PARECER  nº:

MPTC/39701/2016

PROCESSO nº:

REC 15/00552426    

ORIGEM     :

Fundo Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL

INTERESSADO:

Gilmar Knaesel

ASSUNTO    :

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo nº PCR-11/00463230

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Gilmar Knaesel em face do Acórdão nº 523/2015,[1] em que se decidiu pela aplicação de multa ao recorrente, por irregularidades na concessão de repasse autorizado por meio do Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL.

Auditores da Diretoria de Recursos e Reexames – DRR sugeriram o conhecimento do recurso, para negar-lhe provimento, com a ratificação na íntegra do julgamento recorrido (fls. 34/51).

 

2 – ADMISSIBILIDADE

O recurso é singular, tempestivo,[2] e foi manejado por responsável legitimado para tanto.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 77 da Lei Complementar n° 202/2000, o recurso merece ser conhecido.

 

3 – ANÁLISE

3.1 – Prescrição administrativa

O recorrente suscitou a ocorrência de prescrição administrativa relativamente aos fatos em análise, sob o argumento de que, entre a data dos repasses (26-10-2005 e 13-4-2006) e a data da publicação do julgamento (14-9-2015), teriam transcorrido mais de 5 anos.

A Constituição de 1988 adotou a prescritibilidade como regra, no Capítulo dos Direitos Individuais e Coletivos, explicitando as exceções em outros capítulos, como a referente às ações de ressarcimento por prejuízos causados ao erário, que são imprescritíveis (art. 37, § 5º, da Constituição).

No âmbito do Tribunal de Contas da União, no que concerne à prescrição para imposição de multas, tem prevalecido a tese da aplicação de regras legais vigentes no Direito Civil (Acórdãos nºs 8/97 - 2ª Câmara; 11/98 - 2ª Câmara; 210/99 – 1ª Câmara; 71/2000 – Plenário; 1.715/2006 – 1ª Câmara).[3]

O art. 205 do Novo Código Civil preconiza que a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, devendo este ser o prazo aplicado ao caso.

Considerando que o período transcorrido entre a realização do repasse e a citação do responsável, ocorrida em 12-11-2013,[4] não ultrapassou 10 anos, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de Contas.

Por oportuno, insta sublinhar que a prescrição intercorrente quinquenal prevista na Lei Complementar Estadual nº 588/2013 também não incide no caso.

A teor do que dispõe o art. 24-A, § 2º, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o prazo de cinco anos para o julgamento da ação deve ser contado a partir da citação do administrador, ou da data de sua exoneração do cargo, considerando-se a mais recente.

Como a citação do Sr. Gilmar Knaesel ocorreu em 12-11-2013, o lustro prescricional somente ocorrerá no ano de 2018.

Ainda que se olhe a questão sob a óptica do art. 2º, IV, da Lei Complementar nº 588/2013,[5] melhor sorte não assiste ao recorrente, uma vez que a referida lei completará 5 anos apenas em 2018.

Por tais razões, não merece acolhimento a prejudicial ventilada.

 

3.2 – Valor das multas aplicadas

O recorrente insurge-se contra o valor das multas aplicadas, procurando demonstrar, em tabela específica,[6] que o Tribunal vem arbitrando, em relação a irregularidades idênticas, sanções pecuniárias em valores variáveis, sem um critério lógico.

A fixação de multas pelo Plenário do Tribunal de Contas, nos termos do art. 70 da Lei Complementar nº 202/2000, não atende a critérios quantitativos pré-fixados.

Pelo contrário, cabe aos julgadores, atentos às peculiaridades do caso concreto, arbitrar o valor das multas dentro do parâmetro legal estabelecido, em atuação discricionária legalmente autorizada.

