Despacho nº:

GPDRR/062/2016

Processo nº:

REP 15/00352176    

Un. Gestora:

Município de Videira

Assunto:

Irregularidades no edital de Concurso Público nº 001/2015.

 

 

Trata-se de Representação formulada pelo Ministério Público de Contas, relatando a ocorrência de irregularidades no Edital de Concurso Público nº 001/2015, lançado pela Prefeitura Municipal de Videira.

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal, através do Relatório nº 5598/2015, sugeriu conhecer da representação, indeferir a cautelar pleiteada e realizar diligência à Prefeitura de Videira com vistas à apuração dos fatos apontados nos presentes autos.

O Relator, através da decisão singular nº GAC/LEC 927/2015, conheceu da representação e determinou a realização de diligências (fls. 60-61).

Em seguida, o Prefeito Municipal de Videira acostou esclarecimentos às fls. 65-141.

Ato contínuo, a diretoria técnica emitiu o Relatório nº 00092/2016[1], por meio do qual sugeriu por recomendar à Prefeitura Municipal de Videira para que nos próximos editais de processos seletivos e concursos públicos promova a acessibilidade ampla aos candidatos, bem como contemple a possibilidade de taxa de inscrição aos hipossuficientes, em observância ao art. 37, I, da Constituição Federal e art. 15, XV da Lei Municipal nº 129/2012 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais).

É o Relatório.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições da Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (art. 31 da Constituição Federal, art. 113 da Constituição Estadual, art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, arts. 22, 25 e 26 da Resolução TC nº 16/1994 e art. 8° c/c art. 6° da Resolução TC nº 6/2001).

 

No tocante ao pedido de suspensão liminar do feito, a área técnica sugeriu o seu indeferimento, haja vista que o concurso público já havia sido homologado[2].

Nesse contexto, ainda que se reconheçam as irregularidades que maculam o certame, vê-se que a cautelar pleiteada não mais apresenta utilidade.

Passa-se ao exame dos apontamentos destacados na inicial.

As irregularidades apuradas no Edital de Concurso Público nº 001/2015 consubstanciaram-se nos seguintes fatos: a) inscrição e interposição de recursos somente pela internet; b) ausência de isenção de taxa de inscrição aos hipossuficientes.

Em seus esclarecimentos, o responsável informou que manteria as inscrições e a interposição de recursos do Edital nº 001/2015 somente pela via eletrônica.

Acrescentou que, para os candidatos sem acesso à internet, foi disponibilizado um local com pessoal treinado para auxiliar na realização da inscrição do concurso, conforme previsto no item 3.1.1 do Edital de nº 001/2015.

Segundo o entendimento da administração municipal, as inscrições e a interposição de recursos na forma como foram previstas no edital não afrontam os princípios da acessibilidade e da isonomia, por se tratar de certame que visa selecionar categoria profissional que dispõe de acesso à rede mundial de computadores.

Os argumentos trazidos à lume não podem ser acolhidos.

É necessário esclarecer que a imposição de um único meio de inscrição (para os interessados em participar do certame) e de interposição de recursos (para os que se insurgem contra alguma das etapas do processo seletivo), seja este meio exclusivamente presencial ou via internet, caracteriza notória restrição ao amplo acesso aos cargos públicos.

Em decorrência disso, fere-se também o princípio constitucional da isonomia, visto que apenas aqueles que detêm acesso ao único meio de inscrição ou de interposição de recurso previstos no edital têm a possibilidade de se inscrever ou recorrer.

Como se vê, aqueles que não dispõem de acesso à internet (principalmente considerando que os candidatos aos cargos de nível fundamental são os mais propensos a se enquadrar nesta hipótese) ou aqueles que não residem nas proximidades do órgão ou no Município que deflagrou o certame podem encontrar dificuldade em se comunicar com a banca organizadora.

Tal fato prejudica claramente a participação de candidatos no certame e o exercício do contraditório por meio dos recursos pertinentes. 

Neste sentido, a jurisprudência administrativa reconhece a importância de ofertar aos candidatos outros meios de inscrição em concursos públicos e de interposição de recursos:

 

Edital de Concurso Público. Inscrição pela Internet e por Procuração. O Edital previu somente como forma de inscrição a presencial, excluindo a inscrição via internet ou por procuração. Ressalte-se, neste particular, que a possibilidade de inscrição via internet é sempre devida, pois possibilita o acesso de um maior número de candidatos, bem como deve ser admitida a inscrição por procuração, tendo em vista a hipótese de impossibilidade do próprio candidato fazer sua inscrição. Por essa razão, a Administração deverá adequar o Edital, prevendo também a inscrição via internet e por procuração.[3] (grifado)

 

O [edital] (...) estabelece que não serão recebidos recursos por procuração. A impossibilidade de interposição de recursos, por procurador, cerceia, a meu juízo, não só o direito do contraditório assegurado pela Carta Política ao candidato, como também a atuação de profissional do direito, por exemplo, eventualmente contratado para tal fim.[4]

 

Vale destacar que o aspecto da restrição de inscrição e interposição de recursos somente através de uma modalidade foi recentemente apreciado e rechaçado pela Corte de Contas nos autos da REP 15/00046644, senão vejamos:

 

6.3. Considerar procedente a Representação em análise quanto aos demais itens, para determinar à Prefeitura Municipal de Piratuba que, doravante, nos editais de processo seletivo:

(...)

