PARECER nº:

MPTC/40052/2016

PROCESSO nº:

REC 15/00489201    

ORIGEM:

Câmara Municipal de Porto Belo

INTERESSADO:

Alex Manoel Monteiro

ASSUNTO:

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE-02/06795130

 

 

Trata-se o presente processo de Recurso de Reconsideração (fls. 3-20) interposto pelo Sr. Alex Manoel Monteiro, por meio de seu procurador, em face do Acórdão n. 0415/2015, dessa Corte de Contas, exarado nos autos do processo TCE n. 02/06795130, tendo a referida decisão julgado irregulares, com imputação de débito, as contas pertinentes à mencionada Tomada de Contas Especial, condenando o responsável ao pagamento de débito, na medida de sua responsabilidade, nos seguintes termos:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, e condenar os Responsáveis adiante especificados, Vereadores do Município de Porto Belo em 1998, ao pagamento de débitos de sua responsabilidade, a seguir discriminados, em razão da remuneração dos Vereadores realizada acima do estabelecido no art. 29, VII, da Constituição Federal, com valor a maior na ordem de R$ 17.232,78, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores do débito aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência dos fatos geradores do débito, até a data do recolhimento, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da citada Lei Complementar):

6.1.1. De responsabilidade do Sr. ONÉSIO RAMOS, CPF n. 298.579.709-82, o montante de R$ 2.723,20 (dois mil, setecentos e vinte e três reais e vinte centavos);

6.1.2. De responsabilidade do ESPÓLIO DO SR. AMADEU SERAFIM RAULINO, representado pela inventariante, Sra. ROSITA JUSTINA DA SILVA RAULINO, CPF n. 375.673.229-00), o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.3. De responsabilidade do Sr. ALEX MANOEL MONTEIRO, CPF n. 942.025.169-15, o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.4. De responsabilidade do Sr. ANTÔNIO SÉRGIO STEIN, CPF n. 181.616.859-91, o montante de R$ 1.801,29 (mil, oitocentos e um reais e vinte e nove centavos);

6.1.5. De responsabilidade da Sra. ARLENE DA SILVA REGIS, CPF n. 455.369.379-87, o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.6. De responsabilidade do ESPÓLIO DO SR. FERNANDE GERMANO VIEIRA, representado pela inventariante, Sra. ISABEL ERMELINDA VIEIRA DE OLIVEIRA, CPF n. 716.058.949-15), o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.7. De responsabilidade do Sr. OSVALDO EDUARDO DI PIETRO, CPF n. 434.633.809-78, o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.8. De responsabilidade da Sra. ROSANI ERMÍNIA SGROTT DE SOUZA, CPF n. 966.033.809-00, o montante de R$ 1.815,47 (mil, oitocentos e quinze reais e quarenta e sete centavos);

6.1.9. De responsabilidade do Sr. VALDIR MANOEL DA SILVA, CPF n. 429.208.099-20, o montante de R$ 312,04 (trezentos e doze reais e quatro centavos);

6.1.10. Considerar liquidado o débito imputado ao Sr. JOEL ORLANDO LUCINDA, CPF n. 712.813.559-68, nos termos do §4º do art. 17 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas.

6.2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 1800/2014, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, aos procuradores constituídos nos autos e ao Presidente do Poder Legislativo do Município de Porto Belo. (grifei)

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o parecer de fls. 21-28v, opinando pelo conhecimento do presente Recurso de Reconsideração e, no mérito, pelo seu desprovimento, ratificando na íntegra a Deliberação recorrida.

O recurso de Reconsideração, previsto no art. 77 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que foi apontada como responsável pela irregularidade, na medida de sua responsabilidade.

O Acórdão atacado foi publicado na imprensa oficial em 05/08/2015 e a peça recursal teve o protocolo procedido nessa Corte de Contas em 02/09/2015, o que caracteriza a tempestividade do recurso em comento, atendendo o prazo de 30 dias fixado em lei.

Observa-se, ainda, que o presente recurso foi o único interposto pelo recorrente, o que caracteriza sua singularidade.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Passa-se, na sequência, à análise dos itens impugnados da decisão recorrida e das alegações do recorrente.

