PARECER
nº: |
MPTC/42239/2016 |
PROCESSO
nº: |
REP 15/00475090 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Florianópolis |
INTERESSADO: |
Haim Vita Victor Hamaoui |
ASSUNTO: |
Irregularidades no edital de Pregão
Presencial n. 530/SMA/DLC/2015, visando o registro de preços para
fornecimento e instalação de equipamentos de sistema de controle viário. |
Trata-se de representação
encaminhada pela empresa Novakoasin Equipamentos e Sistemas Ltda., representada
por seu procurador constituído, Sr. Luciano de Almeida Freitas, contra supostas
irregularidades no edital de Pregão Presencial n. 530/SMA/DLC/2015, cujo objeto
é o registro de preço para o fornecimento e instalação de equipamentos que
compõem sistema de controle viário, operando de forma centralizada, com
insumos, por um período de 12 meses, através de suporte técnico, sem limite de
atendimento, no Município de Florianópolis.
A
presente representação foi autuada sob o protocolo de n. 015551/2015 às fls.
2-30, com juntada de documentos às fls. 31-145.
Basicamente,
a representante apontou irregularidades envolvendo a) a vedação de participação
de empresas em consórcio; b) a impossibilidade de contratação de obras por
modalidade pregão; c) a impossibilidade de contratação de obras de engenharia
por modalidade pregão em razão da inexequibilidade das propostas; d) a
ilegalidade no critério de desclassificação; e) a ilegalidade nos critérios de
qualificação técnica; f) a identificação no objeto licitado; e g) a ausência de
critério de análise das especificações do Anexo I. Ao final, requereu (fl. 29)
a imediata suspensão do certame, cuja sessão de abertura estava marcada para o
dia 09/09/2015.
Contudo,
no dia 03/09/2015, antes que houvesse a análise de mérito da representação, a
Prefeitura Municipal de Florianópolis publicou aviso de suspensão sine die do edital de Pregão Presencial
n. 530/SMA/DLC/2015 (fl. 145).
No
dia 05/10/2015 o Edital foi republicado com retificações (fls. 146-197v),
prevendo a realização de sessão para a data de 20/10/2015.
A
representante, então, apresentou nova “manifestação/representação”, sob
protocolo n. 018560/2015, às fls. 198-215, reiterando parte dos apontamentos
feitos anteriormente, requerendo ao final a imediata suspensão do certame.
Foram juntados documentos às fls. 216-370.
A
seguir, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou o
Relatório de Instrução DLC n. 493/2015 (fls. 372-382v), em cuja conclusão
sugeriu o conhecimento da representação e sua improcedência, com o posterior
arquivamento dos autos, em virtude de que “não foram constatadas as supostas
irregularidades suscitadas pela Representante” (fl. 382).
Inconformada,
a representante apresentou “manifestação com pedido de liminar”, sob o
protocolo n. 019143/2015 (fls. 385-392), e apresentou documentos (fls.
393-436), questionando a adjudicação do objeto licitado à empresa Dataprom
Equipamentos e Serviços de Informática Industrial Ltda., vencedora do certame.
Em
seguida, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou o
Relatório de Reinstrução DLC n. 679/2015 (fls. 438-440), em cuja conclusão
sugeriu o conhecimento da representação e no mérito, sua improcedência, com o
consequente arquivamento do processo.
Considerando-se
que as ilegalidades inicialmente apresentadas pela empresa representante foram
com propriedade afastadas no Relatório de Instrução DLC n. 493/2015 (fls.
372-382v), este Ministério Público de Contas analisará, neste parecer, a
suposta irregularidade atribuída ao ato de adjudicação do objeto licitado à
empresa vencedora do certame.
A
representante alegou a impossibilidade de adjudicação do objeto (fl. 387)
arvorada no fato de que o Tribunal de Contas da União, no Acórdão n. 1975/2013,
proferido no processo n. TC-029.026/2011-3, declarou a inidoneidade da Dataprom
Equipamentos e Serviços de Informática Industrial Ltda. para licitar com a
Administração Pública Federal pelo prazo de 5 anos.
