PARECER nº:

MPTC/44464/2016

PROCESSO nº:

REP 15/00337371    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de São Domingos

INTERESSADO:

Ivandro Bigolin

ASSUNTO:

Irregularidades em licitação e contratos para serviços de transporte escolar.

 

 

 

Trata-se de representação (fls. 2-445) encaminhada pelo Partido Progressista (Diretório Municipal de São Domingos) e pelos Srs. Ivandro Bigolin, Adilson Nunes de Carvalho e Andrei Poggere de Oliveira, Vereadores da Câmara Municipal de São Domingos, notificando supostas irregularidades nos Processos Licitatórios n. 01/2009 (Pregão Presencial n. 01/2009) e n. 01/2014 (Pregão Presencial n. 01/2014), referentes à prestação de serviços de transporte escolar no Município de São Domingos.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou o relatório técnico de fls. 446-455v, sugerindo o conhecimento da presente representação e a realização de audiência dos representados para apresentação de alegações de defesa sobre os atos irregulares que lhes foram imputados, posicionamento seguido por este Ministério Público de Contas (fls. 457-458). O Relator, por sua vez, na decisão singular de fls. 459-460, determinou a realização de providências, inclusive auditorias, inspeções ou diligências junto à unidade, objetivando a apuração dos fatos apontados como irregulares. Em seguida, à fl. 461v, manifestou-se o Relator pela realização da audiência dos representados.

Realizadas as audiências (fls. 464-465), o Sr. Alcimar de Oliveira, Prefeito Municipal de São Domingos, e a Sra. Ana Claudia Barizon Fontana da Luz, Pregoeira, apresentaram manifestação e documentos conjuntamente às fls. 466 a 3583.

Na sequência, a Área Técnica dessa Corte de Contas formulou o relatório de reinstrução de fls. 3586-3599, em cuja conclusão sugeriu considerar procedente a representação, com a consequente aplicação de multa aos representados, nos seguintes termos:

3.1. Considerar procedente a Representação formulada nos termos do artigo 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93, art. 66 da Lei Complementar nº 202/2000 e Instrução Normativa nº TC-0021/2015, que se refere a irregularidades nos Processos de Licitação nºs 01/2009 - Pregão Presencial nº 01/2009 e 01/2014 – Pregão Presencial nº 01/2014, cujos objetos se referem a prestação de serviços de transporte escolar no município de São Domingos.

3.2. APLICAR MULTA aos Responsáveis, Senhor Alcimar de Oliveira – Prefeito Municipal de São Domingos, CPF nº 716.149.829-53, Rua Getúlio Vargas, 750 - Centro - CEP: 89835-000 - São Domingos – SC, e Senhora Ana Claudia Barizon Fontana da Luz – Pregoeira - CPF 854.411.559-49, Rua Santos Dumont, 792, CEP: 89835-000 - São Domingos – SC, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução nº TC-06/2001), pelo cometimento das irregularidades abaixo relacionadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

3.2.1. De responsabilidade do Alcimar de Oliveira e da Senhora Ana Claudia Barizon Fontana da Luz, já qualificados anteriormente:

3.2.1.1 Contratação das empresas Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini – ME, de propriedades dos vereadores Neudi José Buratti e Gilmar Achiles Marmentini, para prestar serviços de transporte escolar nos exercícios de 2013 a 2015, evidenciado descumprimento à Lei 8666/93, artigo 9º, inciso III e ao artigo 55, I, alínea “a” da Lei Orgânica Municipal (item 2.1. deste relatório).

3.2.2. De responsabilidade do Alcimar de Oliveira, já qualificado nos autos:

3.2.2.1. Divergências nas quilometragens das 21 (vinte e uma) linhas percorridas pelos veículos do transporte escolar contratados através do Pregão Presencial nºs 001/2009, entre o registrado no Edital e os relatórios mensais de serviços prestados, e ausência de especificação da quilometragem das 14 (quatorze) linhas no Edital de Pregão 001/2014, sem comprovação da aferição pelo município das distâncias percorridas evidenciando afronta com a Lei 4320/64, artigo 63, § 1º, II e Cláusula Primeira dos Contratos Aditivos (padrão) firmados com os prestadores do serviço (item 2.2.1 deste relatório).

