PARECER
nº: |
MPTC/39733/2016 |
PROCESSO
nº: |
REC 15/00087324 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Laguna |
INTERESSADO: |
Adílcio Cadorin |
ASSUNTO: |
Recurso de Reconsideração da decisão
exarada no processo TCE-04/05578989 |
Versam os autos sobre Recurso
de Reconsideração (fls. 3-33) interposto pelo Sr. Adilcio Cadorin, ex-Prefeito
Municipal de Laguna, em face do Acórdão n. 1164/2014, dessa Corte de Contas,
exarado nos autos do processo TCE n. 04/05578989, que imputou débito ao
recorrente em razão da seguinte irregularidade:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo
Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Conhecer do Relatório (de Reinstrução) DMU n. 706/2013, decorrente
do Relatório (de Inspeção) DMU n. 1410/2007, resultante da inspeção realizada
na Prefeitura de Laguna, para, no mérito:
6.2. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art.
18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas
pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, acerca de Representação
vinculada à execução do Projeto Turístico Internacional Caminho das Águas, da
Prefeitura Municipal de Laguna.
6.3. Condenar SOLIDARIAMENTE os Srs. ADÍLCIO CADORIN – ex-Prefeito
Municipal de Laguna, CPF n. 068.277.210-00, e EVALDO SANTOS GONÇALVES MARCOS –
ex-representante da New Millennium Promoções e Eventos Ltda., CPF n.
018.968.069-53, e a empresa NEW MILLENNIUM PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA.,CNPJ n.
03.735.830/0001-55, ao pagamento do débito no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), referente a recursos municipais repassados à empresa New Millennium
Promoções e Eventos Ltda., através do Contrato n. 71/2002, sem a
contraprestação de serviços, cujas despesas confrontam com os princípios da
legalidade e da moralidade previstos nos arts. 37, caput, da Constituição
Federal e 63 da Lei n. 4.320/64, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal
de Contas, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do
débito aos cofres públicos municipais, atualizado monetariamente e acrescido de
juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/00), calculados a partir
da data da ocorrência do fato gerador do débito até a data do recolhimento, ou
interporem recurso na forma da lei, sem o quê ,fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43 da mesma Lei
Complementar).
6.4. Dar ciência deste Acórdão aos Responsáveis nominados no item 3
desta deliberação, à Prefeitura Municipal de Laguna e à Procuradoria-geral de
Justiça, em razão dos autos tratarem de Representação originário do Ministério
Público do Estado de Santa Catarina.
A Diretoria de Recursos e Reexames dessa Corte de
Contas emitiu parecer (fls. 34-42), opinando pelo conhecimento do Recurso de
Reconsideração, com fundamento no art. 77 da Lei Complementar Estadual n.
202/2000 e, no mérito, pelo seu desprovimento, ratificando na íntegra a
Deliberação recorrida.
É o relatório.
O Recurso de Reconsideração, com amparo no art. 77
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão
proferida em processo de tomada de contas especial, sendo a parte legítima para
a sua interposição, uma vez que figurou como responsável pelo ato irregular
descrito no Acórdão ora combatido.
A
Decisão foi publicada na imprensa oficial em 09/01/2015 e a peça recursal
protocolizada nessa Corte de Contas no dia 11/02/2015, portanto, tempestiva.
Logo,
encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso.
O recorrente traz a tese preliminar de existência da prescrição, com
amparo na Lei Complementar Estadual n. 588/2013.
Quanto ao mérito, aduz em suma, que houve prestação de contas em tempo
hábil e que referida prestação foi aprovada pela EMBRATUR, sendo que a mesma
não reconsiderou sua decisão, que o equívoco de um dia constante do edital e a
falta de publicação no DOU foram atos administrativos que não causaram nenhum
dano a terceiros e nem ao poder público, que não houve má-fé, dolo ou culpa do
gestor, nem seu locupletamento, que não houve favorecimento a terceiros, que
não houve dano ao erário municipal nem federal, que os objetivos do convênio
foram plenamente atingidos, que as cidades de Laguna, Gravatal e a própria
EMBRATUR foram beneficiadas, que foram desconsiderados importantes documentos
dos autos que comprovam os benefícios trazidos pelo projeto ora discutido, e, finalmente,
que este foi executado em 2002, após assinatura do Convênio, e que em 2001
ocorreu apenas uma prévia divulgação do projeto.
