PARECER
nº: |
MPTC/39822/2016 |
PROCESSO
nº: |
TCE 13/00426176 |
ORIGEM: |
Fundo de Desenvolvimento Social -
FUNDOSOCIAL |
INTERESSADO: |
Celso Antonio Calcagnotto |
ASSUNTO: |
Tomada de Contas Especial, NE709, 26/05/09,
R$29.631,60, NE1366, 13/07/09, R$29.631,60, aquis. cest. bás., NE3789,
11/11/09, R$45.000,00, aquis. mat. const. e cest. bás., repassados à
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES VILA PARAISO E JARDIM SÃO LUIZ. - RSAG. |
Trata-se o presente processo
de Tomada de Contas Especial instaurada pela Secretaria Executiva de Supervisão
de Recursos Desvinculados (antiga Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais –
DIFE), em razão das conclusões do relatório de auditoria realizada na DIFE, que
apontavam para irregularidades na concessão e na prestação de contas de
diversos recursos repassados pelo Fundo de Desenvolvimento Social
(FUNDOSOCIAL), dentre eles aqueles concedidos à Associação de Moradores Vila
Paraíso e Jardim São Luiz, por meio das notas de empenho n. 709/2009, 1366/2009
e 3789/2009, nos valores, respectivamente, de R$ 29.631,60, R$ 29.631,60 e R$
45.000,00, com o propósito de adquirir cestas básicas para comunidades
carentes.
Às fls. 6-226 fora acostada a
documentação pertinente ao processo de concessão dos referidos recursos, ao
programa de auditoria n. 0020/10 realizado na DIFE e à Tomada de Contas
Especial instaurada.
Na sequência, às fls.
227-231v a Área Técnica acostou documentação pertinente ao Inquérito Policial
n. 041/2011, que investigava possíveis desvios de recursos no âmbito do
FUNDOSOCIAL. Em resposta a ofício encaminhado à Secretaria de Estado da Fazenda
(fl. 233), fora juntado o CD-ROM de fl. 236 contendo cópia integral do Processo
Administrativo Disciplinar instaurado contra a servidora Neuseli Junckes Costa,
bem como do procedimento relativo à apuração de envolvimento de funcionários do
setor de protocolo da SEF em irregularidades na concessão de recursos do fundo
em comento.
A Coordenadoria de Controle
de Recursos Antecipados, então, apresentou o relatório de instrução de fls.
237-258, sugerindo a definição de responsabilidade solidária entre a pessoa
jurídica Associação de Moradores Vila Paraíso e Jardim São Luiz, a sua
presidente, Sra. Natalia de Souza Cunha, a Sra. Neuseli Junckes Costa e os Srs.
Abel Guilherme da Cunha e Cleverson Siewert, pelas irregularidades verificadas
na presente Tomada de Contas Especial, com a consequente imputação de débito e
aplicação de multa proporcional ao dano, citando-se, para tanto, tais
responsáveis, na forma do encaminhamento proposto às fls. 257v-258, in verbis:
3.1 Definir a responsabilidade solidária, nos termos
do art. 15, I, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, da Srª. Natalia
de Souza Cunha, então presidente da Associação de Moradores Vila Paraíso e Jardim São Luis,
portadora do CPF nº 461.358.639-91, residente na Rua João Crescêncio de Souza,
nº 108 (perto CIMPOR), Bairro Vila Flor, Capivari de Baixo/SC, CEP 88.745-000;
da pessoa jurídica Associação de Moradores Vila Paraíso e Jardim
São Luis, CNPJ nº 00.704.751/0001-99, com endereço na Rua Alvaci
Antonio Vieira, Travessa Benoni Vicente, s/nº, Bairro Vila Flor, Capivari de
Baixo/SC, CEP 88.745-000; da Srª.
NEUSELI JUNCKES COSTA, portadora do CPF nº 569.986.869-00, residente na Rua
João Batista Meirise, 63, Roçado, São José, CEP 88108-115; do Sr. ABEL GUILHERME DA CUNHA, portador
do CPF nº 223.371.489-04, Rua Edson da
Silva Jardim, Bairro Coloninha, Florianópolis/SC, CEP 88.090-270; e do Sr. CLEVERSON SIEWERT, portador do CPF
nº 017.452.629-62, residente na Av. Itamarati, nº 160, Bairro Itacorubi,
Florianópolis/SC – CEP 88.034-900, por irregularidades verificadas nas presentes
contas, que ensejam a imputação do débito elencado no item 2.2.
3.2 Determinar a CITAÇÃO dos responsáveis
nominados no item anterior, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar
Estadual nº 202/2000, para apresentarem alegações de defesa, em
observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a respeito das irregularidades constantes
do presente Relatório, passíveis de
imputação de débito no valor total de
R$ 104.263,20 (cento e quatro mil duzentos e sessenta e três reais e vinte
centavos), nos termos do art. 15, inciso II, §§ 2º e 3º, inciso I, c/c o
art. 68 da referida Lei Complementar, pela ausência da comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos públicos, em afronta ao art. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual, ao art. 144,
§1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e aos arts. 49 e 52 da Resolução
TC nº 16/1994 (item 2.2.1), conforme segue.
