Parecer nº:

MPC/41.115/2016

Processo nº:

TCE 13/00420216    

Origem:

Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL

Assunto:

Tomada de Contas Especial referente à NE 2330, no valor de R$ 28.500,00, repassados à Sociedade Esportiva e Recreativa 10 de Maio, para aquisição de materiais esportivos. - RSAG.

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados, ante as irregularidades evidenciadas na concessão e na prestação de contas de recursos repassados pelo Fundo de Desenvolvimento Social à Sociedade Esportiva 10 de Maio, no valor de R$ 28.500,00.

Após a instrução realizada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, o Ministério Público de Contas, através do parecer nº 38.949/2015, manifestou-se pela citação de alguns agentes públicos, pois se avistou que os superiores hierárquicos da Sra. Neuseli Junckes Costa não promoveram a mínima supervisão, fiscalização e controle dos recursos repassados pelo Fundo de Desenvolvimento Social, o que faz incidir, por consequência, a responsabilidade solidária.

 Ao examinar o parecer ministerial, o Exmo. Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior proferiu despacho em sentido contrário, pois, no seu entender, não há elementos para a responsabilização solidária dos superiores hierárquicos da Sra. Neuseli. Em razão disso, devolveram-se os autos a este órgão ministerial para a manifestação quanto ao mérito do caso trazido à baila.

Em que pese o respeitável entendimento exposto pelo aludido Conselheiro, tenho para mim que a conjuntura fática demanda posicionamento diverso daquele consubstanciado no despacho nº CAG/AMF 152/2016.

No intento de contribuir com uma nova reflexão sobre o assunto, passo a analisar os argumentos levantados pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior em sua decisão preliminar.

Primeiramente, acentue-se que a citação da Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente de Execução Orçamentária e Financeira – GEORF) e do Sr. Giovani Machado Seemann (Diretor de Gestão de Fundos Estaduais – DIFE) é medida de extrema necessidade, primeiro porque se enquadram no conceito de responsáveis nos moldes definidos pelo TCE/SC[1], segundo porque isso certamente contribuirá para uma melhor elucidação dos fatos.

Na ocasião, cumpre-nos aqui rememorar que a Sra. Márcia e o Sr. Giovani, juntamente com o Sr. Cleverson Siewert e o Sr. Antônio Marcos Gavazzoni, eram os superiores hierárquicos da Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual é acusada de ser a grande responsável pelo esquema fraudulento.

Nota-se que essa situação, por si só, já legitima a citação das pessoas supracitadas, pois, na condição de superiores hierárquicos, tinham a obrigação funcional de orientar, controlar, supervisionar e fiscalizar os serviços desempenhados por seus subordinados.

Vale destacar, oportunamente, que as atribuições elencadas acima dizem respeito ao propalado poder hierárquico, já amplamente debatido por este órgão ministerial no parecer anterior.

Neste ponto, acrescente-se apenas que a hierarquia, conceito ínsito à organização da administração pública, envolve verdadeiros poderes e não meras faculdades. 

Nesse sentido, traz-se à colação a doutrina do saudoso Hely Lopes Meirelles[2]:

 

A fiscalização hierárquica é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e agentes. É inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa, e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do executivo. São características da fiscalização hierárquica a permanência e a automaticidade, visto que se exercita perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou solicitação especial. É um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional. (Grifou-se)

 

A par disso, convém anotar que a linha condutora do posicionamento aqui ventilado não se sustenta na efetiva participação da Sra. Márcia e do Sr. Giovani no repasse ilegal de verbas públicas, pois, de fato, não há, até o presente momento, provas robustas da participação destes gestores na fraude perpetuada no Fundo de Desenvolvimento Social.

O Ministério Público de Contas, no uso de suas atribuições legais, busca apenas demonstrar que houve omissão inequívoca daqueles que tinham o dever de controlar, fiscalizar e supervisionar os atos executados pela Sra. Neuseli Junckes Costa.