Em
vista desse Acórdão, a representante apontou que no item 2.2.4 do Edital,
referente às condições de participação no certame, consta que “não poderão
participar do Pregão Presencial nº 530/SMA/DLC/2015 as empresas que tenham sido
declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública”
(fl. 388).
Colacionou
trecho doutrinário que defende o alcance dos efeitos da declaração de
inidoneidade a qualquer ente federativo, argumentando que (fls. 389-390):
[...] os
incisos III e IV do art. 87 da Lei nº 8.666/93 determinam que aquele que foi
declarado inidôneo está impedido de licitar ou contratar com a Administração. A
declaração de inidoneidade é a afirmação, por parte da Administração Pública,
de que o licitante não reúne condições de executar contrato administrativo.
Portanto, se a licitante DATAPROM não reúne condições para celebrar contratos,
também não reunirá para celebrar o contrato objeto do Pregão Presencial nº
530/SMA/DLC/2015.
Importante
salientar que a ausência de sanções contra o licitante é um requisito de
habilitação, ainda que não expressamente referido no art. 27 da Lei de
Licitações. Desta feita, o licitante declarado inidôneo, no caso concreto a
DATAPROM, é considerado inabilitado, pois não possui os elementos para garantir
o cumprimento das obrigações descritas no Ato Convocatório.
Mais ainda,
nos termos do art. 55, XIII, o contratado tem obrigação de manter, durante toda
a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação
exigidas pelo Edital, o que aqui não se afigura, haja visto o Acórdão nº
AC-1975-28/13-P proferido pelo TCU.
O inidôneo
não tem condições de prestar serviços a qualquer entidade que vise o atendimento
ao cidadão. O prejuízo econômico ocasionado pela decisão do Sr. Pregoeiro de
adjudicar o objeto do certame à DATAPROM atinge a todos os contribuintes e essa
lesão haverá de ser ressarcida ao erário futuramente.
Apontou,
ainda, o fato de que o art. 97 da Lei n. 8.666/93 considera crime admitir à
licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo
(fls. 390-391) e asseriu ser a licitação regida pelo princípio do procedimento
formal, sendo o processo licitatório vinculado às prescrições legais que o
regem (fl. 391).
Em
face de tais ponderações, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações
argumentou que “a declaração de inidoneidade aplicável pelo TCU não se confunde
com a declaração de inidoneidade aplicável pela Administração” (fl. 439),
apoiando-se em excerto doutrinário publicado em blog da internet, do qual extraiu a seguinte conclusão (fl. 439):
Desta feita,
estão vigentes no ordenamento jurídico pátrio duas modalidades de sanção de
inidoneidade: a) aquela prevista no inciso IV da Lei nº 8.666/93, que tem o
objetivo de impedir que o particular participe de licitação ou firme contrato
com qualquer ente da administração pública; e b) a sanção prevista no art. 46
da Lei Orgânica da Corte de Contas Federal, cujos efeitos da sanção estão
restritos à Administração Pública Federal, não se comunicando aos demais entes
federativos.
De
fato, o art. 87, inciso IV da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos da
Administração Pública) difere do art. 46 da Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do
Tribunal de Contas da União).
O
primeiro prevê que em caso de inexecução total ou parcial do contrato a
Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado a sanção
de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração
Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja
promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade,
que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos
resultantes e após decorrido o prazo da sanção de suspensão temporária.
O
segundo estabelece que verificada a ocorrência de fraude comprovada à
licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para
participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.
Neste
sentido, a doutrina[1]
traz os seguintes esclarecimentos:
Verificada a ocorrência de fraude
comprovada à licitação, o Tribunal de Contas da União poderá declarar a
inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco
anos, de licitação na Administração Pública Federal. Convém lembrar, inclusive,
que a caracterização de fraude à licitação não está associada ao seu resultado,
sendo suficiente a demonstração de o fraudador ter praticado simulação para
conferir vantagem para si ou para outrem.
Tal prerrogativa sancionatória não
deriva da Lei nº 8.666/93; ela foi expressamente estabelecida pela Lei federal
nº 8.443/92, que é a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União.
Art. 46.
Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará
a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de
licitação na Administração Pública Federal.
Não se deve
confundir esta prerrogativa com a possibilidade de aplicação da sanção
“declaração de inidoneidade” pela Administração (artigo 87 da Lei nº 8.666/93).
São competências distintas, exercíveis por órgãos diferentes, através de
fundamentação legal diversa. A sanção prevista na Lei Orgânica do TCU possui
contornos diferentes da estabelecida na Lei nº 8.666/93.
Embora o efeito seja o mesmo
(restrição ao direito de participar de licitação ou de ser contratado), na
aplicação desta sanção não há uma relação contratual entre o órgão sancionador
(TCU) e o licitante sancionado.
Outrossim, o
ilícito desta sanção está relacionado à fraude na licitação, conquanto o artigo
87 da lei nº 8.666/93 tenha como ilícito principal, a inexecução total ou
parcial do contrato.
Outra
diferença é o prazo máximo da sanção, que, inexistente para a declaração de
inidoneidade prevista pela lei nº 8.666/93, é de cinco anos na sanção de mesmo
nome, aplicada pelo TCU, com fulcro na Lei nº 8.443/92.
Convém ainda
registrar que, de acordo com a jurisprudência do TCU, a aplicação da declaração
de inidoneidade aplicada por aquele Tribunal, prevista pela Lei nº 8.443/92
envolve as licitações no âmbito da Administração Pública Federal, bem como
daquelas realizadas pela Administração Pública de estados e municípios em que
haja aporte de recursos federais, como ocorre na descentralização de verbas
mediante convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres.
(grifei)
Contudo,
imprescindível notar que, não obstante o autor citado acima aponte a
diferenciação entre as sanções da Lei n. 8.666/93 e da Lei n. 8.443/92, afirma
categoricamente que o efeito prático de ambas é o mesmo (restrição do direito
de participar de licitação ou de ser contratado). Desse modo, a discussão real
cinge-se no alcance que tais declarações sancionatórias têm quanto aos demais entes
federativos.
Relativamente
a esta discussão, o administrativista José dos Santos Carvalho Filho[2],
traz a seguinte discussão:
Questão que
tem sido frequentemente discutida reside nos efeitos derivados das sanções de
suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração
(art. 87, III, Estatuto) e de declaração de inidoneidade para licitar ou
contratar com a Administração (art. 87, IV). Há três correntes de pensamento.
Para grande parte dos especialistas,
o efeito é restritivo, vale dizer,
limita-se ao ente federativo em que a sanção foi aplicada,
invocando-se duas razões: 1ª) a autonomia das pessoas da federação; 2ª) ofensa
ao princípio da competitividade, previsto no art. 3º, § 1º, I, do Estatuto.
Outra corrente, no entanto, advoga o
entendimento de que o efeito sancionatório é restritivo para a suspensão e extensivo
para a declaração, ou seja, neste último caso, deve a sanção ser recepcionada
por entidade federativa diversa. O argumento tem amparo no fato de
que no art. 87, III, o Estatuto alude à Administração
– definida no art. 6º, XII, como sendo o órgão, entidade ou unidade
administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente –,
ao passo que no art. 87, IV, refere-se à Administração
Pública – definida no art. 6º, XI, como sendo a administração direta e
indireta dos diversos entes federativos.
Na verdade,
não conseguimos convencer-nos, data venia,
de qualquer dos pensamentos que concluem no sentido restritivo dos efeitos
punitivos. Parece-nos que o efeito deve
ser sempre extensivo. Em primeiro
lugar, não conseguimos ver a diferença de conceituação naqueles incisos do art.
6º, já que o que podemos constatar é apenas uma péssima e atécnica definição de
Administração Pública; com efeito, nenhuma diferença existe entre Administração
e Administração Pública. Além disso, se um contratado é punido por um ente
federativo com a aplicação de uma daquelas sanções, a razão só pode ter sido a
inexecução total ou parcial do contrato, isto é, o inadimplemento contratual, como
está afirmado na lei (art. 87). Desse modo, não nos parece fácil entender por
que tal infração também não acarretaria riscos para as demais entidades
federativas no caso de alguma delas vir a contratar com a empresa punida. Quer
dizer: a empresa é punida, por exemplo, com a suspensão do direito de licitar
perante uma entidade federativa, mas poderia licitar normalmente perante outra
e, como é óbvio, sujeitá-la aos riscos de novo inadimplemento. Para nós não há
lógica em tal solução, porque a Administração Pública é uma só, é una, é um
todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua
própria estrutura.
