Parecer nº:

MPC/39.624/2015

Processo nº:

REP 15/00047888    

Un. Gestora:

Município de São Carlos

Assunto:

Irregularidades no Edital de Leilão nº 102/2014

 

 

Trata-se de Representação formulada pelo SINDILEISC - Sindicato dos Leiloeiros Públicos Oficiais e Rurais do Estado de Santa Catarina - comunicando supostas irregularidades no Edital de Leilão nº 102/2014, destinado à venda de bens inservíveis do Município de São Carlos, com utilização de recursos de tecnologia da informação prestados pela empresa SUPERBID.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, ao emitir o Relatório nº 070/2015, manifestou-se por conhecer da Representação em face do preenchimento dos requisitos legais e, no mérito, considerá-la improcedente (fls. 55-59)

O Ministério Público de Contas, por meio do Despacho GPDRR/150/2015, discordou do posicionamento da área técnica, sugerindo a realização de audiência do responsável, o que foi acolhido pela Relatora (fls. 60-69).

Atendendo à audiência, o responsável apresentou justificativas (fls. 74-238).

Em seguida, sobreveio novo exame da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, através do Relatório nº 657/2015[1], por meio do qual sugeriu:

3.1. Acolher as justificativas e considerar improcedente a representação.

3.2. Determinar o arquivamento do processo.

3.3. Dar ciência do Relatório e da Decisão, ao representante, ao responsável - Sr. Cleomar Weber Kuhn e à Prefeitura Municipal de São Carlos/SC.

 

É o Relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições da Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº 6/2001).

 

1. Remuneração à empresa Superbid do valor correspondente a 10 % sobre o preço da arrematação (valor do lance ofertado), incompatível com a essência do leilão, prejudicando a obtenção da proposta mais vantajosa pela Administração, em afronta ao art. 3 da Lei nº 8.666/93

 

O Sr. Cleomar Weber Kuhn, Prefeito Municipal de São Carlos, alegou em síntese que (fls. 74-83):

 

A estruturação dos leilões através da rede Internet permite a ampliação do universo de licitantes e a possibilidade de que Municípios pequenos, que não disponham de recursos para investir em ferramentas de tecnologia da informação, possam obter melhores condições de venda dos seus ativos, os quais somente serão liberados caso tenham recebido lances superiores ao valor de avaliação.

Que todos os bens foram arrematados em valores muito superiores ao da avaliação.

Importante registrar que o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da arrematação, estabelecido no contrato firmado com o Município não é substancialmente diferente do valor recebido a título de comissão pelos Leiloeiros Oficiais do Estado de Santa Catarina, os quais costumam estabelecer o percentual de suas comissões entre 7% (sete por cento) e 8% (oito por cento) sobre o valor da arrematação, em leilões cujo universo de participantes restringe-se à região onde estão situados os bens, haja vista tratarem-se de certames presenciais.

Relativamente à questão da remuneração da Superbid dar-se por um percentual fixo sobre a coisa arrematada, impende mencionar que o Município realizou Licitação na modalidade Tomada de Preços, visando à contratação de empresa para prestar serviços de assessoria na estruturação de leilões oficiais através da rede Internet. Assim, após demonstrar dispor dos requisitos técnicos estabelecidos pela Municipalidade no Edital, a Superbid formulou proposta condizente com sua realidade comercial e sagrou-se vencedora na disputa, tendo assinado Contrato Administrativo.

 

A diretoria técnica afastou a irregularidade após considerar que a remuneração da contratada foi paga diretamente pelo arrematante à empresa contratada; que os bens leiloados foram arrematados em valores superiores ao fixado; que o leilão público foi acompanhado por comissão formada por servidores, ratificando desse modo seu posicionamento manifestado em processos anteriores sobre o mesmo assunto.

Discordarei do posicionamento exarado pela área técnica.

Aduz o responsável que a estruturação dos leilões através da rede Internet aumenta o universo de licitantes e possibilita aos Municípios pequenos obter melhores condições de venda dos seus ativos.