Sobre o assunto, trago o preclaro voto proferido pelo Conselheiro Salomão Ribas Júnior, posteriormente chancelado pelo Egrégio Tribunal Pleno:[7]

 

Expressamente, no tocante aos Tribunais de Contas, o art. 73, caput, da CF, assegura, no que couber, ao Tribunal de Contas da União (TCU), o exercício das atribuições previstas no art. 96 (dispõe sobre a competência privativa dos tribunais judiciários) e, quanto aos Ministros do TCU, as garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do STJ (§ 3º). Extensivamente, essas disposições são aplicadas às Cortes de Contas Estaduais por força do art. 75 da CF. Quanto ao valor das multas, a Constituição Federal assevera que estas devam ser proporcionais ao dano causado ao erário (art. 71, inc. VIII).

De todo modo, incontáveis princípios e diretrizes norteiam as ações deste Tribunal, o qual, através do Corpo Deliberativo, exara suas decisões com fundamentos próprios do Relator e/ou com apoio nas manifestações técnicas e/ou do Ministério Público de Contas.

Quando se trata das multas a serem aplicadas aos responsáveis a Lei Orgânica do Tribunal de Contas Catarinense estabelece o valor máximo da multa (até R$ 5.000,00, art. 70, caput, Lei Complementar Estadual n. 202, de 2000); as hipóteses em que pode ser cominada; e remete ao Regimento Interno (RI) a gradação dessa multa (art. 70 da LC), a qual é especificada por meio dos dispositivos do art. 109 do RI (Resolução n. TC-06/2001).

Ao Relator, que preside a instrução dos processos distribuídos para sua relatoria (arts. 35 da LC 202 e 123 do RI) e formula relatório e voto – cabe a avaliação do conteúdo do processo, a existência de ilegalidades, sua gravidade, a complexidade do(s) ato(s), reincidências e outros aspectos específicos – e com base nessas informações extraídas dos autos, mensurar o valor da multa a ser cominada, submetida à deliberação do Órgão Colegiado do Tribunal de Contas. Isto significa que a multa não constitui ato pessoal, isolado, injustificado; sua aplicação resulta de deliberação coletiva, o que por si só afasta hipótese de abuso de poder, e conduz seguramente para a observância do princípio da razoabilidade.

[...]

É competência do Relator e do Colegiado mensurar, segundo sua convicção, a multa a ser aplicada.

 

Deste modo, as alegações ventiladas não merecem prosperar.

 

3.3 – Tese da infração continuada e da violação ao princípio do non bis in idem

Ao tecer comentários acerca das sanções impostas pelo Tribunal de Contas, o recorrente invocou, em sua defesa, a recente tese formulada pelo Exmo. Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, acerca da aplicação de multas em infrações administrativas continuadas.

Auditores da DRR recomendaram a desconsideração da tese invocada, argumentando, entre outros pontos, que as multas aplicadas seguidamente ao Sr. Gilmar Knaesel nos últimos anos não ofendem o princípio do non bis in idem, tampouco caracterizam infrações continuadas nos moldes estabelecidos no Direito Penal.

Em voto divergente apresentado no julgamento do processo n° PCR-08/00460294, o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior propôs o cancelamento das multas impostas ao Sr. Gilmar Knaesel, em função de irregularidades cometidas durante o processamento de pedido de repasse junto ao Fundo Estadual de Incentivo ao Turismo -FUNTURISMO.

Na oportunidade, o Exmo. Conselheiro sustentou que multas análogas foram sistematicamente aplicadas pela Corte de Contes ao longo dos últimos anos, acarretando penalização desproporcional e indevida ao recorrente.

Muito embora a tese não tenha sido acatada pelos demais Conselheiros no processo em questão, voltou a ser objeto de debate no julgamento do processo nº REC-14/00274831, oportunidade em que o Egrégio Tribunal Pleno adotou a linha divergente propugnada, exarando o Acórdão nº 725/2015.

Considerando o recente Acórdão, torna-se necessário tecer considerações sobre o ponto, no intuito de contribuir para o amadurecimento da questão.