Para o Relator, no entanto, não há elementos suficientes que evidenciam a participação da Sra. Márcia e do Sr. Giovani no esquema, pois, no seu sentir, a Sra. Neuseli alterou o procedimento normal de repasses de recursos públicos para inviabilizar a apreciação de seus atos pelos superiores.

Com a devida vênia, mas faz-se necessário lembrar que o caso não se trata de irregularidades na concessão de um único repasse, de modo a explanar (sem necessariamente eximir de responsabilidade) a falha dos superiores hierárquicos diante de tantos processos que são analisados diariamente.

É importante deixar aqui registrado que são 196 processos fraudulentos, os quais totalizaram mais de seis milhões de reais repassados de forma ilegal em um único exercício.

À vista disso, como afirmar que uma única servidora alterou o procedimento normal dos repasses? Como asseverar que o Secretário de Estado da Fazenda, o Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais, o Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais e a Gerente de Execução Orçamentária e Financeira foram “enganados” por uma única pessoa? Como acreditar que havia a devida fiscalização, controle e supervisão dos atos praticados pela Sra. Neuseli se houve um rombo nos cofres públicos de mais de seis milhões de reais? Como aduzir que uma única pessoa era responsável por todo o procedimento de repasse de recursos públicos sem que houvesse qualquer controle por parte de seus superiores?

Como se vê, os questionamentos acima suscitados nos demonstram que o caso em discussão merece ser olhado por outro prisma, pois, do contrário, estar-se-á ignorando a própria matriz de responsabilização.

Insta sublinhar, em tempo, que as indagações levantadas estão em aberto e, diante de tudo o que consta nos autos, acredita-se que houve, no mínimo, desídia dos superiores hierárquicos da Sra. Neuseli.

Por outro lado, tem-se de reconhecer que a manifestação da Sra. Márcia, do Sr. Giovani, do Sr. Cleverson e do Sr. Antônio pode vir a afastar suas respectivas responsabilidades se restar devidamente comprovado que estavam atentos às suas obrigações e que a fraude era tão elaborada que escapava do controle esperado.

É evidente, entretanto, que isso somente será possível com a citação dos referidos responsáveis, os quais poderão, dessa maneira, apresentar sua versão sobre os fatos aqui examinados.

Chama-me a atenção, ainda, que o Exmo. Conselheiro afasta a responsabilização porque não vislumbra uma conduta positiva das pessoas mencionadas por este órgão ministerial. Esquece-se, entretanto, que a responsabilização também incide sobre aqueles que se omitem quando têm o poder-dever de agir.

Na esteira de tal raciocínio, não é demais consignar que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em diversas oportunidades, chamou a responsabilidade daqueles que se omitiram de algum dever legal.

Para corroborar, anotem-se os seguintes julgados:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer dos Relatórios de Auditoria de regularidade realizada na Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com abrangência sobre as prestações de contas de projetos culturais, artísticos e esportivos aprovados no âmbito do sistema SEITEC, exercícios de 2008 e 2009, para considerar irregular, com fundamento no art. 36, §2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a omissão tratada no item 6.2 desta deliberação.

6.2. Aplicar ao Sr. Gilmar Knaesel – ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, CPF n. 341.808.509-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), em razão da omissão de formalizar e firmar contratos de apoio financeiro para o repasse de recursos dos fundos que compõem o SEITEC, contrariando o disposto nos arts. 1º, 37 e 43, §§ 1º e 2º, do Decreto (estadual) n. 1.291/2008 c/c o art. 7º, IV, da Lei Complementar (estadual) n. 381/07 (2.1.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.1/Div.1 n. 0394/2011, ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação e à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte[3]. (Grifou-se)

 

ACORDAM

os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Considerar procedente a Representação em análise quanto ao não ajuizamento da ação de execução relativa ao débito proveniente do Acórdão n. 0458/2002, emitido pelo Tribunal de Contas nos autos do Processo n. TCE-01/02045127, bem como à não inscrição deste crédito no Ativo Realizável, integrante do Balanço Patrimonial do Município.