1.     Preliminar de prescrição.

O recorrente trouxe manifestação no sentido de ter transcorrido o prazo prescricional (fl. 18), alegando que o processo tramita no Tribunal de Contas do Estado desde 2002, quando fora citado o ex-Presidente da Câmara para apresentação de defesa relativa ao processo de Tomada de Contas Especial.

Argumentou que somente depois de doze anos, “após todo o trâmite da Tomada de Contas Especial e de todas as defesas possíveis ao senhor Onésio Ramos”, foi citado para apresentação de defesa, ponderando tal ato que estaria totalmente prescrito, impossibilitando a pretensão punitiva do Tribunal de Contas. Asseriu que (fls. 18-19):

A tese de que o prazo prescricional para análise e julgamento de todos os processos administrativos relativos a administradores e demais responsáveis se inicia com a publicação de decisões definitivas por parte do Tribunal de Contas não se aplica ao caso concreto, pois o §2º do art. 24-A da Lei Complementar nº 588/2013 se refere à prescrição intercorrente, para os processos que já estão em andamento, o que não é o caso presente.

Aqui se está discutindo a prescrição para iniciar o processo administrativo por parte do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em face do recorrente, decorridos mais de doze anos do momento dos fatos, ou seja, não é possível aplicar ao caso em tela o disposto na Lei nº 588/2013, art. 24-A, pois o processo para o recorrente se iniciou em 2014, mais de doze anos do acontecimento dos fatos.

Em vista disso, alegou que o prosseguimento ao feito seria “dar ao Tribunal de Contas prazo superior ao próprio prazo dado ao Poder Judiciário, nos julgamentos que envolvem improbidade administrativa” (fl. 19) e que os prazos prescricionais serviriam para proteção das pessoas contra surpresas após o transcurso de vários anos, o que inclusive impediria a produção de provas, em vista do afastamento do cargo ocupado à época dos fatos. Finalizou reiterando que a regra geral no âmbito do direito administrativo é de cinco anos, em virtude de ausência de disposição legal.

Em que pesem as alegações e justificativas apresentadas pelo recorrente, entende-se não lhe assistir razão.

Fazendo um retrospecto histórico do processo, tem-se que inicialmente fora encaminhado o Balanço da Câmara Municipal de Vereadores do Município de Porto Belo relativo ao exercício financeiro de 1998, em razão do qual a Diretoria de Controle dos Municípios constituiu os autos de processo PDI n. 00/000344109 (em apenso), partindo da emissão da Informação n. 67/2000 (fls. 2-3 daqueles autos), por meio da qual se noticiou o fato de a remuneração dos Vereadores ter sido paga acima do estabelecido no art. 29, inciso VII da CRFB/88.

O Relatório de Citação DMU n. 367/2002 (fls. 135-137 daqueles autos) entendeu por recomendar a conversão do PDI n. 00/000344109 em Tomada de Contas Especial, entendimento este que foi acompanhado pelo Ministério Público de Contas por meio do Parecer MPTC n. 0668/2002 (fl. 138 daqueles autos) e acatado pelo Relator em seu Voto (fls. 140-141), resultando na Decisão n. 0849/2002.

Por consequência, foi autuado o processo TCE 02/06795130, no qual a Diretoria de Controle dos Municípios emitiu o relatório técnico n. 1614/2003 (fls. 11-14 daqueles autos). Este Órgão Ministerial manifestou-se por meio do Parecer MPTC n. 0075/2004 (fls. 16-17), tendo o Conselheiro Relator tendo emitido Relatório e Voto GC/OGS n. 276/2004 (fls. 18-22), resultando no Acórdão n. 1418/2004 (fls. 23-24, todas da mencionada Tomada de Contas Especial).

O então responsável, Sr. Onésio Ramos, apresentou Recurso de Embargos de Declaração, autuado como REC n. 04/05143826, cuja análise foi empreendida pela Consultoria-Geral desse Tribunal de Contas, que emitiu o Parecer COG n. 455/2004 (fls. 5-8 daqueles autos), sugerindo a alteração do texto do Acórdão n. 1418/2004. O Parecer MPTC n. 3312/2004 (fl. 10 daqueles autos) acompanhou tal entendimento, após o que o Relator apresentou seu Voto por meio do Parecer GC/OGS n. 155/2005 (fls. 11-13 daqueles autos).

