PARECER nº:

MPTC/41250/2016

PROCESSO nº:

RLA 15/00464136    

ORIGEM:

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Xanxerê

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Verificar a construção do Hospital Regional de Xanxerê. Contrato CT-52/SDR-XXE.

 

Trata-se de auditoria ordinária realizada na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, com o objetivo de fiscalizar as obras de construção do novo bloco do Hospital Regional São Paulo, no Município de Xanxerê, as quais são objeto do Contrato n. 52/2014, celebrado inicialmente entre a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional (SEDR) de Xanxerê e a empresa Engedix Soluções de Engenharia Ltda.

A Solicitação de Autuação foi apresentada pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações em 27/08/2015 (fl. 2), tendo sido a proposta de execução de fiscalização apresentada por meio do Memorando DLC n. 067/2015 (fl. 3). A equipe de auditoria foi apresentada ao Secretário de Estado da Saúde por meio do Ofício DLC n. 11.684/2015 (fl. 4), e ao Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, por meio do Ofício DLC n. 11.708/2015 (fl. 5).

A Matriz de Planejamento foi acostada à fl. 6 dos autos, ao passo que a Matriz de Procedimentos foi juntada à fl. 6v, contendo os seguintes questionamentos: a) “a obra está sendo executada em conformidade com os projetos, memoriais e especificações técnicas existentes?”; b) “a obra está sendo medida e paga em conformidade com os serviços efetivamente executados?”; c) “os aditivos celebrados são pertinentes, no tocante a serviços e preços praticados?”.

Após a juntada da documentação de fls. 7-434, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou o Relatório n. DLC-479/2015 (fls. 435-446), em cuja conclusão sugeriu a realização de audiência do responsável, Sr. Carlos Agustinho Colatto, Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, nos seguintes termos:

Diante de todo o exposto, entende esta Instrução que pode o Relator determinar o seguinte:

Tendo em vista a existência de irregularidades verificadas pela Diretoria de Licitações e Contratações ao realizar auditoria nas obras de construção do Hospital Regional São Paulo em Xanxerê, contratadas pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, constantes do Relatório DLC 479/2015, determino, com amparo nos arts. 29, § 1°, e 35, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, a AUDIÊNCIA do Sr. Carlos Augustinho Collato, Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento do expediente de comunicação da audiência, com fulcro no art. 46, I, b , do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno, apresentar a este Tribunal JUSTIFICATIVAS acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação da multa prevista no art. 70, II da Lei Complementar nº 202/2000:

3.1. Licitar as obras de construção do Hospital Regional São Paulo, de Xanxerê, Edital nº 2/2014, com base em um projeto básico insuficiente, elaborado sem necessário conhecimento do terreno e sem a realização das devidas sondagens, não atendendo, deste modo, os requisitos mínimos exigidos pela Lei 8.666/93, em seu art. 6º, IX, e, consequentemente, caracterizando grave infração à norma do art. 7º, § 2º, I do mesmo diploma legal. Item 2.5 do Relatório Técnico.

3.2. Alterar o objeto do Contrato 52/2014, por meio de termo aditivo, subtraindo os dois últimos pavimentos do edifício (incluindo o heliponto), em grave infração ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (art. 54, § 1º, da Lei 8.666/93), ao princípio da isonomia (art. 3º da Lei 8.666/93) e fora dos casos de alteração contratual permitidos pelo art. 65 da Lei 8.666/93, conforme descrito no item 2.5 do Relatório da DLC.

3.3. Não executar fielmente o contrato, descumprindo o cronograma físico e financeiro e o prazo de conclusão das obras (previsto na sua cláusula 5.1), o que caracteriza grave infração ao art. 66 da Lei 8.666/93, conforme item 2.4 do Relatório da DLC.

3.4. Dar ciência do DLC 479/2015 ao Controle Interno da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê.

O Relator determinou a realização da audiência (fl. 446), tendo sido cientificados a Sra. Itamara Bortoluzzi Andolfatto, Chefe do Controle Interno da SEDR de Xanxerê, e o responsável, Sr. Carlos Agustinho Colatto, Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, por meio dos respectivos Ofícios TCE/DLC n. 17.171/2015 e n. 17.173/2015 (fls. 447-448).

O Sr. Carlos Agustinho Colatto apresentou justificativas às fls. 451-460 e juntou os documentos de fls. 461-552.

Após a juntada das referidas justificativas e documentos, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações apresentou o Relatório de Instrução Plenária n. DLC-127/2016 (fls. 556-559), em cuja conclusão sugeriu o conhecimento do relatório de auditoria realizada nas obras em referência e seus respectivos desdobramentos para considerá-las regulares, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Note-se que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da entidade em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso IV da Constituição Estadual; art. 1º, inciso V da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passo, assim, à análise das irregularidades que foram inicialmente levantadas e posteriormente consideradas sanadas pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

1.     Licitação das obras de construção do Hospital Regional São Paulo, de Xanxerê (Edital de Concorrência n. 002/2014) com base em um projeto básico insuficiente, elaborado sem necessário conhecimento do terreno e sem a realização das devidas sondagens, não atendendo, deste modo, aos requisitos mínimos exigidos pela Lei n. 8.666/93, em seu art. 6º, inciso IX e, consequentemente, caracterizando grave infração à norma do art. 7º, § 2º, inciso I do mesmo diploma legal.

A irregularidade originou-se a partir da constatação, pela equipe de auditoria, de que as alterações que se apresentaram no decorrer da execução do objeto contratual teriam se originado a partir da contratação baseada “num projeto de fundações insuficiente, elaborado sem o conhecimento das condições do terreno, em grave infração aos artigos 6º e 7º da Lei 8.666/93” (fl. 443).

Sob este contexto, a Área Técnica relatou (fl. 443v) que “a SDR não possuía conhecimento suficiente do terreno, nos níveis estabelecidos pela Lei 8.666/93, para lançar a licitação”, sendo que tal diploma legal “exige que a execução das obras seja precedida do projeto básico”, ressaltando que “não é possível elaborar um projeto de fundação que atenda aos requisitos da Lei 8.666/93 sem a realização de sondagens no terreno”.