3.2.1 De
responsabilidade da
Srª Natalia
de Souza Cunha e da pessoa jurídica Associação de Moradores Vila
Paraíso e Jardim São Luis (item 2.6), já qualificados, sem prejuízo
de aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em
face da:
3.2.1.1 ausência de
comprovação da realização do objeto proposto, não demonstrando a boa e regular
aplicação dos recursos públicos, no montante total de R$ 104.263,20 (cento e quatro mil duzentos e sessenta e três reais e
vinte centavos), contrariando o art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, o
art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, III
da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1.1 deste Relatório), decorrente da
ausência de prestação de contas dos recursos repassados pelo Estado a título de
subvenção social, nos termos do art. 58, parágrafo único, da Constituição
Estadual e art. 8º da Lei nº 5.867/81, (subitem 2.1.1.1 deste Relatório).
3.2.3 De
responsabilidade da Sra.
NEUSELI JUNCKES COSTA (item 2.3), do
Sr. ABEL GUILHERME DA CUNHA (item
2.4) e do Sr. CLEVERSON SIEWERT (item
2.5), já qualificados, sem prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68
da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que concorreram para a
ocorrência do dano, em face de:
3.2.3.1 Repasse
irregular de recursos no montante total de R$
104.263,20 (cento e quatro mil duzentos e sessenta e três reais e vinte
centavos), por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na
legislação e sem observância dos requisitos legais e regulamentares, em
descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981;
nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005, art. 21 do Decreto
Estadual nº 2.977/2005
e art. 116, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/1993,
bem como os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade,
razoabilidade, economicidade e eficiência, contidos no art. 37, caput da Constituição Federal e no art.
16, caput, e 5º da Constituição do
Estado de Santa Catarina,
inclusive da motivação dos atos administrativos; nos arts. 7º e 8º, III do Decreto Estadual nº 2.977/2005; e nos arts. 60
e 61, c/c o art. 116, caput, da Lei
Federal nº 8.666/1993, e arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº
381/2007 (subitem 2.1.1 deste Relatório).
O Conselheiro Relator do
presente processo autorizou a realização das citações à fl. 258, as quais,
devidamente realizadas, resultaram na apresentação das justificativas e
documentos de fls. 267-272 (Sr. Abel Guilherme da Cunha), 276-291 (Sr.
Cleverson Siewert), 299-305v[1]
(Sra. Neuseuli Junckes Costa) e 310-348 (Associação de Moradores Vila Paraíso e
Jardim São Luiz). A Sra. Natalia de Souza Cunha, embora regularmente citada
(fl. 275), deixou transcorrer in albis
o prazo para manifestação.
A Coordenadoria de Controle
de Recursos Antecipados apresentou o relatório de reinstrução de fls. 350-364,
sugerindo o afastamento da responsabilidade do Sr. Abel Guilherme da Cunha e,
ao final, julgar irregulares, com imputação de débito e sem prejuízo da
aplicação de multas, as contas de recursos repassados à Associação de Moradores
Vila Paraíso e Jardim São Luiz, por meio das notas de empenho n. 709/2009,
1366/2009 e 3789/2009, condenando todos os demais responsáveis indicados no
relatório de instrução de fls. 237-258 ao recolhimento do valor de R$
104.263,20 em razão das mesmas irregularidades anteriormente apontadas naquele
relatório preliminar, além da declaração para que a Associação de Moradores
Vila Paraíso e Jardim São Luiz e a Sra. Natalia de Souza Cunha sejam impedidos
de receber novos recursos do erário.
É o relatório.
A fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos recursos repassados em
questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os
dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71,
inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e
59, inciso II da Constituição Estadual; art. 1º, inciso III da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).
Como destacado no início
deste parecer, trata-se o presente processo de Tomada de Contas Especial
referente ao repasse de R$ 104.263,20 destinados à Associação de Moradores Vila
Paraíso e Jardim São Luis, com a finalidade de aquisição de cestas básicas para
comunidades carentes, sendo o valor proveniente do Fundo de Desenvolvimento
Social (FUNDOSOCIAL).
Este processo, no entanto, se
insere na conjuntura de diversos outros instaurados para a apuração de
irregularidades na concessão e prestação de contas de recursos repassados também
pelo FUNDOSOCIAL, a partir de Auditoria Especial realizada na então Diretoria
de Gestão de Fundos Estaduais (DIFE), componente da Secretaria de Estado da
Fazenda.
Nos termos do Relatório de
Auditoria n. 0008/11 (fls. 52-73) e seus 7 anexos (fls. 74-95), havia um
esquema fraudulento na DIFE que consistia no repasse de recursos do FUNDOSOCIAL
à margem do processamento regular das subvenções sociais, tendo sido
identificadas, somente no exercício de 2009, a emissão de 196 notas de empenho
irregulares, no alarmante valor total de quase R$ 6.400.000,00, sendo inúmeros
os indícios de fraude na concessão e na prestação de contas de cada um desses
processos.
Em linhas gerais, foi
identificado que a Sra. Neuseli Junckes Costa, Analista da Receita Estadual
lotada na Gerência de Execução Orçamentária e Financeira (GEORF), liderava,
dentro da Secretaria de Estado da Fazenda, todo esse esquema fraudulento, tendo
atuado, na maioria das vezes, em todas as etapas de análise, concessão e baixa
de prestação de contas desses processos irregulares. Dessa forma, ela foi
arrolada como responsável no presente processo.