3.3. Dar ciência do presente Relatório, do Voto do Relator e da Decisão aos representantes, aos responsáveis e ao órgão de controle interno da Prefeitura Municipal de São Domingos.

É o relatório.

Passo, assim, à análise das irregularidades apontadas pela instrução.

1.     Contratação das empresas Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini – ME, de propriedade dos Vereadores Neudi José Buratti e Gilmar Achiles Marmentini, para prestar serviços de transporte escolar ao Município de São Domingos nos exercícios de 2013 a 2015, evidenciado descumprimento ao art. 9º, inciso III da Lei n. 8.666/93 e ao art. 55, inciso I, alínea “a” da Lei Orgânica Municipal.

Extrai-se da representação apresentada a essa Corte de Contas que o Sr. Alcimar de Oliveira, na qualidade de Prefeito Municipal de São Domingos e ordenador de despesas, contratou as empresas Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini - ME para prestar serviços de transporte escolar por meio dos processos licitatórios n. 01/2009 e n. 01/2014.

O cerne da representação, por sua vez, consiste no fato de as empresas contratadas por meio das mencionadas licitações pelo Município de São Domingos nessas ocasiões, Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini - ME, terem como sócios administradores, respectivamente, os Srs. Neudi José Buratti e Gilmar Achiles Marmentini que, na qualidade de Vereadores daquele Município, encontravam-se proibidos de firmar contratos com o Poder Público Municipal, consoante o disposto no art. 55, inciso I, alínea “a” da Lei Orgânica do Município de São Domingos, que dispõe, in verbis:

Art. 55. É vedado ao Vereador:

I – desde a expedição do Diploma:

a) firmar ou manter contrato com o Município, com suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista ou com suas empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; (grifei)

Além disso, os representantes alegam que a situação também afrontaria o disposto no art. 9º, inciso III, da Lei de Licitações, que veda a participação direta ou indireta na licitação por “servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação”.

Em resposta às audiências realizadas por esse Tribunal de Contas, os representados alegaram, inicialmente, que o presente processo nasceu “maculado pelo forte componente da rivalidade política, tendo por objetivo único atrapalhar a administração e impor-lhe desgastes” (fl. 468), tendo em vista a eleição municipal de outubro 2016.

Em seguida, no tocante à regularidade dos processos licitatórios, os representados aduziram que o Processo Licitatório n. 01/2009 tinha como objetivo a prestação de serviços de transporte escolar, sendo contratadas sete empresas, quais sejam: a) Bampi Transportes e Turismo Ltda.; b) Gilmar Achiles Marmentini - ME; c) Airton Sena Miotto ME; d) Luiz Alberto Miotto ME; e) Jefferson Scheffer ME; f) Lauro Valdecir Walendorff - ME; e g) Neudi José Buratti - ME.

Afirmam, ainda, que os contratos com as referidas empresas foram prorrogados até o prazo limite de 60 meses – com prévia análise e aprovação da Assessoria Jurídica do Município – e, em razão da aquisição de alguns ônibus por parte do Município, foi lançado novo edital (Pregão Presencial n. 01/2014) referente ao transporte escolar em 2014, reduzindo-se o número de linhas de 21 para 14. No final do procedimento foram contratadas quatro empresas, a saber: a) Gilmar Achiles Marmentini - ME; b) Luiz Alberto Miotto ME.; c) Lauro Valdecir Walendorff; e d) Neudi José Buratti - ME. Mais uma vez, os contratos foram prorrogados até 31/12/2015.

Aduzem os responsáveis que as empresas Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini - ME foram constituídas, respectivamente, em 22/04/2003 e 03/02/2004, tendo sempre como objeto o transporte escolar municipal. Assim, alegam que “não houve constituição empresarial direcionada para as licitações realizadas pelo Município de São Domingos nos anos de 2009 e 2014” (fl. 475).

Esclarecem, à fl. 475, que não havia qualquer óbice para a participação de tais empresas no certame de 2009, pois nenhum dos dois Vereadores se encontrava em exercício de mandato eletivo, já que foram eleitos somente na eleição municipal de 2012.

