Parecer
nº: |
MPC/39.823/2016 |
Processo nº: |
TCE
13/00427733 |
Origem: |
Fundo de
Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL |
Assunto: |
Tomada de Contas
Especial referente à Nota de Empenho nº 6164, de 10/12/2009, no valor de R$
80.000,00, repassados ao Movimento Um Novo Amanhecer, para pagamento de mão
de obra e aquisição de materiais para fabricação de cenário. |
Trata-se de Tomada de Contas
Especial instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de
Recursos Desvinculados, com o objetivo de apurar os fatos, identificar os
responsáveis e quantificar o dano ao erário, ante as irregularidades
evidenciadas na prestação de contas de recursos públicos repassados ao
Movimento Um Novo Amanhecer, no valor de R$ 80.000,00.
O caderno processual
iniciou-se com os documentos encaminhados pela Secretaria Executiva de
Supervisão de Recursos Desvinculados (fls. 06-119).
Em sequência, a Diretoria de
Controle da Administração Estadual, sob o relatório de nº 408/2015, sugeriu a
realização da citação dos responsáveis, ante as irregularidades evidenciadas
nos autos (fls. 120-140).
Determinada a realização do
ato processual, o Sr. Abel Guilherme da Cunha apresentou razões de defesa às
fls. 153-156, o Sr. Cleverson Siewert às fls. 162-171, o Sr. Aguinaldo da Silva
Mendonça e Movimento Um Novo Amanhecer, em peça conjuntura, às fls. 179-183 e a
Sra. Neuseli Junkes Costa às fls. 202-206.
Por fim, sobreveio novo
exame da área técnica, sob o relatório nº 806/2015, com a seguinte conclusão
(fls. 208-221):
3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18,
inciso III, alínea “a” c/c o art. 21 da Lei Complementar Estadual
n.º 202/00, as contas de recursos repassados ao Sr. AGUINALDO DA SILVA MENDONÇA, então presidente da Movimento Um Novo Amanhecer, e a pessoa
jurídica MOVIMENTO UM NOVO AMANHECER, referente à nota de empenho 2009NE006164, de 10/12/09, no valor de R$ 80.000,00, de acordo com os relatórios emitidos nos
autos.
3.2 Condenar os responsáveis solidariamente – Sr. AGUINALDO DA SILVA MENDONÇA, então presidente do Movimento Um Novo Amanhecer, inscrito no CPF
sob o nº 015.488.749-81, residente na Rua Abdon Coelho, s/n, Portinho –
Laguna/SC, CEP 88.790-000; da pessoa jurídica MOVIMENTO UM NOVO AMANHECER,
inscrita no CNPJ sob o nº 11.284.385/0001-82, com endereço na Rua Abdon Coelho,
s/n, Portinho – Laguna/SC, CEP 88.790-000; da Srª. NEUSELI JUNCKES COSTA, inscrita no CPF sob o nº
569.986.869-00, residente na Rua João Batista Meirise, 63, CEP 88108-115; e do Sr. CLEVERSON SIEWERT, inscrito no CPF
sob o nº 017.452.629-62, com endereço profissional na CELESC - Avenida
Itamarati, nº 160, Bairro Itacorubi, Florianópolis/SC, CEP 88.034-900, ao
recolhimento da quantia de R$ 80.000,00
(oitenta mil reais), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da
publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e, para
comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores do débito ao
Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais
(arts. 21 e 44 da Lei Complementar n.º 202/00), calculados a partir de
10/12/2009 (notas de empenho
2009NE006164, no valor de R$
80.000,00), sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de
peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que
adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II,
da Lei Complementar nº 202/00), conforme segue:
3.2.1 Sr. AGUINALDO DA SILVA MENDONÇA, e a
pessoa jurídica MOVIMENTO UM NOVO AMANHECER já qualificados nos autos, sem
prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, em
face da:
3.2.1.1 omissão do dever de prestar as contas dos
recursos públicos recebidos, no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), em
afronta ao art. 58, parágrafo único da Constituição Estadual; ao art. 8º da Lei Estadual nº 5.867/1981; ao art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº
381/2007; e aos arts. 49 e 52, I da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1
deste Relatório).
