PARECER  nº:

MPTC/42534/2016

PROCESSO nº:

REC 15/00614553    

ORIGEM     :

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional - São Joaquim

INTERESSADO:

Solange Maria Scortegagna Pagani

ASSUNTO    :

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo nº RLA-13/00287893

 

1 - RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Revista interposto pela Sra. Solange Scortegagna Pagani, secretária da SDR de São Joaquim à época dos fatos,[1] em face do Acórdão nº 698/2015,[2] exarado no processo nº RLA-13/00287893, por meio do qual foi aplicada multa à recorrente, além de assinalado prazo para que a gestora adotasse as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei.

Auditores da Diretoria de Recursos e Reexames - DRR sugeriram o conhecimento do recurso, para negar-lhe provimento, mantendo na íntegra a decisão recorrida (fl. 12-v):[3]

 

Diante do exposto, a Diretoria de Recursos e Reexames emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:  

3.1. Conhecer do Recuso de Reexame interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000, contra a Decisão n° 0698/2015, exarada na sessão ordinária de 05/10/2015, nos autos RLA 13/00287893, e, no mérito, negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação recorrida.

[...]

 

Após, vieram-me os autos.

 

2 - ADMISSIBILIDADE

O recurso é singular e foi manejado por responsável legitimado para tanto.

No tocante à espécie recursal que admite enfrentar decisão proferida em sede de processo de fiscalização de atos e contratos, eis o teor do art. 79 da Lei Complementar nº 202/2000:

 

Art. 79 - De decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, cabem Recurso de Reexame e Embargos de Declaração.

 

In casu, impende trazer à baila que a recorrente interpôs recurso de revista, via recursal que não possui arrimo legal perante a jurisdição de contas.

Não obstante, mesmo diante da inadequação do recurso manejado pela recorrente, há que se discorrer acerca da possiblidade de conhecê-lo como reexame, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal.

Referido princípio homenageia uma concepção contemporânea do processo, como instrumento canalizado à concretização do direito material sem estar amordaçado a formalismos exorbitantes que, por vezes, obstam o reconhecimento de direitos e garantias constitucionais tão caras à sociedade.

A ideia central é conferir ao recorrente tratamento mais benéfico, franqueando que recurso impróprio seja aproveitado, considerando os danos que possivelmente surgiriam diante da negativa do seu recebimento e, por conseguinte, da preclusão quanto à discussão da matéria objeto da controvérsia.

Eis a lição de Luís Guilherme da Costa Wagner Junior sobre o assunto em evidência:[4]

 

A socorrer o recorrente que se vê inseguro quanto ao recurso a ser apresentado diante de uma decisão, admite nosso ordenamento a aplicação do Princípio da Fungibilidade Recursal, segundo o qual se permite a aceitação de um recurso erroneamente interposto por outro, como se o correto fosse.

 

Para adoção de tal postulado, cogente que seus requisitos restem caracterizados.

A propósito, questão envolvendo os requisitos de incidência do princípio da fungibilidade recursal foi objeto de decisão recente do Superior Tribunal de Justiça:[5]

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA ACÓRDÃO. RECURSO
INCABÍVEL. ERRO GROSSEIRO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA
FUNGIBILIDADE RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
1. Na forma dos artigos 545 do Código de Processo Civil e 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, somente é cabível agravo regimental contra decisão monocrática, sendo manifestamente inadmissível sua interposição contra acórdão.
2. Não incide o princípio da fungibilidade em caso de ausência de qualquer dos requisitos a que se subordina, quais sejam: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível; b) inexistência de erro grosseiro; c) que o recurso inadequado tenha sido interposto no prazo do que deveria ter sido apresentado.
3. Agravo regimental não conhecido. (Grifo meu)  
 

Pacífico o entendimento de que a ausência de apenas um dos requisitos demarcados pelo STJ já possui o condão de obstar a incidência do princípio da fungibilidade recursal.

No caso em apreço, apenas o requisito afeto ao prazo restou satisfeito.[6]

Vejamos.

O requisito da dúvida objetiva resta prejudicado na medida em que existe disposição legal expressa acerca do recurso que ao caso seria adequado.[7]

E não é só, pois além de não ser o recurso apto a combater decisão proferida em sede de processo de fiscalização de atos e contratos, o Tribunal sequer adota tal terminologia em seu sistema recursal, consoante se infere do rol taxativo do art. 76 da Lei Complementar nº 202/2000, independentemente do tipo de processo - fiscalização de atos e contratos ou prestação e tomada de contas - ou da espécie de decisão que se enfrenta - preliminar, definitiva ou terminativa.