Nos termos do voto divergente proferido no processo nº PCR-08/00460294, a tese calca-se nos seguintes argumentos principais: a) as reiteradas multas aplicadas pelo Tribunal ao Sr. Gilmar Knaesel ofendem o princípio do non bis in idem; e b) as irregularidades formais cometidas pelo Sr. Gilmar Knaesel ao longo de sua gestão na SOL configuram infrações administrativas continuadas, devendo ser tratadas de modo análogo aos crimes continuados, tal qual previsto na legislação penal (art. 71 do CP), em atenção ao princípio da proporcionalidade das sanções.

No que tange ao primeiro argumento, cabe esclarecer que o princípio do non bis in idem não incide sobre o caso em questão.

Com efeito, o referido princípio se traduz na vedação imposta ao Estado de responsabilizar o acusado mais de uma vez pela mesma conduta,[8] aplicando reiteradas sanções por um mesmo ilícito, na mesma esfera de competência.[9]

As reiteradas multas aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel decorrem de irregularidades distintas, ainda que análogas, relativas a diferentes repasses autorizados pelo responsável como gestor máximo dos Fundos Estaduais de Incentivo à Cultura, Esporte e Turismo.

O Exmo. Conselheiro Adircélio de Moraes elencou, em seu voto divergente, uma série de julgados desta Corte de Contes que ilustrariam a aplicação do referido princípio.

A análise dos casos citados demonstra que a jurisprudência da Corte de Contas se inclina em aplicar o princípio somente em relação a irregularidades que tratem de fatos coincidentes, no todo ou em parte, mas não de fatos análogos praticados em contextos próprios (processos nºs REC 08/00316096,[10] TCE-04/05443897,[11] RE-05/00513937,[12] REC-10/00811694,[13] RLI-11/00314668[14] e SLC-07/00446192[15]).

É certo que, em determinados processos que envolvam, por exemplo, o exame de duas ou mais licitações e contratos, o Tribunal tem por hábito aplicar apenas uma sanção em virtude de irregularidades análogas.

Tal exemplo foi empregado para justificar a aplicação do princípio do non bis in idem no caso que ora se analisa, argumentando-se ser inconcebível conferir à matéria trato processual diverso em um e outro caso.

Todavia, na hipótese acima ventilada, não se está diante de aplicação do princípio do non bis in idem, mas de mera otimização de análise, considerando a pluralidade de objetos análogos porventura julgados no mesmo processo.

Ao decidir pela aplicação de apenas uma multa em virtude de irregularidades análogas praticadas em dois ou mais contratos analisados no mesmo processo, o julgador invariavelmente levará em conta tal fato para majorar o valor da multa, já que as irregularidades, embora análogas, não se confundem, posto que decorrem de condutas diversas e fatos diferentes.

Dessa feita, o princípio do non bis in idem encontra aplicação somente nos casos de penalizações cumulativas pela mesma conduta, de modo que a primeira sanção imposta exclui a possibilidade de aplicação de outras da mesma natureza. 

Neste sentido, caso a hipótese esboçada realmente tratasse da aplicação do referido princípio, não seria possível (e necessária) a majoração da multa considerando a reiteração de condutas, já que o princípio, repita-se, pressupõe que se esteja analisando rigorosamente a mesma conduta, ou condutas substancialmente interligadas, de modo que a sanção seja aplicada levando em conta apenas uma única irregularidade, e não várias da mesma natureza.

Interessante notar, ao arremate, a incompatibilidade que existe entre o argumento da infração continuada, o qual será melhor analisado a seguir, e o argumento baseado no princípio do non bis in idem.

É que, ou se está diante de irregularidades diferentes, porém análogas, que justificam em tese a caracterização da infração como continuada, ou se está diante de irregularidades iguais, no todo ou em parte, baseadas no mesmo fato, que justificam a aplicação de apenas uma penalidade, com exclusão das demais, em aplicação ao princípio do non bis in idem.

À vista das razões expostas, inaplicável o aludido princípio ao caso em análise.