Questão que
suscita alguma controvérsia consiste em saber qual o efeito da aplicação da
sanção administrativa, especialmente a de declaração de inidoneidade, no que
tange aos contratos em vigor celebrados com a sociedade punida. A nosso ver,
tais contratos não são sujeitos à rescisão automática, devendo, ser for o caso,
ser instaurado o devido processo administrativo para o desfecho contratual.
Significa, pois, que os efeitos da punição são ex nunc, ou seja, incidem apenas para licitações e contratações
futuras. O outro aspecto é o de que nada impede que, a despeito da sanção, os
demais contratos sejam regularmente cumpridos pelo contratado. (grifei)
Note-se
que a discussão relativa aos efeitos da declaração de inidoneidade, aqui,
limita-se ao escopo da Lei n. 8.666/93. Entretanto, não se vislumbram quaisquer
óbices a que seja aplicável a terceira corrente especificamente para os casos
em que a decisão de inidoneidade seja proferida pelo Tribunal de Contas da
União.
Isso
porque há que se atentar, primeiramente, para o fato de que a Administração
Pública é una; sua divisão em esferas federativas se dá meramente em virtude de
critério organizacional, na medida em que a descentralização permite otimização
de desempenho, de controle, de fiscalização e, em consequência, de gestão da
coisa pública. Neste sentido, note-se a jurisprudência[3]
do Superior Tribunal de Justiça:
Recurso em
Mandado de Segurança. Administrativo. Licitação. Sanção Imposta a Particular.
Inidoneidade. Suspensão a Todos os Certames de Licitação Promovidos pela
Administração Pública que é Una. Legalidade. Art. 87, inc. II, da Lei 8.666/93.
Recurso Improvido.
I – A Administração Pública é una, sendo,
apenas, descentralizado o exercício de suas funções.
II – A
Recorrente não pode participar de licitação promovida pela Administração
Pública enquanto persistir a sanção executiva, em virtude de atos ilícitos por
ela praticados (art. 88, inc. III, da Lei nº 8.666/93). Exige-se, para a
habilitação, a idoneidade, ou seja, a capacidade plena da concorrente de se
responsabilizar pelos seus atos.
III – Não há
direito líquido e certo da Recorrente, porquanto o ato impetrado é perfeitamente
legal.
IV – Recurso
improvido. (grifei)
Ademais,
uma análise restritiva dos efeitos da inidoneidade declarada de determinada
empresa vai contra os interesses administrativos e a própria supremacia do
interesse público. No trato da coisa pública, deve-se buscar tornar concretas
todas as medidas possíveis no intuito de preservação e melhor uso dos recursos
públicos, da qual uma das facetas é justamente a inquestionável reputação das
empresas com as quais a Administração contrata.
Não
parece lógico que apenas por constar a expressão “Administração Pública
Federal” no corpo do art. 46 da Lei n. 8.443/92 se deva entender que os efeitos
da declaração de inidoneidade feita pelo Tribunal de Contas da União se
restrinjam a ela, afora o fato de que a conduta que motiva a referida sanção
(fraude à licitação) se reveste de gravidade suficiente a permitir, no mínimo,
a presunção de risco de reincidência, independentemente de qual esfera
federativa esteja contratando.
Neste
ponto, interessa observar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça[4]
sobre a matéria:
ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA. DISTINÇÃO ENTRE
ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE
PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
É irrelevante a distinção entre os
termos Administração Pública e Administração, por isso
que ambas as figuras (suspensão temporária de participação em licitação (inc.
III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a
não-participação em licitações e contratações futuras.
A Administração Pública é una, sendo
descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
A limitação dos efeitos da
“suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do
poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito
para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da
Administração Pública.