3.2.2
Sra.
NEUSELI JUNCKES COSTA (item 2.3), e
o Sr. CLEVERSON SIEWERT (item 2.4),
já qualificados, sem prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei
Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que concorreram para a ocorrência
do dano, em face do:
3.2.2.1 Repasse irregular de
recursos no montante de R$ 80.000,00, por meio de esquema paralelo aos
procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos
legais e regulamentares, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da
Lei Estadual nº 5.867/1981; nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º da Lei Estadual nº
13.334/2005, art. 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005 e art. 116, § 1º da Lei
Federal nº 8.666/1993, bem como os princípios da legalidade,
impessoalidade, publicidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e
eficiência, contidos no art. 37, caput
da Constituição Federal e no art. 16, caput
e 5º da Constituição do Estado de Santa Catarina, inclusive da motivação dos
atos administrativos; nos arts. 7º e 8º, III do Decreto Estadual nº 2.977/2005;
e nos arts. 60 e 61, c/c o art. 116, caput
da Lei Federal nº 8.666/1993, e arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº
381/2007 (subitem 2.1.1 deste Relatório).
3.3 Declarar o Sr. AGUINALDO DA
SILVA MENDONÇA e a pessoa jurídica MOVIMENTO UM NOVO AMANHECER impedidos de
receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo,
consoante dispõe o art. 16, § 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c o art. 1º,
§ 2º, inciso I, alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012
e o art. 39 do Decreto Estadual nº 1.310/2012.
3.4 Dar ciência do Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o
fundamenta ao Sr. CLEVERSON SIEWERT,
Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA, ao Sr. ABEL
GUILERME DA CUNHA, ao Sr. AGUINALDO DA SILVA MENDONÇA, ao MOVIMENTO
UM NOVO AMANHECER e a Secretaria
Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados.
É o relatório.
A fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida
entre as atribuições da Corte de Contas, consoante os dispositivos
constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal,
art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar
Estadual nº 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº 16/1994 e art. 8°
c/c art. 6° da Resolução TC nº 06/2001).
1.
Da necessidade de realizar a citação dos demais envolvidos
Ressalte-se, inicialmente, que a conjuntura
fática em análise faz parte de um grandioso
esquema entabulado no Fundo de Desenvolvimento Social por servidores, gestores
e particulares, o que culminou, segundo relatórios constantes no feito, em um
prejuízo ao erário no valor de R$ 6.389.558,72.
Na ocasião, cabe mencionar
que o Fundo de Desenvolvimento Social repassou 196 subvenções sociais a 111
entidades sem que houvesse, contudo, a autorização do Governador do Estado e,
ainda, o preenchimento de outros requisitos considerados imprescindíveis para a
transferência da verba pública.
Feita essa anotação,
acrescente-se que, ao analisar atentamente os autos, observei que o processo não
está apto a ser julgado, pois há pessoas que deveriam ter sido arroladas para
responder pelos fatos e não o foram.
No intento de justificar a minha conclusão,
passo a tecer algumas considerações acerca da estrutura administrativa da
Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais – SGF, a qual está
vinculada diretamente à Secretaria de Estado da Fazenda.
Com efeito, destaque-se que a Secretaria
Executiva de Gestão dos Fundos Especiais[1] tem
a competência de supervisionar, fiscalizar e controlar a gestão financeira dos
fundos estaduais, dentre eles o Fundo de Desenvolvimento Social – FUNDOSOCIAL.
Verifica-se ainda que dentro da Secretaria
Executiva de Gestão dos Fundos Sociais há a Diretoria de Gestão dos Fundos
Sociais (DIFE), a qual se ramifica na Gerência de Controle dos Fundos Estaduais
(GEFES) e na Gerência de Execução Orçamentária e Financeira (GEORF).
