Parecer nº:

MPC/39.826/2016

Processo nº:

TCE 13/00421026    

Origem:

Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL

Assunto:

Tomada de Contas Especial referente à Nota de Empenho nº 1154 (R$ 30.000,00), de 26/06/09, repassados à Associação Cultural de Hip Hop de Laguna, para aquisição de cestas básicas.

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados, com o objetivo de apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o dano ao erário, ante as irregularidades evidenciadas na prestação de contas de recursos públicos repassados à Associação Cultural de Hip Hop, no valor de R$ 30.000,00.

O caderno processual iniciou-se com os documentos encaminhados pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados (fls. 05-155).

Em sequência, a Diretoria de Controle da Administração Estadual, sob o relatório de nº 293/2015, sugeriu a realização da citação dos responsáveis, ante as irregularidades evidenciadas nos autos (fls. 156-180).

Determinada a realização do ato processual, o Sr. Abel Guilherme da Cunha apresentou razões de defesa às fls. 190-193, o Sr. Cleverson Siewert às fls. 197-206 e a Sra. Neuseli Junkes Costa às fls. 220-226.

Por fim, sobreveio novo exame da área técnica, sob o relatório nº 925/2015, com a seguinte conclusão (fls. 235-247):

 

3.1 Julgar irregulares com imputação de débito, na forma do art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas de recursos transferidos para a ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE HIP HOP, decorrente do empenho nº 2009NE001154, de 26/06/2009, no valor de R$ 30.000,00 (recebido em 30/06/2009).

3.2 Condenar solidariamente os responsáveis: Sr. VINÍCIUS LAUFFER DOS SANTOS, então presidente da ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE HIP HOP, portador do CPF nº 004.622.989-22, residente na Rua do Avaí nº 819, Bairro Portinho, Laguna - SC, CEP 88.790-000; da pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE HIP HOP, CNPJ nº 05.051.898/0001-40, com endereço na Rua Argentina, nº 71, Bairro Mato Alto, Laguna - SC, CEP 88.790-000; Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA, portadora do CPF nº 569.986.869-00, residente na Rua João Batista Meirise, 63, Roçado, São José, CEP 88108-115; Sr. CLEVERSON SIEWERT, portador do CPF nº 017.452.629-62, com endereço profissional na CELESC - Av. Itamarati, nº 160, Bairro Itacorubi, Florianópolis/SC – CEP 88.034-900; e da empresa VIP Conveniência Ltda., inscrita no CNPJ sob nº 09.175.569/0001-62, com endereço na Avenida Calistrato Muller Sales, 1443 – Térreo – Sala 01, Bairro Portinho – Laguna/SC, CEP 88790.000, ao recolhimento da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) relativos ao empenho nº 2009NE001154, de 26/06/2009 (pago em 30/06/2009), em face da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar Estadual n.º 202/00), calculados a partir de 30/06/2009, sem o que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00), conforme segue:

3.2.1 De responsabilidade do Sr. VINÍCIUS LAUFFER DOS SANTOS e da pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE HIP HOP, passíveis de imputação de débito nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, no valor total do projeto aprovado de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo da cominação de multa, em face das irregularidades seguintes que concorreram para a ocorrência do dano:

3.2.1.1 ausência de comprovação da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais, não demonstrando a boa e regular aplicação dos recursos públicos, no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), contrariando o art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, o art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, III, da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1.1 do Relatório nº 00293/2015);

3.2.1.2 indevida comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas, no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor já incluído no item 3.2.1.1, contrariando o disposto nos arts. 46, parágrafo único, e 59 da Resolução TC nº 16/1994, no art. 24, § 5º, do Decreto Estadual nº 307/2003 e no Prejulgado nº 1540 desta Corte de Contas, não comprovando a boa e regular aplicação dos recursos públicos previsto no art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 (item 2.2.1.2 do Relatório nº 00293/2015);

3.2.1.3 ausência da movimentação em conta bancária, através de cheques nominais e individualizados por credor, contrariando o art. 16, caput, do Decreto nº 307/03 c/c o art. 47 da Resolução nº TC – 16/94 e Orientações para Prestação de Contas da Secretaria de Estado da Fazenda (item 2.2.1.3, do Relatório nº 00293/2015).