Em 18/10/2005, o responsável apresentou Recurso de Reconsideração, em razão do qual foi autuado o processo REC n. 05/04179918 (em apenso), no qual a Consultoria-Geral emitiu o Parecer COG n. 0192/2006 (fls. 159-178 daqueles autos), o qual foi acatado pelo Relator mediante o Parecer n. GC/WRW n. 647/2009 (fls. 197-199 daqueles autos), anulando a decisão exarada naquele Acórdão n. 1418/2004, determinando a individualização de valores pagos a cada um dos Vereadores beneficiados, os quais restaram responsabilizados pela devolução dos respectivos montantes recebidos.

Em vista do novo entendimento, os autos retornaram à Diretoria de Controle dos Municípios, que emitiu o Relatório DMU n. 3418/2013 (fls. 43-47v dos autos TCE n. 02/06795130) e promoveu a citação dos responsáveis apontados (fls. 48-57 dos autos TCE n. 02/06795130). Apresentaram justificativas apenas os Srs. Antônio Sérgio Esten (fls. 67-72 dos autos TCE n. 02/06795130), Osvaldo Eduardo Di Pietro (fls. 80-91 dos autos TCE n. 02/06795130), Alex Manoel Monteiro (fls. 93-104 dos autos TCE n. 02/06795130) e Rosani Ermínia Sgrott (fls. 106-117 dos autos TCE n. 02/06795130). Os demais responsáveis não apresentaram manifestações.

A seguir, foi elaborado o Relatório de Reinstrução DMU n. 1800/2014 (fls. 122-132v dos autos TCE n. 02/06795130), em cuja conclusão sugeriu-se julgar as contas como irregulares, com imputação de débito aos responsáveis na medida de suas responsabilidades. O Parecer MPTC n. 27156/2014 (fls. 133-136 dos autos TCE n. 02/06795130) seguiu na mesma trilha, sendo seguido pelo Relatório e Voto GAC/LEC n. 218/2015 (fls. 141-155 dos autos TCE n. 02/06795130) e assim decidido no Acórdão n. 0415/2015 (fls. 156-157 dos autos TCE n. 02/06795130).

Nota-se, portanto, que os responsáveis foram citados no ano de 2013, sendo-lhes oferecido prazo para apresentação de justificativas e alegações de defesa, em observância aos princípios do contraditório e ampla defesa, assim como ao regular trâmite legal. Deste modo, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva.

Ademais, ainda que assim não fosse, não se poderia arguir a prescrição no presente caso, eis que a decisão determinou imputação de débito, o qual representa a necessidade de ressarcimento de valores aos cofres públicos, revestindo-se de caráter de imprescritibilidade, conforme previsto no art. 37, § 5º da CRFB/88.

O constitucionalista José Afonso da Silva[1], discorrendo acerca do tema, ensina que

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porem, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada. (grifei)

Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] traça a seguinte explanação:

A prescrição da ação de improbidade está disciplinada no artigo 23, que distingue duas hipóteses: pelo inciso I, a prescrição ocorre em cinco anos após o término do exercício de mandato, cargo em comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo ou emprego, o inciso II estabelece que a prescrição ocorre no mesmo prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. São, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme estabelece o artigo 37, §5°, da Constituição. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento do dano. (grifei)

O administrativista José dos Santos Carvalho Filho[3] trilha no mesmo sentido, afirmando que

Consequentemente, no que concerne à pretensão ressarcitória (ou indenizatória) do Estado, a Constituição assegura a imprescritibilidade da ação. Assim, não há período máximo (vale dizer: prazo prescricional) para que o Poder Público possa propor a ação de indenização em face de seu agente, com o fito de garantir o ressarcimento pelos prejuízos que o mesmo lhe causou.

Desse modo, entende-se por não assistir razão ao recorrente, inviabilizando-se o acolhimento de sua alegação de incidência do manto prescritivo.

