documentos de fls. 316-327v, o Relatório de Instrução DMU n. 1667/2015 (fls. 328-331v) trouxe em sua conclusão a sugestão de que se definisse a responsabilidade solidária e citação do Sr. Diomar Begnini, ex-Prefeito Municipal (exercício 2008), e da Sra. Fabiana Filipp dos Santos, ex-tesoureira (exercício 2008) em virtude da ausência de liquidação da despesa no valor de R$ 54.502,33, referentes a despesas incorridas com a realização da festa, as quais transitaram pela conta SICOOB Ag. 3066-0/CC 50.164-6, desrespeitando os arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.

A Diretoria de Controle dos Municípios sugeriu, ainda, a apresentação de justificativas por parte do Sr. Diomar Begnini em referência à: a) ausência de contabilização das receitas e despesas provenientes da V Festa do Chimarrão, movimentadas através da conta SICOOB Ag. 3066-0/CC 50.164-6, em desacordo ao disposto nos arts. 83, 85 e 89 da Lei n. 4.320/64; b) ausência de controle sobre as receitas decorrentes da venda de ingressos e despesas incorridas na festa, impossibilitando a conferência dos valores efetivamente arrecadados (via banco e extra caixa) e das despesas incorridas em descumprimento aos princípios da administração pública e ao art. 70 e seu parágrafo único c/c art. 74, inciso II da CRFB/88; e c) ausência de previsão orçamentária das receitas e de parte das despesas com a realização da V Festa do Chimarrão, em desacordo com o previsto nos arts. 2º, 3º e 4º da Lei n. 4.320/64.

Ato contínuo, mediante o Despacho GAC/HJN n. 029/2015 (fls. 332-332v), o Relator determinou que a Diretoria de Controle dos Municípios se certificasse de que as despesas questionadas nos presentes autos não estivessem inseridas naquelas examinadas no processo TCE n. 09/00341122.

Por meio da Informação n. 90/2015 (fls. 333-334), a Diretoria de Controle dos Municípios informou que

O presente processo trata de ausência de liquidação de despesas, oriundas de movimentação em conta corrente específica (SICOOB, ag. 3066-0, c/c 50.164-6), as quais se desconhece a natureza das despesas efetuadas nessa conta corrente, pois referidas despesas não estão contabilizadas (restrição constante do item 2.1 do relatório de instrução), tampouco licitadas. No linguajar popular, foram movimentadas via “caixa 2”, ou seja, extra contabilidade. [...]

Ou seja, sabe-se apenas que houve movimentação de recursos naquela conta corrente, não se sabe a quem foram pagos nem em que tipo de despesas referidos recursos foram gastos, se com serviços ou aquisição de materiais.

A ‘prestação de contas’ trazida pela Sra. Fabiani Filippi no decorrer do processo administrativo disciplinar (fl. 149) difere tanto nos valores individuais, como no total da movimentação efetiva realizada na c/c 50.164-6 do banco SICOOB (fls. 70 a 78). Ademais, alguns dos documentos trazidos não são considerados documentos fiscais hábeis a fim de comprovar a efetiva liquidação da despesa (fl. 156, 148 e recibo a fl. 159).

Do mesmo modo, a nota fiscal nº 11 da Progetto Publicidade Ltda (fl. 169), refere-se a prestação de contas oriunda de recursos movimentados em outra conta corrente especifica (BESC ag. 052, c/c 0.017.273-6), advinda de convenio firmado com a Secretaria de Estado do Turismo, no valor de R$ 120.000,00 (fl. 165).

Já o processo TCE 09/00341122, oriundo da Diretoria de Licitações e Contratos, onde se apontou a ausência de liquidação da despesa, tinha conhecimento da natureza das despesas (serviços de divulgação ou servidos de pintura de meio-fio, corte de grama dos canteiros, poda de arvores, reforma de calçamento e colocação de meio-fio ou locação de patrola), do número dos empenhos correspondentes  registrados na contabilidade (59, 134, 639, 640, 644, 790, 988, 990, 1003, 1004, 1971, 2017, 2455, 2488, 3985, 4012 e 4013, 192, 1198, 1593, 1594, 2858), inclusive, valor e credores, tanto é que os números das notas fiscais foram identificadas, bem como do processo licitatório realizado, como se pode observar da decisão a seguir transcrita. Crê-se que o apontamento perdurou pelo fato de não se ter localizado os documentos físicos. [...]