Além dela, a Coordenadoria de
Controle de Recursos Antecipados dessa Corte de Contas também considerou
inicialmente responsáveis a Associação de Moradores Vila Paraíso e Jardim São
Luiz (pessoa jurídica beneficiária dos recursos), a Sra. Natalia de Souza Cunha
(presidente da referida entidade), o Sr. Abel Guilherme da Cunha (Diretor de
Investimentos e Participações Públicas e ordenador primário do FUNDOSOCIAL) e o
Sr. Cleverson Siewert (Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais e
ordenador secundário do FUNDOSOCIAL).
No entanto, para determinar
os verdadeiros responsáveis por essas irregularidades, é necessário verificar
as competências de supervisão, fiscalização e controle no tocante à gestão dos
recursos do FUNDOSOCIAL, notadamente dos ocupantes de cargos hierarquicamente
superiores a Sra. Neuseli Junckes Costa que, conforme apurado, encabeçava toda
a concessão irregular dos recursos do referido fundo.
Nesse sentido, destaca-se que
no ano de 2009 – ocasião do repasse de recursos do FUNDOSOCIAL em comento – a
administração, supervisão e análise dos pedidos de subvenção com recursos do
referido fundo, bem como das respectivas prestações de contas, era de competência
da Diretoria de Gestão de Fundos Estaduais (DIFE), sendo esta ramificada na
Gerência de Execução Orçamentária e Financeira (GEORF) – responsável pela
análise, empenho e pagamento – e na Gerência de Controle dos Fundos Estaduais
(GEFES) – responsável pelas prestações de contas.
A DIFE estava subordinada à
Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais (SGF), que, por sua vez,
era vinculada à Secretaria de Estado da Fazenda (SEF).
Dessa forma, a hierarquia
existente dentro da Secretaria de Estado da Fazenda implica na existência de
relações de subordinação do órgão e da servidora faltosa e, consequentemente, o
dever de fiscalização inerente aos ocupantes de cargos de chefia em face de
seus subordinados.
Esse dever de fiscalização e
controle é pautado no chamado poder hierárquico, sintetizado por Diogenes
Gasparini[2] nos
seguintes termos:
A
estruturação da Administração Pública, compreendida como a instituição dos
órgãos encarregados da execução de certas e determinadas atribuições, faz-se
com a observância do princípio da hierarquia, que é a relação de subordinação
existente entre os órgãos públicos com competência administrativa e, por
conseguinte, entre seus titulares, decorrente do exercício da atribuição
hierárquica, chamada por alguns de poder
hierárquico. [...]
Com
o exercício dessa atribuição objetiva-se ordenar,
coordenar, controlar e corrigir
as atividades administrativas. Ordena-se, isto é, organiza-se repartindo e
escalonando as funções dos agentes públicos, de modo que possam desempenhar
eficientemente as respectivas responsabilidades. Coordena-se na medida em que
se dispõe sobre a realização das funções dos respectivos órgãos, evitando-se o
desvio e a superposição de função. Controla-se
quando se acompanha a conduta e o rendimento dos agentes públicos e se observa
a aplicação da legislação. Corrigem-se, pela ação revisora dos superiores, os
atos dos agentes públicos de menor hierarquia que atentem contra o mérito ou
legalidade.
Do exercício
dessa atribuição decorrem as competências de dar ordens, de fiscalizar, de rever, de delegar
e de avocar. (grifei)
Por seu turno, o exercício da
hierarquia não é mera faculdade do administrador, mas verdadeiro poder-dever
inerente ao cargo de chefia que ocupa. É um ônus que, na qualidade de agente
público, lhe incumbe cumprir.
Desta feita, a supervisão, a
fiscalização, o controle e a revisão devem ser obrigatória e efetivamente
implementados pelo superior hierárquico em relação a todos os seus
subordinados, sendo que sua omissão no exercício dessas prerrogativas
configura-se como ato ilegal passível de responsabilização. Nesse sentido,
extrai-se da lição de José dos Santos Carvalho Filho[3] que:
Quando
um poder jurídico é conferido a alguém, pode ele ser exercitado ou não, já que
se trata de mera faculdade de agir. [...]
O
mesmo não se passa no âmbito do direito público. Os poderes administrativos são
outorgados aos agentes do Poder Público para lhes permitir atuação voltada aos
interesses da coletividade. Sendo assim, deles emanam duas ordens de consequência:
1ª) são eles irrenunciáveis; e 2ª) devem ser obrigatoriamente exercidos pelos
titulares.
Desse modo,
as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o
administrador público, impõem-lhe o seu exercício e lhe vedam a inércia, porque o
reflexo desta atinge, em última instância, a coletividade, esta a real
destinatária de tais poderes.
Esse
aspecto dúplice do poder administrativo é que se denomina de poder-dever de agir. [...]
Corolário
importante do poder-dever de agir é a situação de ilegitimidade de que se
reveste a inércia do administrador: na medida em que lhe incumbe conduta
comissiva, a omissão (conduta omissiva) haverá de configurar-se como ilegal. [...].
