PARECER
nº: |
MPTC/39765/2016 |
PROCESSO
nº: |
RLI 14/00312865 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Calmon |
INTERESSADO: |
Ivone Mazutti de Geroni |
ASSUNTO: |
Relatório de Inspeção - Autuação
determinada pela Decisão nº 1794/2014, exarada nos autos DEN-05/04025449 -
Supostas irregularidades praticadas no exercício de 2004 |
Trata-se de inspeção ordinária, decorrente do item 6.2 da Decisão
n. 1794/2014, exarada nos autos do processo DEN n. 05/04025449, que assim
decidiu:
6.
Decisão n.: 1794/2014
O
TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no
art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei
Complementar n. 202/2000, decide:
6.1.
Declarar extinto o processo e determinar o arquivamento da presente Denúncia,
com fulcro nos arts. 37 e 267 do CPC c/c o art. 308 do Regimento Interno deste
Tribunal.
6.2. Determinar à Secretaria-geral (SEG) deste
Tribunal que reproduza cópia de todo o processo e o atue como Relatório de
Inspeção - RLI, a fim de que seja julgada a matéria veiculada na Denúncia.
6.3.
Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam,
aos Interessados nominados no item 3 desta deliberação e ao Sr. João Batista de
Geroni - ex-Prefeito Municipal de Calmon. (grifei)
Assim sendo, autuou-se o presente processo (fls. 2-2788v), com o
objetivo de verificar, junto à Prefeitura de Calmon, a regularidade dos fatos
relatados.
A Diretoria de Controle dos
Municípios elaborou o Relatório DMU n. 1944/2015 (fls. 2789-2793) e sugeriu a
audiência do Sr. João Batista de Geroni, Prefeito Municipal (Gestão 2001/2004 e
2005/2008), para apresentação de justificativas acerca da seguinte restrição:
3.1.1.1. Contratação de
Pessoal sem a realização de Concurso Público, em desacordo com o previsto no
artigo 37, inciso II, primeira parte, da Constituição Federal e ausência de
Processo Seletivo, em afronta ao artigo 37, Caput e inciso IX, da Constituição
Federal, além do artigo 2º, § 2º da Lei Municipal nº 268 (item 2.1.1, deste
Relatório).
O Relator determinou a realização
da audiência à fl. 2793, a qual foi efetivada às fls. 2794-2795, tendo o
responsável deixado fluir in albis o
prazo para resposta.
Na sequência, a Diretoria de
Controle dos Municípios emitiu novo relatório (fls. 2796-2802), sugerindo, ao
final, a irregularidade do ato descrito no item 3.1.1 do relatório, com a
consequente aplicação de multa ao responsável e a assinatura de prazo ao gestor
para que adotasse as providências necessárias para a correção da restrição
apontada.
A
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do
ente em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas,
consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso IV da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso
IV da Constituição Estadual; art. 1º, inciso V da Lei Complementar Estadual n.
202/00; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).
Passo, assim, à análise da
irregularidade apontada pela Área Técnica.
Contratação
de pessoal sem a realização de concurso público, em desacordo com o previsto no
art. 37, inciso II da CRFB/88, e ausência de processo seletivo, em afronta ao
art. 37, caput e inciso IX da
CRFB/88, c/c o art. 2º, § 2º da Lei Municipal n. 268/01.
A Diretoria de Controle dos
Municípios constatou que houve, na Prefeitura Municipal de Calmon, a
contratação de servidores com cargo de provimento efetivo sem o devido concurso
público, bem como de servidores temporários sem o devido processo seletivo, de
acordo com a Tabela de fls. 2.798v-2.799, tudo a partir da análise acurada da
documentação de fls. 1048-1083 (Edital n. 001/2003) e 2590-2752 (Portarias de
nomeação).
Devidamente citado para apresentar justificativas acerca da
irregularidade – cuja evidente gravidade dispensa maiores comentários –, o
responsável não apresentou qualquer defesa, motivo pelo qual deve ser
considerado revel, diante da farta documentação que demonstra a veracidade da
restrição ora discutida.
A presença de uma função de caráter permanente na administração
pública impõe a realização de um concurso público para o provimento de cargo
efetivo, de acordo com a CRFB/88, em seu art. 37, inciso II:
Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...]
II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;
A Constituição prevê, ainda, exceção à regra do concurso público,
por meio da contratação por tempo determinado, nos termos de seu art. 37,
inciso IX:
Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...]
IX
- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público; (grifei)
O ponto principal da presente inspeção é a contratação irregular
de “servidores”, ante a ausência de aprovação em concurso público ou processo
simplificado para contratação temporária, em afronta aos dispositivos
constitucionais acima transcritos e, também, ao art. 2º, § 2º da Lei Municipal
n. 268/01:
Art. 2º Considera-se necessidade temporária de
excepcional interesse público: [...]
