Parecer no:

 

MPC/43.458/2016

                       

 

 

Processo nº:

 

REC 16/00012695

 

 

 

Origem:

 

Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE

 

 

 

Assunto:

 

Recurso de Reconsideração da decisão exarada no processo TCE 12/00390609

 

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Gilmar Knaesel, ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com fundamento no art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, em face da Decisão Plenária prolatada na Sessão Ordinária de 21/10/2015 (Acórdão nº 0763/2015), exarada no processo TCE 12/00390609.

O Sr. Gilmar interpôs o presente recurso às fls. 03-38.

A Diretoria de Recursos e Reexames (DRR) elaborou o Parecer de fls. 39-56, concluindo por:

 

3.1 Conhecer do Recurso de Reconsideração, interposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra Deliberação nº 0763/2015, exarada na Sessão Plenária Ordinária de 21/10/2015, nos autos do Processo nº TCE 12/00390609, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.

3.2 Dar ciência da Decisão, ao Sr. Gilmar Knaesel e ao Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte (FUNDESPORTE).

 

É o relatório.

A sugestão da diretoria técnica, pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração, merece ser acolhida, tendo em vista preencher os requisitos de admissibilidade.

Especificamente quanto à tempestividade, esta foi corretamente observada, pois o Acórdão foi publicado no DOTC-e nº 1836 de 23/11/2015 e o recurso protocolizado em 24/11/2015, portanto, atendendo o prazo máximo de 30 dias estabelecido pelo art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000.

Relembra-se que o feito originário tinha por fim verificar supostas irregularidades na prestação de contas de recursos repassados à Associação de Bombeiros Comunitários de Blumenau, através do Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte, por meio da Nota de Empenho nº 319, de 10/12/2009, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para a realização do Projeto “Competição Poliesportiva de Cunho Técnico-Profissional dos Bombeiros Militares e Comunitários de SC”.

No que tange à análise das prejudiciais de mérito, acompanho o entendimento da área técnica, adotando a compreensão da não incidência de prazo prescricional ao presente caso.

Em relação à análise de mérito, não assiste razão ao recorrente para o afastamento de sua responsabilidade solidária, em função da imputação de débito, nos termos já delineados pela diretoria.

Por fim, destaco que o interessado utilizou como fundamento a tese formulada pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior para afastar multas quando já houver sido aplicada a referida penalidade em momento pretérito e com base na violação do mesmo dispositivo legal.

No tocante a este tema, entendo pertinente tecer algumas considerações.

No entender do Excelentíssimo Conselheiro, ao verificar a situação acima mencionada, deve ser rechaçada a cominação de multa, sob o fundamento de que se trata de infração continuada.

Nos autos nº REC 14/00251548, o qual foi levado à sessão plenária em 26.08.2015, o Conselheiro Adircélio aduziu:

 

 

Este Relator, analisando as razões recursais em confronto com os fundamentos lançados pela Diretoria de Recursos e Reexames, expressos no Parecer DRR n. 108/2014, conclui que, de fato, os argumentos do Recorrente, por si só, não autorizam a modificação do acórdão rebatido, contudo, outros aspectos merecem ser analisados, uma vez que, no entender deste Relator, a multa aplicada no item 6.3 do Acórdão n. 030/2014 não merece ser mantida. Vejamos:

Este Relator, por meio do Voto Divergente apresentado nos autos do processo PCR 08/00460294, sustentou seu entendimento no sentido de que, diante da sistemática adotada por esta Corte de Contas em analisar e julgar em processos distintos, atos de uma mesma Unidade Gestora, referentes a um mesmo exercício, acaba por penalizar, por vezes sobremaneira, o gestor responsabilizado por irregularidades que poderiam ter sido analisadas conjuntamente em um mesmo processo, resultando numa só penalidade (esta podendo ser agravada, considerando a infração como continuada), se adotado, por exemplo, o critério de exame de atos por exercício.