Quanto ao
agente omisso, poderá ele ser responsabilizado civil, penal ou
administrativamente, conforme o tipo de inércia a ele atribuído. Pode,
inclusive, ser punido por desídia no respectivo estatuto funcional, ou, ainda,
ser responsabilizado por conduta qualificada como improbidade administrativa. (grifei)
Essa ideia de dever de
controle do superior hierárquico em relação a seus subordinados também se
compatibiliza com o dever de autotutela[4], importante princípio
balizador da atuação da Administração Pública, a saber:
O
dever-poder genérico de controle interno alcança toda e qualquer autoridade
administrativa, relativamente a todo e qualquer ato administrativo praticado
por ela própria ou por seus subordinados. Isso significa que qualquer
agente administrativo, verificando a irregularidade de algum ato, deve adotar
as providências necessárias a impedir que produza seus efeitos. [...]
Assim se
passa nos casos em que exista um vínculo hierárquico de subordinação. A
autoridade administrativa superior é investida na competência para revisão dos
atos administrativos dos órgãos hierarquicamente inferiores, o que costuma ser
denominado poder de autotutela, o qual se
pode exteriorizar inclusive para fins de desfazimento de atos. (grifei)
Toda essa sistemática da
hierarquia e respectivas obrigações (poderes-deveres) genericamente mencionadas
pela doutrina administrativista encontram respaldo, in casu, também na estrutura da Secretaria da Fazenda, estabelecida
diante dos pilares de supervisão, fiscalização e controle das chefias em face
dos chefiados. Nesse sentido, o Decreto Estadual n. 2.762/09, que versa sobre o
Regimento Interno daquela Pasta, dispõe que:
CAPÍTULO
IV
DA
SECRETARIA EXECUTIVA DE GESTÃO DOS FUNDOS ESTADUAIS - SGF
Art. 44. À Secretaria Executiva de Gestão dos
Fundos Estaduais - SGF, vinculada à Secretaria de Estado da Fazenda -
SEF, na forma do art. 59 da Lei Complementar nº 381, de 7 de maio de 2007, compete
supervisionar, fiscalizar e controlar a gestão financeira dos fundos estaduais
e exercer outras atribuições que lhe forem determinadas pelo Secretário de
Estado da Fazenda, excetuando-se a gestão do plano de saúde e dos fundos cujos
recursos sejam originários e vinculados à União e aos municípios.
Seção
Única
Da
Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE
Art.
45. À Diretoria de Gestão dos Fundos
Estaduais - DIFE, subordinada diretamente ao Secretário Executivo de
Gestão dos Fundos Estaduais, compete:
I
- administrar o FUNDOSOCIAL, e
supervisionar os Fundos Estaduais em articulação com a Diretoria do
Tesouro Estadual e Secretarias de Estado às quais se vinculam fundos
específicos;
II
- analisar a prestação de contas das
entidades contempladas com recursos do FUNDOSOCIAL, bem como a tomada de
providências para regularização das mesmas no caso de pendências; e
III
- exercer outras atividades delegadas pelo Secretário de Estado da Fazenda,
pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Diretor Geral
no que concerne às questões no âmbito de sua competência. [...].
Subseção
II
Da
Gerência de Execução Orçamentária e Financeira - GEORF
Art.
47. À Gerência de Execução
Orçamentária e Financeira - GEORF, subordinada diretamente à Diretoria
de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE, compete:
I
- gerenciar a execução orçamentária e
financeira do FUNDOSOCIAL e do Fundo Pró-Emprego;
II
- emitir notas de empenhos, de subempenhos, de estorno e ordens bancárias;
III
- promover a emissão, o registro e o
controle de todos os documentos de natureza financeira concernentes ao
FUNDOSOCIAL;
IV
- efetuar o processamento da
liquidação de despesas à conta do orçamento do FUNDOSOCIAL;
V
- efetuar os procedimentos orçamentários e financeiros necessários que forem
determinados pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais ou pelo
Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais; [...]. (grifei)
A
responsabilidade do Secretário de Estado da Fazenda, por sua vez, tem
fundamento na
Lei Complementar Estadual n. 381/2007, que, ao dispor sobre o modelo de gestão
e a estrutura organizacional da Administração Pública Estadual, destacou em seu
art. 7º as atribuições dos cargos de Secretário de Estado, ao passo que seus
arts. 24 e 25 definem a responsabilidade do gestor pela supervisão na área de
sua respectiva competência, o que é bastante elementar, aliás:
Art.
24. Os Secretários de Estado são responsáveis perante o Governador do Estado,
pela supervisão dos serviços dos órgãos da Administração Direta e das entidades
da Administração Indireta enquadrados em sua área de competência.
Parágrafo
único. A supervisão a cargo dos
Secretários de Estado é exercida por meio de orientação, coordenação, controle
e avaliação das atividades dos órgãos subordinados ou vinculados e das
entidades vinculadas ou supervisionadas.
Art.
25. A supervisão a cargo dos Secretários de Estado, com o apoio dos órgãos que
compõem as estruturas de suas Secretarias, tem por objetivos, na área de sua
respectiva competência:
I
- assegurar a observância das normas
constitucionais e infraconstitucionais;
II
- promover a execução dos programas, projetos e ações de Governo de forma
descentralizada, desconcentrada e intersetorializada;
III
- coordenar as atividades das entidades vinculadas ou supervisionadas e
harmonizar a sua atuação com a dos demais órgãos e entidades;
IV
- avaliar o desempenho das entidades vinculadas ou supervisionadas;
V
- fiscalizar a aplicação e a
utilização de recursos orçamentários e financeiros, valores e bens públicos;
VI
- acompanhar os custos globais dos programas, projetos e ações setoriais de
Governo;
VII
- encaminhar aos setores próprios da Secretaria de Estado da Fazenda os
elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro; e
VIII
- enviar ao Tribunal de Contas do Estado, sem prejuízo da fiscalização deste,
informes relativos à administração financeira, patrimonial e de recursos
humanos das entidades vinculadas ou supervisionadas.