Em função disso, tornou-se necessário termo aditivo de valores a fim de suprir as necessidades financeiras e técnicas surgidas da realidade fática enfrentada, conforme será analisado no item 2 deste Parecer.

Foi referido que as justificativas técnicas para tais modificações foram apontadas em ofício encaminhado pela contratada à SEDR de Xanxerê – Ofício n. 01/ENGEDIX/2014 (fls. 260-262) – sendo que, a partir deste, os engenheiros componentes da equipe de auditoria teriam percebido (fl. 442v) que “o problema que originou o aditivo foi a não realização de sondagem no terreno destinado à obra ANTES da elaboração do projeto de fundações do prédio, e, consequentemente, a necessidade de reformulação deste projeto”.

Acerca do apontamento feito, o responsável alegou, preliminarmente, que o projeto do Bloco II do Hospital Regional São Paulo teria chegado à SEDR “sem apresentar qualquer indício de insuficiência” (fl. 452). Alegou que no projeto elaborado, constavam ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), liberação dos órgãos competentes (Bombeiros, Vigilância Sanitária, Setor Engenharia da Prefeitura), bem como todos os trâmites necessários para o andamento do processo licitatório.

Apontou que após a análise da Gerência de Infraestrutura da SEDR, os projetos teriam sido aprovados pelo setor de engenharia do PACTO por Santa Catarina, sendo que as determinações de ajustes feitas teriam sido cumpridas. Relatou que todos os demais trâmites e formalidades foram regularmente observados.

Especificamente acerca da irregularidade, o responsável argumentou (fl. 454) que quando o legislador prescreveu no art. 6º, inciso IX da Lei n. 8.666/93 que os projetos devem conter “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado”, não teria efetivamente exigido que “a precisão deve ser de forma exata”. Defendeu, ainda, que o projeto teria sido “elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares”, conforme previsto no referido preceito legal.

Alegou (fl. 454) que o terreno em que está sendo edificado o Bloco II do Hospital possui 800 metros quadrados, dentro dos quais também se localiza o Bloco I, já edificado. Nesse sentido, informou que o Bloco I foi inaugurado em 26/06/2014 e iniciou suas atividades após a acomodação dos pacientes nos novos leitos (havia pacientes na construção que foi posteriormente demolida para possibilitar a construção do Bloco II), passando a funcionar efetivamente em 01/07/2014.

Dentro deste contexto, aduziu (fls. 454-455) que a Administração Pública Estadual, por meio da SEDR de Xanxerê “antes mesmo da conclusão da obra do bloco I, e com a autorização para realização da obra, lançou ainda no mês de abril de 2014 a licitação para a construção do bloco II” (grifei).

Acerca deste ponto, o responsável arrematou (fl. 455):

Desta forma, logo que o bloco I estivesse em pleno funcionamento, sendo a construção antiga onde se localiza hoje o bloco II totalmente desocupada, pudesse então já estar todos os tramites licitatórios e contratuais realizados, iniciando de imediato a nova construção, podendo de maneira mais eficiente e rápida iniciar o atendimento dos pacientes que necessitam de atendimento hospitalar.

Para que fosse realizada a licitação e o tramite contratual, a administração já tendo uma sondagem do solo que havia sido realizada para a construção do bloco I, utilizou-se acertadamente do mesmo Relatório de Sondagem realizado anteriormente, que diga-se que conforme prevê a legislação, apresentava um “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado”, que tratasse de construção contigua à já existente.

Assim, fica claro que em busca do Princípio da Eficiência, a licitação foi lançada antes da demolição, mas porém, com a sondagem relativa ao mesmo imóvel, tratando-se de área contígua de um imóvel de 800m2, quando da licitação foram apresentados todos os elementos adequados e suficientes para execução do objeto, devendo a presente justificativa quanto ao presente item ser devidamente acolhida.

À vista de tais justificativas, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, ao promover a reanálise do caso no Relatório de Instrução n. DLC-127/2016, entendeu por acolhê-las (fls. 557v-558), lastreando a modificação de seu entendimento principalmente no “invocado princípio da eficiência” aplicado à obra de “grande interesse social, em que uma das alas em funcionamento precisaria ser demolida para dar lugar a um prédio novo”, mas também levando em consideração “todo o conjunto das informações prestadas” e “tudo mais que se verificou in loco”.

A DLC destacou, ainda, a alegação do responsável no sentido de que “os projetos possuíam a aprovação de todos os órgãos competentes, e que a sondagem utilizada na fase de projetos era relativa ao mesmo imóvel, de 800m2, porém em área adjacente” (fl. 558).

Não obstante tais argumentos, discorda-se veementemente do posicionamento final adotado pela Área Técnica desse Tribunal de Contas.

Ao promover uma análise pormenorizada das informações contidas nos diversos documentos que compõem os presentes autos, extraem-se conclusões diametralmente opostas àquela encontrada pelo responsável e acolhida pela Unidade Técnica.

Inicialmente, no Ofício n. 01/ENGEDIX/2014 (fls. 260-262), referente à necessidade de termo Aditivo de Valores, o Sócio Administrador da empresa contratada informou que teria iniciado imediatamente os serviços de demolição das duas alas existentes sobre o terreno para que fosse possível a “execução da Sondagem do solo e posterior definição do sistema de fundações” conforme constante em planilha e memorial.

A seguir, fez remissão a uma conversa com o projetista, o qual teria informado que “utilizaram como base para cálculo estimado das quantidades de estacas a sondagem do solo do terreno anexo a nova ala a ser construída”. Ou seja, foi utilizada como parâmetro a sondagem realizada na área que recebeu a edificação do Bloco I do Hospital, aparentemente contando-se com a “sorte” de que a área determinada para receber o Bloco II apresentasse as mesmas características e especificidades apenas por fazer parte do mesmo terreno.