§ 2º As contratações previstas nos incisos III,
IV, V e VI, serão precedidas de ampla publicidade e de processo seletivo
simplificado a ser regulamentado por Decreto do Chefe do Poder Executivo.
Ainda que se entenda que as contratações em tela eram realmente de
caráter excepcional e temporário, a ausência de um processo seletivo, ainda que
simplificado, fere frontalmente os princípios da impessoalidade e da
transparência que devem revestir toda a atividade administrativa.
Nesse sentido, colho das palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] o
seguinte comentário:
É preciso
que a lei, ao disciplinar esse tipo de contratação, estabeleça regras que
assegurem a excepcionalidade da medida, evitando que se transforme em regra
geral, a exemplo do que ocorreu na vigência da Constituição anterior, e determine
as hipóteses em que a seleção pública é exigível.
Em sede de consulta, esse Tribunal de Contas já se manifestou
acerca do tema, explicitando a necessidade de a Unidade Gestora efetuar
processo seletivo previamente às contratações por tempo determinado, consoante
se verifica na Decisão n. 1901/2005, originária do Processo CON n. 05/00746281,
a qual remete ao Prejulgado n. 746, nos seguintes termos:
6.2. Nos
termos do §3º do art. 105 do Regimento Interno desta Corte de Contas, remeter
ao Consulente cópia do Prejulgado n. 746 (Processo n. CON-6601501/90 - Parecer
COG n. 417/99), o qual trata de matéria análoga e reza os seguintes termos:
"6.2.1.
A contratação pelo Município de pessoal por tempo determinado para atender à
necessidade temporária de excepcional interesse público, deve se pautar na
temporariedade, que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade que
justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da
Constituição Federal;
6.2.2. A
Lei Municipal que regulamentar o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal,
deve estabelecer as hipóteses e condições em que serão realizadas admissões
temporárias de pessoal para atender excepcional interesse público, o prazo
máximo de contratação, salários, direitos e deveres, proibição de prorrogação
de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função;
6.2.3. O
recrutamento do pessoal a ser contratado por tempo determinado para atender à
necessidade temporária de excepcional interesse público, deverá ser feito
mediante processo seletivo simplificado, sujeito à ampla divulgação, observada
a dotação orçamentária específica e mediante prévia autorização legislativa;
6.2.4. Os
gastos com a folha de pagamento do pessoal contratado por tempo determinado
para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, estão
inseridos entre as Despesas de Pessoal, sendo que o montante que o Município
poderá despender, está incluído no limite de 60% (sessenta por cento) da
Receita Corrente Líquida Municipal, nos termos do art. 2°, inciso II, da Lei
Complementar n. 96/99."
Concordo,
dessa forma, com a instrução quanto à penalidade cabida na restrição relatada,
em afronta às regras constitucionais previstas nos arts. 37, caput, e inciso II
da CF. (grifei)
Em hipóteses semelhantes esse Tribunal de Contas já decidiu pela
aplicação de multas aos responsáveis, conforme se verifica das seguintes
decisões:
Acórdão n. 0088/2010; sessão de 03/03/2010:
6.2.
Aplicar ao Sr. Albert Stadler - Prefeito Municipal de Porto Belo, CPF n.
716.057.469-91, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o
art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal
o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde
logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o
disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.2. R$
400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação de pessoal, em caráter
temporário, desprovida de comprovação do processo seletivo simplificado,
em inobservância ao art. 4º da Lei (municipal) n. 1.337/2005.
Acórdão n. 0321/2009; sessão de 16/03/2009:
6.2.
Aplicar ao Sr. Júlio Cézar Cechinel - ex-Prefeito Municipal de Içara, CPF n.
246.375.139-87, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000
c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (um
mil reais), em face da contratação irregular do Sr. Manoel Carlos
Rodrigues, no período de 03/11/2003 a 05/03/2004, sem processo seletivo
simplificado, em desacordo com o que estabelecem os arts. 2º, VII, e 15 da Lei
(municipal) n. 1.717/01 c/c art. 37, II e IX, da Constituição Federal,
fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão
no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal
o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo
autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o
disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000. (grifei)
O posicionamento do Tribunal de Contas da União não é outro.
Veja-se:
Acórdão TCU n. 1332/2007; sessão de 29/05/2007:
PESSOAL.
ADMISSÃO. CONTRATO TEMPORÁRIO. AUSÊNCIA DE PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO.
LEGALIDADE DE UM ATO E ILEGALIDADE DOS DEMAIS.
A
ausência de comprovação da realização de processo seletivo simplificado, de
acordo com o determinado no artigo 3º da Lei 8.745/1993, enseja o juízo de
ilegalidade do ato de admissão. [...]