Recurso
especial não conhecido. (grifei)
De
fato, a mencionada interpretação extensiva defendida por José dos Santos
Carvalho Filho se afigura como verdadeira barreira apta a evitar que licitantes
anteriormente flagrados em condutas réprobas tenham a chance de nelas
reincidir. Por analogia, entende-se que tal extensibilidade pode também ser
observada em relação às decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União.
Acerca
desse tema, Marçal Justen Filho[5]
traz alguns apontamentos, inclusive ponderando o entendimento do Supremo
Tribunal Federal acerca da matéria:
O STF teve
oportunidade de manifestar-se sobre uma controvérsia envolvendo a declaração de
inidoneidade aplicada diretamente pelo TCU, com fundamento na legislação
própria.
Jurisprudência do STF
“O poder
outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de
fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para
participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal
(art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das
Licitações (art. 87), que – dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo
dos entes federativos (§3º) – é restrito ao controle interno da Administração
Pública e de aplicação mais abrangente.” (AgRg na Pet nº 3.606, Plenário, rel.
Min. Sepúlveda Pertence, j. em 21.09.2006, DJ de 27.10.2006)
A orientação
consagrada pelo STF não se afigura como a mais correta, com todo o respeito. Os pressupostos de aplicação do
dispositivo são necessariamente os mesmos. A decisão do STF poderia conduzir ao
resultado despropositado de dupla punição imposta a um mesmo sujeito, em
virtude da prática do mesmo ato. Basta considerar que a aplicação da sanção por
parte do TCU apenas pode ser cogitada se o referido sancionamento não foi
aplicado no âmbito da Administração contratante. O máximo que se poderia
cogitar seria uma interpretação integrativa, que reconhecesse que a competência
para impor a sanção em questão é atribuída não apenas às autoridades referidas
na Lei nº 8.666 mas também ao TCU – tornando a competência sancionatória
exercitável quando a apuração da conduta reprovável ocorrer no curso da
atividade desempenhada pelo dito Tribunal.
Jurisprudência do TCU
“Também não
existe contradição entre o disposto nos artigos 46 da Lei 8.443/1992 e 87,
inciso IV, in fine e [art. 87] § 3º, in fine, da Lei 8.666/1993. O primeiro
dispositivo é aplicável à fraude à licitação e o segundo trata de sanção pela
inexecução total ou parcial do contrato. São circunstâncias distintas.
Verificada fraude à licitação, é competente o Tribunal para aplicar a sanção.
Tratando-se de inexecução total ou parcial de contrato, cabe ao Ministro de
Estado declarar a inidoneidade.” (Acórdão nº 2.421/2009, Plenário, rel. Min.
Walton Alencar Rodrigues) (grifei)
Em
adição aos argumentos já apontados, não é despiciendo o exame detido do caso
concreto que levou à declaração de inidoneidade da empresa Dataprom
Equipamentos e Serviços de Informática Industrial Ltda. pelo Tribunal de Contas
da União.
Conforme
se observa do Doc. 03 dos Anexos da Manifestação da representante (fls. 415-436),
o processo n. TC-029.026/2011-3 originou-se da representação formulada pela
Advocacia Geral da União (AGU) acerca de irregularidades ocorridas na condução
de uma Tomada de Preços realizada pelo Município de Palmas/TO, visando à
contratação de empresa para implantação de semáforos veiculares e de pedestres.
O
caso (fl. 415) chegou à esfera do Tribunal de Contas da União em razão de que
os recursos para a execução dos serviços eram oriundos de repasse do Ministério
das Cidades (recursos federais, portanto), de modo que fora instaurada Ação
Civil Pública por ato de improbidade administrativa pelo Ministério Público
Federal.
Do
Voto (fl. 425) proferido pelo Tribunal de Contas da União extrai-se que os Srs.
Simara Previdi Olandoski, Maria do Socorro Pereira Rocha Peruffo e Alexei
Bittencourt Rodrigues, sócios da empresa Dataprom Equipamentos e Serviços de
Informática Industrial Ltda., foram responsabilizados por conluio com o Sr.