Tal fato é reforçado no Parecer Jurídico apresentado pela Consultoria Jurídica da SEDR de Xanxerê (fls. 276-278), no qual se relata que quando do lançamento das planilhas licitadas, não fora possível a execução da sondagem para quantificar precisamente as fundações, tendo sido aplicada a medição realizada quando da construção do bloco “já inaugurado em área contígua”.

Aduz o parecer mencionado que somente após a demolição do imóvel antigo é que a contratada providenciou sondagem da área e constatou a necessidade de empregar quantidades maiores de materiais e serviços, tendo em vista a configuração do solo do terreno e o provável desnível das fundações, que impediria a interligação dos Blocos I e II, prevista no Edital n. 002/2014 e no Contrato n. 52/2014.

Ora, dos fatos referidos, constatados pela Área Técnica, relatados pela contratada, ressalvados pelo Parecer Jurídico e admitidos pelo responsável, outra conclusão não é possível que não a afronta ao disposto no art. 6º, inciso IX da Lei n. 8.666/93. Note-se:

Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: [...]

IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados; (grifei)

Traçando um exame pormenorizado do dispositivo transcrito, torna-se inapelavelmente clara a sua violação por parte da contratante em sua conduta.

O inciso IX trazido à lume estabelece que o projeto deverá ser elaborado com base nas indicações de estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica do empreendimento, bem como possibilite a avaliação do custo da obra e definição dos métodos e do prazo de execução. Das alíneas “a” a “f”, colhe-se que não se permitiu identificação de todos os elementos técnicos com clareza; não se minimizou a necessidade de reformulação do projeto na fase de realização da obra; não foram fornecidas especificações que garantissem os melhores resultados; a informação omitida quanto ao caráter do solo do terreno impossibilitou a dedução do melhor método construtivo, bem como frustrou a programação da obra; frustrou-se o orçamento detalhado, eis que já de início foi solicitado aditivo de valores; frustrou-se o caráter competitivo, eis que a contratada passou a precisar entregar apenas 7 (sete) pavimentos, sendo que os demais concorrentes competiram para entregar 9 (nove).

De plano, percebe-se que a omissão (para se dizer o mínimo) quanto à sondagem da área revela descompromisso com o texto legal. O Bloco II, conforme previsto no Edital n. 002/2014 e entabulado no Contrato n. 52/2014, teria 9 (nove) pavimentos, abrigando diversos equipamentos de diferentes funções, muitos deles de peso significativo, afora todos os demais elementos estruturais componentes de um espaço médico e o próprio pessoal. Isso sem mencionar que o 9º pavimento, destinado ao heliponto, receberia eventualmente o helicóptero do SAMU. O simples peso somado de tudo quanto elencado aqui revela o absurdo de se cogitar a possibilidade de utilizar os resultados da sondagem feita no local que recebeu o Bloco I, notadamente menor (3 pavimentos, a se julgar pelas fotos de fls. 436-437) como parâmetro para receber o Bloco II.

Ainda que a configuração do solo fosse idêntica em termos de composição, elementos, densidade e outros fatores, era no mínimo imprescindível levar em conta a diferença de peso das estruturas. Qualquer leigo em conhecimentos de engenharia (como essa procuradora), poderia chegar a tal constatação. Assim, antes de lançar o referido edital, a Unidade Gestora deveria ter se acercado de todos os detalhes técnicos de modo a subsidiar os futuros licitantes com o máximo de informações possível, inclusive para evitar riscos estruturais e gastos desnecessários, como aquele advindo do aditivo contratual.

Relativamente à matéria em tela, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes comenta[1]:

Entre as boas inovações trazidas pela Lei nº 8.666/93, que disciplinou no âmbito da Administração Pública o tema licitações e contratos, está a obrigatoriedade do projeto básico para a contratação de qualquer obra ou serviço. Conquanto ainda continuem alguns a sustentar que essa exigência só cabe para as contratações na área de engenharia, a interpretação literal indica, de forma clara, que esse requisito foi pontualmente estabelecido pelo legislador pátrio de modo amplo.

Efetivamente o art. 7º, notadamente no § 2º, inciso I, da Lei em epígrafe, coloca a necessidade da prévia elaboração do projeto básico, estabelecendo que somente poderão ser licitados os serviços e as obras depois de atendida essa exigência.

1.     Conceito

Projeto básico para obras e serviços corresponde ao detalhamento do objeto de modo a permitir a perfeita identificação do que é pretendido pelo órgão licitante e, com precisão, as circunstâncias e modo de realização.

Nos termos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, o “projeto básico é o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou o complexo de obras ou serviços, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilitem a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução”. Desse conceito extrai-se o que servir para cada serviço ou obra a ser realizada de acordo com a sua natureza.

A transparência exigida do Poder Público pela sociedade sepultou definitivamente a hipótese de se licitar um serviço em que o possível candidato sequer soubesse exatamente o que é pretendido, ou como realizar, num verdadeiro contrato aleatório no qual só se compraz o licitante em conluio com um agente da Administração.

O novo diploma exige, em acatamento ao princípio fundamental que adota – o princípio da isonomia – que todos os candidatos à contratação saibam com precisão os limites a que ficarão sujeitos se contratarem com o poder público. (...)

Acresce ainda que em face de lei em referência o projeto básico é o elemento obrigatório a ser anexado ao edital de licitação, dele fazendo parte integrante, nos termos do art. 40, 2º, inciso I, da Lei nº 8.666/93.

2.     Vantagens do projeto básico

Excluindo-se do exame aqueles Órgãos que insistem na conhecida declaração de que “o meu caso é diferente” ou “essa legislação não se aplica a este caso” – e sempre se encontrarão os administradores que tentam fugir ao império da lei – o que se tem notado é que a realização do projeto básico tem favorecido muito a Administração, no sentido de evitar a contratação de “serviços sem provisão de quantidades ou cujos quantitativos não correspondem as previsões”, tal como expressamente veda o art. 7º, 4º, do mesmo diploma.