Não se nega a conclusão exposta pelo responsável. De fato, a divulgação de leilões também pela rede mundial de computadores amplia o leque de possíveis interessados na medida em que expande o universo de pessoas que tomam ciência do procedimento, aumentando o número de lances ofertados.

No entanto, o se questiona é a forma de remuneração da empresa, a qual varia conforme o valor do lance e é paga pelo particular. Assim, em contraponto à possível ampliação do número de interessados em participar do certame, decorrente do uso da rede Internet (o que se mostra elogiável), tem-se a diminuição no interesse em ofertar maiores quantias em razão da oneração do montante de 10% à empresa, a qual deveria ser paga por preço fixo em virtude do serviço prestado, não havendo legislação que lhe assegure tal modo de remuneração.

Quanto à alegação de que todos os bens foram arrematados em valores muito superiores ao da avaliação, os argumentos não procedem.

Parcela dos bens leiloados não alcançou a avaliação mínima e outros foram vendidos no valor mínimo, não podendo tal fato ser ignorado, em que pese também não se poder alegar que houve um prejuízo concreto e mensurável ao erário.

Ademais, já restou assentado em processo idêntico[2] ao caso ora analisado que a contratação nestes moldes resultou em possível prejuízo à Administração. No referido caso, muitos dos bens foram vendidos com valor mínimo ou abaixo do preço de avaliação, tendo o Tribunal proferido decisão no sentido de aplicar multa ao responsável em face do pagamento à empresa SUPERBID do valor correspondente a 10% sobre o preço da arrematação, por ser incompatível com a essência do leilão, no qual se busca obter o maior preço possível na venda do bem, prejudicando a obtenção de proposta mais vantajosa pela Administração, em afronta ao art. 3º da Lei n. 8.666/93.

A cobrança do percentual de 10% à empresa contratada representa um desestímulo à participação no certame, bem como um óbice à oferta de lances de grande vulto, uma vez que o arrematante, sabendo de antemão que ao lance proposto será acrescida a referida porcentagem, tenderá a oferecer lances menores, indo de encontro ao objetivo do leilão e prejudicando, assim, a obtenção da proposta mais vantajosa pela Administração (art. 3º da Lei nº 8.666/93).

Desse modo, não verifico nenhuma justificativa plausível que demonstre benefício à administração em fixar um percentual remuneratório à empresa realizadora do leilão sobre o valor do lance ofertado, não havendo, igualmente, respaldo legal para tanto.

Cabe ressaltar que, em outros processos, tais quais LCC 13/00656686 e REP 13/00656929, foi elaborada recomendação às respectivas unidades para que se abstivessem de celebrar futuros instrumentos com previsão de remuneração baseada em percentual aplicado sobre as receitas auferidas.

Com a devida vênia, tenho para mim que as decisões não surtirão o efeito esperado – qual seja, inibir a reiteração de tal procedimento – na medida em que recomendam que a unidade siga determinada conduta, mas, em contrapartida, não consideram sua violação como prática que mereça ser rechaçada com a cominação de multa.

Nesse passo, opino pela aplicação de multa ao responsável.

 

2. Inexistência do preço total a ser pago à Superbid, infringindo o art. 55, III da Lei nº 8.666/93 e caracterizando contrato de risco

 

Para esta restrição o responsável aduziu em suma que (fls. 74-83):

Todos os riscos de insucesso dos leilões promovidos através da rede internet (leia-se a não superação dos valores de avaliação estabelecidos pelo Município) são suportados pela Superbid. Em realidade, o ente administrativo realiza o processo de licitação na forma de leilão para venda de bens móveis de sua propriedade, estipulando valores mínimos para a venda dos mesmos, sem despender qualquer importância pelo serviço de assessoria contratado da Superbid.

O entendimento emanado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina para quem é possível o contrato de risco quando a remuneração não fica sob responsabilidade do ente público.

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, através de Acórdão unânime emanado da Primeira Turma Revisora, homologou a promoção de arquivamento encaminhada pela Promotoria de Justiça da Comarca de Palmitos/SC, em caso idêntico ao dos autos.