Aliás, em consulta ao sistema e-Sfinge verificou-se que nas notas de empenho referentes aos apontamentos junto ao processo TCE 09/00341122 foram movimentadas nas seguintes contas correntes pertencentes ao banco BESC: ag. 523, c/c 102801 (recursos ordinários) e ag. 052, c/c 0.017.273-6 (convênio com Estado); ag. 052, c/c 17274402; Ag. 523, c/c 17273602 e Ag. 523 c/c 102801, Banco do Brasil: Ag. 17604, c/c 283141401; Ag. 17607, c/c 7247801; Ag. 17604, c/c 10816201 e SICOOB (ag. 3066-0, c/c 29.8820-1 – diversa da c/c questionada no presente processo).

Portanto, em que pese as despesas em questão também se referir a despesas com a realização da V Festa do chimarrão, não há que se falar em duplicidade de imputação de débito, pois, apesar de se desconhecer a natureza das despesas imputadas no presente processo, sabe-se que não se encontram empenhadas/contabilizadas, tampouco licitadas. Bem como, foram movimentadas em conta corrente específica diversa das despesas apontadas no processo TCE 09/00341122.

Ato contínuo, o Relator, por meio do Despacho GAC/HJN n. 036/2015 (fls. 335-335v), acolheu a conclusão exarada pela DMU no Relatório de Instrução DMU n. 1667/2015 (fls. 328-331v), no sentido de serem realizadas as citações dos responsáveis nos termos propostos.

O Sr. Diomar Begnini foi citado por meio do Ofício DMU/TCE n. 10.006/2015 (fl. 336), ao passo que a Sra. Fabiana Filipp dos Santos foi citada pelo Ofício DMU/TCE n. 10.007/2015 (fl. 337). Esta última apresentou alegações de defesa às fls. 345-352, sendo que o Sr. Diomar Begnini se manteve inerte, não apresentando justificativas dentro do prazo legalmente previsto, apesar de pessoalmente citado à fl. 343.

Finalmente, a Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Relatório de Reinstrução Plenária DMU n. 3371/2015 (fls. 355-361), no qual afastou as alegações e justificativas apresentadas pela Sra. Fabiana Filipp dos Santos no que tange às irregularidades a ela imputadas, com a consequente manutenção das restrições apontadas anteriormente, bem como a manutenção da responsabilidade do Sr. Diomar Begnini, visto que o mesmo não se manifestou acerca das imputações apontadas pela Unidade Técnica.

Assim, pugnou-se pelo julgamento das contas irregulares, com imputação de débito a ambos os responsáveis (item 3.1.1 da conclusão do referido Relatório) e aplicação de multas ao Sr. Diomar Begnini em razão das restrições apontadas nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 da conclusão do mencionado Relatório da DMU.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso II da Constituição Estadual; art. 1º, inciso III da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Após análise de toda a documentação dos autos e consoante informa o relatório técnico de fls. 355-361, verifico que, de fato, remanescem as irregularidades objeto da presente Tomada de Contas Especial, diante da ausência de elementos hábeis a elidi-las. Assim, restam caracterizadas as restrições identificadas pela Área Técnica, as quais ensejam imputação de débito e aplicação de multa, consoante os comandos da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Vejamos.

1. Preliminar prejudicial de mérito – prescrição.

Em suas alegações de defesa (fls. 345-351), a Sra. Fabiana Filipp dos Santos invocou, preliminarmente, a ocorrência da prescrição como elemento hábil a desconstituir as restrições a si imputadas.

Afirmou (fl. 345) terem os atos sido praticados no exercício de 2008, sendo que, especificamente, a emissão dos cheques para pagamento de despesas teria se dado de 14/03/2008 a 24/04/2008, de modo que o marco inicial da contagem para qualquer ato investigativo seria o dia 25/04/2008. Asseriu que a questão fulcral respeitaria à possibilidade de o Tribunal poder ou não aplicar penalidades após o decurso de sete anos da prática do ato, o qual teria prescrito no prazo quinquenal.