Como integra a convocação para licitar, o projeto básico auxilia o futuro contratado na definição da equipe que vai trabalhar e dos recursos a empregar. [...]

Reiteradamente se tem notícias, dos que buscarem o cumprimento desses comandos normativos, o quanto melhorou a Prestação dos serviços, além do expresso reconhecimento de que se está pondo fim ao empirismo no serviço público, para abrir a senda definitiva do trabalho técnico e do planejamento. [...]

Como se vê, em breves linhas, a precisa definição do objeto que se coloca no projeto básico, aliado a um treinamento introdutório, recomendável quando há contato entre os servidores e o pessoal do contratado, pode funcionar para o aperfeiçoamento da Administração Pública. [...]

3.     Obrigatoriedade

A interpretação abona a lógica que pretende, a partir de exata definição do objeto a ser contratado, ampliar a competitividade e a transparência.

Por essa razão, em pelo menos duas oportunidades o Tribunal de Contas da União já perfilhou esse entendimento, consagrando a obrigatoriedade de projeto básico nas licitações.

No primeiro caso, pela ausência de projeto básico anulou a licitação, já em fase de contratação, ordenando a elaboração de novo edital para a aquisição de rede de computadores, com o projeto básico, renovando-se todo o certame licitatório. Pela ausência de elemento essencial, o vício foi considerado insanável. (Proc. nº 006.031/1994-3).

No segundo e mais recente caso, uma concorrência promovida pelo Departamento de Transportes Rodoviário, com o objetivo de selecionar empresa para explorar, sob o regime de permissão, o serviço de transporte rodoviário nacional e internacional de passageiros, um dos licitantes inconformados com falhas no processo licitatório, utilizando-se do direito de representar contra irregularidades nos editais ao Tribuna de Contas, nos termos do art. 113, 1º, da Lei nº 8.666/93, buscou o TCU, com competência e mestria, decidiu, nos termos do voto condutor, de lavra do eminente ministro Carlos Átila, determinar ao órgão envolvido que promovesse a anulação de concorrência ante a inexistência do projeto básico (Decisão nº 405/1995-TCU-plenário).

4.     Conclusão

Assim como para as compras é essencial a adequada caracterização do objeto, para obras e serviços é indispensável o detalhamento do que a Administração busca do contratado, e esse nível de precisão do objeto do futuro contrato é alcançado pelo que a Lei nº 8.666/93, numa transladação de sentido, cognominou de projeto básico.

A adoção desse instrumento só traz reflexos positivos na medida em que se constitui um orientador para os licitantes, amplia a transparência e fortalece o trabalho técnico desenvolvido. (grifei)

Note-se que o entendimento aqui perfilhado coaduna-se com as reiteradas decisões que vêm sendo tomadas pelo Tribunal de Contas da União em casos análogos, como bem exemplifica o seguinte excerto de processo de relatório de auditoria daquela Corte[2]:

49.              Vale consignar que este Tribunal já se manifestou em outros processos sobre a impossibilidade de elaborar projeto básico baseando-se, para conhecimento do subsolo, em experiência anterior, em vez de se realizar as respectivas sondagens. Cita-se, como exemplo, Acórdão 2394/2008-TCU-Plenário, prolatado em pedido de reexame em auditoria realizada em obras de infraestrutura urbana, inclusive drenagem urbana, ou seja, objeto similar ao ora analisado:

Relatório do Acórdão 2394/2008:

10. Portanto, em vista de exigüidade de tempo para elaboração dos estudos determinados pelo TCU, os recorrentes informam que usariam os estudos geológicos preparatórios da tese de doutorado do Doutor e Professor Renato Blat Migliorini, sobre a hidrogeologia e meio urbano da região de Cuiabá e Várzea Grande, que abrange as sub-bacias 14, 15, 16, 17, 19, e 20A, que fazem parte da Formação Miguel Sutil e da sub-bacia 20–E, da formação Rio Coxipó, onde está detalhado um conhecimento prévio da área de intervenção de domínio público que afiança os dados obtidos pela área operacional do saneamento de Cuiabá, informações que serviram de base para o orçamento em questão, nos itens escavação, reaterro, compactação, bota-fora de rejeitos, bota dentro de material de jazida para recomposição do pavimento, com o objetivo de suprir as informações necessárias para a realização do processo licitatório.

11. Assim, propõem [os recorrentes] que seja reformulada a exigência de elaboração de projeto básico contendo os estudos geológicos, aí incluídos laudos de sondagens do terreno, relativamente aos locais de execução das obras, para que essa exigência passe a ser determinada por essa Egrégia Corte estabelecendo que os estudos geológicos sejam feitos como medida preliminar para a elaboração do projeto executivo, antecedendo ao período de execução das obras e que a garantia dessa exigência fique inserida nas disposições gerais dos editais de licitação, em vista da exigüidade de tempo para se cumprir a determinação sem prejuízo ao município de Cuiabá.

Voto do Acórdão 2394/2008:

4. Ora, tais informações são essenciais para a adequada composição de custos do empreendimento e devem constar do projeto básico. Portanto, procede a determinação contida no item 9.2.1.1 do aresto recorrido no sentido de que o projeto básico a ser elaborado para a nova licitação contemple os estudos e as sondagens necessárias à adequada caracterização do perfil geológico das áreas onde as obras serão executadas.