Ainda, a mesma Lei
Complementar Estadual n. 381/2007 estabelecia, à época das irregularidades
verificadas, a expressa obrigação do Secretário de Estado da Fazenda de
supervisionar as atividades financeiras do Estado e, mais especificamente, de
exercer o controle da gestão financeira dos fundos estaduais, a saber:
Art.
58. À Secretaria de Estado da Fazenda, como órgão central dos Sistemas de
Administração Financeira e de Controle Interno, compete:
I
- coordenar os assuntos afins e as ações interdependentes que tenham
repercussão financeira; [...]
IV
- desenvolver as atividades relacionadas com: [...]
e)
supervisão, coordenação e acompanhamento do desempenho das entidades
financeiras do Estado; [...]
X
- exercer o controle da gestão
financeira dos fundos estaduais; (grifei)
Como se vê, tanto genérica e
doutrinariamente, quanto especificamente para a estrutura administrativa da
Secretaria de Estado da Fazenda, está perfeitamente delineada a cadeia
hierárquica e, consequentemente, as responsabilidades de supervisão, fiscalização
e controle das atividades desenvolvidas pelos órgãos envolvidos, respondendo
todos, portanto, pelas graves violações detectadas no presente processo.
Salienta-se, ademais, que a
execução de tarefas ordinárias da entidade configura delegação interna de
competência e reflete, apenas, a desconcentração da atividade administrativa no
âmbito da Secretaria de Estado e seus órgãos, pois não seria viável,
logicamente, que o detentor de cargos de chefia executasse diretamente todas as
atividades cotidianas. Nesse sentido, ainda que haja delegação interna para a
execução de determinados serviços, os ocupantes da cadeia hierárquica não se
eximem da condição de responsáveis pelos atos praticados por seus subordinados,
em face das atribuições de supervisão e controle que lhe são afetas.
A responsabilidade dos
gestores, assim, decorre de seu comportamento omissivo quanto ao dever de
fiscalizar, o que se tornou, no caso da fraude na concessão de recursos do
FUNDOSOCIAL ora em comento, uma das causas determinantes das irregularidades
assinaladas.
Acerca da problemática da
omissão dos gestores no cumprimento de suas obrigações funcionais[5], podemos pontuar, ainda,
que:
A
natureza funcional da competência pública acarreta a vedação à omissão. Tendo
sido consagrado como obrigatório o atingimento de certo fim, inclusive ao ponto
de ser dedicada uma competência estatal para tanto, é imperiosa a sua efetiva
concretização. Como decorrência, a omissão em sua promoção configura infração à
ordem jurídica.
Infringe-se
a ordem jurídica não apenas quando se utiliza a competência para a realização
de uma finalidade distinta daquela para a qual foi outorgada a competência. Também há antijuridicidade quando não se promove, por omissão, a
finalidade protegida. Para o direito público, a omissão é equivalente à ação
direcionada a realizar fim distinto daquele por ele prestigiado.
(grifei)
A omissão é tão seriamente
considerada em sede de direito administrativo, que inclusive o art. 6º da Lei
da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) prevê a propositura desta ação em face das
pessoas que, “por omissas, tiverem
dado oportunidade à lesão” do patrimônio público.
Registre-se que, obviamente,
não se está exigindo a onipresença e onisciência dos administradores, mas, ao
menos, o mínimo de controle e cautela exigíveis no trato da coisa pública.
Sequer esse mínimo, no entanto, foi verificado no presente caso, pois as
irregularidades verificadas nas concessões de recursos do FUNDOSOCIAL não são
falhas meramente formais ou fraudes de pequenos valores que poderiam
eventualmente escapar ao controle dos gestores públicos.
Estamos
tratando, na verdade, da concessão ilegal de mais de 6 milhões de reais, que
representam 10% de todos os recursos concedidos pelo FUNDOSOCIAL no exercício
de 2009.
Os atos irregulares e lesivos ao erário não eram, portanto, mera exceção, mas
verdadeira prática rotineira nas dependências da Diretoria de Gestão de Fundos
Estaduais (DIFE).
Não parece
crível, portanto, que os gestores, embora tivessem a expressa obrigação de
fiscalizar os recursos do FUNDOSOCIAL, não tenham notado que tamanha quantia
tenha simplesmente “desaparecido” das contas do fundo, o que nos leva a questionar
se, no mínimo, a fiscalização obrigatória que deveria ser realizada era
irrisória ou inexistente, ou, na pior das hipóteses, se houve eventual pacto
com o esquema fraudulento ora analisado.
