PARECER  nº:

MPTC/39708/2016

PROCESSO nº:

REC 15/00182319    

ORIGEM     :

Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE

INTERESSADO:

Gilmar Knaesel

ASSUNTO    :

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo nº TCE-11/00349291

 

1 – RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Gilmar Knaesel em face do Acórdão nº 37/2015,[1] em que se decidiu por imputação de débito e aplicação de multas ao recorrente, em virtude de irregularidades na concessão de repasse autorizado por meio do Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte – FUNDESPORTE.

Auditores da Diretoria de Recursos e Reexames – DRR sugeriram o conhecimento do recurso, para negar-lhe provimento, com a ratificação na íntegra do julgamento recorrido (fls. 33/49).

 

2 – ADMISSIBILIDADE

O recurso é singular, tempestivo,[2] e foi manejado por responsável legitimado para tanto.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 77 da Lei Complementar n° 202/2000, o recurso merece ser conhecido.

 

3 – ANÁLISE

3.1 – Prescrição administrativa

O recorrente suscitou a ocorrência de prescrição administrativa relativamente aos fatos em análise, sob o argumento de que entre a data do repasse (abril de 2007) e a data da citação (outubro de 2012) teriam transcorrido mais de 5 anos.

A Constituição de 1988 adotou a prescritibilidade como regra, no Capítulo dos Direitos Individuais e Coletivos, explicitando as exceções em outros capítulos, como a referente às ações de ressarcimento por prejuízos causados ao erário, que são imprescritíveis (art. 37, § 5º, da Constituição).

No âmbito do Tribunal de Contas da União, no que concerne à prescrição para imposição de multas, tem prevalecido a tese da aplicação de regras legais vigentes no Direito Civil (Acórdãos nºs 8/97 - 2ª Câmara; 11/98 - 2ª Câmara; 210/99 – 1ª Câmara; 71/2000 – Plenário; 1.715/2006 – 1ª Câmara).[3]

O art. 205 do Novo Código Civil preconiza que a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, devendo este ser o prazo aplicado ao caso.

Considerando que o período transcorrido entre a realização do repasse e a citação do responsável não ultrapassou 10 anos, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva do Tribunal de Contas.

Por oportuno, insta sublinhar que a prescrição intercorrente quinquenal prevista na Lei Complementar Estadual n° 588/2013 também não incide no caso.

A teor do que dispõe o art. 24-A, § 2°, da Lei Complementar Estadual n° 202/2000, o prazo de cinco anos para o julgamento da ação deve ser contado a partir da citação do administrador, ou da data de sua exoneração do cargo, considerando-se a mais recente.

Como a citação do Sr. Gilmar Knaesel ocorreu em 29-10-2012, o lustro prescricional somente ocorrerá no ano de 2017.

Ainda que se olhe a questão sob a óptica do art. 2°, IV, da Lei Complementar n° 588/2013,[4] melhor sorte não assiste ao recorrente, uma vez que a referida lei completará 5 anos apenas em 2018.

Por tais razões, não merece acolhimento a prejudicial ventilada.

 

3.2 – Valor das multas aplicadas

O recorrente insurge-se contra o valor das multas aplicadas, procurando demonstrar, em tabela específica,[5] que o Tribunal vem arbitrando, em relação a irregularidades idênticas, sanções pecuniárias em valores variáveis, sem um critério lógico.

A fixação de multas pelo plenário do Tribunal de Contas, nos termos do art. 70 da Lei Complementar n° 202/2000, não atende a critérios quantitativos pré-fixados.

Pelo contrário, cabe aos julgadores, atentos às peculiaridades do caso concreto, arbitrar o valor das multas dentro do parâmetro legal estabelecido, em atuação discricionária legalmente autorizada.

Sobre o assunto, trago preclaro voto proferido pelo Conselheiro Salomão Ribas Júnior, posteriormente chancelado pelo Egrégio Tribunal Pleno:[6]

 

Expressamente, no tocante aos Tribunais de Contas, o art. 73, caput, da CF, assegura, no que couber, ao Tribunal de Contas da União (TCU), o exercício das atribuições previstas no art. 96 (dispõe sobre a competência privativa dos tribunais judiciários) e, quanto aos Ministros do TCU, as garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do STJ (§ 3º). Extensivamente, essas disposições são aplicadas às Cortes de Contas Estaduais por força do art. 75 da CF. Quanto ao valor das multas, a Constituição Federal assevera que estas devam ser proporcionais ao dano causado ao erário (art. 71, inc. VIII).