Melquisedeque Correa (autor do projeto do objeto licitado), “tendo em vista os
documentos encontrados pela Polícia Federal na residência deste responsável, os
quais apontam para a existência de vínculo anterior à licitação entre a empresa
e o autor do projeto” (fl. 425) o que configurou o direcionamento da licitação.
Mais
adiante (fl. 426), consta que por meio de inspeção, a Secretaria instrutiva
constatou a ocorrência de a) descumprimento de cláusulas contratuais, com
subcontratação não autorizada e não recebimento formal do objeto do contrato;
b) ausência de designação formal de fiscal do contrato; c) não vinculação do
contrato ao instrumento convocatório, restringindo o caráter competitivo da
licitação, com indícios de direcionamento.
Foi
referido ainda, conforme o trecho transcrito da Ação Civil Pública proposta
pelo Ministério Público Federal, que (fls. 427-428):
As provas
reunidas durante as investigações preliminares evidenciam que MELQUISEDEQUE
CORREA direcionou o certame em favor dos proprietários da Empresa DATAPROM,
mediante prévio ajuste, uma vez que, no decorrer das investigações
preliminares, restou demonstrado que os requeridos tinham vínculos
profissionais antes mesmo da publicação do edital da Tomada de Preços nº
005/2007. [...]
MELQUISEDEQUE
CORREA, mediante prévio ajuste com os sócios proprietários da EMPRESA DATAPROM,
elaborou projeto da obra com especificações técnicas que restringiam o caráter
competitivo do certame licitatório, direcionando o objeto contratado em favor
da mencionada empresa. [...]
Os demais demandados, SIMARA PREVIDI OLANDOSKI, MARIA DO SOCORRO PEREIRA
ROCHA PERUFFO e ALEXEI BITTENCOURT RODRIGUES, proprietários da empresa DATAPROM, por sua vez, davam prosseguimento
à empreitada delitiva, na medida que apresentavam proposta à Comissão
Permanente de Licitações de acordo com as adequações técnicas inseridas no
projeto por MELQUISEDEQUE para favorecê-los com a adjudicação do objeto
licitado. [...]
Pois bem, não bastasse a inserção de estranhas cláusulas restritivas, a análise no material apreendido na
residência e no escritório de MELQUISEDEQUE CORREA não deixa dúvidas acerca da
existência de prévio ajuste entre o projetista e os proprietários da Empresa
DATAPROM – SIMARA PREVIDI OLANDOSKI, MARIA DO SOCORRO PEREIRA ROCHA
PERUFFO e ALEXEI BITTENCOURT RODRIGUES – direcionando, assim, a contratação do
objeto licitado em favor da mencionada empresa.
Impende destacar, desde logo, que a
relação entre os réus é fato notório uma vez que MELQUISEDEQUE CORREA
prestava serviços à empresa DATAPROM antes mesmo da publicação do Edital de
Licitações referente à Tomada de Preços nº 005/2007, conforme se verifica no
documento acostado às fls. 157 do Apenso IV (proposta da empresa CORENG
ENGENHARIA dirigida à DATAPROM em 19/04/2007). [...]
Portanto, diante dos depoimentos colhidos e das provas colimadas nos
autos do inquérito, restou
evidenciado o esquema criminoso engendrado pelos réus MELQUISEDEQUE
CORREA, SIMARA PREVIDI OLANDOSKI, MARIA DO SOCORRO PEREIRA ROCHA PERUFFO e
ALEXEI BITTENCOURT RODRIGUES que de forma consciente e voluntária, e em unidade
de desígnios, na forma acima pormenorizada, frustraram o caráter competitivo da Tomada de Preços nº 005/2007, em
favor da EMPRESA DATAPROM, obtendo, assim, vantagem decorrente desta
adjudicação. (grifei)
O que se observa, portanto, é que apesar de o
repasse de verbas federais deslocar a competência para o Tribunal de Contas da
União, o caso concreto tratava de licitação municipal, nos mesmos moldes
do Pregão Presencial n. 530/SMA/DLC/2015.