Acórdão 2394/2008-TCU/Plenário:

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer do presente pedido de reexame, com fundamento no art. 48 da Lei nº 8.443/92, para, no mérito, negar-lhe provimento; (grifei)

Outro exemplo do tratamento dado pelo Tribunal de Contas da União à questão consta dos seguintes trechos de acórdão referente a processo de representação[3]:

3.3 Análise

3.3.1. A questão se resume em saber se as alterações que sofrera o projeto são de monta a caracterizar a inexistência de projeto básico, o que configuraria descumprimento aos dispositivos previstos no art. 6o, inciso IX, e art. 7o, §2o, inciso I, ambos da Lei no 8.666/93. Do confronto das manifestações das partes, é ponto pacífico a inexistência de testes de batimetria e de sondagens a subsidiar a elaboração do projeto básico do empreendimento. Chega-se a essa conclusão pela grande diferença quantitativa a que sofrera o comprimento médio estimado para a parte das estacas que ficaria cravada e o número necessário para garantir rigidez à estrutura, conforme registrado às fls. 03 e 25/29. Houvessem sido realizados previamente todos os ensaios necessários, reduzir-se-ia a margem de incerteza quanto à nega (cravação limite) e o número de estacas necessárias à segurança do complexo hidroviário. Sobre essa deficiência a própria Administração reconheceu que a ausência de sondagem anterior ao estaqueamento impossibilitaria determinar com exatidão o comprimento a ser cravado, fl. 33. As sucessivas alterações do projeto, como a inclusão de plataforma em nível inferior ao do piso do trapiche para garantir utilização na época da vazante do rio, demonstram que a Administração não possuía projeto básico detalhado sobre o empreendimento.

3.3.2. Dessa feita, entendemos pertinente a alegação da contratada no sentido de que o projeto básico carece de elementos que o definam como exige a lei de licitações. Causa estranheza, entretanto, ter sido essa lacuna somente evidenciada após a adjudicação do objeto licitado. O momento oportuno para tal questionamento, como bem o frisou a Administração Municipal, seria ainda dentro dos prazos anteriores à abertura das propostas das licitantes. É oportuno salientar que o ofício à fl. 24 afirma que as obras de cravação que resultaram da alteração do projeto antecipariam o respectivo aditivo, o que contraria o princípio da publicidade dos atos da Administração de que trata o art. 3o da lei de licitações. [...]

A apontada deficiência de projeto originou-se da não realização pela administração contratante dos estudos técnicos prévios (sondagem, batimetria), necessários ao correto dimensionamento do projeto estrutural, em especial o quantitativo e as especificações técnicas das estacas a serem utilizadas, na forma prevista no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93.

Desse fato decorre, indiscutivelmente, sua responsabilidade pelas dilações no cronograma de execução das obras, bem como pelos acréscimos nos custos decorrentes das modificações de projeto. [...]

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam de expediente encaminhado pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará - TCM/PA, recebida nos termos dos arts. 68 e 69, inciso IV, da Resolução/TCU n.º 136/2000, tratando de representação da empresa IMC - Luiz Maia Construções Ltda., contra o Município de Monte Alegre/PA, em razão de supostas irregularidades no edital de Tomada de Preços n.º 008/2002 e na execução do Contrato n.º 012/2002, firmado entre o Município e a referida empresa, para a construção de um terminal hidroviário, estimado em R$ 683.814,57.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente Representação, uma vez atendidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso IV, do Regimento Interno/TCU, para, no mérito, considerá-la procedente em parte;

9.2. determinar ao Município de Monte Alegre/PA que:

9.2.1. observe a orientação prevista no art. 6o, inciso IX, e art. 7o, §2o, inciso I, ambos da Lei no 8.666/93, quando da realização de processos licitatórios para contratação de empresa executora de obras públicas, especialmente quanto à realização prévia de testes de batimetria e sondagem do terreno, evitando situações como as ocorridas na construção do terminal hidroviário de Monte Alegre em que tais elementos revelaram-se deficientes para orientar a contratada; (grifei)

Por fim, imperioso que se atente para o conteúdo da Súmula n. 261 do Tribunal de Contas da União, que dispõe o seguinte: 

Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos.

Assim, entende-se pela manutenção da presente irregularidade, consoante fora estipulado inicialmente no item 3.1 da conclusão do Relatório n. DLC-479/2015, com a consequente responsabilização e penalização do gestor responsável nos termos do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

2. Alteração do objeto do Contrato n. 52/2014, por meio de termo aditivo, subtraindo os dois últimos pavimentos do edifício (incluindo o heliponto), em grave infração ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (art. 54, § 1º da Lei n. 8.666/93), ao princípio da isonomia (art. 3º da Lei n. 8.666/93) e fora dos casos de alteração contratual permitidos pelo art. 65 da Lei n. 8.666/93.

A irregularidade originou-se a partir da constatação, pela equipe de auditoria, de que a celebração do 1º Aditivo ao Contrato n. 52/2014 (fl. 309) se deu em função da verificação de incompatibilidade entre as despesas inicialmente previstas para aplicação na fundação da obra e a real situação técnica, que exigia realização de aterro e, consequentemente, maior dispêndio com análises e materiais.

Em razão desse descompasso, a Área Técnica relatou (fl. 442) que teriam sido aumentados os quantitativos dos serviços de fundação, incluídos os serviços de aterramento no terreno e suprimida a execução dos dois últimos pavimentos do prédio, resultando numa “compensação de preços”.

Acerca deste apontamento, o responsável buscou afastar a restrição argumentando (fl. 455) que o objeto do contrato seria a “contratação de empresa especializada para a construção do novo bloco do Hospital Regional São Paulo – Xanxerê com área de 8.705,55 m2 deixando além de todo estrutural concluído e pronto, os dois primeiros pavimentos acabados e interligados na área”.

Laborou a tese (fl. 456) de que o que se fez foi “trabalhar com o valor que se tinha, visando a busca da supremacia do interesse público visando a busca do bem estar coletivo”, sendo que “o oitavo e novo pavimento não seriam acabados no momento” uma vez que a fundação, sim, seria “primordial para uma construção”. Aduziu que o interesse público, a função social da obra e a busca de seu início, com a fundação e execução dos dois primeiros pavimentos, teriam fundamentado a decisão da supressão do oitavo e nono andares.

Em seguida, alegou (fl. 456) que a alteração contratual “em nenhum momento se desvincula do instrumento convocatório”, afirmando que “o objeto previsto no instrumento convocatório é o que está sendo executado”. Questionou (fl. 457) se a finalização de dois pavimentos, independentemente da previsão de nove, e a insuficiência orçamentária em face de “causa superveniente” não seriam suficientes, devendo o Estado ter deixado de fazer a obra, causando dano ao erário e licitando novamente.