Em outras palavras, entendo
que não somente os beneficiários dos recursos, a servidora imediatamente
faltosa e os ordenadores de despesas do FUNDOSOCIAL devem ser tidos como responsáveis,
mas também aqueles que, em decorrência da cadeia hierárquica, tinham o dever de
supervisionar, fiscalizar, controlar e rever as atividades daqueles, ou seja, a
Gerente da GEORF, Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart, o Diretor da DIFE, Sr.
Giovani Machado Seemann, o Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais,
Sr. Cléverson Siewert, e o Secretário de Estado da Fazenda, Sr. Antonio Marcos
Gavazzoni.
Todos esses gestores,
portanto, estão sujeitos à fiscalização exercida por esse Tribunal de Contas, a
teor do art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, que
assim dispõe:
Art.
1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle
externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta
Lei: [...].
III
- julgar as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da
administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público do Estado e do Município, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário; (grifei)
Na condição que se
encontravam, portanto, os mencionados gestores enquadravam-se exatamente no
conceito de responsável “por dinheiros, bens e valores da administração direta
e indireta”, consoante inclusive a seguinte norma da Resolução n. TC-06/2001
(Regimento Interno dessa Corte de Contas):
Art.
133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de
atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada
aos responsáveis ou interessados ampla defesa.
§
1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:
a)
responsável aquele que figure no
processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou
administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou
o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza
pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário; (grifei)
Com tudo isso, percebe-se que
se faz necessária a citação dos ocupantes, à época, dos cargos de Gerente da
GEORF, Diretor da DIFE, Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais[6] e Secretário de Estado da Fazenda, para,
querendo, apresentarem alegações de defesa acerca das irregularidades
verificadas no presente processo, passíveis de imputação solidária de débito e
de aplicação de multa.
Apenas por amor ao debate,
vale trazer à baila o entendimento – que, registra-se, desde já, não se
compactua – proferido por essa Corte de Contas em determinadas situações, no
sentido de isentar os gestores de responsabilidade em razão da aplicação de
interpretação isolada e equivocada de determinados institutos de direito civil
aos processos em trâmite nesse Tribunal de Contas.
Com efeito, tomando-se como
exemplo o processo TCE n. 11/00290548, verificou-se o afastamento da
responsabilidade, naquele caso, do Secretário de Estado de Cultura, Turismo e
Esporte, por irregularidades na concessão de recursos do FUNDESPORTE, tendo em
vista o disposto no art. 265 do Código Civil, no sentido de que a solidariedade
não se presume, e que para que a responsabilidade solidária possa ser fixada,
seria necessário comprovar a contribuição positiva ou negativa do gestor para a
prática do ato, não sendo a ocorrência na prática, mesmo que reiterada, de atos
praticados com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, suficiente para
isso.
A par da cautela que se deve
ter ao pretender aplicar, indiscriminadamente, normas de direito privado a
circunstâncias regidas pelo direito público, como no presente processo, note-se
que, valendo-se do mesmo diploma legal aventado no mencionado processo TCE n.
11/00290548, ou seja, das normas civilistas, ainda assim a responsabilidade
solidária dos gestores encontra guarida. Nesse sentido, extrai-se do art. 932,
inciso III, do art. 933, e do art. 942, parágrafo único, todos do Código Civil,
que:
Art.
932. São também responsáveis pela
reparação civil: [...].
III
- o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir,
ou em razão dele; [...].
Art.
933. As pessoas indicadas nos incisos
I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão
pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. [...].
Art.
942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor,
todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo
único. São solidariamente
responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.
(grifei)
Referidos dispositivos
delineiam as chamadas culpa in eligendo
e culpa in vigilando, significando
esta a ausência de fiscalização das atividades de seus subordinados, ou dos
bens e valores sujeitos a esses agentes, ao passo que aquela representa a
responsabilidade atribuída a quem deu causa à má escolha de seu representante
ou preposto. Ainda, conforme estabelecido no supratranscrito art. 933 do Código
Civil, essa responsabilidade solidária é objetiva, presumindo-se as mencionadas
culpas in eligendo e in vigilando.
Essa questão da aplicação das
culpas in eligendo e in vigilando ao superior hierárquico
omisso em suas obrigações de fiscalização e controle, com a consequente
imputação de solidariedade pelos danos causados ao erário, já é questão
pacificada no Tribunal de Contas da União, conforme se extrai do histórico das
decisões daquela Corte de Contas.
Nesse sentido, no Acórdão TCU
n. 2963/2005, relativo ao julgamento de fraudes cometidas por subordinado de um
gestor de instituição bancária, foi pontuado que, além de aplicáveis as culpas in eligendo e in vigilando para essas situações, não parecia razoável, assim como
no presente caso, excluir a responsabilidade dos gestores diante de tamanhas
irregularidades e reiteradas condutas lesivas praticadas por seu subordinado, a
saber:
A culpa in vigilando restou
configurada, eis que na condição de superior hierárquico, não cumprindo as normas de segurança da CEF,
propiciou ao seu subordinado, Cláudio Renato, o cometimento de fraudes, durante
um longo período, não se tratando de um caso isolado.
A culpa in eligendo configura-se pelo
'excesso de confiança no empregado em função de seu tempo de serviço na
agência'.
A
respeito desta mesma questão, convém trazer à baila parecer da lavra do então
Secretário da SERUR, Marcos Bemquerer Costa, exarado no TC 004.246/1999-3, cujo excerto transcreve-se abaixo.