A respeito do requisito alçado, importa colacionar julgado do STJ:[8]

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. VALOR INFERIOR A 50 ORTNS. APELAÇÃO NÃO ADMITIDA. RECURSO CABÍVEL.EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 34 DA LEI 6.830/80. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
[...]
II. Os Embargos de Declaração têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há omissão, no acórdão recorrido, quando o Tribunal de origem pronuncia-se, de forma clara e precisa, sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Ademais, o Magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte. Inocorrência, no caso, de violação ao art. 535 do CPC.
[...]
V. Inviável, portanto, a incidência do princípio da fungibilidade recursal, no caso, pois existe disposição legal expressa, acerca do recurso cabível, o que afasta a possibilidade de dúvida objetiva sobre qual recurso deveria ter sido interposto. Ademais, a questão relacionada ao não cabimento de Apelação, nas Execuções Fiscais de valor inferior a 50 ORTNs, encontra-se pacificada, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que evidencia a existência de erro grosseiro, na hipótese.
[...]
VII. Agravo Regimental improvido. (Grifo meu)
 

O requisito da carência de erro grosseiro, da mesma forma, restou desatendido, eis que notório o fato de o recurso de revista ser instrumento hábil a combater decisões no âmbito da Justiça do Trabalho.[9]

Sobre o assunto, os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, nas palavras de Araken de Assis:[10]

 

Erro grosseiro se configura, efetivamente, na hipótese de a parte interpor recurso diferente do expresso e desnecessariamente apontado como o próprio no dispositivo legal.

 

Convergindo com tal cenário, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:[11]

 

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CABIMENTO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL.

1. O princípio da fungibilidade recursal não tem aplicação quando verificado erro grosseiro, como na hipótese de pedido de reconsideração formulado diante de decisão colegiada proferida em sede de agravo regimental. 2. O recolhimento da multa imposta com fundamento no art. 557, § 2º, do CPC revela-se como requisito de admissibilidade da impugnação recursal. Precedentes.

3. Deixando o recorrente de efetuar o pagamento da multa aplicada, ausente o cumprimento do requisito de admissibilidade recursal estatuído no parágrafo 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil, fato que inviabiliza o conhecimento da presente insurgência recursal.

4. Pedido de reconsideração não conhecido. (Grifo meu)

 

Logo, inviável aplicar o princípio da fungibilidade recursal ao caso, tendo em vista que seus requisitos de incidência não restaram integralmente caracterizados.

Portanto, como desdobramento lógico, o recurso não merece ser conhecido, ante a ausência de pressupostos de admissibilidade.

Não obstante, passo a tratar da questão de fundo, levando em consideração o princípio da eventualidade.

 

3 - MÉRITO

3.1 - Assinar o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico desta Tribunal - DOTC-e -, com fundamento no art. 59, IX, da Constituição Estadual de 1989, para que a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de São Joaquim, na pessoa da Sra. Solange Maria Scortegagna Pagani, adote as providências necessárias com vistas ao exato cumprimento da lei, comprovando-as a este Tribunal de Contas, relativamente à correção do Projeto de Sinalização, adequando-o às boas técnicas de engenharia, e que sua execução foi realizada adequadamente; bem como demonstre que as defensas metálicas necessárias à segurança dos usuários, além das previstas em projeto, serão (ou estão) executadas, sob responsabilidade do DEINFRA, se for o caso, e com as devidas localizações inseridas no Projeto de Sinalização, nos termos do item 6.2 da Decisão nº 1815/2007.

A recorrente pretende afastar a deliberação da Corte de Contas dirigida à Unidade na qual figura como gestora,[12] sob o argumento de que a responsabilidade para correção do projeto de sinalização e instalação das defensas metálicas na Rodovia SC-439, trecho Urupema/Rio Rufino -, seria do DEINFRA, e não da SDR de São Joaquim.

Auditores da Diretoria de Recursos e Reexames - DRR sugerem que a deliberação constante do item 6.3 do Acórdão nº 698/2015 seja mantida.[13]

A SDR de São Joaquim e o DEINFRA celebraram o Termo de Cooperação nº 1/2006,[14] com o fito de estabelecer mecanismos de cooperação administrativa e técnica para execução dos trabalhos rodoviários de terraplanagem, pavimentação asfáltica, drenagem, obras de artes correntes e de sinalização na Rodovia SC-439, entre o trecho de Urupema/Rio Rufino.

Em 2007, formalizou-se, então, o Contrato nº 45/2007, pactuado entre, de um lado, a SDR de São Joaquim e, de outro, a Construtora Santa Catarina Ltda, para execução do objeto do termo de cooperação acima mencionado.

Referido ajuste restou rescindido em 30-6-2008.[15]

Diante disso, convocou-se a segunda colocada no certame, Dalba Engenharia e Empreendimentos Ltda, empresa com a qual a SDR de São Joaquim firmou o Contrato nº 25/2008,[16] visando a conclusão dos trabalhos.

O Termo de Cooperação nº 1/2006, alhures mencionado, teve vigência até 31-12-2008, consoante se colige da leitura da Cláusula Quarta.

E, portanto, poder-se-ia cogitar que a responsabilidade da SDR de São Joaquim não mais subsistiria.

Ocorre que, em 2007, antes mesmo de se ter extrapolado a vigência do Termo de Cooperação nº 1/2006, fora celebrado o Termo de Cooperação nº 1/2007,[17] versando sobre o mesmo objeto do termo que o antecedeu, porém com inovação em relação ao prazo de validade.

Dispõe a Cláusula Quarta do Termo de Cooperação nº 1/2007:

 

O presente Termo de Cooperação terá validade até a data limite da conclusão da obra.