Relativamente ao segundo argumento, pretende-se utilizar, por analogia, a teoria penal dos crimes continuados, para o fim de relativizar a grande quantidade de multas aplicadas ao recorrente, ao longo dos últimos anos.

A teoria da continuidade delitiva decorre basicamente do art. 71 do Código Penal, o qual dispõe:

 

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

O Código Penal prevê a possibilidade de, considerando-se as circunstâncias similares de tempo, lugar e maneira de execução, tratar-se uma multiplicidade de crimes idênticos como delito único, por ficção jurídica, para fins de se aplicar punição mais branda.

As irregularidades análogas praticadas pelo Sr. Gilmar Knaesel teriam resultado em uma “repetição infindável de multas com razão fática idêntica, ao mesmo gestor, sem a mínima atenção ao contexto global da gestão, ou conexão entre os processos diversos e específicos que resultam na mesma sanção”.[16] 

Diante de tal situação, propôs-se a aplicação analógica do art. 71 do Código Penal ao caso em apreço, a fim de conferir “proporcionalidade e justiça no apenamento do responsável”.

Embora seja factível tratar questões do Direito Administrativo Sancionador sob a óptica do Direito Penal, em função da raiz punitiva comum que une ambas as esferas, tal fato não implica em permissivo irrestrito para o intercâmbio de institutos e regramentos, porquanto cada esfera legal possui edifício próprio de princípios e normas que lhes são aplicáveis.   

Neste sentido, conforme atesta o próprio Fábio Medina Osório,[17] há no Direito Administrativo Sancionador pátrio um “sistemático silêncio” sobre a possibilidade de aplicação da teoria da continuidade delitiva ao campo administrativo, sendo “forçoso constatar o silêncio de inúmeras ou da quase totalidade das legislações administrativas repressoras no campo federal, nos Estados e nos Municípios”.[18]

O “sistemático silêncio” do legislador pátrio sobre o assunto deve ser interpretado em termos restritivos, posto que as regras penais de concurso de crimes têm caráter específico, não podendo ser aplicadas, à míngua de autorização legislativa própria, a outros campos do direito sancionador.

Neste sentido, preciso ensinamento de Heraldo Garcia Vitta:[19]

 

Se no Direito Penal brasileiro há regras explícitas sobre o concurso real de normas, em virtude das quais há redução de pena, como devemos encarar o problema sobre o prisma do Direito Administrativo? Simplesmente, aplicaremos as normas daquela seara do Direito?

No direito italiano, ao menos durante a vigência da Lei 689/81, o artigo 8º, 1º, regula o concurso formal de infrações, mas não a continuidade delas. Por isso, neste caso, ocorre o cúmulo das sanções, ou seja, “sem qualquer desconto decorrente de eventual unidade de desígnio”, na expressão de Pasquale Cerbo (nota 9). [...]

O Direito Penal é especial, contém normas particulares, próprios desse ramo jurídico; em princípio, não podem ser estendidas além dos casos para os quais foram instituídas. De fato, não se aplica norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida; não se pode pôr de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do processo analógico. Na hipótese de concurso de crimes, o legislador escolheu critérios específicos, próprios desse ramo de Direito. Logo, não se justifica a analogia das normas do Direito Penal no tema concurso real de infrações administrativas.

A forma de sancionar é instituída pelo legislador, segundo critérios de discricionariedade. Compete-lhe elaborar ou não regras a respeito da concorrência de infrações administrativas. No silêncio, o cúmulo material é de rigor.

 

Mais adiante, Heraldo Garcia Vitta sustenta seu posicionamento citando outros autores:[20]

 

Régis Fernandes de Oliveira, de forma objetiva, resume seu entendimento, explicando que, no silêncio da lei, aplicam-se as regras do cúmulo material, isto é, as penas são somadas para todos os efeitos.

Susana Lorenzo entende não ser possível utilizar, analogicamente, normas do Direito Penal; segundo a autora, “em derecho administrativo, la regla es que se sancionará por todas las infracciones que se cometan, aplicándose las penas em su totalidade”.