'Não
se aplicam na espécie os requisitos de co-autoria ou participação próprios do
direito penal. Não há necessidade de
que haja liame subjetivo entre os agentes, ou seja, a solidariedade surge mesmo
que não haja nenhuma aderência de vontades. A diversa natureza dos
ilícitos praticados pelos diferentes responsáveis também não afasta a
solidariedade: não há óbices para a
formação da solidariedade que um agente aja com culpa e
o outro com dolo, que a conduta de um seja penalmente reprovável e a de outro
não, que um pratique atos omissivos e o outro, atos comissivos.
Segundo
o Superior Tribunal de Justiça, o grau de culpa diferenciado de cada devedor também não impede que
cada um responda pela totalidade da dívida (RESP 68210/MS).
No
dizer de José de Aguiar Dias, para que se reconheça a solidariedade passiva
extracontratual é necessário que: a) cada um tenha obrado com culpa; b) que seja prejudicial o fato culposo, isto é que tenha
concorrido para o dano; c) que o dano produzido seja único'.
No
caso em tela, depreende-se que estão preenchidos todos os requisitos
mencionados no parecer acima transcrito. Há a conduta irregular de cada agente,
muito embora um tenha agido com dolo e o outro com culpa.
Os efeitos danosos de cada conduta também são evidentes, pois, excluindo-se a
ação irregular do agente, o prejuízo aos cofres da Caixa não teria ocorrido, ou
teria ocorrido de forma diversa.
No
que tange aos atributos invocados para aplicação dos benefícios da
caracterização da boa-fé, entendemos que os mesmos não são suficientes, eis que
não é razoável entender que todas as
condutas lesivas passassem desapercebidas pelo Gerente, superior hierárquico.
Como
já dissemos, não se trata de caso
isolado, foram vários atos, o que torna incabível a exclusão da culpa in vigilando e
o afastamento da responsabilidade solidária. (grifei)
Essa mesma linha foi seguida
em diversos julgados, destacando-se, por sua clareza e didática, a decisão
proferida no Acórdão TCU n. 1247/2006, cuja ementa inclusive limitou-se à
questão do dever de fiscalização do superior hierárquico sobre seus
subordinados, mesmo havendo delegação de competências. Nesse caso, ainda, foi
expressamente mencionada a aplicação da solidariedade estabelecida no art. 932,
inciso III, do Código Civil. Veja-se:
Sumário:
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA
EXECUÇÃO DE CONVÊNIO. NEGADO PROVIMENTO.
1.
A delegação de competência não
transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados.
2.
O Prefeito é responsável pela escolha
de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa
in eligendo e in vigilando. [...].
9.
Análise: sobre a alegação de que delegou às Secretarias supra a execução e a
fiscalização de projetos, vê-se que não pode servir de escusa para eximir o
recorrente de sua responsabilidade, tendo em vista os institutos da culpa in
eligendo, da culpa in vigilando e do poder-dever de fiscalização. A delegação de competência não implica a
delegação de responsabilidade, cabendo ao recorrente a fiscalização dos atos de
seus subordinados, pois o gestor não pode se isentar da responsabilidade pela
negligência de seus subordinados, devendo escolher bem seus auxiliares, do
contrário, responderá por culpa in eligendo, consoante dispõe o art. 932,
inciso III, do Código Civil.
10.
Correlacionado a esse assunto, Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo
Brasileiro, 25ª ed., 2000, p. 619) ensina que a fiscalização hierárquica:
‘É
um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação
funcional. Para o pleno desempenho da
fiscalização hierárquica o superior deve velar pelo cumprimento da lei e das
normas internas, acompanhar a execução das atribuições de todo subalterno,
verificar os atos e o recebimento do trabalho dos agentes e avaliar os
resultados, para adotar ou propor as medidas convenientes ao
aprimoramento do serviço, no âmbito de cada órgão e nos limites de competência
de cada chefia’.
11.
Além da culpa in eligendo, não se pode desprezar a culpa in vigilando. Este
conceito está ligado diretamente a quão diligente o responsável foi na
fiscalização, conforme lição de Silvio de Salvo Venosa (in Direito Civil -
Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil): ‘Culpa in vigilando é a que se
traduz na ausência de fiscalização do patrão ou comitente com relação a
empregados e terceiros sob seu comando’. Conclui-se,
que na qualidade de Prefeito, à época, era de sua responsabilidade estar atento
à legislação em vigor, agindo com diligência e com dever de cuidado que se
exige de um homem médio, pois se assim não for, na maioria das vezes, incorrerá
em culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. (grifei)
Por fim, trago excerto de
recente decisão (Acórdão n. 2239/2014) também proferida pelo Tribunal de Contas
da União, de lavra do Ministro Aroldo Cedraz, que demonstra, mais uma vez, o
alinhamento daquela Corte com o sentido que aqui se defende:
19.
O fato da designação dos membros da CPL decorrer de ato praticado no estrito
cumprimento de seu dever legal (nos termos do inciso XI do art. 27 da
Portaria/MTE 762/2000), ao contrário do pretendido pelo recorrente, só reforça
o entendimento de que atrai para si a responsabilidade administrativa por não
ter bem selecionado agentes probos, a quem delegou tais tarefas operacionais,
bem como por não ter supervisionado seus atos e exigido deles o escorreito
cumprimento da lei.