De todo modo, incontáveis princípios e diretrizes norteiam as ações deste Tribunal, o qual, através do Corpo Deliberativo, exara suas decisões com fundamentos próprios do Relator e/ou com apoio nas manifestações técnicas e/ou do Ministério Público de Contas.

Quando se trata das multas a serem aplicadas aos responsáveis a Lei Orgânica do Tribunal de Contas Catarinense estabelece o valor máximo da multa (até R$ 5.000,00, art. 70, caput, Lei Complementar Estadual n. 202, de 2000); as hipóteses em que pode ser cominada; e remete ao Regimento Interno (RI) a gradação dessa multa (art. 70 da LC), a qual é especificada por meio dos dispositivos do art. 109 do RI (Resolução n. TC-06/2001).

Ao Relator, que preside a instrução dos processos distribuídos para sua relatoria (arts. 35 da LC 202 e 123 do RI) e formula relatório e voto – cabe a avaliação do conteúdo do processo, a existência de ilegalidades, sua gravidade, a complexidade do(s) ato(s), reincidências e outros aspectos específicos – e com base nessas informações extraídas dos autos, mensurar o valor da multa a ser cominada, submetida à deliberação do Órgão Colegiado do Tribunal de Contas. Isto significa que a multa não constitui ato pessoal, isolado, injustificado; sua aplicação resulta de deliberação coletiva, o que por si só afasta hipótese de abuso de poder, e conduz seguramente para a observância do princípio da razoabilidade.

[...]

É competência do Relator e do Colegiado mensurar, segundo sua convicção, a multa a ser aplicada.

 

Deste modo, as alegações ventiladas não merecem prosperar.

 

3.3 – Aprovação de projeto sem parecer do Conselho Estadual de Esporte, sem anuência da maioria dos membros do Comitê Gestor e sem apreciação dos aspectos orçamentários pela Secretaria Executiva do SEITEC

O recorrente pretende afastar a multa aplicada no item 6.3.3.1 do Acórdão n° 37/2015, sob o argumento de que a estrutura dos Conselhos Estaduais não estava definida na época, fazendo com que os projetos fossem aprovados discricionariamente, segundo a oportunidade e o interesse público (fls. 14/16).

O argumento empregado na peça recursal não merece acolhida, porquanto eventuais deficiências estruturais dos órgãos públicos não podem servir de justificativa para o descumprimento da lei.

De outro tanto, é cediço que “os atos praticados na aprovação de projetos para financiamento no âmbito do SEITEC, sem a observância aos dispostivos legais que regem a matéria, são passíveis de sancionamento pela Corte de Contas”.[7]

Conforme dispunham os arts. 10, 11, II, e 20 do Decreto Estadual n° 3.115/2005, vigente à época, os Comitês Gestores de cada fundo, presididos pelo secretário da SOL, deveriam homologar, por maioria simples, apenas os projetos previamente definidos pelos respectivos Conselhos Estaduais, em conformidade com as prioridades das políticas públicas governamentais.[8]

Analisando o processo de concessão do repasse à luz dos dispositivos legais invocados, não se vislumbra a existência da devida manifestação prévia do Conselho Estadual de Esporte na aprovação da liberação dos recursos, tampouco deliberação conjunta dos integrantes do Comitê Gestor na decisão acerca do pedido.

Sobre o assunto, trago voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:[9]

 

Na prática, o que se verificou na análise de inúmeros processos desta ordem pelo eg. Plenário desta Casa é que os Comitês Gestores não faziam reuniões formais com o fim de analisar os projetos; seus membros recebiam os processos e os analisam isoladamente, sem que houvesse discussão ou apreciação conjunta, em contrariedade ao disposto no art. 10, §1°, da Lei nº 13.336/05, que remete a necessária tomada de decisões colegiadas pelos Comitês, após a aprovação pelo Conselho Estadual.

Conforme apregoa a área técnica, o parecer favorável do Conselho de Desportos é condição essencial para aprovação final do projeto, competindo ao Comitê Gestor apenas homologar o financiamento dos programas, projetos e ações que o Conselho tenha deliberado de forma positiva, fazendo uma avaliação meramente orçamentária.