Afirma, ainda, que a devolução de valores à Prefeitura de Laguna não
deve ocorrer, pois restou evidente nos autos a prestação dos serviços.
Ressalta também que a Prefeitura de Laguna recebeu 5% a título de ISS
sobre a totalidade do Convênio, ou seja, R$ 11.000,00, devendo este valor ser
desconsiderado da imputação de débito (R$ 20.000,00), para não se desrespeitar
os princípios da razoabilidade, equidade, bom senso e boa-fé.
Ao final, o recorrente pleiteia o conhecimento do presente recurso e a
reforma do Acórdão ora debatido para julgar as contas regulares com ressalvas,
ou caso ultrapassado, que seja a imputação de débito substituída por multa, uma
vez que as falhas não resultaram dano à Prefeitura de Laguna.
Destaca-se desde já que o
recorrente não traz nenhum novo elemento e/ou documento capaz de elidir sua
responsabilidade pela irregularidade cometida, exaustivamente demonstrada nos
autos do processo TCE n. 04/05578989, inclusive com o debate das teses
novamente apresentadas.
Não assiste razão, portanto,
ao recorrente quanto às alegações recursais, senão vejamos.
1.
Preliminar da prescrição
O
recorrente afirma em suas razões recursais que os autos foram alcançados pela
prescrição, uma vez que o processo tramita nessa Corte de Contas há mais de dez
anos, embasando seus argumentos no art. 2º, inciso I da Lei Complementar
Estadual n. 588/2013, concluindo que o processo prescreveu em 15/01/2015 (fls.
3-4).
Em
primeiro lugar, salienta-se que os ilícitos que causem prejuízo ao erário são
imprescritíveis, à luz do disposto no art. 37, § 5º, da CRFB/88.
A
Lei Complementar Estadual n. 588/2013, regulamentada pela Resolução n. TC-100/2014,
no art. 3º, inciso I, assim versou sobre a imprescritibilidade do débito:
Art. 3° A aplicação
do art. 24-A da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 será afastada nas
seguintes hipóteses:
I - incidência do
art. 37, §5°, da Constituição Federal nos processos em que for caracterizado
dano ao erário, conforme dispõem os arts. 15, §3°, 18, inciso lll e §2°, e 32
da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000;
Nessa
linha de orientação, trago, por pertinente, a seguinte jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, que trata de ressarcimento ao erário determinado por
decisão do Tribunal de Contas da União:
Tribunal de Contas da
União. Bolsista do CNPq. Descumprimento da obrigação de retornar ao país após
término da concessão de bolsa para estudo no exterior. Ressarcimento ao erário.
Inocorrência de prescrição. Denegação da segurança. O beneficiário de bolsa de
estudos no exterior patrocinada pelo poder público, não pode alegar
desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas
normas do órgão provedor. Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.
Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da CF, no tocante à
alegada prescrição." (MS 26.210, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-9-2008, Plenário, DJE de
10-10-2008.)
Acerca
da imprescritibilidade do dano ao erário, assinala o doutrinador José Afonso da
Silva[1]
que prescrevem apenas a apuração
e a punição do ilícito, não o direito da Administração de reaver os valores
atinentes ao prejuízo causado ao erário e ainda afirma:
A prescritibilidade,
como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é
um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram
prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de
interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de
administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos.
Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do
agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que
consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estebelecerá os prazos de prescrição
para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem
prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’. Vê-se,
porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito,
não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do
prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois,
inafastável, mas por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não
socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). (grifei)
Sobre
o assunto, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[2],
são esclarecedores:
Dano ao
erário. Pretensão perpétua. A CF 37 § 5º relega à lei a fixação do prazo de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
cause prejuízos ao erário. Trata-se do prazo para o exercício da pretensão
condenatória criminal (ius puniendi), isto é, da ação penal exercitável contra
o funcionário ou servidor. As
pretensões civis de ressarcimento do erário, que favorecem o Poder Público,
sejam exercitáveis por ele próprio, pelo MP ou por qualquer outro co-legitimado
à defesa dos direitos meta-individuais em juízo (v.g. ação civil pública, ação
popular, ação de improbidade administrativa), são perpétuas, isto é, não são
atingidas pela prescrição, conforme expressa determinação da CF 37 § 5º in fine (“ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento‟) (grifei)
Diante de todo exposto, a
preliminar de prescrição não deve ser acolhida.
2.