Referiu-se ao princípio da segurança jurídica como marco para a existência da prescrição também no âmbito do processo administrativo, de modo que, no seu entender, tal princípio deveria ser aplicado “em toda e qualquer relação jurídica existente, não somente no âmbito das relações que tramitam no Judiciário” (fl. 346). Colacionou trecho de lavra de Hely Lopes Meirelles, no qual o autor defende que “quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos” (fl. 346).

Concluiu a preliminar asserindo que

Desse modo, conforme se verifica dos autos, a data da pratica do ato e a apuração do fato apontado como irregular, a citação válida ocorreu quando escoado, há muito, o lapso temporal de 5 anos.

Por esta razão, isto é, face à nítida ocorrência da prescrição, é forçoso afirmar que relativamente ao ato considerado irregular no processo TCE 11/00031364, apontado no item nº 2.3, do relatório de fls. 328, ora em análise, resta impossibilitada a apuração e consequente aplicação de imputação de débito e multa pela ocorrência do instituto da prescrição administrativa.

Ainda é de se destacar que a Portaria nº 5.029/2010, instaurou em 08/08/2010 Tomada de Contas Especial (fl. 06), na qual, todavia a servidora não foi citada, não tendo havido qualquer interrupção do prazo prescricional e, portanto, permanecendo a contagem do prazo na forma acima referida.

Inicialmente, cabe enfatizar, assim como o fez a Área Técnica, que a imputação de débito à responsável refere-se a irregularidade oriunda de conduta que causou dano ao erário. Partindo-se deste pressuposto, tem-se a determinação contida no art. 37, § 5º da CRFB/88: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

Em que pese haver certa dissonância doutrinária acerca da matéria, parte significativa dela corrobora a tese da imprescritibilidade das ações de ressarcimento quando o Estado é patrimonialmente lesado. O constitucionalista José Afonso da Silva[1], discorrendo acerca do tema, ensina que

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porem, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada. (grifei)

Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] traça a seguinte explanação:

A prescrição da ação de improbidade está disciplinada no artigo 23, que distingue duas hipóteses: pelo inciso I, a prescrição ocorre em cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo ou emprego, o inciso II estabelece que a prescrição ocorre no mesmo prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. São, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o artigo 37, §5°, da Constituição. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento do dano. (grifei)

O administrativista José dos Santos Carvalho Filho[3] trilha no mesmo sentido, afirmando que

Consequentemente, no que concerne à pretensão ressarcitória (ou indenizatória) do Estado, a Constituição assegura a imprescritibilidade da ação. Assim, não há período máximo (vale dizer: prazo prescricional) para que o Poder Público possa propor a ação de indenização em face de seu agente, com o fito de garantir o ressarcimento pelos prejuízos que o mesmo lhe causou.

A jurisprudência dos tribunais superiores caminha no mesmo sentido. Veja-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 10.10.2008, fixou entendimento no sentido da imprescritibilidade da ação de ressarcimento de dano ao erário” (AI 848.482 AgR, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 27.11.2012, DJ 21.02.2013). (grifei)

A mesma orientação é adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Claro, a demora, sobretudo quando medida em anos, na proposição da ação reparatória (foram treze ou catorze neste caso), causa desconforto no juiz, quando não revolta com a morosidade da Administração em cobrar aquilo que, segundo seu pensamento, foi subtraído, indevidamente, dos cofres públicos, por comportamento ativo ou passivo de pessoas, em especial as que são pagas para por eles zelarem.

O retardamento pode e deve merecer o repúdio dos juízes e cidadãos, mas não a ponto de, em seu nome, justificar o enfraquecimento, ou mesmo o afastamento, da garantia social da imprescritibilidade do dano ao patrimônio público. (...)