Em igual sentido, sustentando a legalidade da contratação das empresas para o ano de 2013 (termo aditivo), afirmam que a contratação se deu em 15/12/2012, quando também não poderia ser aplicado o dispositivo em comento, pois os “proprietários das mesmas ainda não haviam recebido diploma de vereador e tampouco exerciam qualquer cargo político” (fl. 475).

Já com relação à contratação da empresa do Sr. Gilmar Achiles Marmentini, assim explicam os responsáveis às fls. 475-476:

Por sua vez, o Sr. Gilmar Achiles Marmentini somente tomou posse, de forma transitória, em 26/02/2013 em razão de o vereador Vianei Ferrarini Meoti ter assumido cargo de Secretário junto ao Poder Executivo Municipal e o 1º suplente, Jolar Dallastra, não ter assumido a vaga por motivos particulares. Entretanto, o Sr. Gilmar Achiles Marmentini somente permaneceu no cargo até o dia 06/05/2013, ou seja, por apenas 70 (setenta) dias, quando o 1º suplente então tomou posse do cargo.

Assim, verifica-se que o Sr. Gilmar Aquiles Marmentini somente exerceu o mandato de vereador por 70 (setenta) dias durante o ano de 2013.

Com relação aos contratos celebrados em 2014, decorrentes do competente processo licitatório Pregão Presencial nº 01/2014, tem-se que o Sr. Gilmar Aquiles Marmentni, outra vez, não ocupava o cargo de vereador no momento da contratação, vindo somente a exercê-lo de 10/03/2015 a 04/05/2015. (grifei)

Por fim, sustentam os responsáveis que a vedação de contratar com o Município não se aplicaria ao Sr. Neudi José Buratti, pois entendem que os contratos em exame possuíam cláusulas uniformes, caracterizando a exceção prevista no art. 55, inciso I, alínea “a” da Lei Orgânica do Município de São Domingos, acima transcrito.

Inicialmente, no que toca à possibilidade de contratação das empresas de propriedade dos Vereadores no ano de 2009 – já que os mencionados Edis ainda não exerciam o cargo – destaca-se que, conforme o Relatório de Instrução Preliminar n. DLC-319/2015 (fls. 446-455v), os responsáveis foram notificados para apresentar defesa quanto às contratações realizadas nos exercícios de 2013 a 2015. Assim, embora os representantes mencionem os fatos ocorridos a partir de 2009, apenas com a posse dos Vereadores em 2013 é que a irregularidade restou configurada.

Conforme acertadamente pontuou a Área Técnica dessa Corte de Contas (fl. 453v) – e conforme confirmado pelos próprios responsáveis –, os documentos de fls. 21-30 comprovam a titularidade dos dois Vereadores das empresas que levam seus nomes.

Desta forma, mesmo tendo o Sr. Gilmar Achilles Marmentini ocupado o cargo de Vereador por aproximadamente apenas 125 dias nos últimos três anos, isso não afasta a incompatibilidade negocial com o Município.

Ora, o art. 55, inciso I, alínea “a” da Lei Orgânica do Município veda ao Vereador, desde a expedição do Diploma, que firme ou mantenha contrato com o Município. Sendo assim, independentemente da data da celebração do contrato de prestação de transporte escolar, ou de seus aditivos, este passou a ser irregular a partir do momento que os Vereadores foram diplomados.

Deste modo, comprovada a propriedade pelos Vereadores das empresas contratadas pelo Município, resta evidenciada a afronta ao art. 55 da Lei Orgânica do Município de São Domingos e aos princípios da impessoalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da CRFB/88.

De igual forma, não merecem prosperar os argumentos de que o contrato estaria amparado pela exceção prevista no final do já transcrito art. 55, inciso I, alínea “a”, da Lei Orgânica Municipal, que afasta a mencionada proibição nos casos em que o contrato obedecer a cláusulas uniformes.

A esse respeito, a Consultoria Geral dessa Corte de Contas, em consulta no processo CON n. 00/06421857, por meio do Parecer n. COG- 389/2003, que deu origem à Decisão n. 376/2001, após discorrer sobre a previsão constitucional da incompatibilidade negocial, bem como sobre a exceção das cláusulas uniformes, firmou o seguinte posicionamento:

Torna-se mister bem entender o sentido e alcance do dispositivo, que introduz a exceção à regra constitucional categórica da incompatibilidade. Conforme a lição de Carlos Maximiliano, "interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição”.