2.     Mérito.

2.1.                 Equívoco processual e imperatividade de anulação ou reforma do Acórdão n. 1468/2009.

Em síntese, o recorrente sustentou (fls. 6) que o Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Onésio Ramos, o qual deu azo ao REC n. 05/04179918, teria sido inicialmente considerado intempestivo pelo Tribunal de Contas, e que o referido recurso teria sido conhecido com base no art. 135, § 1º, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas.

Nesse sentido, argumentou (fl. 7) que o dispositivo legal utilizado para conhecimento do recurso não se sustentaria, uma vez que o órgão julgador não teria fundamentado com exatidão qual das duas hipóteses previstas no dispositivo legal mencionado teria servido de embasamento legal.

Afirmou (fl. 7) que a fundamentação utilizada para conhecimento e provimento do recurso seria inadequada, de modo que se deveria manter a intempestividade que fora inicialmente apontada, de modo a não conhecer o recurso e restringindo a responsabilidade àquele recorrente.

Colacionou jurisprudência (fl. 8-10) acerca da definição de erro material, concluindo (fl. 10) evidente que não teria havido inexatidão material, mas sim uma decisão pautada em entendimento jurídico. Asseriu que o reflexo causado pelo conhecimento e provimento do recurso alteraria substancialmente o conteúdo decisório e a extensão de seus efeitos, o que seria incabível na presente demanda. Concluiu (fls. 10-11) ressaltando que não haveria que se falar em fatos novos supervenientes, pois o objeto processual vinha sendo combatido pelo responsável inicialmente apontado (o ex-Presidente da Câmara Municipal de Porto Belo, Sr. Onésio Ramos) e que a decisão recorrida seria fruto de flagrante equívoco.

Novamente entende-se não lograr êxito o recorrente, porque dos autos se extrai conteúdo fático contrário ao alegado. Apesar de o Relator, de fato, não ter feito menção expressa quanto à hipótese legal adotada, utilizou-se ele do art. 224 do Regimento Interno a título de fundamentação de seu Voto, baseando-se nos Pareceres anteriores apresentados pela Consultoria-Geral e pelo Ministério Público de Contas.

Nesse sentido, consoante bem destacado pela Diretoria de Recursos e Reexames no Parecer DRR n. 649/2015 (fl. 24v), aquele Parecer referido (Parecer COG n. 0192/06 de fls. 159-178 dos autos REC n. 05/04179918, em apenso) foi claro ao apontar o art. 135, § 1º, inciso II, do Regimento Interno como supedâneo a afastar a tese da intempestividade, de modo que não se pode arguir que a decisão tenha sido lastreada sem o devido suporte legal.

2.2.       Ordem material.

O recorrente, mirando o aspecto material, afirmou (fl. 11) que não teriam sido os próprios legisladores que elevaram seus vencimentos, tendo meramente se apoiado na Resolução n. 058/1996, a qual teria fixado anteriormente os vencimentos para a legislatura subsequente. Em vista disso, reputou a responsabilidade exclusivamente ao Presidente do Legislativo Municipal à época.

Apontou (fl. 12) que a reforma da decisão anterior teria se dado sem que houvesse dispositivo legal hábil a atribuir responsabilidade solidária, representando medida “ao arrepio da lei” e revertendo “equivocadamente a decisão”.

Argumentou (fl. 13) que os precedentes utilizados para fundamentar a decisão em tela seriam decisões em que os Vereadores teriam efetivamente elevado seus próprios vencimentos, situação diversa da presente nos autos, eis que a elevação de vencimentos teria ocorrido na legislatura anterior, de modo que estaria clara a responsabilidade do Presidente da Câmara de verificar a correta aplicação dos recursos públicos.

Colacionou jurisprudência (fls. 13-16) supostamente apta a reforçar seus argumentos, no sentido de apregoar a responsabilidade do gestor do Poder Legislativo sem que se desmembrasse ou imputasse responsabilidade solidária aos demais agentes políticos, de maneira que não restariam dúvidas acerca da necessidade da reforma da decisão (fl. 16).