Sobre a violação ao princípio da isonomia, asseriu (fl. 457) que “quem constrói oito pavimentos, é capaz de construir nove, e o heliponto nada mais é que uma estrutura de concreto armada”, pontuando que “a proposta mais vantajosa para a administração não deixou de ser alcançada” uma vez que as propostas não seriam pautadas pelos andares, mas sim por relatórios orçamentários que abrangem a construção inteira.

Relativamente à alteração contratual, defendeu (fl. 457) sua previsão legal contida no art. 65 da Lei n. 8.666/93 e sua incidência no caso concreto. Argumentou (fl. 458) que a alteração ocorreu em razão de que “a execução da obra restou tecnicamente impossibilitada, por não ser possível a construção com o estaqueamento previsto anteriormente”. Finalizou infirmando a conduta com base na doutrina, a qual teria entendimento de que em face da impossibilidade de execução do contrato, a alteração pode ser realizada desde que justificada, o que teria ocorrido no caso pois, do contrário, “a obra não teria sido sequer iniciada”.

Conforme já mencionado no item 1 deste Parecer, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, ao promover a reanálise do caso no Relatório de Instrução n. DLC-127/2016, entendeu pelo acolhimento de tais justificativas.

Notadamente no que tange à alteração contratual, a Área Técnica destacou (fl. 558) que “pode ser aceito o chamado princípio da supremacia do interesse público, a busca do bem estar coletivo e a função social da obra para afastar a irregularidade inicialmente apontada”.

Sobre o argumento relativo ao objeto específico do contrato, a DLC delineou que “o objeto do contrato dedicou maior importância aos dois primeiros pavimentos, que deveriam ser entregues totalmente acabados (prontos para funcionar) e interligados à área atual existente”, ressaltando que a “área restante deveria ser entregue apenas com o estrutural concluído”.

Novamente discorda-se do entendimento referido pela Área Técnica. De parte deste Órgão Ministerial, a análise empreendida soa superficial e um tanto quanto condescendente ou indulgente, sobretudo do ponto de vista legal.

Conforme cabalmente explanado e esmiuçado no item 1 deste Parecer, o contrato e todo o contexto fático que o envolve foram desde sua gênese prejudicados pela irregularidade pertinente à inobservância da inclusão dos relatórios técnicos de sondagem do terreno no projeto básico, antes mesmo que fosse aberta a concorrência. Desse modo, a alteração contratual que se fez necessária revestiu-se inapelavelmente desse viés no mínimo contestável.

Chama a atenção o argumento relativo ao objeto do contrato, cuja previsão contratual prescreve (fl. 9):

1 OBJETO DA LICITAÇÃO

1.1 O objeto da licitação é a “EMPRESA ESPECIALIZADA PARA CONSTRUÇÃO DO NOVO BLOCO DO HOSPITAL REGIONAL SÃO PAULO-XANXERÊ COM ÁREA TOTAL DE 8.705,55 m2 DEIXANDO ALÉM DE TODO ESTRUTURAL CONCLUÍDO E PRONTO, OS DOIS PRIMEIROS PAVIMENTOS ACABADOS E INTERLIGADOS NA ÁREA ATUAL EXISTENTE”, no município de Xanxerê, SC”, conforme relacionado no QUADRO N.º 01 (anexo a este Edital), cujos quantitativos, orçamento, projetos, cronogramas e demais elementos técnicos estão indicados nos ANEXOS Ns.º 01, 02, 03, 04 e 05, em REGIME DE EMPREITADA POR PREÇO GLOBAL.

Ora, a questão que se põe é bastante clara e objetiva, nem mesmo podendo se cogitar de mero cunho interpretativo. O objeto não era simplesmente a execução dos dois primeiros pavimentos e “o resto”, mas sim dos dois primeiros pavimentos acabados e interligados ao bloco I, bem como todo o estrutural concluído e pronto. Se a previsão era relativa a nove pavimentos, não se executou fielmente o objeto deixando apenas sete pavimentos com estrutural concluído e pronto.

Não obstante, no próprio Relatório de Orçamento - Sintético (fls. 59-64) constam das tabelas de orçamento os valores e demais informações específicas referentes a materiais a serem empregados em cada local e em cada pavimento – e ali constam materiais a serem empregados do 1º ao 9º pavimentos.

Por fim, um detalhe que certamente poderia passar despercebido é a própria metragem constante do objeto. Se a previsão era a execução de 8.705,55 m2, que seriam inicialmente distribuídos em 9 (nove) pavimentos, como fazê-lo em apenas 7 (sete)? Se não há mais previsão do 9º pavimento (heliponto), onde o helicóptero do SAMU irá pousar? Simplesmente não haverá mais a possibilidade de uso do serviço de urgência aéreo?

Cabe salientar que esta Procuradora já se manifestou neste mesmo sentido em situações análogas[4]. Veja-se:

Ao contrário dos contratos regidos pelo Direto Privado, onde há prevalência do pacta sunt servanda, os contratos administrativos apresentam uma maior mutabilidade com vistas à satisfação do interesse público. Com a finalidade de disciplinar a alteração dos contratos sob sua regência, a Lei de Licitações traz a seguinte disposição:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I – unilateralmente pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; [...]

§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.

§ 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: [...]

II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes (grifei); [...]

Perante tal permissivo, urge cuidar para que os aditamentos contratuais não propiciem o conhecido “jogo de planilha”, que na prática significa transferir para a contratada a faculdade de investimento de acordo com seus interesses, em que a empresa onera excessivamente determinados serviços que lhe interessam em detrimento de outros. Além disso, deve-se atentar para a outra forma de obtenção de vantagens indevidas, por meio dos aditivos “sem reflexo financeiro”, caracterizados pela redução ou eliminação de alguns serviços com o aumento de quantitativos de outros existentes ou inclusão de novos, conforme entendimento explicitado por essa Corte de Contas no XII Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração Municipal, realizado em 2010, especialmente no artigo “Editais, Projetos e Orçamentos, Fiscalizações e Obras Parceladas”, de Pedro Jorge Rocha de Oliveira, Alysson Mattje e Rogério Loch, à fl. 218.