Perfilhamos o entendimento segundo o qual, na falta de texto expresso, ocorre o cúmulo material, pois nas palavras de Zanobini, “Se a pessoa tinha um duplo dever de não cometer o fato, cometendo-o, viola duas diversas obrigações e deve suportar as consequências da dupla transgressão”.

 

Aliás, importante notar que, no Direito Administrativo brasileiro, o legislador tem procurado determinar o cúmulo material de infrações, conforme se observa, por exemplo, no art. 266 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), segundo o qual “quando o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as respectivas penalidades”.

Da mesma forma, o art. 72, § 1º, da Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente: “Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações [administrativas, pois o disposto está inserido no Capítulo VI – Da Infração Administrativa] ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas”.

E também o art. 56, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90, que regula a proteção do consumidor: “As sanções [administrativas] previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo”.[21]

Como se vê, evidente a inclinação do legislador pela cumulação material das infrações administrativas, razão pela qual não se justifica a transposição da teoria penal da continuidade delitiva.

É certo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera aplicável, em caráter excepcional, a teoria da continuidade delitiva às infrações administrativas de mesma espécie, condicionando a caracterização, todavia, a infrações apuradas na mesma oportunidade, em uma única ação fiscal (REsp nº 948.728-RJ, DJ 25-2-2008; REsp nº 643.634-PE, DJ 17-5-2006; REsp nº 178.066-PE, DJ 9-5-2005 e REsp nº 1.066.088-SP, DJ 2-9-2008).

Neste sentido:[22]

 

ADMINISTRATIVO – SUNAB – SANÇÃO ADMINISTRATIVA POR INFRAÇÃO AO TABELAMENTO DE PREÇO – NATUREZA CONTINUADA.

1. A jurisprudência desta Corte, em reiterados precedentes, tem entendido que há infração continuada quando a Administração Pública, exercendo o poder de polícia, constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de infrações múltiplas da mesma espécie. A caracterização da continuidade delitiva administrativa se dá em uma única autuação (múltiplos precedentes). (Grifos meus)

 

Assim, no máximo, referido entendimento poderia ser aplicado ao exemplo ilustrado anteriormente, acerca das irregularidades análogas tratadas no mesmo processo.

Mas, à toda evidência, não tem aplicação ao caso em comento, posto que as infrações cometidas pelo Sr. Gilmar Knaesel se deram em diferentes processos de repasse ao longo de vários anos, tendo sido apuradas em momentos distintos de fiscalização.

De mais a mais, o próprio Código Penal, em seu art. 72,[23] estabelece que, no concurso de crimes, as penas de multa devem ser aplicadas distinta e integralmente.

Ainda que se admitisse, a título argumentativo, a possibilidade de aplicação da tese ao caso em apreço, restaria a difícil missão de fixar os critérios de análise apropriados.

As dificuldades de ordem prática foram notadas inclusive por Fábio Medina Osório, ao sublinhar o “difícil problema de identificar critérios seguros que permitam o reconhecimento da continuidade de infrações”, considerando o “vazio normativo reinante”.[24]

Neste particular, aspecto importante a ser levado em conta diz respeito ao tempo de cometimento das infrações, requisito necessário na caracterização da continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do CP.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o lapso temporal entre as condutas não deve superar 30 dias, sob pena de descaracterização da continuidade:[25]

 

É assente na doutrina que não há “como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses para que se possa entender pela continuidade delitiva. 4. O Supremo Tribunal Federal, todavia, lançou luz sobre o tema ao firmar, e a consolidar, o entendimento de que, excedido o intervalo de 30 dias entre os crimes, não é possível ter-se o segundo delito como continuidade do primeiro: HC 73.219/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 26/04/1996, e HC 69.896, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 02/04/1993.