Nos termos do Decreto Estadual nº 2762/2009,
a Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE, a
qual está subordinada diretamente ao Secretário Executivo de Gestão dos Fundos
Estaduais, compete: a) administrar o FUNDOSOCIAL e supervisionar os Fundos
Estaduais em articulação com a Diretoria do Tesouro Estadual e Secretarias de
Estado às quais se vinculam fundos específicos; b) analisar a prestação de
contas das entidades contempladas com recursos do FUNDOSOCIAL, bem como a
tomada de providências para regularização das mesmas no caso de pendências; c)
exercer outras atividades delegadas pelo Secretário de Estado da Fazenda, pelo
Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Diretor Geral no que
concerne às suas atribuições.
A competência da Gerência de
Controle dos Fundos Estaduais e da Gerência de Execução Orçamentária e
Financeira, por sua vez, está definida da seguinte forma:
Decreto Estadual nº 2762/2009:
Art. 46. À Gerência de Controle dos Fundos Estaduais - GEFES,
subordinada diretamente à Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE,
compete:
I - programar, organizar e coordenar a execução das atividades
inerentes ao controle do FUNDOSOCIAL e supervisionar os Fundos Estaduais;
II - articular-se com os órgãos normativos dos Sistemas
Administrativos de Planejamento e Orçamento e de Administração Financeira, com
vistas no cumprimento de instruções e atos normativos operacionais pertinentes;
e
III - desenvolver outras atividades relacionadas com administração
financeira, no que concerne aos fundos estaduais, em consonância com as normas
e diretrizes estabelecidas pelos órgãos normativos dos Sistemas Administrativos
de Planejamento e Orçamento, de Administração Financeira e de Controle Interno,
e as determinadas pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Secretário
Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais.
Art. 47. À Gerência de Execução Orçamentária e Financeira - GEORF,
subordinada diretamente à Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE,
compete:
I - gerenciar a execução orçamentária e financeira do FUNDOSOCIAL
e do Fundo Pró-Emprego;
II - emitir notas de empenhos, de subempenhos, de estorno e ordens
bancárias;
III - promover a emissão, o registro e o controle de todos os
documentos de natureza financeira concernentes ao FUNDOSOCIAL;
IV - efetuar o processamento da liquidação de despesas à conta do
orçamento do FUNDOSOCIAL;
V - efetuar os procedimentos orçamentários e financeiros
necessários que forem determinados pelo Secretário Executivo de Gestão dos
Fundos Estaduais ou pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais;
VI - colaborar na elaboração da proposta orçamentária do Fundo
Pró-Emprego e do FUNDOSOCIAL;
VII - encaminhar ao Tribunal de Contas do Estado - TCE a documentação
relativa às prestações de contas e os solicitados em diligências; e
VIII - desenvolver outras atividades relacionadas com
administração financeira no que concerne aos fundos, em consonância com as
normas e diretrizes estabelecidas pelos órgãos centrais dos Sistemas
Administrativos de Planejamento e Orçamento, de Administração Financeira e de
Controle Interno, e as determinadas pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais
e pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais.
Lançada essa orientação, impõe-se assinalar
que foram chamados aos autos, além daqueles que receberam a subvenção social, o
Sr. Cleverson Siewert (Secretário Executivo de Gestão
dos Fundos Estaduais em 2009 e ordenador secundário), o Sr. Abel Guilherme da
Cunha (Diretor de Investimentos e Participações Públicas e ordenador primário
das movimentações financeiras do FUNDOSOCIAL) e a Sra. Neuseli Junckes Costa
(Analista da Receita Estadual lotada na Gerência de Execução Orçamentária e
Financeira à época).
A par disso, denota-se que a
responsabilidade daqueles que ocupavam os cargos de Secretário de Estado da
Fazenda, de Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e de Gerente de Execução
Orçamentária e Financeira foi ignorada, o que não se pode aceitar.
Nessa esteira, sobreleva enfatizar
que a Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual foi considerada peça principal do
esquema fraudulento, estava subordinada aos cargos supracitados.
A meu ver, é impossível que uma única pessoa tenha desencadeado uma
fraude dessa natureza e a tenha mantido por tanto tempo sem que outras pessoas
tivessem conhecimento e participação.