6.2. Aplicar aos Responsáveis adiante relacionados, com fundamento no art. 70, incisos I e II, da Lei Complementar n. 202/2000, c/c o art. 109, I e II, do Regimento Interno (Resolução n. TC-06, de 28 de dezembro de 2001), as multas a seguir discriminadas, em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovarem ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

6.2.1. ao Sr. OSNY SOUZA FILHO - ex-Prefeito Municipal de Imbituba, CPF n. 305.839.939-15, as seguintes multas:

6.2.1.1. R$ 500,00 (quinhentos reais), em razão da omissão no controle e supervisão das providências que deveriam ter sido adotadas para cobrança do débito proveniente do Acórdão n. 0458/2002, de 17/06/2002, emitido por este Tribunal de Contas nos autos do Processo n. TCE-01/02045127, em inobservância aos princípios da indisponibilidade do interesse público e da legalidade e impessoalidade insertos no art. 37, caput, da Constituição Federal (item IV.1 do Relatório DMU)[4];

[...] (Grifou-se)

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, por maioria de Votos, em:

6.1. Conhecer do Relatório DMU referente ao resultado de auditoria realizada na Prefeitura Municipal de São José para verificação da regularidade das despesas oriundas de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB - referentes ao exercício de 2010, para considerar irregulares, com fundamento no art. 36, §2º, "a", da Lei Complementar n. 202/2000, a realização e pagamento de despesas, as transferências de recursos, as ausências, a emissão e a contabilização tratadas nos itens 6.2.1, 6.2.2.1 a 6.2.2.6, 6.2.3.1, 6.2.3.2 e 6.2.4 a 6.2.6 desta deliberação.

6.2. Aplicar aos Responsáveis adiante discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno deste Tribunal, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. ao Sr. DJALMA VANDO BERGER - Prefeito Municipal de São José no exercício de 2010, CPF n. 436.678.729-68, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), pela transferência de recursos da Conta do FUNDEB, no montante de R$ 2.212.033,53, sem a comprovação da aplicação em despesas relacionadas à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Básica, em afronta ao art. 21 da Lei n. 11.494/2007 c/c o art. 70 da Lei n. 9.394/1996 (item 3.3.1 do Relatório DMU)

6.2.2. à Sra. ROSA MARIA DA SILVA SCHMIDT - Secretária Municipal de Educação de São José no exercício de 2010, CPF n. 067.247.109-44, as seguintes multas:

6.2.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da ausência de acompanhamento e supervisão na realização de despesas, no montante de R$ 233.723,07, contabilizadas indevidamente como Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, em desacordo com o que estabelece o art. 212 da Constituição Federal c/c os arts. 70 e 71 da Lei n. 9.394/96, sendo que deste montante o valor de R$ 41.330,66 foi custeado com recursos do FUNDEB, em afronta ao art. 21 da Lei n. 11.494/2007 c/c o art. 70 da Lei n. 9.394/1996 (itens 3.1.1 e 3.3.3 do Relatório DMU);

6.2.2.2. R$ 1.000,00 (um mil reais), em razão da ausência de acompanhamento e supervisão na realização de despesas com merenda escolar, no montante de R$ 64.789,92, contabilizadas indevidamente como Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, em desacordo com os arts. 208, VII, e 212, §4°, da Constituição Federal c/c com os arts. 71, IV, da Lei n. 9.394/1996 e 1º, §4º, da Portaria n. 42/99 do Ministério do Orçamento e Gestão - MOG (item 3.1.3.1 do Relatório DMU);