E, demorados dez anos, a Constituição de 1988 fez uma clara opção em favor da cidadania lesada, mas em desfavor dos que atacam os cofres públicos. Ao assim proceder, inverteu a ordem tradicional da prática judicial. A segurança jurídica agora é dos cidadãos, no sentido de que, tarde o que tardar, a Justiça deverá se manifestar acerca do que foi abocanhado ilegalmente” (REsp 1.105.059/SP, 2ª T., trecho do voto-vista do Min. Herman Benjamin, rel. Min. Eliana Calmon, j. 24.08.2010, DJe 02.02.2011).

A exegese do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, em relação ao ressarcimento ao erário, consolidada nesta Corte Superior de Justiça, está cingida ao reconhecimento da imprescritibilidade. Precedentes: REsp 928.725/DF, rel. Min. Denise Arruda, rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., DJe 5.8.2009; Resp 1.069.723/SP, rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 02.04.2009; REsp 1.067.561/AM, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 27.2.2009; REsp 705.715/SP, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJe 14.05.2008” (AgRg no RMS 25.763, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 02.09.2010, DJe 24.09.2010.

A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF/1988)” (grifei)

(Resp 1.187.297/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 02.09.2010, DJe 22.09.2010)

O Tribunal de Contas da União segue nesta mesma senda, consoante o teor da Súmula 282, a qual prescreve que “As ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”.

Portanto, não merece acolhida a alegação de transcurso prescricional aventada pela responsável, de modo que deve o processo seguir seu trâmite normalmente.

2. Ausência de contabilização das receitas e despesas provenientes da V Festa do Chimarrão, movimentadas através da conta SICOOB Ag. 3066-0/CC 50.164-6, em desacordo ao disposto nos arts. 83, 85 e 89 da Lei n. 4.320/64; e ausência de controle sobre as receitas decorrentes da venda de ingressos e despesas incorridas na festa, impossibilitando a conferência dos valores efetivamente arrecadados (via banco e extra caixa) e das despesas incorridas em descumprimento aos princípios da administração pública e ao art. 70 e seu parágrafo único c/c o art. 74, inciso II da CRFB/88.

Note-se, em primeiro lugar, que apesar de a Sra. Fabiana Filipp dos Santos ter contestado tais imputações, tais restrições somente foram impostas ao Sr. Diomar Begnini, o qual não trouxe nenhuma manifestação nestes autos sobre o tema.

Consoante se extrai dos autos e da reunião de informações ao longo do processo, sobretudo nos relatórios da DMU, tem-se que a conta corrente 50.164-6 foi aberta no SICOOB em nome da Prefeitura de Catanduvas, com o início de movimentação em 07/02/2008, quando o Sr. Diomar Begnini ocupava o cargo de Prefeito Municipal (fl. 358). De acordo com o Relatório de Instrução DMU n. 3371/2015 (fl. 358),

O Sr. Diomar foi responsável inclusive pela abertura da conta bancária, conforme declarações prestadas à comissão do Processo Administrativo Disciplinar, fl. 254, ratificado pela sua assinatura na ficha cadastral as fls. 80 a 87 (apesar de não constar seu nome, constatou-se pertencê-la ao confrontar-se com ofício à fl. 287, assinado por ele).

Corroborando todo o exposto, tem-se declarações do contador à época, Sr. Davi Pecinato, as fl. 40 e 95 dos autos, nas quais declara não ter conhecimento da abertura de referida conta bancária e que a movimentação desses recursos não eram repassados ao Setor de Contabilidade, juntamente com consulta efetuada ao sistema e-Sfinge, onde não se evidenciou tal conta corrente (fl. 317).

Ao contrário do afirmado pelo Prefeito Municipal, Sr. Diomar, quando de suas declarações fl. 254, trata-se de dinheiro público sim, tanto é que grande parte da previsão orçamentária do programa “Catanduvas e nossa história” foi utilizada para realização da festa, ainda que acobertada por recurso de convênio.

A conduta imputada ao ex-Prefeito Municipal infringiu as determinações previstas nos arts. 83, 85 e 89 da Lei n. 4.320/64, as quais preveem o seguinte:

Art. 83. A contabilidade evidenciará perante a Fazenda Pública a situação de todos quantos, de qualquer modo, arrecadem receitas, efetuem despesas, administrem ou guardem bens a ela pertencentes ou confiados.