Entendo que, como no caso dos autos, em que uma série de repasses efetuados pelo FUNCULTURAL foram analisados de forma individual, em processos distintos, ocorreu que esta Corte de Contas aplicou penalidades ao

 

 
então Secretário, ora Recorrente, uma série de multas pela mesma conduta faltosa, no caso, adoção de providências com vistas à instauração de providências administrativas para a cobrança da prestação de contas especial após o transcurso do prazo regulamentar.

Se considerarmos o período da gestão do Recorrente frente ao Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL, compreendido entre o dia 08/03/2005 a 31/03/2010, a irregularidade acima descrita foi inúmeras vezes apontada por este Tribunal, em processos autuados separadamente, ensejando, na maioria das vezes, imputação de multa ao Responsável, pela mesma irregularidade.

[...]

Observando o acima destacado, tem-se que, apenas em atos do exercício de 2006, o Recorrente foi penalizado pela mesma irregularidade, no mínimo, cinco vezes, sendo que este Relator elencou somente processos em que as multas foram mantidas, mesmo após a interposição de recursos – o que, a meu ver, torna desproporcional a penalização do agente.

[...]

 

 
Pelo exposto, e considerando o caso em tela, entendo que não carreiam justiça as sucessivas decisões que aplicaram repetidas sanções por idênticas razões fáticas, inclusive no mesmo exercício financeiro, por possuírem traços de infração continuada, propugno pelo cancelamento da multa constante do item 6.3 do acórdão ora recorrido.

 

Com a devida vênia, discordo do entendimento exposto acima e, no intento de justificar minha posição quanto ao assunto, passo a discorrer sobre a matéria.

Para iniciar, ressalte-se que o Código Penal, ao tratar do concurso de crimes, dispõe que as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente[1].

Nessa senda, infere-se que, no âmbito penal, a multa é empregada nos termos da regra estatuída para o concurso material, isto é, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas.

No direito administrativo, não há qualquer dispositivo legal que trate sobre infrações continuadas, nos termos propostos pelo Conselheiro Adircélio.

Reconheço, notadamente, que os princípios da seara penal podem ser utilizados subsidiariamente no direito administrativo sancionador, mas tenho para mim que, no silêncio da lei, devem ser adotadas as regras do cúmulo material em casos dessa natureza.

Nessa direção, Régis Fernandes de Oliveira[2] leciona:

 

Em síntese, na hipótese de concurso de infrações, a legislação pode discriminar o modo de aplicação da sanção (acumulação ou absorção), prevalecendo, no silêncio da lei, a acumulação material. Isto porque, sendo diversas as agressões no ordenamento jurídico, une as infrações elo de repulsa, previsto nele próprio.

 

No mesmo trilhar, eis a lição de Heraldo Garcia Vitta[3]:

 

O Direito Penal é especial, isto é, contém normas particulares, próprias desse ramo jurídico; em princípio, não podem ser estendidas além dos casos para os quais foram instituídas. De fato, não se aplica uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida; não se pode “por de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do processo analógico. Na hipótese de concurso de crimes, o legislador escolher os critérios específicos, próprios desse ramo do Direito. Logo, não se justifica a analogia das normas do Direito Penal no tema concurso real de infrações administrativas.

A forma de sancionar é instituída pelo legislador, segundo critérios de discricionariedade. Compete-lhe elaborar ou não regras a respeito da ocorrência de infrações administrativas. No silêncio, o cúmulo material é de rigor.

 

Para embasar o seu posicionamento, o Conselheiro Adircélio valeu-se das palavras de Fábio Medina Osório, o qual entende ser possível aplicar as regras da infração continuada na seara administrativa.

Ao ler a doutrina de Fabio Medina Osório, vê-se que, embora o doutrinador mencione ser exequível essa analogia, não há qualquer alusão de como essa regra deve ser aplicada no campo do direito administrativo sancionador.