6.2.2.3. R$ 1.000,00 (mil reais), pela ausência de acompanhamento e supervisão na realização de despesas de pessoal, no montante de R$ 2.381.323,36, contabilizadas indevidamente como Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, contrariando o art. 212 da Constituição Federal c/c o art. 70 da Lei n. 9.394/1996 (LDB), sendo que deste montante o valor de R$ 972.231,85 foi custeado com recursos do FUNDEB, em afronta ao art. 21 da Lei n. 11.494/2007 c/c o art. 70 da Lei n. 9.394/1996 (itens 3.1.2 e 3.3.3 do Relatório DMU)[5];

[...] (Grifou-se)

 

De igual sorte, sobreleva destacar que o Tribunal de Contas da União já asseverou, em várias ocasiões, que “os agentes políticos podem ser responsabilizados perante o Tribunal, ainda que não tenham praticado atos administrativos, quando as irregularidades detectadas tiverem um caráter de tal amplitude e relevância que, no mínimo, fique caracterizada grave omissão no desempenho de suas atribuições de supervisão hierárquica[6]. (Grifou-se)

Fixada essa premissa, pontue-se que o Relator salientou que não seria razoável exigir da Sra. Márcia e do Sr Giovani a “plena ciência” da existência dos processos irregulares. No tocante a essa afirmação, cumpre assinalar que não nos cabe condicionar a responsabilidade dos gestores ao conhecimento integral da irregularidade, até mesmo porque “a plena ciência dos fatos” não é um dos requisitos da responsabilização.

Repise-se, mais uma vez, que a omissão, em situações dessa natureza, é reprovável e chancela a legitimidade daquele que agiu com imprudência, imperícia e/ou negligência para responder por determinado fato.

No caso em apreço, esperava-se que os gestores tivessem uma postura proativa de supervisão e fiscalização, pois não se deve aguardar que condutas irregulares sejam levadas ao conhecimento de superiores. Estes, em razão da função que exercem, devem adotar, a todo instante, medidas que assegurem o total controle dos atos praticados por seus subordinados.

Ao encontro disso, verifica-se que o próprio Relator reconheceu que o caso aqui avaliado evidencia que “havia a necessidade de aprimoramento dos controles internos relacionados”. Em razão disso, não se mostra razoável a análise dessa situação em um “momento processual futuro”, pois isso culminaria em uma mera recomendação à Unidade, com o que não se pode concordar.

A meu ver, a conjuntura trazida à apreciação reclama medida enérgica de qualquer órgão fiscalizador, pois estamos diante de um caso de extrema gravidade e que envolve o dispêndio indevido de mais de seis milhões de reais.

Dito isso, acrescente-se que, no que toca ao pedido de citação do Sr. Cleverson Siewert, este órgão ministerial tem ciência de que já foi realizado o ato processual requerido e que inclusive o mencionado gestor já apresentou alegações de defesa. Convém esclarecer, contudo, que, conforme já expressamente frisado no parecer anterior, o Sr. Cleverson Siewert deve responder, neste feito, como ordenador secundário e como Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais, já que acumulava as duas atribuições.

Ao cotejar o relatório técnico preliminar, denota-se que a Diretoria de Controle da Administração Estadual chamou a responsabilidade do Sr. Cleverson Siewert em razão deste ser o ordenador secundário da despesa, sem se ater, entretanto, a outra função exercida pelo responsável.

Com o objetivo de prestigiar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o Ministério Público de Contas manifestou-se pela nova citação do Sr. Cleverson, a fim de que este respondesse pelos fatos também na condição de Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais, já que foi omisso no seu dever legal de fiscalizar e supervisionar os atos praticados por seus subordinados.

Superado esse ponto, impõe-se asseverar acerca da responsabilidade do Secretário de Estado da Fazenda, Sr. Antônio Marcos Gavazzoni, no presente caso.

No entender do Relator, houve a desconcentração de competências, pois havia uma estrutura específica para gerir o controle dos fundos estaduais, o que afastaria a responsabilidade do Sr. Antônio.