Vale frisar, oportunamente,
que os repasses realizados de forma irregular chegaram ao vultoso montante de R$ 6.389.558,72 somente no exercício de
2009, o que me faz concluir também que não houve o mínimo de fiscalização e
supervisão por parte dos superiores hierárquicos.
Para reforçar a tese aqui
defendida, julgo importante rememorar o conceito de poder hierárquico, nas
palavras do saudoso Hely Lopes Meirelles[2]:
Poder hierárquico é o
de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus
órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de
subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal. Poder Hierárquico e
poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os
sustentáculos de toda organização administrativa.
Ao tratar sobre os efeitos
do aludido poder, José dos Santos Carvalho Filho[3] discorre:
Do sistema
hierárquico da Administração decorrem alguns efeitos específicos. O primeiro
consiste no poder de comando de
agentes superiores sobre outros hierarquicamente inferiores. Estes, a seu
turno, têm o dever de obediência para
com aqueles, cabendo-lhes executar as tarefas em conformidade com as
determinações superiores.
Outro efeito da
hierarquia é a fiscalização das
atividades desempenhadas por agentes de plano hierárquico inferior para a
verificação de sua conduta não somente em relação às normas legais e
regulamentares, como ainda no que disser respeito às diretrizes fixadas por
agentes superiores.
Decorre também da
hierarquia o poder de revisão dos
atos praticados por agentes de nível hierárquico mais baixo. Se o ato contiver
vício de legalidade, ou não se coadunar com a orientação administrativa, pode o
agente superior revê-lo para ajustamento a essa orientação ou para restaurar a
legalidade. (Grifos no original)
À luz desse ensinamento,
pode-se inferir que não houve qualquer fiscalização e supervisão no âmbito da
Secretaria de Estado da Fazenda, da Secretaria Executiva de
Gestão dos Fundos Sociais, da Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais e da Gerência de Execução
Orçamentária e Financeira, pois todos esses órgãos administrativos tinham
ingerência sobre o trabalho executado pela Sra. Neuseli Junckes Costa.
Para corroborar, sublinhe-se que
a Secretaria de Estado da Fazenda é responsável por promover a fiscalização e o
controle da gestão financeira dos fundos, conforme se extrai da Lei
Complementar Estadual nº 381/2007:
Art. 58. À Secretaria de Estado da Fazenda, como
órgão central dos sistemas de Administração Financeira e de Controle Interno,
compete:
I - coordenar os assuntos afins e as ações interdependentes
que tenham repercussão financeira;
IV - desenvolver as
atividades relacionadas com:
[...]
e) supervisão,
coordenação e acompanhamento do desempenho das entidades financeiras do Estado;
[...]
X - exercer o
controle da gestão financeira dos fundos estaduais[4];
[...].
Somado
a isso, a Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao tratar sobre a
responsabilidade dos Secretários de Estado, prescreve:
Art. 24.
Os Secretários de Estado são responsáveis perante o Governador do Estado, pela
supervisão dos serviços dos órgãos da Administração Direta e das entidades da
Administração Indireta enquadrados em sua área de competência.
Parágrafo
único. A supervisão a cargo dos Secretários de Estado é exercida por meio de
orientação, coordenação, controle e avaliação das atividades dos órgãos
subordinados ou vinculados e das entidades vinculadas ou supervisionadas.
Art. 25.
A supervisão a cargo dos Secretários de Estado, com o apoio dos órgãos que
compõem as estruturas de suas Secretarias, tem por objetivos, na área de sua
respectiva competência:
I -
assegurar a observância das normas constitucionais e infraconstitucionais;
II -
promover a execução dos programas, projetos e ações de Governo de forma
descentralizada, desconcentrada e intersetorializada;
III -
coordenar as atividades das entidades vinculadas ou supervisionadas e
harmonizar a sua atuação com a dos demais órgãos e entidades;
IV -
avaliar o desempenho das entidades vinculadas ou supervisionadas;
V -
fiscalizar a aplicação e a utilização de recursos orçamentários e financeiros,
valores e bens públicos;
VI -
acompanhar os custos globais dos programas, projetos e ações setoriais de
Governo;
VII -
encaminhar aos setores próprios da Secretaria de Estado da Fazenda os elementos
necessários à prestação de contas do exercício financeiro; e
VIII -
enviar ao Tribunal de Contas do Estado, sem prejuízo da fiscalização deste,
informes relativos à administração financeira, patrimonial e de recursos
humanos das entidades vinculadas ou supervisionadas.