Efeitos da ausência de dano ao erário municipal
O recorrente alega em suas
razões recursais que não fora comprovado nos autos o dano ao erário e o nexo de
causalidade, ou seja, o liame entre o agente que deu causa com o resultado
negativo produzido, bem como o dolo, culpa grave ou má-fé nessa conduta.
Não merece prosperar tal
argumento, pois restou cabalmente demonstrado nos autos TCE n. 04/05578989 que
a Prefeitura de Laguna repassou R$ 20.000,00 à empresa New Millenium, por meio
do Contrato n. 71/2002, sendo que os serviços, objeto do referido contrato, já
tinham sido custeados com outras fontes, pois foram realizados com data
anterior a sua celebração.
A Diretoria de Recursos e
Reexames rebate os argumentos recursais, demonstrando que houve sim dano ao
erário, e que o recorrente concorreu diretamente para a sua ocorrência, haja
vista ser o responsável pelo repasse dos recursos (fls. 38-38v).
A responsabilidade do gestor decorre em razão do
seu comportamento comissivo, pois era o ordenador da despesa, inclusive assinou
o contrato ora em discussão.
Esse Tribunal de Contas, mediante o inciso III do
art. 1º de sua Lei Orgânica, descreve como uma de suas competências julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e
indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder
Público do Estado e do Município.
Em função do cargo ocupado, o então gestor se
amoldava
Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de
apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos
será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.
§ 1º Para efeito do disposto no caput,
considera-se:
a) responsável aquele que
figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento
ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado
ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza
pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário. (grifei)
Quanto
à alegação de ausência de dolo ou má-fé, no que compete a esse Tribunal de
Contas, não há qualquer dispositivo na Lei Complementar Estadual n.
202/2000 que exija comprovação de má-fé para com o imputável. Mais ainda, no
âmbito do Direito Administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do
agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, o qual se
constata nesses autos, por ser o ordenador da despesa ora discutida.
Sobre
o tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[3],
que bem sintetiza esse entendimento:
11. (d) Princípio da
exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a
oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de
que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao
passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas
para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia
qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de
prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento
que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para
tal caso previstas. Note-se que aqui
não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de
praticar dada conduta [grifei].
A Diretoria de Recursos e
Reexames salienta que os atos administrativos deveriam apresentar plena
adequação ao sistema normativo que os disciplinam e ter sua finalidade sempre
voltada à consecução do interesse público, conforme os princípios da
legalidade, impessoalidade e moralidade, previstos no art. 37 da CRFB/88, e, também,
conforme os princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público e
da finalidade (fl. 38v).
O recorrente também traz
decisões do Poder Judiciário Catarinense e do Superior Tribunal de Justiça onde
não haveria a comprovação de dolo e/ou má-fé do administrador, bem como o dano
ao erário, pleiteando a analogia ao presente caso.
Cumpre destacar, inicialmente, o teor do
princípio da independência das instâncias, pelo qual a discussão da matéria no
âmbito do Poder Judiciário não prejudica a análise pela Corte de Contas, porque
distintas as consequências e as eventuais sanções a que está sujeito o
responsável em cada seara.
Ressalta-se
que a questão da independência de instâncias é pacífica no
Supremo Tribunal Federal, a exemplo do Mandado de Segurança MS n.
25.880/DF, julgado em 07/02/2007, por decisão unânime do Tribunal Pleno, da
lavra do Relator Min. Eros Grau, cuja ementa segue in verbis:
MANDADO DE SEGURANÇA.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL.
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO
DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA
ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA.
DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do
Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa
a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário,
devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá,
entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos
[art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada
de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar.
Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano
causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO,
DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos
artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas
especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de
ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para
instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao
erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias
civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva
prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a
impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª
Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente
[MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6.
Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida,
ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias. (grifei)
A Diretoria de Recurso e
Reexames, em seu Parecer DRR n. 493/2015, manifestou-se no mesmo sentido,
destacando o princípio da independência das instâncias às fls. 38v-39.
Desse
modo, entende este Ministério Público de Contas que deve ser mantida a
imputação de débito ao recorrente, haja vista a efetiva comprovação do dano ao
erário.
3.
Ausência de análise sobre os benefícios e vantagens auferidos pelo Município de
Laguna, Gravatal e EMBRATUR
O recorrente salienta, em
suas razões recursais, que não houve análise das provas colacionadas aos autos
que comprovaram os benefícios que a execução do projeto “Caminhos das Águas”
trouxe ao Município de Laguna (fls. 7-8).