Com o devido respeito a tal entendimento, mas note que a Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais está diretamente vinculada à Secretaria de Estado da Fazenda.

Corroborando essa assertiva, ressalte-se que o próprio Decreto Estadual nº 2.762/2009 inseriu a Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais na estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Fazenda, senão vejamos:

 

Art. 3º A estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Fazenda - SEF compreende: 

I - órgãos de assessoramento direto ao Secretário de Estado:

[...]  

II - órgãos de execução de atividades-meio:

[...]

III - órgãos de execução de atividades finalísticas:

[...]

IV - órgão vinculado: Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais - SGF/Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais - DIFE:

a) Gerência de Controle dos Fundos Estaduais -GEFES;

b) Gerência de Execução Orçamentária e Financeira - GEORF;

V - órgão colegiado: Conselho Estadual de Contribuintes - CEC;

VI - entidades vinculadas:

[...] (Grifou-se)

 

Dessarte, cabe aqui mencionar que o Ministério Público de Contas não ignorou o texto do art. 59 da Lei Estadual nº 381/2007, tendo, inclusive, citado expressamente no parecer anterior a redação do art. 44 do Decreto Estadual nº 2.762/2009, o qual possui redação deveras semelhante ao dispositivo citado pelo Relator.

Com efeito, saliente-se que a mencionada desconcentração não serve de escusa legítima a afastar a responsabilidade, pois tem por finalidade somente a distribuição de competências, visto que não seria viável, logicamente, que o detentor do cargo de chefia máxima executasse diretamente todas as atividades cotidianas.

Nessa direção, Diogo Freitas do Amaral nos ensina que a desconcentração “é o sistema em que o poder decisório se reparte entre superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direção e supervisão daquele[7]. (Grifou-se)

Logo, a competência do Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais não exclui a responsabilidade do Sr. Antônio Marcos Gavazzoni, já que este é o grande responsável por todos os órgãos que fazem parte da estrutura interna da Secretaria de Estado da Fazenda.

Para a melhor compreensão do assunto, destaque-se que a desconcentração pode ser por lei, quando da organização da Administração (desconcentração originária), ou em virtude de delegação de competência (desconcentração derivada)[8].

No caso vertente, o Relator sugere que houve a desconcentração originária e, diante disso, acredita que a responsabilização resta inviabilizada.

Todavia, o Tribunal de Contas da União possui entendimento firme de que nem mesmo a delegação formal de competência afastaria a responsabilização do gestor em face da sua culpa in eligendo e in vigilando.

Para sedimentar a questão, adicionem-se os seguintes julgados:

 

1. Acórdão 1.247/2006-TCU-1ª Câmara: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO.

1. A delegação de competência não transfere a responsabilidade para fiscalizar e revisar os atos praticados. O Prefeito é responsável pela escolha de seus subordinados e pela fiscalização dos atos por estes praticados. Culpa in eligendo e in vigilando. (destaquei)

 

2. Acórdão 1.843/2005-TCU-Plenário:

LICITAÇÃO. PEDIDO DE REEXAME. AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DE ATOS DELEGADOS.

 (…) A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato. Suas argumentações não obtiveram êxito na pretensão de afastar sua responsabilidade. A delegação de competência não exime o responsável de exercer o controle adequado sobre seus subordinados incumbidos da fiscalização do contrato. É obrigação do ordenador de despesas supervisionar todos os atos praticados pelos membros de sua equipe, a fim de assegurar a legalidade e a regularidade das despesas, pelas quais é sempre (naquilo que estiver a seu alcance) o responsável inafastável.