Ainda, sustentou (fl. 16) que não haveria que “se falar da instrumentalidade do art. 135, inciso I, § 1º, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas”, que além de não ser aplicável ao caso concreto por conta da intempestividade, não se prestaria a responsabilizar “quem não concorreu para o dano”. Aduziu também o seguinte (fls. 16-17):

Não há que confundir-se servidor com agente público. O disposto no artigo 135, inciso I, § 1º, II do RI trás a categoria operacional “servidor”, distinto das atribuições que o próprio Regimento Interno define agente público, restando evidente a distinção conceitual entre ambos.

No presente caso a responsabilidade solidária só poderia ser imputada nos casos previstos no artigo 21, § 4º, do RI/TCE, cujo texto remete para o esmo dispositivo de tipificação da Lei Orgânica do TCE, artigo 18, §2º e que ainda assim seria somente do agente público gestor ou de terceiro beneficiário, sem imputação de responsabilidade a qualquer outra pessoa, senão eventual direito de regresso, por ausência de expressa previsão legal, sob pena de ferimento ao principio da legalidade.

Não há na legislação pátria, nem nas normas internas do TCE-SC dispositivo legal que torne responsável solidário o agente politico vereador no caso em apreço, mormente porque o dispositivo que tipificou o caso em mote, disciplina sobre a prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial (art. 18, III, “b” da LO/TCE). A prática de ato de gestão só poderá ser respondida pelo gestor, bem como por infração a alguma norma ou regulamento enquanto gestor público.

Ademais, se considerarmos a categoria operacional de “servidor” como quer fazer crer o TCE, utilizada no artigo 135 do RI, devemos atentar para as recentes decisões do TJ/SC, pois o requerente em momento algum agiu de má-fé, vez que seus vencimentos foram propostos e regulamentados pela legislação anterior, conforme já demonstrado no processo.

Por fim, colacionou julgado (fls. 17-18), concluindo restar evidente a ausência de qualquer responsabilidade por sua parte quanto ao débito imputado, “senão eventual direito do gestor a época, se condenado, buscar a tutela do poder judiciário para discutir potencial direito de regresso”.

O cerne argumentativo do recurso em análise está na questão da atribuição de responsabilidade solidária pelo pagamento do débito. Ocorre que o recorrente se equivocou quanto à questão posta, uma vez que a solidariedade se configura quando qualquer dos corresponsáveis puder ser compelido a ressarcir um débito pelo seu valor total, restando-lhe o direito de demandar as quotas respectivas dos demais, o que não se observa no presente caso concreto.

No caso em tela, o Acórdão n. 0415/2015 atribuiu as respectivas responsabilidades especificando o valor de cada débito ao seu devedor, com fulcro nos quadros elaborados pela Diretoria de Controle dos Municípios no Relatório DMU n. 3418 (fls. 45v-47 dos autos TCE n. 02/06795130)), os quais delimitaram os valores recebidos por cada Vereador, de molde que cada qual seria exclusivamente responsável pelo valor a si atribuído.

Ainda, de acordo com o destacado pela Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 25v), configura entendimento pacífico do Tribunal de Contas de Santa Catarina que nos casos em que houver débito decorrente de recebimento de subsídios majorados indevidamente, a responsabilidade recairá sobre todos os Vereadores beneficiados, e não apenas sobre o Presidente da Câmara Municipal à época dos fatos.

No que diz respeito à jurisprudência utilizada pelo recorrente, esta não serve de paradigma ao presente processo, uma vez que seu objeto era diverso do que ora se analisa.

Em relação ao argumento de que o recebimento se deu não em função de ato próprio, mas em virtude de determinação contida em Resolução expedida anteriormente (Resolução n. 058/1996), também não se pode atribuir razão ao recorrente. Isso porque a fixação de vencimentos prevista na referida Resolução constitui-se justamente no elemento que possibilitou a configuração de desrespeito ao previsto no art. 29, inciso VII da CRFB/88. Nesse sentido, a Diretoria de Recursos e Reexames ponderou que (fl. 27-27v):

Sendo assim, não pode uma Resolução municipal contrariar e prevalecer sobre a Constituição Federal.