 

Referida situação reforça o compromisso assumido pela SDR de São Joaquim quando da celebração do Contrato nº 25, solenizado nos idos de 2008, mirando o arremate dos trabalhos rodoviários de terraplanagem, pavimentação asfáltica, drenagem, obras de artes correntes e de sinalização na Rodovia SC-439, entre o trecho de Urupema/Rio Rufino.

Ademais, a prática levada a termo entre o DEINFRA e a SDR de São Joaquim encontrava-se calcada em permissivos legais.

Reproduzo, a respeito, o teor do art. 87, VI, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:[18]

 

Art. 87 - Ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA compete:

VI - elaborar estudos e projetos, especificações e orçamentos, locar, construir, conservar, diretamente ou por delegação, restaurar, reconstruir, promover melhoramentos e administrar, diretamente ou por meio de terceiros, as estradas de rodagem do Plano Rodoviário do Estado - PRE, inclusive pontes e obras complementares;

[...] (Grifos meus)

 

Na mesma toada, tem-se o art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 381/2007:[19]

 

Art. 77 - Às Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional, no âmbito de suas respectivas regiões administrativas, compete:

[...]

VII - executar obras e serviços públicos na região de abrangência, ou coordenar a sua execução;

XXIII - executar a política formulada pela Secretaria de Estado da Infra-Estrutura e pelo Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA, para a administração da infra-estrutura de transportes, edificações e obras hidráulicas, compreendendo sua construção, operação, manutenção, restauração, reposição, adequação de capacidade e ampliação;

[...] (Grifos meus)

 

Veja-se que o art. 4º da Lei nº 16.795/2014 manteve a competência das agências de desenvolvimento regional para executar os programas, projetos e ações governamentais para a consecução de obras e serviços públicos na região de abrangência ou coordenar a sua execução.

Dessarte, as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei devem recair sobre a Agência de Desenvolvimento Regional de São Joaquim, órgão em que foi transformada a extinta SDR.[20]

Portanto, caso o recurso seja conhecido, o item 6.3 do Acórdão nº 698/2015 não merece reparo, devendo permanecer incólume.

 

4 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, opina pela adoção das seguintes providências:

4.1 - NÃO CONHECIMENTO do RECURSO, em face da inadequação da via recursal eleita para combater a decisão recorrida, nos termos do 79 da Lei Complementar nº 202/2000, bem como da não configuração dos requisitos para a fungibilidade recursal;

4.2 - SUCESSIVAMENTE, caso ultrapassada a questão da admissibilidade, NEGAR PROVIMENTO ao RECURSO, nos termos deste parecer.

Florianópolis, 14 de julho de 2016.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Ocupando, atualmente, o cargo de secretária executiva de desenvolvimento regional de São Joaquim.

[2] Fls. 212/213 do processo nº RLA-13/00287893.

[3] Parecer nº DRR-41/2016 (fls. 8/13).

[4] WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo civil: curso completo. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2010. p. 368.

[5] Superior Tribunal de Justiça. Processo nº AgRg na SEC nº 10.885/FR. Corte Especial. Relator: Mauro Campbell Marques. Data de Sessão: 5-8-2015. Disponível em:  <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1425730&num_registro=201400720273&data=20150814&formato=PDF>. Acesso em: 8-9-2015.

[6] Recurso protocolado em 17-11-2015, conforme fl. 3 destes autos, e Acórdão publicado em 5-11-2015, DOTC-e 1824, segundo consta da fl. 212 do processo nº RLA-13/00287893, portanto, dentro do limite legal aplicável ao reexame, conforme se infere do art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000. 

[7] Recurso de Reexame, nos termos do art. 79 da Lei Complementar nº 202/2000.

[8] Superior Tribunal de Justiça. Processo nº AgRg no REsp 1.461.742/RS. Segunda Turma. Relatora: Ministra Assusete Magalhães. Data da Sessão: 18-6-2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1420218&num_registro=201401478740&data=20150701&formato=PDF>. Acesso em: 8-9-2015.

[9] Vide art. 896 e ss da CLT.

[10] Apud ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 104.

[11] Superior Tribunal de Justiça. Processo nº PET no AgRg no Ag 1.292.535/MG. Quarta Turma. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Data da Sessão: 6-5-2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1316981&num_registro=201000510292&data=20140526&formato=PDF>. Acesso em: 8-9-2015.

[12] Consistente em assinalar prazo, no afã de a SDR de São Joaquim adotar as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei.

[13] Vide fls. 10/12-v.

[14] Fls. 36/39 do processo nº RLA-13/00287893.

[15] Conforme se infere do Distrato nº 1/2008 (fls. 84/85), publicado no DOE nº 18396, em 7-7-2008 (fl. 87 do processo principal).

[16] Fls. 88/94 do processo nº RLA-13/00287893.

[17] Fls. 72/75 do processo nº RLA-13/00287893.

[18] Vigente à época.

[19] Vigente à época.

[20] Transformada em Agência de Desenvolvimento Regional pela Lei Estadual nº 16.795/2015.