Novamente as razões do
recorrente não merecem ser acolhidas.
Conforme se extrai da análise
dos autos TCE n. 04/05578989, a celeuma evidenciada na referida Tomada de
Contas Especial refere-se, em suma, à realização da prestação dos serviços
acordados no Convênio firmado para execução do Projeto “Caminho das Águas” anteriormente
à própria celebração do Convênio.
O mencionado Convênio,
firmado entre a EMBRATUR e a Prefeitura Municipal de Laguna, é datado de
31/12/2001 (fls. 09-16 dos autos principais). Para a execução do Convênio, a
Prefeitura de Laguna realizou licitação que culminou na contratação, em
04/04/2002, da empresa New Millennium Promoções e Eventos Ltda. (fls. 06-08 dos
autos principais).
Ocorre que a New Millennium
Promoções e Eventos Ltda. já havia firmado, em 26/03/2002, contrato com a
empresa italiana Nemesis Sn.C com objeto coincidente ao do Convênio ora em
análise (fls. 249-252 dos autos principais).
Constatou-se, portanto, que o
objeto do Convênio e respectivo Contrato[4]
foi executado antes mesmo do Contrato com a New Millennium Promoções e Eventos
Ltda. ter sido firmado pela Prefeitura de Laguna e, ainda mais, da própria
existência do Convênio. Nesse sentido, o Corpo Técnico desse Tribunal verificou
(fl. 331 dos autos principais) que o procurador da empresa italiana Nemesis
Sn.C – anteriormente contratada pela New Millennium – já havia procurado hotéis
da região de Laguna e cobrado valores destes para a divulgação da região na
Itália.
No mesmo sentido, extrai-se
das páginas 197-200 dos autos principais uma série de reportagens, datadas de
outubro de 2001, mencionando a realização de viagem à Itália para divulgação do
Projeto “Caminho das Águas”.
Da mesma forma, a Área
Técnica desse Tribunal identificou (fl. 333 dos autos principais) que o site da
internet dedicado ao Projeto foi criado antes de outubro de 2001 e não havia
sido atualizado após a efetiva contratação da empresa responsável por
executá-lo.
Como se vê, a realização do
Projeto “Caminho das Águas” com recursos públicos foi fraudada, tendo em vista
que toda a execução do projeto, inclusive com financiamento particular, já
estava iniciada antes mesmo da assinatura do Convênio entre a Embratur e a
Prefeitura de Laguna. Os recursos provenientes desse Convênio, portanto, não
foram utilizados no fim a que se destinavam.
Logo, partindo-se desse
pressuposto, a irresignação do recorrente no sentido de querer ver avaliados os
supostos resultados positivos da execução do Projeto para a região não são
relevantes ao caso, pois as atividades de divulgação do sul catarinense para a
comunidade italiana – objeto do Convênio e do Contrato – ocorreram antes mesmo
de eles terem sido celebrados.
Por fim, note-se que, de
qualquer maneira, os alegados benefícios que o Projeto “Caminho das Águas”
teria trazido para a região do sul catarinense não foram cabalmente
demonstrados pelo recorrente, sendo que os citados (fls. 09-10) incremento na
arrecadação de ISS pela Prefeitura de Laguna e aumento da oferta de emprego na
região não foram inequivocamente relacionados à execução do Projeto, podendo
ser atribuídos a diversos fatores internos e externos alheios ao Convênio ora
em análise.
Além disso, a inspeção
realizada por esse Tribunal identificou (fl. 331 dos autos principais) que,
conforme informações prestadas por hotéis da região sul catarinense, o
mencionado Projeto não teria apresentado nenhum retorno positivo.
Assim sendo, a insurgência do
recorrente não merece prosperar, devendo também por essa razão ser mantida a
imputação de débito imposta no Acórdão n. 1164/2014.
4.
Equivocadas justificativas para imputação de débito
Argumenta o recorrente que as
duas justificativas que fundamentaram a imputação de débito ora combatida foram
interpretadas equivocadamente pela Área Técnica (fls. 10-13).
A constatação realizada pela
DMU de que o objeto do projeto “Caminho das Águas” ocorreu antes da celebração
do Convênio com a EMBATUR deu-se em razão dos seguintes fatos (Relatório n.