A propósito, anote-se a previsão legal do crime continuado, nos termos do Código Penal:

 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

À luz do exposto, extrai-se que são elementos do crime continuado: a) pluralidade de condutas; b) crimes da mesma espécie; c) circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, modo de execução e outras.

No tocante à circunstância de tempo, denota-se que a jurisprudência sedimentou o entendimento de que o lapso temporal entre os crimes não deve ser superior a 30 dias.

No caso específico do Sr. Gilmar Kanesel, não há como afirmar que as infrações que lhes são imputadas foram cometidas no período de 30 dias, sobretudo porque o responsável ficou à frente da Secretaria Estadual de Cultura, Turismo e Esporte pelo período de 08.03.2005 a 31.03.2010 e, nesse longo ínterim, violou as normas que disciplinam o repasse de verbas públicas inúmeras vezes.

Ademais, como aplicar as circunstâncias de lugar e modo de execução previstas no Código Penal ao presente caso, a fim de caracterizar a continuidade das infrações?

A meu ver, resta frustrada essa possibilidade, pois não há como fazer uma relação entre a conduta de um agente criminoso e aquela praticada por um gestor irresponsável.

Cabe mencionar, outrossim, que, nos crimes de natureza contínua, o magistrado analisa conjuntamente todos os fatos delituosos praticados para, ao final, aumentar a pena de 1/6 a 2/3.

À vista disso, pergunta-se: como aplicar essa regra no âmbito do direito administrativo sancionador quando os processos são distintos?

Pela lógica da tese proposta, ter-se-ia que reunir todos os cadernos processuais em que figura como responsável o Sr. Gilmar Kanesel para, após, realizar a dosimetria da pena.

Como se vê, essa não é a medida mais acertada, até mesmo porque os processos não visam tão somente à análise individual da conduta de cada responsável, mas sim à apuração de determinado fato.

Por outra banda, tenho conhecimento da existência da “teoria da continuidade delitiva administrativa”, a qual pode ser aplicada pela Administração Pública ao exercer o seu poder de polícia.

Para a jurisprudência, “há infração continuada quando a Administração Pública, exercendo o seu poder de polícia, constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de múltiplas infrações da mesma espécie, situação na qual deve ser considerado válido o primeiro auto de infração lavrado”[4].

Nesse contexto, trago à baila o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

ADMINISTRATIVO - SUNAB - SANÇÃO ADMINISTRATIVA POR INFRAÇÃO AO TABELAMENTO DE PREÇO - NATUREZA CONTINUADA.

1. A jurisprudência desta Corte, em reiterados precedentes, tem entendido que há infração continuada quando a Administração Pública, exercendo o poder de polícia, constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de infrações múltiplas da mesma espécie. A caracterização da continuidade delitiva administrativa se dá em uma única autuação (múltiplos precedentes)[5].

2. Recurso especial provido. (Grifou-se)

 

Ainda:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 53 DO CPC. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. OFERECIMENTO DE SERVIÇOS POR PREÇOS SUPERIORES AO TABELADO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA CONTINUADA. APLICAÇÃO DE MULTA SINGULAR.

1. Inicialmente, impõe-se reconhecer não ter sido caracterizada a violação ao art. 535 do CPC, pois a origem não incorreu em nenhuma contradição no momento da apreciação da apelação interposta. É que, por ocasião do julgamento deste recurso, entendeu-se que a caracterização da infração continuada era suficiente para anular os autos de infração, mesmo que a materialidade da infração restasse incontroversa.

2. No mais, é pacífica a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há continuidade infracional quando diversos ilícitos de mesma natureza são apurados durante mesma ação fiscal, devendo tal medida ensejar a aplicação de multa singular. Precedentes.