O Conselho Superior do Ministério Público nos autos Procedimento Preparatório n° 06.2013.00012888-0 CSMP 32106 - o contrato firmado pelo ente municipal com a SUPERBID "prevê a forma de remuneração da contratada e a responsabilidade pelo pagamento: 10% (dez por cento) do preço de arrematação dos bens, sem que o valor esteja incluído na arrematação, devendo ser pago pelos arrematantes diretamente à contratada", condição contratual extremamente vantajosa para a Administração, considerando que sendo "exitoso ou não o leilão, não há gasto de dinheiro público para sua realização."

 

A Diretoria afastou a irregularidade alegando que essa restrição já foi analisada em outros processos perante o TCE/SC (Decisão nº 06/2015), que considerou regular o processo licitatório no qual se discutia ajuste idêntico.

Verifica-se que na contratação da empresa Superbid, a Municipalidade não despendeu, de fato, qualquer valor, sendo a remuneração da contratada oriunda do percentual de 10% sobre a arrematação. No tocante à cobrança deste percentual, a análise pertinente já foi feita no tópico acima, em que se sustentou a irregularidade de tal previsão ante à afronta à busca pela obtenção da proposta mais vantajosa à administração.

Com efeito, vale mencionar que não está previsto entre as formas de contratação da Administração Pública a feitura de contrato de risco na espécie referida, visto que a Lei nº 8.666/93, em seu art. 55, inciso III, exige como necessária a todo contrato administrativo a previsão do preço ajustado entre as partes.

Assim, a ausência de ônus direto à Administração não serve para descaracterizar a irregularidade, visto que a legislação que trata do assunto dispõe que deve ser fixada uma remuneração determinada à licitante vencedora, não autorizando o repasse de tal encargo (variável) ao arrematante.

Ademais, como dito acima, o ônus pode vir de forma indireta, na medida em que desestimula a formulação de lances em numerário superior. Assim, a porcentagem fixada é capaz de interferir no valor dos bens arrematados e, portanto, influenciar o montante arrecadado pelo ente público.

Por fim, ressalto que em processo idêntico[3] ao caso ora analisado, o Tribunal proferiu decisão no sentido de aplicar multa ao responsável em face da inexistência do preço total a ser pago à Superbid, infringindo o art. 55, III da Lei nº 8.666/93.

Desse modo, referido contrato descumpre a Lei de Licitações, a qual exige como necessária a todo contrato administrativo a previsão do preço ajustado entre as partes, bem como contraria orientação do Tribunal de Contas expressa em prejulgado, no sentido de não ser admissível a contratação ou fixação de percentual sobre os valores auferidos decorrentes do sucesso da demanda.

Em face dessas razões, entendo pertinente a cominação de multa ao responsável por ter realizado contrato de risco, sem preço fixo, em afronta ao disposto no art. 55, inciso III, da Lei nº 8.666/93.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se por considerar procedente a representação, com a consequente aplicação de multa ao responsável, Sr. Cleomar Weber Kuhn, em face das seguintes irregularidades:

2.1. fixação de pagamento à empresa SUPERBID do valor correspondente a 10% sobre o preço da arrematação, prejudicando a obtenção de proposta mais vantajosa para a Administração, em afronta ao art. 3º da Lei nº 8.666/93;

2.2. inexistência de preço fixo a ser pago à SUPERBID, infringindo o art. 55, inciso III da Lei nº 8.666/93;

3. pela ciência da decisão ao representante, ao responsável e ao Município de São Carlos/SC.

Florianópolis, 10 de março de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Fls. 241-246.

[2] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REP 13/00656333, Representação (art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93) acerca de supostas irregularidades no Leilão Público n. 01/2013, para alienação de bens inservíveis do Município. Rel. Luiz Eduardo Cherem. J: 17/02/2016.

 

[3] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REP 13/00656333, Representação (art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93) acerca de supostas irregularidades no Leilão Público n. 01/2013, para alienação de bens inservíveis do Município. Rel. Luiz Eduardo Cherem. J: 17/02/2016.