1571/2010, à fl. 608 dos autos TCE n. 04/05578989):
1
– A veiculação de notícias em jornais da região de Laguna (fls.
197-200), anunciando a ida, no início de outubro de 2001, de comitiva
catarinense à Itália para, entre outros, divulgar o lançamento do Projeto
Turístico “Caminho das Águas” a 500 agências e operadoras de turismo
italianas;
2
– O relatório de prestação de contas (fl. 166) da empresa italiana Nemesis
S.n.c., contratada pela New Millennium Promoções e Eventos Ltda., relatando
o procedimento de trabalho feito e a apresentação do Projeto “Caminho das
Águas” na Embaixada Brasileira de Roma, em 09 de outubro de 2001, onde
foram convidadas 500 agências de viagens e empreendedores interessados em
conhecer o Brasil.
O recorrente não traz em suas
razões recursais novos argumentos a fim de sanar a irregularidade a qual foi
condenado, apenas menciona novamente que a viagem ocorrida em 2001 não se
refere aos serviços contratados com a empresa New Millenium Promoções e Eventos
Ltda em 2002, e que a criação do site
da internet, pela empresa contratada na Itália, deu-se apenas para a
apresentação às autoridades, não consistindo em irregularidade o posterior
domínio, com a devida formulação e desenvolvimento de layout.
Sobre os argumentos do
recorrente a Diretoria de Recursos e Reexames com propriedade se manifestou
(fls. 40-41):
Essas evidências são reforçadas
pela existência de cláusula restritiva no edital de Tomada de Preços, fazendo
com que a New Millennium Promoções e Eventos Ltda. fosse a única empresa a
apresentar proposta, coincidentemente, no valor exato do Convênio, R$
220.000,00 (Relatório de Inspeção n. 1410/2007, fls. 333-335).
Posteriormente, em 04/04/2002,
a New Millennium Promoções e Eventos Ltda. e a italiana Nemesis S.n.c. firmaram
contrato consistindo na divulgação do Projeto “Caminho das Águas” para 500
agências de viagens da Itália, tal como já fora procedido no início de outubro
de 2001.
Tais fatos
evidenciam que a apresentação do roteiro a agências de viagens da Itália
ocorreu em 09/10/2001, portanto, antes da celebração do Convênio, datado de
31/12/2001. (...)
Diferentemente do que alega o
Recorrente, no que tange à implantação, gestão e manutenção de site na
Internet, a Área Técnica comprovou que o referido site foi criado antes de
outubro de 2001, conforme assevera o Relatório nº 703/2013 (fl. 699):
No que tange à implantação,
gestão e manutenção de site na Internet, a análise técnica da Inspeção in
loco também identificou que o referido site foi criado antes de outubro
de 2001.
O Relatório de Inspeção nº
1410/2007 assim assevera (fl. 333):
Como podemos observar, o site
“www.inbrasile.it” foi elaborado antes de outubro de 2001 pela Empresa NEMESIS
e apresentado na Embaixada do Brasil em Roma na data de 09/10/2001 e desde
então o site não foi atualizado, como podemos verificar nos dados referentes ao
convite estendido às agências de viagem, nos valores de diárias de hotéis (até
abril de 2002), nos valores de câmbio da moeda brasileira, bem como nas
informações em que constam datas como as eleições presidenciais de outubro de
2002 (fls. 202 a 221).
O Relatório n. 2507/2007, por
sua vez, proclama o mesmo entendimento: “O site na internet criado antes de
outubro/2001, não foi atualizado, mantém-se ativo, mas contém as mesmas
informações de outubro/2001, inclusive com o preço das diárias dos hotéis
relativos a dezembro/2001 até abril/2002” (fl. 535).
Sendo assim, entende-se que as
razões apresentadas no Recurso não se sustentam. Ademais, o simples
inconformismo, sem provas em contrário, não tem o condão de modificar o
julgado. Nessa esteira, cita-se o Parecer COG-851/08:
PARECER COG-851/08
REC - 03/04727253
Recurso de
Reconsideração.
Diante da ausência de elemento novo, o mero
inconformismo não justifica a modificação do julgado. (...) (Grifou-se)
Como se vê, todos os
argumentos trazidos pelo recorrente já haviam sido previamente rebatidos ao
longo da instrução da Tomada de Contas Especial cujo Acórdão motivou o presente
recurso.