3.2.2 De responsabilidade da empresa VIP Conveniência Ltda., passíveis de imputação de débito nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo da cominação de multa, em face das irregularidades seguintes que concorreram para a ocorrência do dano:

3.2.2.1 emissão de notas fiscais inidôneas, haja vista a ausência de comprovação do efetivo fornecimento das mercadorias, da VIP Conveniência Ltda., no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) já incluídos no item 3.2.1.1, por irregularidades verificadas nas presentes contas, apontado no item 2.7, do Relatório nº 00293/2015.

3.2.4 De responsabilidade da Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA, e do Sr. CLEVERSON SIEWERT, já qualificados, sem prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que concorreram para a ocorrência do dano, em face do:

3.2.4.1 repasse irregular de recursos no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos legais e regulamentares, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981; nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º, da Lei Estadual nº 13.334/2005, art. 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005 e art. 116, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/1993, bem como os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art. 16, caput e 5º da Constituição do Estado de Santa Catarina, inclusive da motivação dos atos administrativos; nos arts. 7º e 8º, III, do Decreto Estadual nº 2.977/2005; e nos arts. 60 e 61 c/c o art. 116, caput, da Lei Federal nº 8.666/1993, e arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 (subitens 2.1.2 e 2.1.3 deste Relatório).

3.3 Declarar a Associação Cultural de Hip Hop e o Sr. Vinícios Lauffer dos Santos, impedidos de receber novos recursos do Erário, consoante dispõe o art. 16 da Lei nº 16.292/2013 c/c art. 39 do Decreto nº 1.310, de 13 de dezembro de 2012.

3.4 Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam à Associação Cultural de Hip Hop, ao Sr. Vinícios Lauffer dos Santos, a empresa privada Vip Conveniência Ltda., ao Sr. Abel Guilherme da Cunha, ao Sr. Cleverson Seiwert, à Sra. Neuseli Junckes da Costa e ao Fundo de Desenvolvimento Social – FUNDOSOCIAL.

 

É o relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições da Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, arts. 22, 25 e 26, da Resolução TC nº 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº 06/2001).

 

1. Da necessidade de realizar a citação dos demais envolvidos

 

Ressalte-se, inicialmente, que a conjuntura fática em análise faz parte de um grandioso esquema entabulado no Fundo de Desenvolvimento Social por servidores, gestores e particulares, o que culminou, segundo relatórios constantes no feito, em um prejuízo ao erário no valor de R$ 6.389.558,72.

Na ocasião, cabe mencionar que o Fundo de Desenvolvimento Social repassou 196 subvenções sociais a 111 entidades sem que houvesse, contudo, a autorização do Governador do Estado e, ainda, o preenchimento de outros requisitos considerados imprescindíveis para a transferência da verba pública.

Feita essa anotação, acrescente-se que, ao analisar atentamente os autos, observei que o processo não está apto a ser julgado, pois há pessoas que deveriam ter sido arroladas para responder pelos fatos e não o foram.

No intento de justificar a minha conclusão, passo a tecer algumas considerações acerca da estrutura administrativa da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais – SGF, a qual está vinculada diretamente à Secretaria de Estado da Fazenda.

Com efeito, destaque-se que a Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Especiais[1] tem a competência de supervisionar, fiscalizar e controlar a gestão financeira dos fundos estaduais, dentre eles o Fundo de Desenvolvimento Social – FUNDOSOCIAL.

Verifica-se ainda que dentro da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Sociais há a Diretoria de Gestão dos Fundos Sociais (DIFE), a qual se ramifica na Gerência de Controle dos Fundos Estaduais (GEFES) e na Gerência de Execução Orçamentária e Financeira (GEORF).

Nos termos do Decreto Estadual nº 2762/2009, a Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE, a qual está subordinada diretamente ao Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais, compete: a) administrar o FUNDOSOCIAL e supervisionar os Fundos Estaduais em articulação com a Diretoria do Tesouro Estadual e Secretarias de Estado às quais se vinculam fundos específicos; b) analisar a prestação de contas das entidades contempladas com recursos do FUNDOSOCIAL, bem como a tomada de providências para regularização das mesmas no caso de pendências; c) exercer outras atividades delegadas pelo Secretário de Estado da Fazenda, pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Diretor Geral no que concerne às suas atribuições.