Art. 85. Os serviços de contabilidade serão organizados de forma a permitirem o acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços industriais, o levantamento dos balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros. [...].

Art. 89. A contabilidade evidenciará os fatos ligados à administração orçamentária, financeira patrimonial e industrial. (grifei)

Frise-se que o responsável apontado não apresentou quaisquer justificativas acerca da questão. Assim, a responsabilização e a consequente aplicação de multas ao responsável pelo explícito descumprimento da mencionada legislação é a medida que se impõe, conforme será disposto na conclusão deste parecer.

3. Ausência de liquidação da despesa no valor de R$ 54.502,33, referentes a despesas incorridas com a realização da festa, as quais transitaram pela conta SICOOB Ag. 3066-0/CC 50.164-6, desrespeitando os arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64.

Acerca da presente restrição, a Sra. Fabiana Filipp dos Santos afirmou em suas alegações de defesa que todas as despesas que movimentaram a conta bancária em questão estariam devidamente documentadas e teriam sido efetivamente realizadas (fl. 349). Alegou que toda a documentação que motivou a movimentação bancária estaria colacionada nos autos. Argumentou que apesar de somarem valor superior, no montante de R$ 55.610,00, tais despesas comprovariam o pagamento de diversos fornecedores para a realização do evento.

Informou (fl. 349) que a prestação de contas relativa à Secretaria de Estado de Turismo teria como provas a Nota Fiscal n. 000082/2008 (para a Balbinot Promoções e Eventos Musicais Ltda.), no valor de R$ 8.000,00, cujo objeto era “Estrutura Metálica Pavilhão A”, à fl. 179, e a Nota Fiscal n. 000896/2008 (para a P.I. Malmann & Cia Ltda-ME), no valor de R$ 8.000,00, cujo objeto era “Estrutura em lona para a mostra de Gado Simental”, à fl. 184.

Com relação à prestação de contas de recursos sacados no SICOOB, informou (fl. 350) que as provas seriam a Nota Fiscal n. 000081/2008 (para a Balbinot Promoções e Eventos Musicais Ltda.), no valor de R$ 8.000,00, cujo objeto era “Estrutura Metálica Pavilhão A”, à fl. 157, e o Recibo de Locação n. 187/2008 (para a P.I. Malmann & Cia Ltda-ME), no valor de R$ 16.800,00, sendo um dos objetos “Lona para o gado”, à fl. 157.

Em relação a tais documentos, alegou não haver a duplicidade apontada, argumentando que (fl. 350)

O documento descrito no item “a” está localizado às fls. 179, e tem como objeto a “estrutura metálica do parque municipal pavilhão A”, e o documento descrito no item “c” colacionado às fls. 157 tem como objeto a “animação” daquela estrutura. Veja-se que a pessoa jurídica possui como razão social a Promoções e Eventos Musicais, e ainda a Banda San Rafael, daí a explicação de uma nota se referir ao pagamento da estrutura e outra da animação (banda). Singela é a explicação.

Na descrição do documento do item “b” de fls. 184 refere-se à estrutura em lona para mostra de gado simental, e o documento do item “d” – fls.157, refere-se à lona para o gado em valor bem inferior, de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), logo, não há que se tratar do mesmo objeto, sendo inclusive lonas diversas.

Assim, não há duplicidade de documentação, nem tampouco ausente a comprovação da liquidação da despesa.

A DMU afastou de plano a validade jurídica e probatória (fl. 358v) do recibo de locação referido pela responsável, uma vez que não se constitui como documento fiscal, inapto, portanto, como documento hábil a liquidar despesas. O relatório da Diretoria trouxe os seguintes apontamentos (fls. 358v-359):

Os R$ 54.502,33 movimentados tratam-se de cheques avulsos não nominais, transferência eletrônica na qual também se desconhece os destinatários, além de saques, conforme demonstrados na tabela abaixo, ou seja, não se tem os beneficiários desses valores (fls. 59 a 67).