 

3. Acórdão 1.619/2004-TCU-Plenário:

É entendimento pacífico no Tribunal que o instrumento da delegação de competência não retira a responsabilidade de quem delega, visto que remanesce a responsabilidade no nível delegante em relação aos atos do delegado (v.g. Acórdão 56/1992 - Plenário, in Ata 40/1992; Acórdão 54/1999 - Plenário, in Ata 19/1999; Acórdão 153/2001 - Segunda Câmara, in Ata 10/2001). Cabe, por conseguinte, à autoridade delegante a fiscalização dos subordinados, diante da culpa in eligendo e da culpa in vigilando.

 

4. Acórdão 1.432/2006-TCU-Plenário:

(...) RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PELAS ATRIBUIÇÕES DELEGADAS. FISCALIZAÇÃO DEVIDA. (…) (...) 2. Atribui-se a culpa in vigilando do Ordenador de Despesas quando o mesmo delega funções que lhe são exclusivas sem exercer a devida fiscalização sobre a atuação do seu delegado.

 

Na estrutura de tal entendimento, dissinto do raciocínio formulado pelo Relator de que, neste caso particular, não deve ser atribuída a culpa in vigilando e in eligendo.

Reconheço, notadamente, que cada processo deve ser analisado à luz de suas particularidades, mas não há como afastar a culpa in vigilando e in eligendo sem sequer propiciar a oitiva de todos os responsáveis, sobretudo quando se está diante de uma clara omissão no dever de supervisionar.

Nessa toada, é forçoso concluir que não há como asseverar que houve a “inviabilização” do controle, pois quem deve comprovar isso no caderno processual são os superiores hierárquicos da Sra. Neuseli.

Discorda-se, portanto, da análise sumária realizada pelo Exmo. Conselheiro, pois há elementos suficientes para trazer aos autos os agentes públicos mencionados neste parecer. Acresça-se, ainda, que somente através da providência aqui requerida poderá se firmar uma opinião criteriosa, aprofundada e madura sobre o assunto.

No que concerne às indagações formuladas pelo Relator em seu despacho, tenho para mim que é importante respondê-las, visto que isso contribuiu para uma melhor avaliação sobre o caso.

A propósito, anotem-se os questionamentos suscitados: a) como afirmar com segurança que os chefes imediatos à servidora Neuseli deixaram de fiscalizá-la? b) quanto ao Secretário de Estado da Fazenda seria exigível dele que sua supervisão alcançasse tal profundidade, até mesmo em face da existência da delegação legal para o exercício do controle sobre os fundos estaduais? c) seria razoável afirmar que houve uma má escolha no fato de a servidora Neuseli estar no exercício das tarefas relacionadas a repasses de recursos públicos? d) é possível afirmar que algum de seus superiores tinha conhecimento de algum precedente que desabonasse a sua conduta, antes dos fatos tratados nestes autos, e ainda assim a manteve na função? e) a função não era naturalmente atribuível a servidores detentores do cargo de Analista da Receita Estadual – admitidos por concurso púbico e não livremente escolhidos, como era o caso da Sra. Neuseli?

De fato, não há como afirmar ainda, com a mais absolta certeza, que os chefes imediatos da Sra. Neuseli deixaram de fiscalizá-la, mas existem, no caderno processual, fortes indícios de que não houve qualquer supervisão, o que enseja a responsabilização dos agentes envolvidos. É válido lembrar, na oportunidade, que indícios são meios de provas e contribuem para a formação do convencimento[9]. A citação, em tal caso, servirá para que os responsáveis elencados neste parecer tenham a oportunidade de apresentar os elementos necessários para atestar o adequado exercício de suas atribuições (fiscalização e controle sobre seus subordinados), fazendo-se essencial, portanto, o cumprimento dessa etapa antes do pronunciamento de mérito.

Percebe-se, outrossim, que não seria necessária uma supervisão profunda por parte do Secretário de Estado da Fazenda sobre os seus subordinados, já que estamos falando de uma fraude que envolve mais de seis milhões de reais, o que representa 10% de todos os recursos concedidos pelo Fundo de Desenvolvimento Social só no exercício de 2009.