 

Considerando que o Sr. Gilmar Knaesel atuou na Secretaria de Estado de Cultura, Turismo e Esporte pelo período de 8-3-2005 a 31-3-2010, cometendo diversas infrações idênticas ao longo de sua gestão, torna-se problemático conciliar tal situação com as balizas jurisprudenciais de caracterização da infração continuada.

De outra ponta, caso se adote como critério temporal o exercício financeiro,[26] incorre-se no risco de englobar em apenas uma sanção pecuniária uma quantidade expressiva de irregularidades cometidas ao longo do mesmo ano, acarretando, de maneira inversa, reduzida e desproporcional punição ao agente.

Em casos tais, como ressalta o próprio Fábio Medina Osório, “se a ficção da continuidade, além de atuar no vazio normativo, vier a impactar o apenamento para além da proporcionalidade, não haverá permissivo constitucional ou legal implícito a viabilizar essa operação”.[27]

Destarte, considerando os significativos entraves doutrinários, jurisprudenciais, legislativos e práticos da questão, deve o Tribunal se manter na linha de julgamento adotada até então, tomando por base a teoria do concurso material de infrações.

Ultrapassadas as questões de ordem geral, passo ao exame concreto das multas aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel, no acórdão recorrido.

 

3.4 – Repasse de recursos públicos sem a formalização de contrato/termo de convênio ou instrumento congênere

O recorrente pretende afastar a multa aplicada no item 6.4.1 do Acórdão nº 523/2015, sob o argumento de que, ao tempo do repasse, a unidade gestora não dispunha de condições de infraestrutura adequadas à boa consecução de suas atividades.

O argumento empregado na peça recursal não merece acolhida, porquanto eventuais deficiências estruturais dos órgãos públicos não podem servir de justificativa para o descumprimento da lei.

De outro lado, é cediço que o termo formal de ajuste é “indispensável para estabelecer as responsabilidades e obrigações do proponente que teve projeto de incentivo aprovado”.[28]

Recentemente, os Exmos. Conselheiros Wilson Rogério Wan-Dall e Luiz Eduardo Cherem apresentaram voto pugnando pelo cancelamento de multas baseadas na irregularidade que ora se discute, sob o argumento de que as subvenções sociais concedidas antes do advento do Decreto Estadual n° 1.291/2008 não estariam sujeitas à obrigatoriedade de formalização de termo de ajuste escrito, em função do disposto no art. 16, § 3º, III, do Decreto Estadual n° 3.115/2005, acrescentado pelo Decreto Estadual n° 3.503/2005 (REC-14/00714319 e REC-14/00552238).

Chamo a atenção para o fato de que o art. 16, § 3°, III, do Decreto Estadual nº 3.115/2005, utilizado pelos Exmos. Conselheiros para fundamentar seus votos, trazia exigência expressa no sentido de que as subvenções sociais deveriam observar as normas previstas na Lei Estadual n° 5.867/81, senão vejamos:

 

Art. 16. [...]

§ 3º Os recursos financeiros dos Fundos poderão ser empregados por meio:

I – da descentralização de créditos orçamentários, na forma instituída pela Lei nº 12.931, de 13 de fevereiro de 2004;

II – da celebração de convênios, com observância das normas previstas no Decreto nº 307, de 4 de junho de 2003;

III – da concessão de subvenções sociais, com observância das normas previstas na Lei nº 5.867, de 27 de abril de 1981;

IV – da celebração de contratos, na forma instituída pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (Grifo meu)

 

A referida lei, a qual dispõe sobre a concessão, pelo Estado, de subvenções sociais a entidades de caráter privado, disciplina a obrigatoriedade de instrumentos legais em seu art. 2°:

 

Art. 2º As subvenções serão concedidas para atender aos encargos que, por interesse público ou através de convênios, contratos e ajustes, venham a ser atribuídos às instituições de caráter privado.