A imputação de débito,
portanto, está amplamente justificada, tendo em vista que não houve a correta
liquidação das despesas relacionadas aos recursos repassados pelo Convênio
firmado entre Embratur e a Prefeitura de Laguna para a execução do Projeto
“Caminho das Águas”, pois o objeto do Convênio já havia sido executado com
recursos particulares antes mesmo do referido Convênio ter sido firmado.
Assim sendo, os argumentos
apresentados pelo recorrente mais uma vez não merecem prosperar, devendo ser
mantida a imputação de débito imposta.
5.
Efetiva prestação e aprovação de contas pela EMBRATUR
Argumenta o recorrente no
sentido de que a EMBRATUR, órgão responsável pela análise e averiguação da
prestação de serviços conveniados, analisou a prestação de contas e confirmou,
em duas oportunidades, a execução do projeto, não havendo notícia de revogação
de seu ato (fl. 14).
Cumpre destacar que no Ofício
n. 360/2004 (fls. 470-471 dos autos principais), encaminhado pela EMBRATUR ao
ora recorrente, solicitou-se o saneamento de inúmeras irregularidades para a
aprovação da prestação de contas.
O fato de a EMBRATUR ter
mencionado, no ofício referido acima, que o objeto do Convênio n. 100/2001 foi
alcançado, não está em pauta no referido processo, pois a discussão refere-se
ao tempo em que este objeto foi executado, que, no caso dos autos, realizou-se
antes mesmo da celebração do Convênio.
De acordo com o art. 1º,
inciso X, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, compete ao Tribunal de
Contas o dever de fiscalizar a regularidade do recebimento de dinheiro público,
conforme segue:
Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do
Estado e na forma estabelecida nesta Lei: [...]
X - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos
repassados pelo Estado ou Município a pessoas jurídicas de direito público ou
privado, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento
congênere, bem como a aplicação das subvenções por eles concedidas a qualquer
entidade de direito privado;
Sobre a competência de
fiscalização desse Tribunal de Contas, a Diretoria de Recursos e Reexames assim
se manifestou (fl. 41):
Além disso, como bem citado pela Área Técnica,
"a avaliação procedida pela EMBRATUR, além de não ser conclusiva, não se
confunde com a análise técnica efetuada no âmbito do Tribunal de Contas"
(fl. 670).
O argumento do recorrente,
portanto, não merece acolhida, devendo-se manter a imputação de débito que lhe
fora aplicada em razão da irregularidade cometida e descrita no Acórdão n.
1164/2014.
6.
Enriquecimento ilícito como consequência da imputação indevida
Pleiteia o recorrente, por
fim, que caso seja mantida a imputação de débito, que haja a correção de seus
valores, a fim de se considerar o valor de R$ 11.000,00 pagos ao Município de
Laguna a título de ISS, em razão da incidência de 5% sobre o valor total do
Convênio (R$ 220.000,00), sob pena de enriquecimento sem causa do Município
(fl. 15).
Como bem salienta a instrução
(fls. 41-42), o valor da imputação do débito determinado no Acórdão refere-se
ao seu valor bruto e seu recolhimento deve se dar integralmente (é o
entendimento pacificado nesse Tribunal), podendo o recorrente reaver o valor do
imposto recolhido junto ao órgão arrecadador por outros meios.
Ao final, pleiteia o
recorrente a substituição do débito por aplicação de multa, visto que as falhas
não resultaram em dano ao erário de Laguna, o que, como exaustivamente visto ao
longo deste parecer, não merece prosperar, já que as penalidades de imputação
de débito e aplicação de multa têm natureza distinta, não se podendo
simplesmente substituir uma por outra quando inequívoco o dano ao erário que
fundamentou a imputação de débito em debate.
7.
Conclusão
Ante o
Florianópolis, 25 de janeiro
de 2016.
Cibelly
Farias Caleffi
Procuradora
[1] SILVA, José Afonso da. Curso
de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 673.
[2] NERY JUNIOR, Nelson e NERY,
Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 216.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
Direito Administrativo, 20ª ed., p. 805.
[4] O objeto do
contrato firmado era “assessoria, consultoria e divulgação do Roteiro Turístico
Integrado, “Caminho das Águas”, localizado entre as cidades de Laguna e
Gravatal (Sul de Santa Catarina), consistindo em sua divulgação para 500
agências de viagens da Itália, através de implementação de site na internet,
implantação do programa de gestão do site e a manutenção e apresentação das
agências de viagem na Itália” (fl. 06 dos autos principais).