Nesta senda, justifica-se a imputação pecuniária ao ex-Secretário de Estado da SOL, a ser aplicada distante do mínimo legal, diante da gravidade dos fatos mencionados, traduzidos na inobservância do procedimento previsto em lei, razão pela qual fixo a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) ao Sr. Gilmar Knaesel, diante do que dispõe o art. 70, inc. II da Lei Complementar n° 202/2000, c/c o art. 109, inc. II da Resolução N-TC 06/2001, pela inobservância ao disposto no art. 10, incisos I a III e § 1º, da Lei nº 13.336/2005; e, aos artigos 11, inc. II, e 20, do Decreto nº 3.115/2005 (item 2.3.1 do Relatório DCE n° 234/2013, fls. 289/290).

 

Sobre a aprovação do projeto sem prévio parecer técnico e orçamentário da diretoria do Sistema Estadual de Incentivo ao Turismo, Cultura e Esporte – SEITEC, não foram apresentados argumentos específicos.

O dispositivo legal invocado para sustentar a irregularidade dispunha expressamente acerca da necessidade de parecer técnico exarado pela Secretaria Executiva da SEITEC, avaliando o projeto sob seus aspectos legal e orçamentário, in verbis:

 

Decreto Estadual n° 3.115/2008

Art. 38. O projeto proposto será examinado e instruído pela Secretaria Executiva do SEITEC, sob os aspectos legal e orçamentário, com parecer administrativo conclusivo. [...]

 

Deste modo, considerando a ausência das manifestações legalmente exigidas, o julgamento deve ser mantido, no ponto.

 

3.4 – Repasse de recursos públicos sem a formalização de contrato/termo de convênio ou instrumento congênere

3.5 – Descumprimento do prazo máximo para adoção das providências administrativas e para instauração de tomada de contas especial, em razão da omissão do proponente no dever de prestar contas

O recorrente pretende afastar as multas aplicadas nos itens 6.3.1.2 e 6.3.1.4 do Acórdão n° 37/2015, sob o argumento de que a responsabilidade originária pela verificação de irregularidades estaria a cargo do controle interno da SOL (fls. 19/22).

A tese recursal não merece guarida, porquanto a responsabilidade do controle interno na averiguação de irregularidades, prevista no art. 5° do Decreto Estadual n° 1977/2008,[10] não prejudica nem afasta a responsabilidade primária da autoridade administrativa competente, tal qual previsto no art. 3°, I e art. 8° do aludido normativo.[11]

De outro lado, é cediço que o termo formal de ajuste é “indispensável para estabelecer as responsabilidades e obrigações do proponente que teve projeto de incentivo aprovado”.[12]

Recentemente, os Exmos. Conselheiros Wilson Rogério Wan-Dall e Luiz Eduardo Cherem apresentaram voto pugnando pelo cancelamento de multas baseadas na irregularidade que ora se discute, sob o argumento de que as subvenções sociais concedidas antes do advento do Decreto Estadual n° 1.291/2008 não estariam sujeitas à obrigatoriedade da formalização de termo de ajuste escrito, em função do disposto no art. 16, § 3°, III, do Decreto Estadual n° 3.115/2005, acrescentado pelo Decreto Estadual n° 3.503/2005 (REC-14/00714319 e REC-14/00552238).

Em que pese os argumentos contrários, chamo a atenção para o fato de que o art. 16, § 3°, III, do Decreto Estadual n° 3.115/2005, utilizado pelos Exmos. Conselheiros para fundamentar seus votos, trazia exigência expressa no sentido de que as subvenções sociais deveriam observar as normas previstas na Lei Estadual n° 5.867/81, senão vejamos:

 

Art. 16. [...]

§ 3º Os recursos financeiros dos Fundos poderão ser empregados por meio:

I – da descentralização de créditos orçamentários, na forma instituída pela Lei nº 12.931, de 13 de fevereiro de 2004;

II – da celebração de convênios, com observância das normas previstas no Decreto nº 307, de 4 de junho de 2003;

III – da concessão de subvenções sociais, com observância das normas previstas na Lei nº 5.867, de 27 de abril de 1981;

IV – da celebração de contratos, na forma instituída pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (Grifo meu)

 

A referida Lei, a qual dispõe sobre a concessão, pelo Estado, de subvenções sociais a entidades de caráter privado, disciplina a obrigatoriedade de instrumentos legais em seu art. 2°:

 

Art. 2º As subvenções serão concedidas para atender aos encargos que, por interesse público ou através de convênios, contratos e ajustes, venham a ser atribuídos às instituições de caráter privado.