Da análise dos argumentos apresentados pelos responsáveis, afasta-se, primeiramente, a tese de que o objeto contratado manteve sua concepção inicial, tendo em vista a alteração trazida pelo 1º Termo Aditivo com a execução de duas pontes de concreto armado em substituição aos bueiros celulares sob a justificativa de insuficiência destes (fl. 407).

Já no tocante à ausência de limitação para as alterações qualitativas, merece destaque as palavras do professor Caio Tácito, em seu livro “Contrato administrativo: alteração quantitativa e qualitativa: limites de valor”[5]:

As alterações qualitativas, precisamente porque são, de regra, imprevisíveis, senão mesmo inevitáveis, não têm limite preestabelecido, sujeitando-se a critérios de razoabilidade, de modo a não se desvirtuar a integridade do objeto do contrato. Daí porque as alterações qualitativas exigem motivação expressa e vinculação objetiva às causas determinantes, devidamente explicitadas (grifei).

Embora inexista limite para as adequações dispostas na alínea “a” das alterações unilaterais previstas no acima referido dispositivo da Lei de Licitações, nem todas as modificações possuem caráter qualitativo. Para que sejam consideradas mudanças de qualidade, nos ensinamentos do ilustre autor Marçal Justen Filho, deve ficar evidenciada a superveniência de fatos que demonstrem que aquela solução adotada na fase interna da licitação não se mostrava a mais adequada, como nos casos de descoberta científica, inovação tecnológica e situações preexistentes desconhecidas pelos interessados no momento da contratação[6].

Não é o que ocorreu no presente caso. As alterações de raio de curva, vazão de curso de água e itens não previstos na planilha original decorreram exclusivamente de deficiências no projeto. (grifei)

Nesse sentido, percebe-se claramente que a suposta superveniência hábil a lastrear a alteração contratual era, na verdade, um problema “oculto” que já existia e que se revelou oportunamente justamente em função de não ter sido corretamente rastreado e identificado na fase pré-edital, quando da elaboração do projeto básico.

Ainda, não assiste razão ao argumento de que a alteração não representaria afronta ao princípio da isonomia, uma vez que, conforme se esclareceu acima, o objeto foi pormenorizadamente subdividido em partes cujos valores foram orçados levando em consideração a execução dos nove pavimentos, de modo que a execução de apenas sete deles significaria vantagem relativa em face daqueles licitantes cujas propostas não se sagraram vencedoras da concorrência.

Em vista de tais constatações, urge reconsiderar se de fato a modificação contratual representada pelo aditivo de valores visa ao atendimento dos princípios da eficiência, da supremacia do interesse público, ao bem-estar coletivo e à função social da obra. A presente discussão não se trata de mero preciosismo, mas justamente de respeito e defesa da legalidade, da tecnicidade, da eficiência e da boa gestão dos recursos públicos.

Desta maneira, entende-se pela manutenção da presente  irregularidade, nos moldes em que fora estipulado inicialmente no item 3.2 da conclusão do Relatório n. DLC-479/2015, com a consequente responsabilização e penalização do agente responsável nos termos do art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

3. Inexecução do contrato nos termos previstos, descumprindo o cronograma físico e financeiro e o prazo de conclusão das obras (previsto na sua cláusula 5.1), em infração ao art. 66 da Lei n. 8.666/93.

A presente irregularidade originou-se a partir da constatação, pela equipe de auditoria, de descumprimento do cronograma estipulado no edital e no contrato.

Conforme asseverado pela Área Técnica (fl. 441v), a Ordem de Serviço fora emitida contendo o prazo de 18 meses para conclusão dos serviços, sendo que de acordo com o cronograma físico-financeiro, na data da auditoria (realizada no 15º mês do contrato), deveriam estar concluídos serviços equivalentes a R$ 8.375.875,28, mas verificou-se que nem metade disso havia sido executado.

A DLC ponderara que um dos motivos verificados para tal atraso fora o ritmo lento observado a partir do ponto em que a contratada percebeu que o projeto de fundação era inadequado, pois que elaborado sem os necessários laudos de sondagem do terreno.

Acerca deste apontamento, o responsável justificou (fl. 458) que o descumprimento físico e financeiro se deu em razão da necessidade de realização de nova sondagem no solo. Reputou ao fato a sua imprevisibilidade, que seria estranho à vontade das partes, de modo que admissível a prorrogação dos prazos de início de etapas de execução, conclusão e entrega da obra.

Afirmou (fl. 459) que a legislação prevê a possibilidade de prorrogação dos prazos, nos termos do art. 57 da Lei n. 8.666/93, de modo que não teria restado desrespeitado o art. 66 do mesmo diploma legal.

Quanto à liberação da adição de valores, representativa do descumprimento financeiro do contrato, o responsável alegou (fl. 459) que não houve qualquer dolo em causar dano nem burlar os preceitos administrativos, mas sim em aplicá-los. Reputou a supressão de dois andares à busca pela não paralização da obra e ao atendimento à população, finalizando com as informações de que procedeu à busca por mais recursos “para voltar a adicionar no projeto de execução” os referidos pavimentos de que está no aguardo da liberação dos mesmos, conforme documentação em anexo.

Na reanálise do presente item no Relatório de Instrução n. DLC-127/2016, a Área Técnica entendeu pelo acolhimento das justificativas mencionadas aceitando “a utilização dos laudos de sondagem da área adjacente (mas no mesmo imóvel)” concordando com que “a situação verificada nas novas sondagens tratou-se de algo imprevisível, o que permitiria a prorrogação dos prazos” (fl. 558).