À vista do exposto, observa-se que o Secretário de Estado possui o
dever de exercer a fiscalização dos serviços executados no órgão de sua
competência, o que não aconteceu no caso em apreço.
De
igual sorte, é também a competência da Secretaria Executiva de Gestão dos
Fundos Sociais e da Diretoria de Gestão dos Fundos
Estaduais, conforme se depreende do Decreto Estadual nº 2762/2009.
Já a Gerência de Execução Orçamentária e Financeira, como o
próprio nome sugere, é a grande responsável por gerenciar a execução
orçamentária e financeira do FUNDOSOCIAL e, ainda, por efetuar o processamento
da liquidação de despesas à conta do orçamento do referido Fundo.
Como se vê, todos aqueles que estavam à frente dos órgãos
supracitados tinham o dever de fiscalizar a concessão dos recursos públicos, o
que não ocorreu.
É
inadmissível, pois, que uma única pessoa tenha efetuado de forma ilegal todo o
processo de concessão, no valor aproximado de R$ 6,4 milhões, sem que houvesse
qualquer supervisão por parte dos gestores.
E,
note, não se trata de um único repasse. São 196 repasses indevidos, os quais
representam 10% de todo o montante concedido a título de subvenção social pelo
Fundo de Desenvolvimento Social só no exercício de 2009.
Ante
essa linha de raciocínio, tenho para mim que todos os gestores responsáveis
pelos órgãos supracitados devem ser chamados aos autos, implicados que são pela
via da culpa in vigilando.
Sobre
o assunto, convém ressaltar que a Corte de Contas catarinense já se manifestou
em diversas oportunidades sobre a imputação de responsabilidade daquele que
exerce o poder de hierarquia, supervisão e controle.
Nesse
sentido, trago à baila o excerto do voto proferido pelo Conselheiro Substituto
Cleber Muniz Gavi:
Inicialmente,
no âmbito desta Corte de Contas a imputação de responsabilidade e, por
conseqüência, a relação processual é constituída diretamente com o gestor da
unidade fiscalizada e não com os servidores que lhe são subalternos e sobre os
quais exerce o poder de hierarquia, supervisão e controle, arcando com os ônus
da culpa in eligendo e in vigilando.
Como
sabido, dentro de uma teoria geral acerca da culpa latu sensu como
elemento constitutivo de responsabilidade, existe a subdivisão entre o dolo e
culpa stricto sensu. O dolo, em apertada síntese, se traduz na
vontade manifesta de realizar a conduta ou produzir o resultado. A culpa stricto
sensu refere-se à inobservância ao dever de cuidado objetivo a todas
as pessoas de razoável diligência. Sobre essa última, observa-se, ainda, que
uma das suas modalidades é a culpa por negligência, ou seja, culpa por omissão,
por deixar de praticar a ação que lhe era devida, à luz do cuidado e da diligência
que de todos se espera. Acerca dos fatos constantes nos autos, embora não seja
possível comprovar o dolo, se identifica, ao menos, a culpa por negligência, o
que basta para que esta Corte de Contas comine as penas de multa e débito
cabíveis[5].
No
mesmo passo é o entendimento do Tribunal de Contas da União:
Fulminado o
antagonismo quanto à prescrição, não há que ser acolhido os argumentos quanto à
culpa in vigilando.
Conquanto o
responsável admita que seja um mero gerenciador de políticas públicas, não
possuindo a atribuição de controlar as movimentações financeiras do Estado, não
podemos aceitar tal artifício persuasivo.