 

Com bem pontuou o procurador de contas Diogo Roberto Ringenberg:[29]

 

[...] a redação imprópria da lei, que utiliza a expressão ‘por interesse público ou através de convênios, contratos e ajustes’ não pode levar à falsa interpretação de que ou se exigirá a presença do interesse público, ou se exigirá a formalização de convênio, contrato e ajuste. Por certo que o repasse e utilização de qualquer valor público deve sempre atender ao interesse público.

Como forma de garantir a sua concretização, faz-se necessária a formalização de instrumento que estabeleça parâmetros objetivos para futura averiguação do cumprimento da finalidade social do repasse, por meio da análise da competente prestação de contas.

 

Ainda que se argumente acerca da inexatidão do texto legal apontado, é certo que o art. 116 da Lei nº 8666/93 torna aplicáveis aos ajustes e outros instrumentos congêneres, incluída aí a subvenção social, as regras previstas para os contratos administrativos (art. 40), entre as quais sobreleva a necessidade de instrumento escrito disciplinando o ajuste das obrigações firmadas pelo Estado com particulares.

Tanto a elaboração de ajuste formal se fazia necessária, que o gerente de projetos culturais da SOL, em parecer elaborado em 27-7-2005, recomendou ao gestor da Secretaria a elaboração do referido instrumento (fl. 46 do processo n° PCR-11/00463230).

Deste modo, irrelevante o fato de que o repasse em análise tenha se dado à conta do item de despesa nº 335043 – Subvenções Sociais.[30]

Por fim, registre-se que, em acórdão proferido na última sessão de 2015, o Egrégio Tribunal Pleno, ao julgar o recurso nº REC-14/00522240, chancelou voto exarado pela Conselheira Substituta Sabrina Nunes Iocken, confirmando a multa aplicada ao Sr. Gilmar Knaesel no julgamento do processo nº TCE-0900538180, em virtude da ausência de instrumento de ajuste escrito, concernente a repasse feito em 2007, por meio do FUNDESPORTE.

Desse modo, em consonância com a recente decisão exarada pelo Tribunal de Contas, propugno pela manutenção da sanção pecuniária.

 

4 – CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pela CONHECIMENTO do RECURSO de RECONSIDERAÇÃO, em virtude do preenchimento dos requisitos de admissibilidade previstos no art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos deste parecer.

Florianópolis, 17 de fevereiro de 2016.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Acórdão exarado pelo Tribunal Pleno na sessão ordinária realizada em 5-8-2015, por ocasião do julgamento do processo nº PCR-11/00463230 (fls. 454/455 do referido processo).

[2] Acórdão publicado no DOTC-e em 14-9-2015 (fl. 462 do processo n° PCR-11/00463230) e recurso protocolado em 29-9-2015 (fl. 2), respeitando o prazo de 30 dias legalmente previsto.

[3] Esse entendimento tem sido aplicado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, mormente a partir da decisão do processo nº PDT-01/101547447.

[4] Fl. 170 do processo principal.

[5] Art. 2º O disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000, aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma: [...] IV - os processos instaurados há menos de 3 (três) anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 5 (cinco) anos para serem analisados e julgados. (Grifo meu)

[6] Fl. 21.

[7] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC-10/00725852. Relator: Salomão Ribas Júnior. Voto n° 397/2012. Data: 14-11-2012. Disponível em: <file:///C:/PROG-TCE/Processos/RepoEletronico/2012/1000725852/3779554.htm>. Acesso em: 19-1-2016.

[8] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 114.

[9] FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 133.

[10] Ver as razões aduzidas pela Consultoria-Geral na parte final do Relatório n° 244/2010, as quais evidenciam que o princípio do non bis idem foi aplicado em virtude de ambos os processos em questão versaram rigorosamente sobre a mesma irregularidade (contratação de advogado sem concurso público), relativamente ao mesmo contrato (contrato de prestação de serviços advocatícios para o ano de 2003, com o Sr. Julio Cesar Kuss). Disponível em: <C:\PROG-TCE\Processos\RepoEletronico\2010\800316096\3371908.htm>. Acesso em: 12-1-2016.