A nota fiscal nº 81 apresentada pela Sra. Fabiana não pode ser considerada como parte da liquidação da despesa dos pagamentos realizados via c/c do SICOOB por se desconhecer o beneficiário desses valores: [...]

Destaca-se que a ausência de prestação de contas prejudica inclusive a análise da necessidade de realização de processo licitatório e da retenção de ISS, já que se desconhece a natureza das despesas incorridas (serviço ou aquisição de materiais).

Tal conta tinha como administradores, segundo a ficha cadastral às fls. 84 a 87, o Sr. Diomar Begnini (Prefeito Municipal) e as Sras. Andrea Ferreira da Rosa (auxiliar administrativo), Fabiana Filipp dos Santos (tesoureira da Prefeitura Municipal) e Diogenes Terezinha Begnini (Secretaria de Saúde).

Apesar do rol de administradores elencado, quem de fato movimentou os recursos daquela conta foi o Sr. Diomar Begnini (Prefeito Municipal) e a Sra. Fabiana Fillip dos Santos (tesoureira), dada a declaração do gerente do SICOOB (fl. 69) e da própria Sra. Fabiana, a qual atesta à fl. 38 que realmente assinava os cheques avulsos e recibos de saque, bem como através das assinaturas das cópias de cheques movimentadas na c/c 50.164-6 e comprovantes de saque (fls. 59 a 67). A assinatura da Sra. Fabiana pode ser atestada as fls. 38 e 152 e a do Sr. Diomar à fl. 287.

Nesse sentido, a responsabilidade pelas despesas incorridas e sem liquidação da despesa pertencem ao Sr. Diomar e a Sra. Fabiana.

Impende salientar que os valores contidos nas respectivas Notas Fiscais referidas pela responsável e demais recibos constantes dos autos (fls. 157-159) em momento algum fazem correspondência, direta ou indireta, aos valores constantes do quadro elaborado pela Diretoria de Controle dos Municípios à fl. 359v, referentes às movimentações observadas na conta SICOOB, Ag. 3066-0/CC 50.164-6 (fls. 70-78). Desse modo, é forçoso concluir que não se pode presumir a regularidade das contas e respectivas movimentações financeiras apenas com base em Notas Fiscais referentes a gastos relacionados com o evento em questão.

Conforme o raciocínio elaborado pela DMU (fls. 359v-360),

Nem na tentativa de somar-se algumas notas/recibos não se consegue localizar o cheque correspondente a saída do numerário na conta corrente.

Considerando ainda a declaração do Sr. Nereu Lopes de Lima a fl. 252, de que muitos dos valores arrecadados e pagos foram efetuados em pecúnia, e que não transitaram pela conta c/c 50.164-6, ag. 3066-0 do SICOOB, há possibilidade desses comprovantes de despesa apontados pela Sra. Fabiana como prestação de contas terem sido pagos em pecúnia e trazidas a tona na tentativa de comprovar os pagamentos realizados via conta bancária.

Assim, considerando que não houve nenhum registro destes pagamentos, não é possível aceitar os referidos comprovantes como prestação de contas pelos motivos já expostos anteriormente, razão pela qual se mantém a restrição apontada.

Registra-se que somente uma prestação de contas adequada poderia garantir que tais recursos foram realmente utilizados na concretização da referida festa. Não se pode esquecer que a V Festa do Chimarrão foi financiada em parte com recursos estaduais (R$ 120.000,00), e ainda, com recursos próprios da Prefeitura Municipal (R$ 31.527,86).

Nesse sentido, somente uma prestação de contas fidedigna poderia garantir que tais recursos próprios da festa (proveniente da cobrança de ingressos, locações, etc) foram efetivamente gastos com despesas da mesma, caso contrário, entende-se que tais recursos foram desviados de sua finalidade.

Portanto, não havendo a demonstração da boa e regular aplicação dos recursos, a imputação de débito é medida que se impõe. (grifei)

Em virtude de tais condutas apontadas, restaram violadas as disposições contidas nos arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64, as quais preveem que:

Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar;

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

Portanto, tendo em vista que a responsável Sra. Fabiana Filipp dos Santos não logrou êxito em apresentar documentos e informações aptos a ilidir os fatos a si imputados, bem como que o responsável Sr. Diomar Begnini se quedou inerte, entende este Órgão Ministerial que a presente restrição merece ser mantida.