Isso porque tais
irregularidades foram persistentes no estado de Roraima, suscitando ilações de
um total descalabro administrativo, do qual deveria ter ciência o então
governador do estado de Roraima.
O
dever de vigilância, corolário da Administração Pública, está presente em todas
as atividades onde o princípio da hierarquia prepondera, conforme expõe,
notadamente, José Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, 10ª
ed.:
[...]
Percebe-se,
nesse aspecto, a leniência do ex-governador, o qual faltou com o dever de
cuidado, ao não supervisionar com exatidão a gestão financeira do Estado,
instrumento fundamental à oferta de bens públicos à coletividade.
Embora o
ex-governador negrite o Decreto referido nesta peça, o qual formalizou a
delegação de competência ao Secretário da Fazenda e ao Coordenador do Tesouro
Estadual, tal circunstância não o exime de responsabilidade.
Diversas
são as deliberações da Corte de Contas em que gestores são responsabilizados,
com imputação de débito ou aplicação de multa, por omissão no dever de
supervisionar a atuação de seus subordinados, a exemplo dos
Acórdãos 698/2002 – 1ª Câmara, 699/2002 – 1ª Câmara e, notadamente, no Acórdão
1619/2004 – Plenário, o qual transcrevemos, in
litteris:
'9. Outrossim, nem
mesmo a delegação de competências ao Sr. Oscar Cabral de Melo é suficiente para
afastar essa responsabilidade, pois é entendimento pacífico no Tribunal que o
instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem
delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação
aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão
54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001-Segunda Câmara, in Ata
10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização dos atos
de seus subordinados, diante da culpa in
eligendo e da culpa in vigilando.'
Nesse compasso,
quanto à culpa in eligendo, essa não
se configura com os contornos declinados pela defesa, qual seja, após o
trânsito em julgado da condenação. Deveras, trata-se de perscrutar a probidade
do agente, mediante a análise dos elementos adjacentes ao seu caráter,
circunstância que não ocorreu. Assim, não há outro deslinde que não seja aquele
desenhado no Acórdão 1.110/2005-TCU-Plenário:
'De qualquer forma, a
participação indireta do então Governador do Estado de Roraima na
irregularidade, na condição de agente político, mesmo em vista das mencionadas
deliberações do Tribunal, não afasta sua culpa in eligendo. Ao ter nomeado para a função de Secretário de Fazenda
de sua Administração um agente público que já havia sido apenado pelo TCU, por
meio do Acórdão n.º 126/2000 – Plenário, em razão de ter movimentado
irregularmente recursos federais oriundos de convênios, depreende-se que o
Chefe do Executivo estadual assumiu os riscos de delegar ao então Secretário de
Fazenda, a gestão orçamentário-financeira do estado, escolha que, ao final,
mostrou-se inconveniente.
Não se pode ignorar
as irregularidades perpetradas pelo Chefe do Poder Executivo em detrimento da
parceria pactuada, essas merecem adequada reprimenda. Nessa esteira há que se
julgar irregulares as contas do então governador do Estado de Roraima,
Francisco Flamarion Portela, imputando-lhe a multa do artigo 58, II da Lei
8.443, de 16 de julho de 1992[6]. (Grifou-se)
Ao encontro disso, impõe-se
asseverar que na culpa in vigilando
não há necessidade de se comprovar a existência de cumplicidade como elemento
que a caracterize.
Nesse trilhar, posicionou-se o
Tribunal de Contas da União:
PRESTAÇÃO DE CONTAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DOS
VÍCIOS SUSCITADOS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. Inexistentes na deliberação recorrida os vícios de contradição,
obscuridade ou omissão, devem ser improvidos os embargos declaratórios.
2. A contradição passível de embargos deve estar contida na
própria decisão embargada, e não entre a deliberação e as peças dos autos ou
julgados anteriores do Tribunal.
3. É
desnecessária a presença da cumplicidade para caracterização da culpa in
vigilando.