[11] O processo decorreu de auditoria realizada nas obras de reforma do prédio da Fundação Catarinense de Cultura – FCC. O princípio do non bis in idem foi aplicado, no caso, em relação a duas irregularidades específicas as quais foram consideradas pelo relator da matéria como englobadas em irregularidade genérica anteriormente tratada. Portanto, trata-se de situação substancialmente diversa desta que ora se analisa. A questão pode ser visualizada adequadamente pelo cotejo dos itens 2.3 a 2.5 do Relatório n° DLC-22/2008 e das razões aduzidas no voto n° 326/2009, proferido pelo Conselheiro César Filomeno Fontes. Relatório disponível em: <C:\PROG-TCE\Processos\RepoEletronico\2008\405443897\2971790.pdf>. Voto disponível em: <file:///C:/PROG-TCE/Processos/RepoEletronico/2009/405443897/3253328.htm> Acesso em: 12-1-2016.

[12] O princípio do non bis in idem foi empregado para afastar aplicação de multa por irregularidade consubstanciada na cobrança de mensalidade no curso de Pedagogia à distância oferecido pela UDESC, sob o argumento de que multas análogas já haviam sido aplicadas nos processos n°s REC-06/00105849 e REC-06/00164004. A análise dos referidos processos permite entrever que as irregularidades levadas em consideração para efeitos de aplicação do princípio diziam respeito ao mesmo contrato administrativo firmado pela UDESC com o Centro de Estudos e Projetos Educacionais e Culturais – CEPEC, para o fornecimento do curso de Pedagogia a distância pela instituição de ensino público, evidenciando se tratar de situação diversa da que ora se analisa.

[13] Conforme pode ser visto nas razões aduzidas no Voto n° 418/2012, exarado pelo Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, o princípio foi empregado para desconsiderar multas aplicadas em virtude de atos acessórios, sob o argumento de que o ato principal já havia sido penalizado. No caso que ora se analisa, cada repasse constituiu um núcleo procedimental próprio de atos administrativos, independente dos demais.

[14] A leitura do Voto nº 1006/2012, proferido pelo Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, deixa claro que o princípio foi aplicado em virtude de irregularidades derivadas do mesmo fato, consubstanciado na ausência de licitação na contratação de empresa para prestação de serviços de palco, no 17° Festival Sul Brasileiro de Vôo Livre de Timbé do Sul.

[15] O princípio foi aplicado a fim de evitar múltiplas penalizações atinentes ao mesmo processo licitatório, gerador de uma única despesa pública.

[16] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° PCR-08/00460294. Voto divergente n° 327/2014. Data: 8-12-2014.

[17] Autor citado para sustentar a tese combatida.

[18] OSÓRIO, Fábio Medina. Direto administrativo sancionador. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 347.

[19] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 129/130.

[20] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 129/130.

[21] VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos da imposição de penalidades administrativas, p. 4-5. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/20158-20159-1-PB.pdf>. Acesso em: 13-1-2016.

[22] Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 616.412-MA. Relatora: Eliana Calmon. 2ª Turma. Julgado em: 29-11-2004.

[23] Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.

[24] OSÓRIO, Fábio Medina. Direto administrativo sancionador. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 348.

[25] Supremo Tribunal Federal. HC n° 107.636-RS. Relator: Min. Luiz Fux. 1ª Turma. DJe 21-3-2012.

[26] Ao arrepio da orientação jurisprudencial.

[27] OSÓRIO, Fábio Medina. Direto administrativo sancionador. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 349.

[28] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC-14/00714319. Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall. Parecer n° MPTC-32280/2015. Procuradora de Contas: Cibelly Farias Caleffi. Data: 18-6-2015.

[29] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC 14/00552238. Relator: Conselheiro Luiz Eduardo Cherem. Parecer n° MPTC-30.033/2014. Data: 16-12-2014.

[30] Fl. 65 do processo n° PCR-11/00463230.