A competência da Gerência de Controle dos Fundos Estaduais e da Gerência de Execução Orçamentária e Financeira, por sua vez, está definida da seguinte forma:

 

Decreto Estadual nº 2762/2009: 

Art. 46. À Gerência de Controle dos Fundos Estaduais - GEFES, subordinada diretamente à Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE, compete:

I - programar, organizar e coordenar a execução das atividades inerentes ao controle do FUNDOSOCIAL e supervisionar os Fundos Estaduais;

II - articular-se com os órgãos normativos dos Sistemas Administrativos de Planejamento e Orçamento e de Administração Financeira, com vistas no cumprimento de instruções e atos normativos operacionais pertinentes; e

III - desenvolver outras atividades relacionadas com administração financeira, no que concerne aos fundos estaduais, em consonância com as normas e diretrizes estabelecidas pelos órgãos normativos dos Sistemas Administrativos de Planejamento e Orçamento, de Administração Financeira e de Controle Interno, e as determinadas pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais.

Art. 47. À Gerência de Execução Orçamentária e Financeira - GEORF, subordinada diretamente à Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE, compete:

I - gerenciar a execução orçamentária e financeira do FUNDOSOCIAL e do Fundo Pró-Emprego;

II - emitir notas de empenhos, de subempenhos, de estorno e ordens bancárias;

III - promover a emissão, o registro e o controle de todos os documentos de natureza financeira concernentes ao FUNDOSOCIAL;

IV - efetuar o processamento da liquidação de despesas à conta do orçamento do FUNDOSOCIAL;

V - efetuar os procedimentos orçamentários e financeiros necessários que forem determinados pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais ou pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais;

VI - colaborar na elaboração da proposta orçamentária do Fundo Pró-Emprego e do FUNDOSOCIAL;  

VII - encaminhar ao Tribunal de Contas do Estado - TCE a documentação relativa às prestações de contas e os solicitados em diligências; e

VIII - desenvolver outras atividades relacionadas com administração financeira no que concerne aos fundos, em consonância com as normas e diretrizes estabelecidas pelos órgãos centrais dos Sistemas Administrativos de Planejamento e Orçamento, de Administração Financeira e de Controle Interno, e as determinadas pelo Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e pelo Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais.

 

Lançada essa orientação, impõe-se assinalar que foram chamados aos autos, além daqueles que receberam a subvenção social, o Sr. Cleverson Siewert (Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais em 2009 e ordenador secundário), o Sr. Abel Guilherme da Cunha (Diretor de Investimentos e Participações Públicas e ordenador primário das movimentações financeiras do FUNDOSOCIAL) e a Sra. Neuseli Junckes Costa (Analista da Receita Estadual lotada na Gerência de Execução Orçamentária e Financeira à época).

A par disso, denota-se que a responsabilidade daqueles que ocupavam os cargos de Secretário de Estado da Fazenda, de Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e de Gerente de Execução Orçamentária e Financeira foi ignorada, o que não se pode aceitar.

Nessa esteira, sobreleva enfatizar que a Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual foi considerada peça principal do esquema fraudulento, estava subordinada aos cargos supracitados.

A meu ver, é impossível que uma única pessoa tenha desencadeado uma fraude dessa natureza e a tenha mantido por tanto tempo sem que outras pessoas tivessem conhecimento e participação.

Vale frisar, oportunamente, que os repasses realizados de forma irregular chegaram ao vultoso montante de R$ 6.389.558,72 somente no exercício de 2009, o que me faz concluir também que não houve o mínimo de fiscalização e supervisão por parte dos superiores hierárquicos.

Para reforçar a tese aqui defendida, julgo importante rememorar o conceito de poder hierárquico, nas palavras do saudoso Hely Lopes Meirelles[2]:

 

Poder hierárquico é o de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal. Poder Hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentáculos de toda organização administrativa.

 

Ao tratar sobre os efeitos do aludido poder, José dos Santos Carvalho Filho[3] discorre:

 

Do sistema hierárquico da Administração decorrem alguns efeitos específicos. O primeiro consiste no poder de comando de agentes superiores sobre outros hierarquicamente inferiores. Estes, a seu turno, têm o dever de obediência para com aqueles, cabendo-lhes executar as tarefas em conformidade com as determinações superiores.

Outro efeito da hierarquia é a fiscalização das atividades desempenhadas por agentes de plano hierárquico inferior para a verificação de sua conduta não somente em relação às normas legais e regulamentares, como ainda no que disser respeito às diretrizes fixadas por agentes superiores.