4. A prova no âmbito do Tribunal deve ser documental e produzida
na oportunidade da resposta à citação ou à audiência, sendo facultada à parte a
juntada de documentos novos até o término da etapa de instrução[7]. (Grifou-se)
Fixada essa premissa, destaque-se
que “não é razoável excluir a culpabilidade daqueles que possuíam atribuições
fiscalizatórias para evitar os danos ou, ainda, poderiam ter implantado controles
de gestão financeira tendentes a coibir o mau uso de recursos públicos. A grave
responsabilidade daqueles que gerenciam bens públicos passa, necessariamente,
pelo estabelecimento de controles e rotinas eficientes na sistemática de
movimentação de valores”[8].
Em reforço ao debate,
acrescente-se ainda que todos aqueles que estavam à frente dos órgãos aqui
citados se enquadram no conceito de responsável, nos moldes delineados na
Resolução nº TC 06/2001:
Art. 133.
Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos
sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos
responsáveis ou interessados ampla defesa.
§ 1º Para
efeito do disposto no caput, considera-se:
a) responsável aquele que figure no
processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou
administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou
o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza
pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário; (Grifou-se)
Para arrematar, assinale-se que o comportamento omisso dos
gestores foi determinante para a ilicitude verificada nos presentes autos,
razão pela qual se faz necessária a citação dos responsáveis, a fim de
resguardar o contraditório e a ampla defesa.
Ante o exposto,
o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art.
108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
manifesta-se:
1. Por determinar a citação dos responsáveis abaixo nominados para,
querendo, apresentarem razões de defesa em relação ao dano causado ao erário em
decorrência da omissão na fiscalização relacionada ao repasse de recursos
públicos por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na
legislação e sem observância dos requisitos legais e regulamentares:
1.1. Sr. Antônio Marcos Gavazzoni (Secretário de Estado da
Fazenda à época);
1.2. Sr. Giovani Machado Semann (Diretor da Diretoria de
Gestão dos Fundos Especiais à época);
1.3. Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente da
Gerência de Execução Orçamentária e Financeira à época);
1.4. Sr. Cléverson Siewert[9]
(Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais à época).
2. Após a devida instrução, pelo retorno dos autos ao Ministério Público
de Contas para a sua manifestação derradeira.
Florianópolis,
04 de fevereiro de 2016.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador do
Ministério
Público de
Contas
[1] O art. 44, do Decreto Estadual nº
2.762/2009, prescreve: “Art. 44. À Secretaria
Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais - SGF, vinculada à Secretaria de
Estado da Fazenda - SEF, na forma do art. 59 da Lei Complementar nº 381, de 7 de maio de 2007, compete
supervisionar, fiscalizar e controlar a gestão financeira dos fundos estaduais
e exercer outras atribuições que lhe forem determinadas pelo Secretário de
Estado da Fazenda, excetuando-se a gestão do plano de saúde e dos fundos cujos
recursos sejam originários e vinculados à União e aos municípios”.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 129.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo. 26 ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 69-70.
[4] Texto original vigente à época.
[5] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC 09/00524987, Prefeitura
Municipal de Laguna. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 25 fev. 2010.
[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
TC 014.548/2011-9, Primeira Câmara. Rel. Weder de Oliveira. J. em: 07 maio
2013. Disponível em: www.tcu.gov.br.
Acesso em: 03 dez. 2015.
[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União. AC-2926-38/06-1, Primeira Câmara. Rel. Marcos
Bemquerer Costa. J em: 17 out. 2006. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 dez. 2015.
[8] ARRAES, ANA. Autos do Processo nº AC-1340-20/12-P, Plenário. (TCU). Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 dez. 2015.
[9] Ressalte-se que o
Sr. Cléverson Siewert cumulava o cargo de Secretário Executivo de Gestão dos
Fundos Estaduais com a função de ordenador de despesas secundário do
FUNDOSOCIAL, já tendo sido arrolado como responsável no presente processo em
razão desta última circunstância. No entanto, ele também deve ser chamado ao
presente processo em decorrência expressa de sua conduta omissa enquanto
Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais para que lhe seja conferido
o direito ao contraditório e à ampla defesa também em relação a esse fundamento
de imputação de responsabilidade.