No que respeita aos questionamentos acerca da culpa in eligendo, importa mencionar que não é preciso ter conhecimento de algum precedente que desabone a conduta de qualquer pessoa para saber que todas as etapas de concessão de recursos públicos não podem ficar concentradas em uma única servidora, mormente quando não há o mínimo de fiscalização e controle.

De mais a mais, ainda que a Sra. Neuseli fosse à época detentora de cargo público e não livremente escolhida, os gestores lhe atribuíram poderes em demasia, o que demonstra a confiança exacerbada que tinham na referida servidora.

Para arrematar os questionamentos formulados, anote-se que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União é uníssona quanto à necessidade de responsabilização daquele que não fiscaliza, não supervisiona e não controla os atos de seus subordinados, conforme já enfatizado neste parecer.

Quanto à afirmação de que os agentes públicos mencionados por este órgão ministerial não são partes na ação civil pública de improbidade administrativa, faz-se necessário rememorar acerca da independência de instâncias administrativa, penal e civil.

A respeito do assunto, extrai-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA.  QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias[10].

 

Como se pode observar, a ação civil pública não exclui a competência do Tribunal de Contas para apurar os fatos, tampouco afasta a responsabilidade daqueles que causaram dano ao erário ou cometeram atos ilícitos aos olhos do órgão de controle externo.

À vista de todos os fundamentos aqui debatidos, mantenho o meu posicionamento de que o processo não está apto a ser julgado, pois há diversos responsáveis que precisam ser citados para, querendo, apresentarem alegações de defesa.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, REITERA o entendimento firmado no parecer ministerial já lançado nestes autos e, por consequência, manifesta-se:

1. Por determinar a citação dos responsáveis abaixo nominados para, querendo, apresentarem razões de defesa em relação ao dano causado ao erário em decorrência da omissão na fiscalização relacionada ao repasse de recursos públicos por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem a observância dos requisitos legais e regulamentares, cuja irregularidade é passível de imputação de débito e/ou aplicação de multa:

1.1. Sr. Antônio Marcos Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda);

1.2. Sr. Cléverson Siewert (Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais);

1.3. Sr. Giovani Machado Seemann (Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais);

1.4. Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente de Execução Orçamentária e Financeira).

Florianópolis, 08 de abril de 2016.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 

 



[1] A Resolução nº TC 06/2001, em seu art. 133, § 1º, prescreve: “Para efeito do disposto no caput, considera-se: a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário”.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3ªed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 672.

[3] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. RLA 10/00564581, da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Rel. César Filomeno Fontes. J. em: 24 out. 2011.

[4] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REP 06/00009297, da Prefeitura Municipal de Imbituba. Rel. César Filomeno Fontes. J. em: 15 jun. 2011.

[5] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. RLA 11/00380962, da Prefeitura Municipal de São José. Rel. Wilson Rogério Wan-Dall. J. em: 10 set. 2014.

[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1625/2015 – Plenário. Rel. Marcos Bemquerer Costa. J. em: 1º jul. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 06 abr. 2016.

[7] AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Almedina: Coimbra, 2006.

[8] Nesse sentido: TAVARES, José. Curso de Direito Administrativo Positivo. Edimur Ferreira de Faria. 6ª Ed. Del Rey, pag. 55.

[9] Nesse sentido, Hugo Nigro Mazziili ensina: “Para a lei processual penal (art. 239 do Cód. de Processo Penal), indício é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato principal (a ser provado), autorize, por indução, a concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Indício vem do radical latino index, que é aquilo que indica (daí nosso dedo indicador, com o qual normalmente indicamos objetos). Assim, como mero e proverbial exemplo, todos sabemos que, em princípio, fumaça é indício de fogo”. Disponível em: http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/indicio.pdf. Acesso em: 06 abr. 2016.

[10] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS 25880. Rel. Min. Eros Grau. J. em 07 fev. 2007. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 06 abr. 2016.