Decorre também da hierarquia o poder de revisão dos atos praticados por agentes de nível hierárquico mais baixo. Se o ato contiver vício de legalidade, ou não se coadunar com a orientação administrativa, pode o agente superior revê-lo para ajustamento a essa orientação ou para restaurar a legalidade. (Grifos no original)

 

À luz desse ensinamento, pode-se inferir que não houve qualquer fiscalização e supervisão no âmbito da Secretaria de Estado da Fazenda, da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Sociais, da Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais e da Gerência de Execução Orçamentária e Financeira, pois todos esses órgãos administrativos tinham ingerência sobre o trabalho executado pela Sra. Neuseli Junckes Costa.

Para corroborar, sublinhe-se que a Secretaria de Estado da Fazenda é responsável por promover a fiscalização e o controle da gestão financeira dos fundos, conforme se extrai da Lei Complementar Estadual nº 381/2007:

 

Art. 58. À Secretaria de Estado da Fazenda, como órgão central dos sistemas de Administração Financeira e de Controle Interno, compete:

I - coordenar os assuntos afins e as ações interdependentes que tenham repercussão financeira;

IV - desenvolver as atividades relacionadas com:

[...]

e) supervisão, coordenação e acompanhamento do desempenho das entidades financeiras do Estado;

[...]

X - exercer o controle da gestão financeira dos fundos estaduais[4];

[...].

 

Somado a isso, a Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao tratar sobre a responsabilidade dos Secretários de Estado, prescreve:

 

Art. 24. Os Secretários de Estado são responsáveis perante o Governador do Estado, pela supervisão dos serviços dos órgãos da Administração Direta e das entidades da Administração Indireta enquadrados em sua área de competência.

Parágrafo único. A supervisão a cargo dos Secretários de Estado é exercida por meio de orientação, coordenação, controle e avaliação das atividades dos órgãos subordinados ou vinculados e das entidades vinculadas ou supervisionadas.

Art. 25. A supervisão a cargo dos Secretários de Estado, com o apoio dos órgãos que compõem as estruturas de suas Secretarias, tem por objetivos, na área de sua respectiva competência:

I - assegurar a observância das normas constitucionais e infraconstitucionais;

II - promover a execução dos programas, projetos e ações de Governo de forma descentralizada, desconcentrada e intersetorializada;

III - coordenar as atividades das entidades vinculadas ou supervisionadas e harmonizar a sua atuação com a dos demais órgãos e entidades;

IV - avaliar o desempenho das entidades vinculadas ou supervisionadas;

V - fiscalizar a aplicação e a utilização de recursos orçamentários e financeiros, valores e bens públicos;

VI - acompanhar os custos globais dos programas, projetos e ações setoriais de Governo;

VII - encaminhar aos setores próprios da Secretaria de Estado da Fazenda os elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro; e

VIII - enviar ao Tribunal de Contas do Estado, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira, patrimonial e de recursos humanos das entidades vinculadas ou supervisionadas.

 

À vista do exposto, observa-se que o Secretário de Estado possui o dever de exercer a fiscalização dos serviços executados no órgão de sua competência, o que não aconteceu no caso em apreço.

De igual sorte, é também a competência da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Sociais e da Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais, conforme se depreende do Decreto Estadual nº 2762/2009.

Já a Gerência de Execução Orçamentária e Financeira, como o próprio nome sugere, é a grande responsável por gerenciar a execução orçamentária e financeira do FUNDOSOCIAL e, ainda, por efetuar o processamento da liquidação de despesas à conta do orçamento do referido Fundo.

Como se vê, todos aqueles que estavam à frente dos órgãos supracitados tinham o dever de fiscalizar a concessão dos recursos públicos, o que não ocorreu.

É inadmissível, pois, que uma única pessoa tenha efetuado de forma ilegal todo o processo de concessão, no valor aproximado de R$ 6,4 milhões, sem que houvesse qualquer supervisão por parte dos gestores.

E, note, não se trata de um único repasse. São 196 repasses indevidos, os quais representam 10% de todo o montante concedido a título de subvenção social pelo Fundo de Desenvolvimento Social só no exercício de 2009.

Ante essa linha de raciocínio, tenho para mim que todos os gestores responsáveis pelos órgãos supracitados devem ser chamados aos autos, implicados que são pela via da culpa in vigilando.

Sobre o assunto, convém ressaltar que a Corte de Contas catarinense já se manifestou em diversas oportunidades sobre a imputação de responsabilidade daquele que exerce o poder de hierarquia, supervisão e controle.