 

Com bem pontou o procurador de contas Diogo Roberto Ringenberg:[13]

 

A redação imprópria da lei, que utiliza a expressão ‘por interesse público ou através de convênios, contratos e ajustes’ não pode levar à falsa interpretação de que ou se exigirá a presença do interesse público, ou se exigirá a formalização de convênio, contrato e ajuste. Por certo que o repasse e utilização de qualquer valor público deve sempre atender ao interesse público.

Como forma de garantir a sua concretização, faz-se necessária a formalização de instrumento que estabeleça parâmetros objetivos para futura averiguação do cumprimento da finalidade social do repasse, por meio da análise da competente prestação de contas. (Grifo do original)

 

Ainda que se alegue a inexatidão do texto legal apontado, é certo que o art. 116 da Lei nº 8666/93 torna aplicáveis aos ajustes e outros instrumentos congêneres, incluída aí a subvenção social, as regras previstas para os contratos administrativos (art. 40), entre as quais sobreleva a necessidade de instrumento escrito disciplinando o ajuste das obrigações firmadas pelo Estado com particulares.

Deste modo, irrelevante o fato de que o repasse em análise tenha se dado à conta do item de despesa nº 335043 – Subvenções Sociais.[14]

Por fim, registre-se que, em acórdão proferido na última sessão de 2015, o Egrégio Tribunal Pleno, ao julgar o recurso nº REC-14/00522240, chancelou voto exarado pela Conselheira Substituta Sabrina Nunes Iocken, confirmando a multa aplicada ao Sr. Gilmar Knaesel no julgamento do processo nº TCE-0900538180, em virtude da ausência de instrumento de ajuste escrito, concernente a repasse feito em 2007, pelo FUNDESPORTE.

Deste modo, em consonância com a recente decisão exarada pelo Tribunal de Contas, propugno pela manutenção da sanção pecuniária.

Com relação à multa aplicada no item 6.3.1.4 do Acórdão nº 37/2015, registro que irregularidade análoga foi recentemente objeto de deliberação pelo Egrégio Tribunal Pleno, no Acórdão n° 715/2015, proferido no julgamento do processo n° TCE-11/00474606, oportunidade em que se decidiu pela formulação de recomendação ao gestor da SOL, nos seguintes termos:[15]

 

1.    Processo n.: TCE 11/00474606

2.    Assunto: Tomada de Contas Especial, instaurada pela SOL, referente à prestação de contas de recursos antecipados, através da NE n. 060, de 04/06/2009, no valor de R$ 80.000,00, à Federação Catarinense de Beach Soccer

3.    Responsáveis: Gilmar Knaesel, Valdir Rubens Walendowsky, César Souza Júnior, Marcello Jose Ferreira Maia e Federação Catarinense de Beach Soccer

4.    Unidade Gestora: Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte – FUNDESPORTE

5.    Unidade Técnica: DCE

6.    Acórdão n.: 0715/2015 [...]

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em: [...]

6.4. Recomendar à Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte - SOL -, por seu atual titular, que, em situações futuras, adote providências a fim de evitar o cometimento da seguinte irregularidade, constatada pela diretoria técnica:

6.4.1. Não adoção das providências administrativas preliminares e nem instauração da tomada de contas especial nos prazos estabelecidos, em desacordo com o disposto nos arts. 6º a 8º do Decreto (estadual) n. 1.977/2008, 10 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, 143 e 146 da Lei Complementar (estadual) n. 381/2007 e 50 e 51 da Resolução n. TC-16/1994 (item 2.2.1 do Relatório de Instrução DCE/CORA/Div.1 n. 305/2015). [...] (Grifos meus)

 

Todavia, no caso citado, o fundamento invocado para o afastamento da multa foi o exíguo tempo transcorrido entre a data-limite para a adoção das primeiras providências e a data de saída do Sr. Gilmar Knaesel do cargo de secretário da SOL, conforme se constata no voto lavrado pelo Exmo. Conselheiro Julio Garcia:[16]

 

No que se refere ao atraso na adoção de providências administrativas e na instauração de tomada de contas especial, pela qual há sugestão de responsabilidade solidária dos três ex-gestores da SOL, tenho observado que, em que pese a importância de se observar os ditames legais acerca do assunto e a necessidade da formalização do procedimento pela Unidade concedente nos casos de atraso na prestação de contas de recursos repassados, esta Corte tem reiteradamente decidido no sentido de, considerando as circunstâncias de cada caso, em vez de punir o responsável, efetivar recomendação a fim de que a Unidade evite novas irregularidades semelhantes.