4. De
acordo com o artigo 3º da Lei 8.745/1993, para a contratação temporária, não é
exigida a realização de concurso público, mas exige-se a realização de processo
seletivo simplificado com ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial
da União.
5.
Verifica-se que não consta dos autos a comprovação da realização do processo
seletivo simplificado, conforme o disposto no artigo 3º da Lei 8.745/1993, com
alteração da Lei 9.849/1999.
6. Nesse
sentido, acompanho a compreensão da Procuradoria, que se manifesta pela
ilegalidade das presentes admissões, destacando que tal deslinde não trará
nenhum ônus aos interessados.
7. Vale
observar que não há que se falar em devolução das importâncias recebidas, visto
que, no regime trabalhista, não é cabível a devolução dos valores percebidos a
título de remuneração pelo trabalho prestado, ainda que o contrato seja
declarado nulo. Desse modo, se houve a contraprestação laboral, é impertinente
a devolução de valores. [...]
9.2. com
fundamento nos artigos 71, incisos III e IX, da Constituição Federal e nos
arts. 1°, inciso V, 39, inciso I, e 45 da Lei 8.443/1992, considerar ilegais as
admissões de Abelardo Fraga Júnior, Adriana da Silva Ribeiro, Alair Mendes
Dutra, Andréa Márcia Gonçalves Campos, Angela Corrêa Ferreira, Angela Cristina
Collaro Esposito Pedro, Angela Maria Braga, Angela Maria Ribeiro de Carvalho,
Aryadne Ferreira de Souza, Assunta Favorito Sciammarella di Nubila, Claudia
Regina Ferreira Paes, Claudia Silva Braga, Consuelo Abreu Badaue de Mattos,
Cristina Maria Guedes de Oliveira, Dirlene Ramos Cerqueira Cruz, Djalma Alves
de Lima, Edenilsan de Souza Queiroz, Eduardo Burgos Sut, Elizabeth Rocha Clark,
Heloisa Helena Meirelles dos Santos, Iracema Angélica de Freitas Laurindo,
Janete Santos Ribeiro, Janir Otoni de Arruda, José Ferreira Tiziano José Romero
Rodrigues, Leila Maria de Andrade Monteiro, Liliane Gremaud Ramos, Lúcia da
Silva Leal Lemos, Luiz Augusto Martins da Silva, Márcia Regina Ramos de Azevedo
da Silva, Maria Celice Ribeiro Borges, Maria da Gloria de Araújo Ferreira,
Maria de Fátima Corrêa Pimentel Maia, Maria de Fátima Fonseca Viana, Maria
Lúcia Dias Queiroz, Maria Regina Ramos de Azevedo, Marta Mendes Da Silva, Nadja
Naira da Silva Azevedo, Neide Fernandes Martins Barbosa, Patrícia Ribeiro
Pires, Paulo César Gaetai, Rachel de Seixas Lemos Carvalho, Renata Seabra
Garrao, Ricardo Jose de Souza, Rita de Cássia Queiroz Omena, Selma Regina
Arsena e Souza, Sônia Regina Garofalo, Sônia Regina Santos Caldeira, Tereza
Maria Galieta Nacimento, e Valéria Paiva da Silva Ferreira, e recusar o
registro dos atos correspondentes (fls. 02/21 e 24/103), nos termos do art.
260, § 1º, do Regimento Interno deste Tribunal;
Destaca-se, por fim, o teor do Prejulgado n. 676 dessa Corte de
Contas, cujo caráter é normativo para os jurisdicionados do Tribunal de Contas
do Estado de Santa Catarina:
1.
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II, CF), podendo o
município contratar por prazo determinado, para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público, que deve se pautar na
temporariedade que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade, que
justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da
Constituição Federal. [...]
Diante de todo o exposto e pela farta documentação colacionada aos
autos, opino pela manutenção da irregularidade, com a consequente aplicação de
multa ao responsável.
2. Conclusão.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na
competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n.
202/2000, manifesta-se:
1. pela IRREGULARIDADE,
na forma do art. 36, § 2º, alínea
“a”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, da contratação de pessoal sem a
realização de concurso público, em desacordo com o previsto no art. 37, inciso
II da CRFB/88, e ausência de processo seletivo, em afronta ao art. 37, caput e inciso IX da CRFB/88, c/c o art.
2º, § 2º, da Lei Municipal n. 268/01;
2. pela APLICAÇÃO DE MULTA,
na forma do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao
Sr. João Batista de Geroni, Prefeito Municipal de Calmon à época dos fatos,
pela prática da referida irregularidade;
3. pela DETERMINAÇÃO disposta
no item 3.2 da conclusão Relatório de Reinstução DMU n. 3774/2015.
Florianópolis, 1º de fevereiro de 2016.
Cibelly
Farias Caleffi
Procuradora