Ademais, não há como prosperar o singelo argumento de que não houve má-fé dos Vereadores ao receber os vencimentos acima do limite constitucional, tendo em vista que aos Edis cabe a importante missão relativa ao controle externo do Município [...]

Assim sendo, entende-se que se trata de um paradoxo, ou seja, os Vereadores fiscalizam e apontam eventuais irregularidades nas contas municipais, ao mesmo tempo em que desconhecem que estão recebendo vencimentos acima do teto constitucional.

É importante salientar que no uso do dinheiro público, não basta ao responsável estar imbuído de boa-fé, exige-se, também, a comprovação de ter agido nos termos da lei.

Portanto, in casu, o fato do Recorrente não ter participado da votação da Resolução que fixou o valor dos vencimentos dos agentes políticos é indiferente, sobretudo por estar amplamente comprovado nos autos que o Recorrente foi um dos beneficiários do pagamento tido como irregular.

Igualmente, não prospera a argumentação levada à cabo no sentido de se desvincular de responsabilidade referindo-se à diferenciação terminológica ou de competências entre “servidor” e “agente”.

Sob esta ótica, da qual se utiliza o referido parecer da Diretoria de Recursos e Reexames para opinar pelo não acolhimento das razões do recorrente, examine-se, em primeiro lugar, a explanação do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello sobre a classificação dos agentes públicos[4]:

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes os que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade. (grifei)

Ainda neste sentido, o mesmo autor, ao debater a questão da responsabilidade do Estado e quais os sujeitos cuja atuação pode comprometer o Estado, ensina[5]:

Quem são as pessoas suscetíveis de serem consideradas agentes públicos, cujos comportamentos, portanto, ensejam engajamento da responsabilidade do Estado? São todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao desempenho de um mister público (jurídico ou material), isto é, havido pelo Estado como pertinente a si próprio.

Nesta qualidade ingressam desde as mais altas autoridades até os mais modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal. [...]

Indicadas as pessoas cuja conduta compromete a responsabilidade do Estado, cumpre verificar quando esta condição subjetiva tem o relevo necessário para desencadear tal comprometimento. Sendo certo que a pessoa também atua em situação totalmente alheia à qualidade de agente, importa fixar o que se reputará necessário para configurar atuação (ou omissão indevida) imputável à qualidade jurídica de “agente do Estado”.

Conforme a doutrina colacionada acima, o Vereador enquadra-se na qualidade de agente político, cujos atos e omissões repercutem e refletem diretamente nos destinos da sociedade. Neste sentido, tem ele responsabilidade tanto direta quanto indiretamente sobre atos de sua vereança.

Ademais, conforme esclarecido pela Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 27v):

Para os fins legais, Responsável é todo aquele que atua na administração ou no gerenciamento do dinheiro público, vale dizer, é o gestor da coisa pública, obrigado por lei à prestação de contas, ou por ter causado prejuízo ao erário conforme está assentado no art. 133 do Regimento Interno desta Corte [...]

Por fim, o Recorrente retoma a discussão sobre a superação da intempestividade, onde afirma que o art. 135, I, § 1º, II do Regimento Interno não se aplicava no Processo REC-05/04179918, pois, no seu modo de entender, o citado dispositivo legal se refere a “servidor” como sendo uma categoria distinta do Vereador.

Entretanto, discorda-se dessa argumentação, tendo em vista que o § 1º do inciso II do art. 135 do Regimento Interno procura utilizar a expressão mais ampla possível a alcançar a generalidade das pessoas que, de qualquer forma, exercem múnus público.

Sendo assim, os Vereadores são agentes políticos no exercício do múnus público, logo no sentido lato devem ser considerados servidores públicos.

3.     Conclusão.

Portanto, considerando que não foram apresentados argumentos ou informações que pudessem elidir as irregularidades constatadas, manifesto-me pela manutenção, na íntegra, do julgamento proferido nos autos do processo TCE n. 02/06795130. 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do recurso interposto, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se hígida a decisão proferida por meio do Acórdão n. 0415/2015.

Florianópolis, 15 de fevereiro de 2016.

 

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 673.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 791.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 580.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 247-248.

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1008-1009.