6.3.1. Preveja a possibilidade de inscrição também via internet e a interposição de eventuais recursos também por via postal, a fim de viabilizar a participação do maior número possível de interessados, em observância ao art. 37, I, da Constituição Federal;

(...)

6.4. Alertar a Prefeitura Municipal de Piratuba que o não cumprimento das determinações constantes desta deliberação poderá implicar cominação das sanções previstas no art. 70, VI, e §1º, da Lei Complementar n. 202/2000, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, §1º, do mesmo diploma legal.

6.5. Dar ciência desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, aos Srs. Claudirlei Dorini - Prefeito Municipal de Piratuba, e Diogo Roberto Ringenberg - Procurador do Ministério Público junto a este Tribunal de Contas[5]. (grifei)

 

Em igual sentido, restou assim decidido pelo TCE/SC na REP 15/00068966:

 

6.1. Aplicar multa no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a Sra. Inês Terezinha Pegoraro Schons – Prefeita Municipal de Celso Ramos, CPF n. 026.559.619-00, na forma do disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n. 202/2000, e art. 109, II, do Regimento Interno, em face da exigência de inscrição e interposição de recurso de forma presencial, constante do Edital de Concurso Público n. 01/2015, em afronta ao Princípio da Acessibilidade, art. 37, inciso I da Constituição Federal, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, ou interpor recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

(...)

6.2.2. quando da realização de concurso público ou processo seletivo, possibilite outras formas de inscrição e interposição de recursos, além da presencial, em conformidade com o art. 37, inciso I, da Constituição Federal, além de estipular um prazo recursal razoável, em atendimento ao previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

(...)

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, à Sra. Inês Terezinha Pegoraro Schons – Prefeita Municipal de Celso Ramos, e ao Representante[6]. (grifado)

 

Vê-se que o edital não pode impor obstáculos para a realização destas etapas, privilegiando, assim, a mais ampla e igualitária participação dos interessados ao ingresso no serviço público, nos moldes assinalados pela Constituição Federal no art. 37, I.

Em relação à isenção de taxa de inscrição para candidatos comprovadamente hipossuficientes, o Prefeito aduziu que o município adota o posicionamento doutrinário e jurisprudencial de que a inscrição em concurso público é uma taxa e os valores pagos são destinados especificamente ao ressarcimento das despesas contraídas pela administração pública com o concurso, constituindo-se, portanto, em receita pública, devendo observar o disposto na Lei nº 4.320/64 e na Lei Complementar nº 101/00.

Em arremate, asseverou que a isenção da taxa de inscrição de concurso público não tem previsão legal no âmbito do município e pode ser considerada renúncia ou omissão de receita.

Ao cotejar o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais – Lei Complementar nº 129/2012 (art. 15, inciso XV), percebe-se que razão não assiste ao Prefeito Wilmar Carelli, pois o aludido estatuto prevê a possibilidade legal de isenção da taxa de inscrição.

Assim, em que pese o esforço do responsável em tentar afastar a irregularidade, suas alegações não merecem prosperar, pois nota-se que a medida se mostra possível, seja por força da Lei Municipal nº 129/2012 ou em observância ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CRFB/88).

No caso em exame, restou inviabilizada a participação de candidatos hipossuficientes, assim entendidos como todos aqueles que não possuem condições de arcar com o pagamento da inscrição sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

A previsão de isenção é, sem dúvida, mais uma forma de concretizar o princípio da isonomia (art. 5º, caput da CRFB/88), bem como garantir a ampla acessibilidade dos brasileiros aos cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I, CRFB/88).

Já proferiu entendimento nesse sentido o Tribunal de Contas de Minas Gerais, no âmbito do Processo n. 772.958, de relatoria do Conselheiro substituto Licurgo Mourão:

 

Não há dúvida de que tal previsão não pode prosperar. A isenção do pagamento de taxa de inscrição e os critérios para sua concessão para aqueles que por razões financeiras não podem arcar com os custos têm amparo constitucional, e sua ausência contraria os princípios da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas previstos no caput do artigo 5° e inc. I do art. 37 da Constituição Republicana.