Nesse sentido, trago à baila o excerto do voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:

 

Inicialmente, no âmbito desta Corte de Contas a imputação de responsabilidade e, por conseqüência, a relação processual é constituída diretamente com o gestor da unidade fiscalizada e não com os servidores que lhe são subalternos e sobre os quais exerce o poder de hierarquia, supervisão e controle, arcando com os ônus da culpa in eligendo e in vigilando.

Como sabido, dentro de uma teoria geral acerca da culpa latu sensu como elemento constitutivo de responsabilidade, existe a subdivisão entre o dolo e culpa stricto sensu. O dolo, em apertada síntese, se traduz na vontade manifesta de realizar a conduta ou produzir o resultado. A culpa stricto sensu refere-se à inobservância ao dever de cuidado objetivo a todas as pessoas de razoável diligência. Sobre essa última, observa-se, ainda, que uma das suas modalidades é a culpa por negligência, ou seja, culpa por omissão, por deixar de praticar a ação que lhe era devida, à luz do cuidado e da diligência que de todos se espera. Acerca dos fatos constantes nos autos, embora não seja possível comprovar o dolo, se identifica, ao menos, a culpa por negligência, o que basta para que esta Corte de Contas comine as penas de multa e débito cabíveis[5].

 

No mesmo passo é o entendimento do Tribunal de Contas da União:

 

Fulminado o antagonismo quanto à prescrição, não há que ser acolhido os argumentos quanto à culpa in vigilando.

Conquanto o responsável admita que seja um mero gerenciador de políticas públicas, não possuindo a atribuição de controlar as movimentações financeiras do Estado, não podemos aceitar tal artifício persuasivo.

Isso porque tais irregularidades foram persistentes no estado de Roraima, suscitando ilações de um total descalabro administrativo, do qual deveria ter ciência o então governador do estado de Roraima.

O dever de vigilância, corolário da Administração Pública, está presente em todas as atividades onde o princípio da hierarquia prepondera, conforme expõe, notadamente, José Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, 10ª ed.:

[...]

Percebe-se, nesse aspecto, a leniência do ex-governador, o qual faltou com o dever de cuidado, ao não supervisionar com exatidão a gestão financeira do Estado, instrumento fundamental à oferta de bens públicos à coletividade.

Embora o ex-governador negrite o Decreto referido nesta peça, o qual formalizou a delegação de competência ao Secretário da Fazenda e ao Coordenador do Tesouro Estadual, tal circunstância não o exime de responsabilidade.

Diversas são as deliberações da Corte de Contas em que gestores são responsabilizados, com imputação de débito ou aplicação de multa, por omissão no dever de supervisionar a atuação de seus subordinados, a exemplo dos Acórdãos 698/2002 – 1ª Câmara, 699/2002 – 1ª Câmara e, notadamente, no Acórdão 1619/2004 – Plenário, o qual transcrevemos, in litteris:

'9. Outrossim, nem mesmo a delegação de competências ao Sr. Oscar Cabral de Melo é suficiente para afastar essa responsabilidade, pois é entendimento pacífico no Tribunal que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão 54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001-Segunda Câmara, in Ata 10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização dos atos de seus subordinados, diante da culpa in eligendo e da culpa in vigilando.'

Nesse compasso, quanto à culpa in eligendo, essa não se configura com os contornos declinados pela defesa, qual seja, após o trânsito em julgado da condenação. Deveras, trata-se de perscrutar a probidade do agente, mediante a análise dos elementos adjacentes ao seu caráter, circunstância que não ocorreu. Assim, não há outro deslinde que não seja aquele desenhado no Acórdão 1.110/2005-TCU-Plenário:

'De qualquer forma, a participação indireta do então Governador do Estado de Roraima na irregularidade, na condição de agente político, mesmo em vista das mencionadas deliberações do Tribunal, não afasta sua culpa in eligendo. Ao ter nomeado para a função de Secretário de Fazenda de sua Administração um agente público que já havia sido apenado pelo TCU, por meio do Acórdão n.º 126/2000 – Plenário, em razão de ter movimentado irregularmente recursos federais oriundos de convênios, depreende-se que o Chefe do Executivo estadual assumiu os riscos de delegar ao então Secretário de Fazenda, a gestão orçamentário-financeira do estado, escolha que, ao final, mostrou-se inconveniente.