20.
Aplicável ao presente caso, as mesmas considerações lançadas no relatório do
Acórdão 1.134/2007-TCU-Plenário, acolhidas no voto condutor daquele julgado, e
que afastou a presente alegação:
‘(...)
a tentativa de fugir à responsabilidade sob a alegação de não ter tido
participação direta na compra dos caminhões, pois tal incumbência cabia à
comissão de licitação do Município de Ibiporã, também não prospera. O Código
Civil então vigente, estabelece em seu art. 1.521, inciso III, verbis: ‘... São
também responsáveis pela reparação civil: ... III – o patrão, amo ou comitente,
por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou por ocasião dele....’. Esse
dispositivo legal encontra respaldo na presunção juris tantum de culpa in
eligendo, oriunda da má escolha do representante ou preposto, ou in vigilando,
a qual se traduz na ausência de fiscalização por parte do patrão ou comitente
em relação a empregados ou terceiros sob seu comando, no caso do Prefeito em
relação aos seus subordinados. Nesse caso, como salienta Orlando Gomes, não se
trata de responsabilidade advinda de culpa alheia mas sim decorrente da
infração ao dever de vigilância (Obrigações. 15ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. Atualizado por Humberto Theodoro Júnior). De acrescentar, ainda, consoante a lição de Orlando Gomes, o lesado
não precisa provar a existência da culpa in vigilando, pois a lei a presume.’
(grifei)
Como se vê, a omissão dos
superiores hierárquicos em promover a correta – e mínima – efetividade de seus
deveres de fiscalização e controle atrai para si a responsabilidade pelos atos
irregulares cometidos por seus subordinados e, havendo dano, configurada está a
responsabilidade solidária por sua reparação.
Adicione-se a isso, ainda, o
fato de que, nas relações regidas pelo direito administrativo, o princípio da
legalidade ganha contornos mais rígidos do que aqueles aplicáveis às relações
privadas. Dessa forma, cabe ao administrador público cumprir fielmente aquilo
que está expressamente previsto em lei, configurando-se as leis
administrativas, portanto, como verdadeiros “poderes-deveres” dos agentes
públicos. A propósito, Edmir Netto de Araújo[7] esclarece
que:
Estando
o Estado adstrito ao interesse público, daí segue que o princípio imediatamente
ligado à sua supremacia seja o da obediência, por seus agentes, da expressão da
vontade geral que, em sentido amplo, é a lei – trata-se do princípio da legalidade. [...].
Já
o seu correspondente para o Poder Público, mencionado no art. 37, significa que
o agente público, as autoridades, a Administração, enfim, só poderão fazer o
que a lei determina ou permite expressamente, devendo agir de acordo com a lei
e o interesse público, não podendo prevalecer frente a este decisões e
interesses individuais. Este desdobramento do princípio da legalidade é
conhecido, em Direito Administrativo, como princípio
da legalidade estrita, ou princípio
da restritividade: as leis são de ordem pública, contendo “poderes-deveres” irrelegáveis pelos
agentes públicos, que não as podem, portanto, descumprir. (grifado no original)
Com tudo isso, entendo que o
presente processo não está pronto para ser julgado, devendo a manifestação de
mérito deste Órgão Ministerial ser precedida da realização da citação dos
gestores também responsáveis pelo dano ao erário verificado.
Ante o exposto, o Ministério
Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II
da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pela realização de
citação da Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente de Execução
Orçamentária e Financeira – GEORF), do Sr. Giovani Machado Seemann
(Diretor de Gestão de Fundos Estaduais – DIFE), do Sr. Cléverson Siewert
(Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e do Sr. Antonio
Marcos Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda), para, querendo,
apresentarem alegações de defesa acerca da irregularidade descrita no item
3.2.3.1 da conclusão do Relatório de Instrução TCE/DCE/DIV.3 n. 945/2015 (fl.
363v), sob pena de imputação solidária de débito e aplicação da multa prevista
no art. 68 da mencionada Lei Complementar Estadual n. 202/2000. Após,
retornem-se os autos a esta Procuradora para a derradeira manifestação de
mérito do processo.
Florianópolis, 03 de
fevereiro de 2016.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] Note-se que, embora
intempestivas, as alegações de defesa apresentadas pela Sra. Neuseli Junckes
Costa foram recebidas por essa Corte de Contas, a teor do despacho proferido
pelo Conselheiro Relator à fl. 293.
[2] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 105.
[3] CARVALHO FILHO, José dos
Santos. Manual de Direito Administrativo.
28 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 46-48.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5 ed.
São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1143-1143v.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11 ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 130-131.
[6] Perceba-se que o Sr.
Cléverson Siewert cumulava o cargo de Secretário Executivo de Gestão dos Fundos
Estaduais com a função de ordenador de despesas secundário do FUNDOSOCIAL, já
tendo sido arrolado como responsável no presente processo em razão desta última
circunstância. No entanto, ele também deve ser chamado ao presente processo em
decorrência expressa de sua conduta omissa enquanto Secretário Executivo de Gestão
dos Fundos Estaduais para que lhe seja conferido o direito ao contraditório e à
ampla defesa também em relação a esse fundamento de imputação de
responsabilidade.
[7] ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 7 ed.
São Paulo: Saraiva, 2015. p. 75-76.