Na jurisprudência pátria, é pacífico o entendimento de que a omissão de previsão para concessão de isenção do pagamento de taxa de inscrição no edital de concurso público, ou sua vedação, contraria as normas legais regulamentadoras da matéria e fere de morte os preceitos da Constituição da República de 1988.[7]

 

No mesmo sentido, o entendimento proferido no âmbito do Processo n. 797.073, de relatoria do Conselheiro Antônio Carlos Andrada:

 

Com efeito, para que efetivamente se possibilite o cumprimento do objetivo da isenção da taxa de inscrição, deverá ser incluída no Edital cláusula que possibilite ser beneficiado pela isenção aquele que comprovadamente seja hipossuficiente, ou seja, sofra limitações financeiras de modo que o pagamento da inscrição venha a comprometer o próprio sustento ou de sua família, ainda que receba renda familiar igual ou superior ao salário mínimo. Assim, a Administração deverá adequar o item indicado, a fim de possibilitar a participação no certame daqueles que, em razão de limitações de ordem financeira, não podem pagar a taxa de inscrição.[8]

 

É necessário lembrar ainda que a denominação “taxa de inscrição” não se mostra tecnicamente adequada no caso de inscrição em concursos públicos, visto não se tratar de um tributo, de caráter impositivo, decorrente do exercício do poder de polícia ou da prestação de um serviço público.

Por não se enquadrar no conceito de tributo, a “taxa” de inscrição pode sofrer alterações mediante atos administrativos oriundos do Poder Executivo, notadamente o estabelecimento de isenções aos candidatos hipossuficientes.

Pode-se dizer, desta forma, que a ausência de previsão de isenção aos desempregados, membros de família de baixa renda, dentre outros que não possuam condições financeiras de arcar com a dita “taxa”, contraria o princípio constitucional e material da isonomia, além de ferir a Lei Municipal nº 129/2012.

Cumpre observar, por oportuno, que havia tempo hábil para a alteração do edital, já que o período destinado às inscrições era de 17/05/2015 e 17/06/2015, e o responsável teve ciência da irregularidade em 27/05/2015 (fl.41).

Para a área técnica, não restou demonstrado nos autos a ocorrência de prejuízo ao erário, ao interesse público ou a qualquer candidato.

Sugeriu, assim, apenas a formulação de uma recomendação à Prefeitura de Videira, para que nos próximos editais promova a acessibilidade ampla aos candidatos, bem como contemple a possibilidade de isenção de taxa de inscrição aos hipossuficientes.

 A meu ver, a sugestão da área técnica não se mostra suficiente para surtir o efeito inibitório esperado em tais casos, vez que o responsável pela irregularidade não está sendo de fato responsabilizado.

A sanção imposta aos agentes que infringem a norma tem justamente a função de coibir a reiteração de práticas dessa natureza.

Desse modo, havendo clara infringência à lei e aos princípios, entende-se que deve ser cominada a penalidade de multa ao responsável, com a realização prévia de audiência para que este apresente as justificativas que entender pertinentes, no que tange à realização de inscrições e interposição de recursos somente através da internet e à ausência de previsão de isenção da taxa de inscrição aos hipossuficientes.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1. pela realização de audiência do Sr. Wilmar Carelli, Prefeito Municipal de Videira, para apresentar justificativas acerca das seguintes irregularidade:

1.1. realização de inscrições e interposição de recursos somente através da internet;

1.2. ausência de previsão de isenção da taxa de inscrição para candidatos comprovadamente hipossuficientes.

2. Pelo retorno dos autos à Procuradoria em momento oportuno, para manifestação final.

Florianópolis, 17 de maio de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 



[1] Fls. 143-145-v.

[2] Consulta ao sítio eletrônico:

http://www.assconpp.com.br/admin/concursos_arquivos/Homologa%C3%A7%C3%A3o%20Final%20Concurso%20P%C3%BAblico%2001%202015.pdf.

Acessado em: 21/03/2015

[3] TCE/MG, Edital de Concurso Público n. 797.240/2009. Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Sessão do dia 29/09/2009

[4] TCE/MG, Edital de Concurso Público n. 771.232. Rel. Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz. Sessão do dia 17/03/2009

[5] TCE/SC, Processo REP15/00046644, da Prefeitura Municipal de Piratuba, Rel. Cons. Subst. Cléber Muniz Gavi, Decisão nº 1313/2015. Data da sessão: 02/09/2015

[6] TCE/SC, Processo REP 15/00068966, da Prefeitura Municipal de Celso Ramos, Rel. Cons. Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, Acórdão nº 0697/2015. Data da sessão: 05/10/2015.

 

[7] Tribunal de Contas de Minas Gerais. Segunda Câmara — Sessão: 26/03/09. Relator: Conselheiro substituto Licurgo Mourão. Edital de Concurso Público n. 772.958. Fundação Uberlandense de Turismo, Esporte e Lazer — FUTEL.

[8] Tribunal de Contas de Minas Gerais. Edital de Concurso Público n. 797.073. Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Sessão do dia 15/09/2009