3. Ao contrário do afirmado pela parte recorrente, essa jurisprudência aplica-se com perfeição ao presente caso, uma vez que a instância ordinária constatou que, em uma única ação fiscal, a empresa recorrida havia oferecido serviços por preços superiores ao tabelado a diversos associados (fls. 305/306), o que é suficiente para caracterizar a continuidade delitiva administrativa. Rever tal conclusão requer revisitação do conjunto fático-probatório, o que esbarraria na Súmula n. 7 desta Corte Superior.

4. Agravo regimental não provido[6]. (Grifou-se)

 

Como se depreende, a aplicação da teoria supracitada exige que as infrações sejam identificadas em um único momento, pois, caso contrário, torna-se impossível aplicar a causa de aumento de 1/6 a 2/3.

Corroborando o exposto, colaciono aos autos a manifestação exarada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

TRIBUTÁRIO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO ESPECIAL DE INFORMAÇÕES RELATIVAS AO CONTROLE DO PAPEL IMUNE. MULTA. TEORIA DA CONTINUIDADE DELITIVA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE.

1. De acordo com a teoria da continuidade delitiva administrativa, a sequência de várias infrações apuradas em uma única autuação caracteriza a infração de natureza continuada, com aplicação de uma única multa.

 2. Não se aplica esse entendimento se a cada três meses a empresa deixa de apresentar a Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune, pois, nessa hipótese, o que ocorre é a reincidência infratora.

3. Certas construções pretorianas não podem ser aplicadas indistintamente em todos os ramos do Direito. Em se tratando de obrigação tributária acessória, não cabe adotar a figura da continuidade delitiva administrativa. No caso da Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune, a redução do montante devido a título de multa, através da supressão das multas autônomas, permitiria fosse ela incorporada ao gasto empresarial, estimulando a infração reiterada à lei, o que pode desestruturar o controle do Estado sobre a concessão do favor fiscal relativo ao papel[7]. (Grifou-se)

 

Dessarte, sublinhe-se que a teoria da continuidade delitiva administrativa não pode ser utilizada, pois, no presente caso, o que ocorre é a reincidência da infração.

Ante essa linha de raciocínio, estou convencido de que a tese proposta pelo Conselheiro Adircélio não pode ser aplicada no âmbito da Corte de Contas, pois, além de ausentes os requisitos da continuidade delitiva, não há supedâneo legal para embasá-la.

Em arremate, acrescente-se que o Excelentíssimo Conselheiro aplicou a tese da continuidade das infrações somente para afastar a penalidade de multa, mas não fez qualquer menção de como essa matéria poderia vir a ser empregada no âmbito do TCE/SC, tampouco falou da causa de aumento que deve ser imposta às infrações de natureza continuada.

Entendo por tais razões que a tese arguida não merece prosperar.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se:

1) pelo conhecimento do Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Gilmar Knaesel, por atender os requisitos previstos no art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000;

2) no mérito, pela negativa de provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida;

3) pela ciência da decisão ao recorrente e ao Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte.

Florianópolis, 20 de julho de 2016.

 

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] O art. 72, do Código Penal prevê: “Art. 72 - No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”. 

[2] OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções administrativas.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 82.

[3] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção do direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 130.

[4] FEDERAL, Tribunal Regional (3ª Região). Apelação Cível nº 0025078-68.2004.4.03.6100/SP. Rel. Cecilia Marcondes. J. em: 20 dez. 2013. Disponível em: http://www.plenum.com.br/ac/TRF3/003/00250786820044036100.html. Acesso em: 01 set. 2015.

[5] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Resp nº 616412/MA. Rel. Eliana Calmon. J. em: 29 nov. 2004. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.

[6] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). AgRg no Edcl no Resp nº 68479/PE. Rel. Mauro Campbell Marques. J. em 27 abr. 2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.

[7] FEDERAL, Tribunal Regional (4ª Região). Embargos de Declaração na Apelação Cível nº 2006.71.04.001289-5/RS. Rel. Marcelo de Nardi. J. em: 26 mar. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/9684301/Downloads/de_jud_2009_03_31_a.pdf. Acesso em: 01 set. 2015.