Veja-se que o Tribunal de Contas assim deliberou, por exemplo, nos autos dos processos TCE-10/00164567 e TCE-10/00164729, em que apenas puniu o beneficiário dos recursos repassados, por não ter prestado as devidas contas, e processo REC-13/00631772, no qual, em grau de recurso, o Tribunal cancelou a multa anteriormente aplicada ao responsável pela mesma restrição.

Por outro lado, embora não justifique, entendo que no caso específico também não seria razoável punir os ex-Secretários porque, quanto ao Sr. Gilmar Knaesel, permaneceu poucos meses a [à] frente da Secretaria após o término do prazo para adotar providências, e quanto aos demais, assumiram a Unidade também por pouco tempo e, aparentemente, assim que tomaram conhecimento das situações ocorridas no órgão administrado, realizaram as medidas que lhes cabiam naquele dado momento.

Dessa forma, e de modo a homenagear a uniformidade de decisões oriundas desta casa, entendo restar assegurado o interesse público com a formulação de recomendação à Unidade Gestora. (Grifo meu)

 

No processo em análise, ao contrário, foi constatado um atraso de aproximadamente dois anos na adoção das providências legais necessárias à proteção do erário (fl. 605 do processo nº TCE-11/00349291), período inteiramente transcorrido sob a gestão do responsável, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do citado entendimento ao caso em apreço.

Com efeito, o considerável atraso na adoção das medidas necessárias tendentes a resguardar o erário denota gravidade suficiente apta a justificar a aplicação de sanção pecuniária, configurando hipótese de grave infração a norma regulamentar, nos termos do art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000.

Destarte, considerando o extenso lapso temporal na adoção das primeiras providências administrativas, a manutenção da multa é medida que se impõe.

 

3.6 – Repasse do recurso fora do prazo regulamentar e após a concretização do projeto

O recorrente pugna pelo afastamento da multa aplicada no item 6.3.1.3 do Acórdão n° 37/2015, sob as alegações de que o modelo de captação de recursos previsto no Decreto Estadual nº 3.115/2005 era falho, e que a SOL não dispunha de infraestrutura e pessoal adequados para o bom desempenho de suas funções legais (fls. 22/24).

Os argumentos empregados na peça recursal não merecem acolhida, porquanto eventuais deficiências estruturais dos órgãos públicos não podem servir de justificativa para o descumprimento da lei.

O art. 21, § 5, do Decreto Estadual nº 3.115/2005 dispunha claramente acerca do prazo de 30 dias para a realização do repasse aprovado, contados da publicação do ato de aprovação no DOE.

Conforme razões aduzidas pelo Exmo. Relator da Tomada de Contas Especial, a inobservância do dispositivo legal agravou-se em função do longo período de um ano transcorrido entre a aprovação do projeto e o primeiro repasse, sendo que a transferência se deu após a concretização do projeto, sem que tivessem sido adotadas providências com vistas a confirmar a efetiva execução do evento (fls. 604/605 do processo nº TCE-11/00349291).

Tais circunstâncias ganham importância considerando as irregularidades verificadas na prestação de contas dos recursos repassados, razão pela qual a multa aplicada deve ser mantida.

 

3.7 – Condenação solidária do recorrente no ressarcimento ao erário

O recorrente insurge-se contra a condenação solidária no recolhimento da quantia de R$ 150.000,00, prevista no item 6.2 do Acórdão nº 37/2015, sob o fundamento de que em nenhum momento do processo ficou caracterizado dolo, culpa, má-fé ou grave infração à legislação, relativamente às condutas analisadas (fl. 28/30).

Auditores da DRR deixaram de analisar a questão, argumentando que o recorrente “não apresentou alegações de reforma pontuais acerca de sua condenação solidária no pagamento do débito” (fl. 41).