Da mesma maneira se pode observar a proximidade de
objetos dos procedimentos. Naquele o objeto era a implantação de semáforos
veiculares e de pedestres no Município de Palmas/TO, enquanto que no Pregão
Presencial n. 530/SMA/DLC/2015, o objeto foi o fornecimento e instalação de
equipamentos para composição de sistema de controle viário no Município de
Florianópolis/SC.
Por fim, há que se atentar para a gravidade dos
fatos, na medida em que restou cabalmente comprovado naquele processo a conduta
ativa dos sócios da Dataprom
Equipamentos e Serviços de Informática Industrial Ltda. no intuito de fraudar a
licitação.
Dessa maneira, conforme exaustivamente exposto, não
se vislumbram óbices a que a inidoneidade da referida empresa seja estendida às
esferas estadual e municipal, eis que fazem parte da mesma Administração – una.
Difícil supor que exista qualquer tipo de “seletividade” que leve indivíduos ou
empresas a restringirem seus atos a uma esfera federativa. O que se busca,
aqui, é a preservação da incolumidade dos recursos públicos e dos princípios
que regem as licitações e a Administração Pública em geral, notadamente a
moralidade, insculpida no art. 37, caput,
da CRFB/88.
Assim sendo, assiste razão à representante, pois a
adjudicação do objeto à empresa declarada inidônea afronta o item 2.2.4 do
Edital, que estabelece que não será admitida a participação de empresas que
tenham sido declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração
Pública, bem como aos já mencionados art. 46 da Lei n. 8.443/92, ao art. 97 da
Lei n. 8.666/93 e ao art. 37, caput,
da CRFB/88.
Desse modo, este Órgão Ministerial discorda do
posicionamento exarado pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações
no sentido de conhecer a representação, considerá-la improcedente e determinar
o arquivamento dos autos.
Portanto, em vista do que observado a partir dos documentos
e informações colacionados aos autos, percebe-se que a adjudicação do objeto
licitado no Pregão Presencial n. 530/SMA/DLC/2015 à empresa Dataprom Equipamentos e
Serviços de Informática Industrial Ltda., no presente contexto fático, contrariou o disposto
no item 2.2.4 do Edital, no art. 46 da Lei n. 8.443/92, no art. 97 da Lei n.
8.666/93 e no art. 37, caput da
CRFB/88.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar
Estadual n. 202/2000, manifesta-se:
1.
pela CONHECIMENTO da presente
Representação formulada pela empresa Novakoasin Equipamentos e Sistemas Ltda.
em face do Pregão Presencial n. 530/SMA/DLC/2015, publicado pela Secretaria
Municipal de Administração – Diretoria de Licitações e Contratos da Prefeitura
Municipal de Florianópolis;
2.
pela DETERMINAÇÃO no sentido de que
a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações adote as providências
necessárias ao esclarecimento dos fatos, dando-se sequência ao regular
prosseguimento do presente processo com a AUDIÊNCIA
dos responsáveis pela seguinte irregularidade:
2.1. indevida adjudicação do objeto
licitado no Pregão Presencial n. 530/SMA/DLC/2015 à empresa Dataprom
Equipamentos e Serviços de Informática Industrial Ltda., em vista de ter sido
esta declarada inidônea pelo Tribunal de Contas da União pelo prazo de 5 anos,
conforme disposto no Acórdão n. 1975/2013, proferido no processo n.
TC-029.026/2011-3, em afronta ao item 2.2.4 do Edital, ao art. 46 da Lei n. 8.443/92,
ao art. 97 da Lei n. 8.666/93 e ao art. 37, caput
da CRFB/88.
Florianópolis,
25 de maio de 2016.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] TORRES, Ronny Charles Lopes
de. Leis de licitações públicas
comentadas. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 712-713.
[2] CARVALHO FILHO, José dos
Santos. Manual de Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010, p. 204-205.
[3] RMS n. 9.707/PR, 2ª T, Rel.
Min. Laurita Vaz, j. em 4.09.2001, DJ de 20.05.2002.
[4] REsp 151567 - RJ - 2ª T. - Rel. Min. Francisco Peçanha Martins - DJU 14.04.2003.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2010, p. 896-897.