PARECER nº:

MPTC/39754/2016

PROCESSO nº:

REP 13/00451871    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste

INTERESSADO:

Alexandre Estefani

ASSUNTO:

Apropriação irregular de recursos do Fundo Municipal de Defesa do Consumidor.

 

 

 

Trata-se de representação encaminhada pela 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Miguel do Oeste, subscrita pelo Sr. Alexandre Estefani, Promotor de Justiça, a partir do Ofício n. 0506/2013/04PJ/SMO, com a cópia integral do Procedimento Preparatório n. 06.2012.00007315-1, na qual relata supostas irregularidades na aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor de São Miguel do Oeste no exercício de 2012 (fls. 2-192v). 

A Diretoria de Controle dos Municípios apresentou o Relatório DMU n. 02902/2013 (fls. 193-195v), em cuja conclusão sugeriu o conhecimento da presente representação e a determinação para que a DMU adotasse as providências necessárias à apuração dos fatos junto à Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste.

Este Ministério Público de Contas manifestou-se no mesmo sentido, por meio do Parecer MPTC n. 19596/2013 (fls. 196-197).

Assim, a Decisão Singular GAC/CFF n. 746/2013 (fls. 198-199) decidiu pelo conhecimento da representação e pela determinação à Diretoria de Controle dos Municípios para que adotasse as medidas necessárias à apuração da suposta irregularidade cometida.

A Diretoria de Controle dos Municípios, então, elaborou o Relatório de Instrução DMU n. 1486/2015 (fls. 204-208), no qual relatou a ocorrência de apropriação irregular de recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor no exercício de 2012, sugerindo ao final a realização de audiência do responsável por tal restrição.

Em seguida, o Conselheiro Relator proferiu o Despacho GAC/CFF n. 274/2015 (fl. 209), por meio da qual determinou a realização de audiência do responsável.

O responsável Sr. Nelson Foss da Silva, Prefeito Municipal de São Miguel do Oeste à época, foi notificado por meio do Ofício n. 7.387/2015 (fl. 210), tendo apresentado as justificativas de fls. 214-221.

A Diretoria de Controle dos Municípios, afinal, apresentou o Relatório de Reinstrução Plenária DMU n. 3710/2015 (fls. 224-227), em cuja conclusão sugeriu considerar irregular o ato debatido nos autos, com a consequente aplicação de multa ao responsável, no seguinte sentido (fl. 227):

3.1. CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, “a” da Lei Complementar nº 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Nelson Foss da Silva – Prefeito Municipal à época, CPF 526.550.249-15, residente à Linha Santa Catarina - Interior, São Miguel do Oeste/SC, CEP 89.900-000, multa prevista no artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

3.1.1. Apropriação irregular de recursos do Fundo Municipal de Defesa do Consumidor, no exercício financeiro de 2012, no montante de R$ 76.282,55, em descumprimento ao art. 29 do Decreto (Federal) nº 2.181/97, e violação aos arts. 19, II, 22 e 25 da Lei nº 4.908/2001 (item 2.1).

3.2. DAR CIÊNCIA da decisão ao Representado, Sr. Nelson Foss da Silva, e ao Representante, Sr. Alexandre Estefani.

Passo, enfim, à análise da irregularidade assinalada pela Diretoria de Controle dos Municípios.

1. Apropriação irregular de recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor, no exercício financeiro de 2012, no montante de R$ 76.282,55, em descumprimento ao art. 29 do Decreto n. 2.181/97, e violação aos arts. 19, inciso II, 22 e 25 da Lei Municipal n. 4.908/01.

A Unidade Técnica concluiu pela responsabilidade do Sr. Nelson Foss da Silva, Prefeito Municipal de São Miguel do Oeste à época dos fatos, por ter utilizado recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor para pagamento retroativo de despesas de funcionamento e manutenção do PROCON, incluindo salários do ano de 2012, sem permissão do Conselho Gestor que administra referido Fundo Municipal, em afronta ao art. 29 do Decreto n. 2.181/97, e aos arts. 19, inciso II, 22 e 25, todos da Lei Municipal n. 4.908/01.

Em suas justificativas, o responsável confirmou a transferência de valores da conta do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor para a conta movimento do Município, conforme documentos de fls. 81-81v, para ressarcir despesas já realizadas e pagar a folha de pessoal do PROCON (fl. 215).

Contudo, o responsável defende a legalidade de tal transferência, pois de acordo com a Lei Municipal n. 4.908/01, que trata da organização do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor, bem como da instituição do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor e sua administração, em seu art. 18, inciso III, os recursos do referido fundo podem ser aplicados no custeio e manutenção do PROCON (fls. 215-216).

Em seguida, o responsável interpretou de forma restritiva os arts. 22 e 25 da Lei Municipal n. 4.908/01, sob o argumento de que não é competência exclusiva do Conselho Municipal do Consumidor administrar e gerir financeiramente e economicamente o referido Fundo, pois o dispositivo menciona a competência exclusiva apenas quando se refere à reconstituição dos bens lesados e à prevenção de danos.

O responsável destacou em suas justificativas que não há nenhum dispositivo na lei municipal que determine competência exclusiva do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor para deliberar sobre a aplicação de recursos em manutenção e custeio das despesas do PROCON (fls. 217-218).