Frise-se que os últimos dois parágrafos do Relatório de Instrução apresentaram certa incongruência lógica (fl. 558):

Concluindo, apesar do entendimento desta Instrução de que as justificativas podem ser acolhidas, cabe a observação de que ao final, apesar da busca pela ineficiência, a não realização das sondagens na área específica da obra acabou provocando justamente o que se buscou evitar: a prorrogação no cronograma da obra, perda de tempo, ineficiência.

Por outro lado, também é certo que havia grande probabilidade que as sondagens já existentes, da área adjacente, evidenciassem as mesmas características do solo onde se está construindo o bloco novo, o que infelizmente não ocorreu. (grifei)

Mais uma vez entende-se não assistir razão ao responsável e tampouco à análise empreendida pela Área Técnica.

É importante atentar para a inaplicabilidade do art. 57, § 1º, inciso II, da Lei n. 8.666/93, uma vez que, como já exaustivamente demonstrado, não houve real superveniência de fato excepcional ou imprevisível como quis fazer crer o responsável.

Ao se adotar laudos técnicos de sondagens já realizadas em área distinta, ainda que contígua àquela objeto da execução dos serviços, foi assumido um risco não calculado de que o solo apresentasse condições diversas das esperadas. Desse modo, o fato poderia até ser excepcional, mas em momento algum se configurou como imprevisível e, quiçá, superveniente. Aqui, tratar-se-ia de mera celeuma interpretativa, pois a “superveniência” na verdade seria de mero fato já potencial e provável de ocorrer.

Em síntese, o que ocorreu é que se contou com a “sorte” de que um laudo de sondagem realizado em local diverso (ainda que contíguo) servisse para um outro terreno onde seria edificado um imóvel de nove andares. Ou seja, partiu-se de um “achismo” em uma seara onde as decisões necessariamente devem ser tomadas sob o crivo da tecnicidade, não havendo margem para tamanho amadorismo, sob pena de ocorrer o que de fato aconteceu: licitou-se a construção de um imóvel com determinadas características e obteve-se um edifício de dimensões consideravelmente reduzidas (em dois pavimentos e um heliponto a menos), em flagrante prejuízo à população usuária dos serviços desse hospital.

Ademais, há diversas decisões do Tribunal de Contas da União nas quais, examinando a aplicabilidade do art. 66 da Lei n. 8.666/93 aos casos concretos, entendeu-se pela necessidade de observância ao disposto no edital[7], pela obediência aos prazos previstos nos contratos[8], pela apresentação de justificativas formais acerca de eventuais alterações contratuais[9] e pelo fiel cumprimento dos contratos nos termos em que entabulados[10].

Por fim, não se deve esquecer que o pressuposto em que baseados o descumprimento do cronograma físico e financeiro e a inobservância do prazo de conclusão da obra é eivado de ilegalidade, de modo que não permite que se justifiquem os atos posteriores que deles sejam dependentes ou consequentes, sob pena de se laborar em verdadeira convalidação da conduta perpetrada pela Unidade Gestora ao seu mero alvedrio.

Desse modo, entende-se igualmente pela manutenção da irregularidade inicialmente apontada no item 3.3 da conclusão do Relatório n. DLC-479/2015, com a consequente responsabilização e penalização do agente responsável nos termos do art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

4. Conclusão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

4.1. pela IRREGULARIDADE, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, dos atos analisados neste parecer referentes às obras de construção do novo bloco do Hospital Regional São Paulo, no município de Xanxerê, as quais são objeto do Contrato n. 52/2014, celebrado inicialmente entre a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional (SEDR) de Xanxerê e a empresa Engedix Soluções de Engenharia Ltda.;

4.2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS, na forma do art. 70, incisos II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, ao Sr. Carlos Agustinho Colatto, Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Xanxerê, em razão das seguintes irregularidades:

4.2.1. licitação das obras de construção do Hospital Regional São Paulo, de Xanxerê (Edital de Concorrência n. 002/2014) com base em um projeto básico insuficiente, elaborado sem necessário conhecimento do terreno e sem a realização das devidas sondagens, não atendendo, deste modo, aos requisitos mínimos exigidos pela Lei n. 8.666/93, em seu art. 6º, inciso IX, e, consequentemente, caracterizando grave infração à norma do art. 7º, § 2º, inciso I do mesmo diploma legal;

4.2.2. alteração do objeto do Contrato n. 52/2014, por meio de termo aditivo, subtraindo os dois últimos pavimentos do edifício (incluindo o heliponto), em grave infração ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (art. 54, § 1º, da Lei n. 8.666/93), ao princípio da isonomia (art. 3º da Lei n. 8.666/93) e fora dos casos de alteração contratual permitidos pelo art. 65 da Lei n. 8.666/93;

4.2.3. inexecução do contrato nos termos previstos, descumprindo o cronograma físico e financeiro e o prazo de conclusão das obras (previsto na sua cláusula 5.1), em infração ao art. 66 da Lei n. 8.666/93.

Florianópolis, 21 de julho de 2016.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 

 

 



[1] FERNANDES, J. U. Jacoby. Vade-Mécum de Licitações e Contratos. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 156-158.

[2] TCU. Processo n. TC 008.503/2012-5. Acórdão n. 1705/2012 – Plenário.

[3] TCU. Processo n. TC-016.543/2003-0. Acórdão n. 1.203/2004 – Plenário.

[4] Parecer n. MPTC/37729/2015 proferido nos autos do processo RLA n. 10/00803241.

[5] TÁCITO, Caio. Contrato administrativo: alteração quantitativa e qualitativa: limites de valor. BLC – Boletim de Licitações e Contratos, v. 10, n. 3, 1997, p. 119.

[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 538-539.

[7] TCU. Processo n. TC-279.077/1994-7. Acórdão n. 257/1997 – 1ª Câmara.

[8] TCU. Processo n. TC-019-742/2005-4. Acórdão n. 3402/2006 – 1ª Câmara.

[9] TCU. Processo n. TC-014-998/2005-8. Acórdão n. 1768/2006 – Plenário.

[10] TCU. Processo n. TC-010-610/2002-0. Acórdão n. 1044/2006 – 2ª Câmara.