Não se desconhece que, “por força do efeito devolutivo do recurso, o tribunal deve se manifestar apenas sobre os capítulos do acórdão especificamente impugnados pelo recorrente”.[17]

Em que pese o recorrente não tenha formulado tópico específico para tratar de sua condenação no ressarcimento ao erário, as razões recursais vertidas no item 4 do recurso – Das Considerações Finais - tratam da questão de maneira direta, inclusive na parte derradeira, relativa ao pedido de reforma.

Deste modo, a questão está abarcada pelo efeito devolutivo deste recurso, devendo ser analisada.

Quanto ao mérito da questão, as alegações aduzidas pelo recorrente não procedem, porquanto não foram invocadas razões de fato e de direito capazes de modificar o julgamento proferido, relativamente à gravidade das infrações detectadas pelo Tribunal.

Por outro lado, insta sublinhar que, de acordo com o item 2.1 do acórdão recorrido, a responsabilização solidária do recorrente decorreu da aprovação do projeto e concessão de recursos públicos sem a observância dos preceitos legais, constituindo causa sem a qual não haveria o dano posterior.

A possibilidade de responsabilização solidária dos gestores máximos dos órgãos repassadores de verbas públicas vem sendo discutida com frequência pelo Tribunal, dando oportunidade ao amadurecimento da jurisprudência sobre o assunto.

Em relação ao atraso na adoção de providências administrativas e na abertura de tomada de contas especial, o Egrégio Tribunal Pleno recentemente consolidou seu posicionamento pela ausência de responsabilidade solidária do gestor quanto ao débito verificado (TCE-10/00424739 e TCE-09/00537884).

No mesmo sentido, diante da existência de falhas de ordem formal durante a aprovação de projetos, a Corte de Contas vem se posicionando pela ausência de responsabilidade solidária do gestor, quando não haja outras irregularidades que, aliadas às falhas formais detectadas, revelem ação negligente e temerária do secretário na liberação dos recursos (TCE-11/00344060 e TCE-12/00111661).

Todavia, a depender da gravidade das irregularidades no processamento dos pedidos de repasse, o Tribunal já decidiu pela responsabilização solidária (processo nº TCE-11/00340316).

Ilustrativo, no ponto, voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, chancelado pelo Egrégio Tribunal Pleno por meio da Decisão nº 112/2015:[18]

 

Há, de fato, circunstâncias nas quais este relator, considerando estas mesmas restrições, propõe a responsabilização pelo dano. Mas trata-se de casos em que, aliados a restrições de ordem formal durante a aprovação do projeto, se aglutinam outros dados, revelando que a ação negligente ou imprudente do gestor levou a liberação de recursos em condições nas quais já se poderia antever os riscos decorrentes da ausência de cautela na concessão do benefício [alto valor do repasse, parecer contrário do PDIL ou qualquer outro órgão responsável pela análise dos projetos, reiteração de repasses para a mesma entidade em semelhantes condições, não regularidade na prestação de contas anterior, generalidade do projeto apresentado e aprovado, ausência de especificação de despesas no projeto apresentado e aprovado, etc...].  (Grifo meu)

 

No caso sob análise, além do atraso na adoção das providências administrativas cabíveis e das irregularidades formais no processamento do repasse, vislumbra-se a existência de conduta particularmente temerária do gestor na liberação dos recursos, porquanto o repasse se deu meses após a realização do projeto, sem que tivessem sido adotadas providências prévias à transferência dos recursos com vistas a confirmar a efetiva execução do evento nos moldes propostos.

Em função disso, a atuação do gestor levou à liberação de recursos em condições nas quais já se poderia antever os riscos decorrente da ausência de cautela, justificando a responsabilização solidária.

Sobre o ponto, colaciono o seguinte excerto do voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, no julgamento do processo nº TCE-11/00340316:[19]

 

A propósito da temerária atuação do ex-gestor da SOL, também se assoma o fato de que, tendo sido o repasse posterior ao evento supostamente incentivado, dever-se-ia ao menos aferir se existiam despesas idôneas e suficientemente comprovadas para fazer frente ao montante de recursos públicos que seriam repassados.

Desta forma, diante da existência destas circunstâncias fáticas, subsistem fundamentos para responsabilização solidária do Sr. Gilmar Knaesel pelo débito apurado.