4. Ausência de previsão orçamentária das receitas e de parte das despesas com a realização da V Festa do Chimarrão, em desacordo ao disposto nos arts. 2º, 3º e 4º, da Lei n. 4.320/64.

 Assim como no item 2 deste parecer, cabe ressaltar que apesar de a Sra. Fabiana Filipp dos Santos ter contestado tal imputação, tal restrição somente fora imposta ao Sr. Diomar Begnini, o qual não se manifestou sobre o tema.

Acerca da presente restrição, a Diretoria de Controle dos Municípios teceu as seguintes considerações (fls. 360-360v):

A Lei Municipal nº 2.517/2007 aprovou como proposta orçamentária para o exercício financeiro de 2008 a Lei Orçamentária, a qual estimou a receita e fixou a despesa para o Município de Catanduvas em R$ 11.960.310,00.

Pela análise do Anexo 2 – Receita Segundo as Categorias Econômicas, da Lei Orçamentária (fls. 318 a 320), constatou-se a ausência de registros de previsão para a arrecadação proveniente do evento, procedimento este que fere o princípio basilar da Lei Orçamentária que é a Universalidade, ou seja, a Lei Orçamentária deveria conter todas as receitas e despesas, portanto, as receitas captadas para a promoção do evento em questão não poderiam ter sido desconsideradas na Lei Orçamentária.

Quanto às Despesas, o Anexo 6 daquela Lei apresenta apenas o Programa “Catanduvas e nossa história”, com o subprograma “Manutenção de atividades culturais” sob o código 13.392.0049.2023, com dotação de R$ 255.992,62 (fl. 324).

Ainda que não tenha programa específico para realização da festa, em consulta ao sistema e-Sfinge, algumas despesas com realização da festa foram contabilizadas nessa função 13, inclusive as realizadas por meio de convênio firmado com a Secretaria Estadual de Turismo, porém as movimentadas via banco SICOOB, além de não terem sido contabilizadas, também não apresentaram dotação orçamentária, totalizando R$ 54.502,33, sem contar as despesas pagas extra caixa que não transitaram por esse banco.

O procedimento incorrido, ou seja, a ausência de previsão na Lei Orçamentária do exercício 2007, de todas as receitas e despesas necessárias para a realização do evento resulta no desatendimento ao disposto nos artigos 2º, 3º e 4º, da Lei Federal nº 4.320/64 [...]. (grifei)

Os dispositivos da Lei n. 4.320/64 referidos pelo Relatório da Unidade Técnica prescrevem:

Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade.

Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.

Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°. (grifei)

Este Órgão Ministerial acompanha o entendimento esposado pela Diretoria de Controle dos Municípios, concluindo que a conduta do responsável, Sr. Diomar Begnini deu azo ao descumprimento do princípio da universalidade, bem como às determinações contidas nos dispositivos acima colacionados. Tendo em conta a ausência de manifestação do responsável apontado, entende-se pela manutenção da presente restrição.

5. Conclusão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

5.1. pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, com imputação de débito, na forma do art. 18, inciso III, alínea “c” c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, de maneira solidária aos Srs. Diomar Begnini e Fabiana Filipp dos Santos, pela ausência de liquidação de despesa no montante de R$ 54.502,33, referente às despesas incorridas com a realização da V Festa do Chimarrão, as quais transitaram pela conta SICOOB Ag. 3066-0/CC 50.164-6, em desrespeito aos arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/64, consoante disposto no item 3.1.1 da conclusão do Relatório de Instrução DMU n. 3371/2015 (fls. 355-361);

5.2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS ao Sr. Diomar Begnini, na forma do art. 69 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, conforme disposto nos itens 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3 da conclusão do Relatório de Instrução DMU n. 3371/2015 (fls. 355-361);

5.3. pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 12 de janeiro de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 673.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 791.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 580.