Não se pode ignorar as irregularidades perpetradas pelo Chefe do Poder Executivo em detrimento da parceria pactuada, essas merecem adequada reprimenda. Nessa esteira há que se julgar irregulares as contas do então governador do Estado de Roraima, Francisco Flamarion Portela, imputando-lhe a multa do artigo 58, II da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992[6]. (Grifou-se)

 

Ao encontro disso, impõe-se asseverar que na culpa in vigilando não há necessidade de se comprovar a existência de cumplicidade como elemento que a caracterize.

Nesse trilhar, posicionou-se o Tribunal de Contas da União:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS SUSCITADOS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Inexistentes na deliberação recorrida os vícios de contradição, obscuridade ou omissão, devem ser improvidos os embargos declaratórios.

2. A contradição passível de embargos deve estar contida na própria decisão embargada, e não entre a deliberação e as peças dos autos ou julgados anteriores do Tribunal.

3. É desnecessária a presença da cumplicidade para caracterização da culpa in vigilando.

4. A prova no âmbito do Tribunal deve ser documental e produzida na oportunidade da resposta à citação ou à audiência, sendo facultada à parte a juntada de documentos novos até o término da etapa de instrução[7]. (Grifou-se)

 

Fixada essa premissa, destaque-se que “não é razoável excluir a culpabilidade daqueles que possuíam atribuições fiscalizatórias para evitar os danos ou, ainda, poderiam ter implantado controles de gestão financeira tendentes a coibir o mau uso de recursos públicos. A grave responsabilidade daqueles que gerenciam bens públicos passa, necessariamente, pelo estabelecimento de controles e rotinas eficientes na sistemática de movimentação de valores”[8].

Em reforço ao debate, acrescente-se ainda que todos aqueles que estavam à frente dos órgãos aqui citados se enquadram no conceito de responsável, nos moldes delineados na Resolução nº TC 06/2001:

 

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; (Grifou-se)

 

Para arrematar, assinale-se que o comportamento omisso dos gestores foi determinante para a ilicitude verificada nos presentes autos, razão pela qual se faz necessária a citação dos responsáveis, a fim de resguardar o contraditório e a ampla defesa.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por determinar a citação dos responsáveis abaixo nominados para, querendo, apresentarem razões de defesa em relação ao dano causado ao erário em decorrência da omissão na fiscalização relacionada ao repasse de recursos públicos por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos legais e regulamentares:

1.1. Sr. Antônio Marcos Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda à época);

1.2. Sr. Giovani Machado Semann (Diretor da Diretoria de Gestão dos Fundos Especiais à época);

1.3. Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente da Gerência de Execução Orçamentária e Financeira à época);

1.4. Sr. Cléverson Siewert[9] (Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais à época).

2. Após a devida instrução, pelo retorno dos autos ao Ministério Público de Contas para a sua manifestação derradeira.

Florianópolis, 04 de fevereiro de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] O art. 44, do Decreto Estadual nº 2.762/2009, prescreve: “Art. 44. À Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais - SGF, vinculada à Secretaria de Estado da Fazenda - SEF, na forma do art. 59 da Lei Complementar nº 381, de 7 de maio de 2007, compete supervisionar, fiscalizar e controlar a gestão financeira dos fundos estaduais e exercer outras atribuições que lhe forem determinadas pelo Secretário de Estado da Fazenda, excetuando-se a gestão do plano de saúde e dos fundos cujos recursos sejam originários e vinculados à União e aos municípios”.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 129.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26 ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 69-70.

[4] Texto original vigente à época.

[5] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC 09/00524987, Prefeitura Municipal de Laguna. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 25 fev. 2010.

[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 014.548/2011-9, Primeira Câmara. Rel. Weder de Oliveira. J. em: 07 maio 2013. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 03 dez. 2015.

[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União. AC-2926-38/06-1, Primeira Câmara. Rel. Marcos Bemquerer Costa. J em: 17 out. 2006. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 dez. 2015.

[8] ARRAES, ANA. Autos do Processo nº AC-1340-20/12-P, Plenário. (TCU). Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 dez. 2015.

[9] Ressalte-se que o Sr. Cléverson Siewert cumulava o cargo de Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais com a função de ordenador de despesas secundário do FUNDOSOCIAL, já tendo sido arrolado como responsável no presente processo em razão desta última circunstância. No entanto, ele também deve ser chamado ao presente processo em decorrência expressa de sua conduta omissa enquanto Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais para que lhe seja conferido o direito ao contraditório e à ampla defesa também em relação a esse fundamento de imputação de responsabilidade.