 

Portanto, deve ser mantida a condenação solidária do gestor pelo débito imputado.

 

4 – CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pela CONHECIMENTO do RECURSO de RECONSIDERAÇÃO, em virtude do preenchimento dos requisitos de admissibilidade previstos no art. 77 da Lei Complementar n° 202/2000, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos deste parecer.

Florianópolis, 3 de março de 2016.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Acórdão exarado pelo Tribunal Pleno na sessão ordinária realizada em 17-12-2014, por ocasião do julgamento do processo nº TCE-11/00349291 (fls. 612/613 do referido processo).

[2] Acórdão publicado no DOTC-e em 6-3-2015 (fl. 615 do processo n° TCE-11/00349291) e recurso protocolado em 13-3-2015 (fl. 2), respeitando o prazo de 30 dias legalmente previsto.

[3] Esse entendimento tem sido aplicado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, mormente a partir da decisão do processo nº PDT-01/101547447.

[4] Art. 2º O disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000, aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma: [...] IV - os processos instaurados há menos de 3 (três) anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 5 (cinco) anos para serem analisados e julgados. (Grifo meu)

[5] Fls. 24/27.

[6] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC-10/00725852. Relator: Conselheiro Salomão Ribas Júnior. Voto n° 397/2012. Data: 14-11-2012. Disponível em: <file:///C:/PROG-TCE/Processos/RepoEletronico/2012/1000725852/3779554.htm>. Acesso em: 19-1-2016.

[7] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° TCE-11/00340316. Relator: Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi. Voto proferido em 1°-9-2014.

[8] Art. 10. A administração superior de cada Fundo será exercida por um Comitê Gestor, cujas decisões serão tomadas por maioria simples, compostos pelos seguintes membros: [...]

Art. 11. Compete ao Comitê Gestor de cada Fundo: [...] II – homologar, de acordo com as políticas governamentais e a capacidade orçamentária, os projetos a serem financiados com recursos do Fundo, definidos pelos Conselhos Estaduais de Cultura, de Turismo e de Desportos;

Art. 20. Aos Conselhos de Cultura, de Turismo e de Desportos, obedecida a legislação vigente que os instituiu e regulamentou, caberá a definição dos programas, projetos e ações a serem encaminhados aos Comitês Gestores respectivos para aprovação dos financiamentos solicitados, em conformidade com as prioridades das políticas públicas governamentais. (Grifos meus)

[9] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° PCR- 08/00625986. Relator: Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi. Julgado em: 19-11-2013.

[10] Decreto n° 1977/2008 (atualmente revogado pelo Decreto Estadual n° 1.886/2013. Art. 5º O responsável pelo controle interno, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade que dê ensejo à adoção de providências administrativas ou à tomada de contas especial, deverá dar ciência imediata à autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária.

[11] Art. 3º Para fins deste Decreto, considera-se: I – autoridade administrativa competente: Secretário de Estado ou dirigente de entidade; [...]

Art. 8º Quando ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 2º deste Decreto, observado o disposto no art. 7º, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, instaurar a tomada de contas especial designando servidor ou comissão para sua realização.

[12] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC-14/00714319. Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall. Parecer n° MPTC-32280/2015. Procuradora de Contas: Cibelly Farias Caleffi. Data: 18-6-2015.

[13] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC 14/00552238. Relator: Conselheiro Luiz Eduardo Cherem. Parecer n° MPTC-30.033/2014. Data: 16-12-2014.

[14] Fl. 131 do processo nº TCE-11/00349291.

[15] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° TCE-11/00474606. Relator: Conselheiro Julio Garcia. Acórdão n° 715/2015. Sessão: 7-10-2015.

[16] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° TCE-11/00474606. Relator: Conselheiro Julio Garcia. Voto n° 138/2015. Data: 1°-9-2015.

[17] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo n° REC - 05/04118889. Parecer n° COG-343/2009. Data: 17-6-2009. Disponível em: <http://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/RelatorioTecnico/3269291.HTM>. Acesso em: 18-1-2016.

[18] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Processo nº TCE-11/00344060. Disponível em: <http://servicos.tce.sc.gov.br/processo/index.php>. Acesso em: 4-12-2015.

[19] Disponível em: < file:///C:/PROG-TCE/Processos/RepoEletronico/2014/1100340316/4085027.htm>. Acesso em: 18-1-2016.