Por fim, o então Prefeito Municipal apresentou ação idêntica perpetrada pelo Chefe do Executivo no exercício de 2013, tendo o Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, em reunião posterior, referendado o ato de transferência de valores do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor para pagamento de folha e encargos de servidores lotados no PROCON, não tendo sido tal ato considerado irregular e nem mesmo denunciado, tratando o referido Conselho de maneira diferente situações análogas (fls. 219-220).

Não merecem prosperar os argumentos do responsável, senão vejamos.

Inicialmente, há que se estabelecer de quem é a competência para gerir os recursos destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos do Consumidor.

O Decreto n. 2.187/97 estabelece normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078/90:

Art. 29. A multa de que trata o inciso I do art. 56 e caput do art. 57 da Lei nº 8.078, de 1990, reverterá para o Fundo pertinente à pessoa jurídica de direito público que impuser a sanção, gerido pelo respectivo Conselho Gestor. (grifei)

Já a Lei Municipal n. 4.908/01, além de outras providências, dispõe sobre a Organização do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor, instituindo a Coordenadoria Municipal de Defesa do Consumidor, a Comissão Municipal Permanente de Normatização, o Conselho Municipal de Defesa do Consumidor e o Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor.

O art. 22 de tal Lei Municipal n. 4.908/01 prevê a competência do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor para administrar os recursos destinados ao Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor, conforme segue:

Art. 22. Ao Conselho Municipal, no exercício da gestão do Fundo, compete administrar e gerir financeira e economicamente os valores e recursos depositados no Fundo, bem como deliberar sobre a forma de aplicação e destinação dos recursos na reconstituição dos bens lesados e na prevenção de danos, [...] (grifei)

Incontestável, portanto, a competência exclusiva do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor em gerir os recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor, sendo totalmente descabida a determinação do ora responsável em transferir valores do referido fundo para a conta movimento da Prefeitura, sob o argumento de ressarcimento de despesas de manutenção e folha de pagamento dos servidores do PROCON, conforme atestam os documentos de fls. 81-81v.

Ainda, de acordo com a Lei Municipal n. 4.908/01, em seu art. 18, inciso III, os recursos do fundo poderão ser aplicados no custeio e manutenção do PROCON. Por sua vez, para que isso ocorra, evidente que deverá haver deliberação do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, de acordo com a competência estabelecida nos dispositivos acima mencionados, o que não ocorreu no presente caso.

De acordo com art. 71 da Lei n. 4.320/64, Fundos Especiais são "produtos de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultados a adoção de normas peculiares de aplicação", ou seja, fundos são parcelas de recursos financeiros reservados para determinados fins especificados em lei, os quais devem ser alcançados por meio de planos de aplicação elaborados pelo respectivo gestor, sujeitos obrigatoriamente ao controle externo do Tribunal de Contas.

Segundo Machado Jr. e Costa Reis[1], ao comentar a Lei n. 4.320/64, as características do Fundo Especial são:

constituição de receitas especificas instituídas em lei: vinculação à realização de determinados objetivos ali serviços: e a vinculação a um órgão da Administração. Ao ser instituído, o Fundo Especial deverá vincular-se a realização de programas de interesse da administração, compatíveis com as necessidades da comunidade, cujo controle é leito através dos respectivos planos obrigatórios de aplicação que acompanham a lei orçamentária (art. 165 - parágrafo S' - inciso I - CF). A gestão do fundo será realizada pelo setor da administração direta ou indireta, responsável pela execução e/ou coordenação de programas e ações na área municipalizada cuja fiscalização deverá ficar por conta do Tribunal de Contas, e o acompanhamento e a avaliação deverá estar sob o encargo do Conselho Municipal.

Contudo, para se constituir um fundo faz-se necessário à constituição de um conselho vinculado ao mesmo, sendo que este conselho é a instância responsável pela aprovação dos planos, de natureza deliberativa e composição paritária, composto por membros da administração pública e por representantes da sociedade civil organizada, sendo sua natureza deliberativa.

Como se vê, cabe ao Conselho Municipal de Defesa do Consumidor deliberar sobre a aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor, sendo irregular o ato perpetrado pelo responsável, Prefeito Municipal à época, ao transferir valores do referido Fundo sem a aprovação do Conselho.

Enfim, não obstante a resposta do responsável (fls. 214-221), a análise de toda a documentação que compõe o presente processo e o exame da Diretoria de Controle dos Municípios no relatório técnico de fls. 224-227 evidenciam a afronta ao art. 29 do Decreto n. 2.181/97 e aos arts. 19, inciso II, 22 e 25 da Lei Municipal n. 4.908/01, haja vista o uso dos recursos destinados ao Fundo Municipal de Defesa dos Direitos do Consumidor para manutenção, funcionamento e pagamento do PROCON sem autorização do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, na Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste em 2012.

2. Conclusão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pela IRREGULARIDADE, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, do ato descrito no item 3.1.1 da conclusão do relatório técnico de fls. 224-227, com a consequente APLICAÇÃO DE MULTA ao responsável, Sr. Nelson Foss da Silva, Prefeito Municipal de São Miguel do Oeste à época, na forma do art. 70, inciso II, também da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Florianópolis, 28 de janeiro de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] MACHADO JR, José Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. Rio de Janeiro: IAM, 2000/2001, p. 154.