Portanto, qual o alcance da exceção para o contrato que obedeça cláusulas uniformes?

CLÁUSULAS UNIFORMES E CONTRATOS DE ADESÃO

Os constitucionalistas adotam entendimento incontroverso, dizendo tratar-se dos denominados contratos de adesão. Neste sentido, a opinião e os exemplos, entre outros, de José Afonso da Silva, de Pinto Ferreira, de Rosah Russomano e de Barcellos de Magalhães.

Sobre a natureza das denominadas cláusulas uniformes e de tais contratos de adesão, só incorre em equívoco quem o busque deliberadamente. A mais singela atenção ao sentido das palavras faz concluir, com lógica simples e rigorosa, que cláusulas uniformes só podem ser cláusulas que se repetem, invariavelmente, numa multiplicidade de contratos, pois a uniformidade é qualidade que só se pode encontrar na multiplicidade, pelo que, cláusulas uniformes só podem ser encontradas em contratos múltiplos, firmados com múltiplas pessoas.

Em outras palavras: a multiplicidade de contratos é que permite falar de uniformidade de cláusulas. Opostamente: se se tratar de contrato único, não se pode falar de cláusulas uniformes.

O rigorismo lógico e da terminologia leva à constatação até elementar de que a uniformidade é qualidade que só se encontra na multiplicidade; não se pode falar de uniformidade na unicidade.

Na linguagem dos juristas o entendimento dos civilistas fica bem na lição de Orlando Gomes:

"A espécie a que se chama contrato de adesão distinguir-se-ia pelos caracteres apontados, correspondendo aos negócios jurídicos difundidos na prática da atividade econômica, que se realizam em condições especiais com objetivo de uniformização, repetidas nos contratos singulares as cláusulas preestabelecidas por uma das partes (p. 130).

A repetição do contrato, variando apenas uma das partes, resulta de condições econômicas que exigem a uniformidade de cláusulas...(p. 137).

O intento do predisponente é obter, de número indeterminado de aderentes, a aceitação passiva das mesmas condições, de sorte que seja invariável o conteúdo de todas as relações contratuais. A uniformidade é uma exigência de racionalidade da atividade econômica... (p. 138).

O escopo do pré-constituinte é, com efeito, tornar possível uma pluralidade de contratações uniformes. (p. 139)."

Leia-se, também, a lição de Pontes de Miranda:

"Os contratos de adesão supõem oferta e complemento da aceitação pelos membros do grupo, um de cada vez. A oferta é a todos que satisfaçam os pressupostos. (p. 34).

O contrato de adesão é decorrente da oferta ao público, e cada pessoa, que adere, aceita. (p. 36)."

As lições são abundantes e pacíficas. Para Sílvio Rodrigues:

"...isto ocorre quando há multiplicidade de situações uniformes (p. 47). De resto, o contrato de adesão tem, por sua repetição, um caráter de regularidade; as cláusulas são as mesmas em todos os contratos (p. 49)."

Segundo W. Barros Monteiro:

"...trata-se de um clichê contratual, segundo as normas de rigorosa estandardização, elaborado em série (p. 33)." (grifei)

Entretanto, conforme já defendi no Parecer n. MPTC/15790/2013, exarado no processo REP n. 12/00193960 – referente à contratação de empresa para prestação de serviços de coleta seletiva e transporte de resíduos sólidos do Município de Bombinhas os contratos administrativos licitatórios firmados com a Administração Pública não caracterizam adesividade, visto que parte das estipulações são resultantes dos termos da proposta vencedora, afastando, assim, a incidência da ressalva prevista na parte final da alínea “a” do inciso I, do art. 55 da Lei Orgânica do Município. Sobre o tema, extrai-se dos Prejulgados n. 1296 e n. 1039 desse Tribunal de Contas:

PREJULGADO 1296

O Vice-Prefeito está impedido de negociar com o Município através de empresa de sua propriedade, pois os contratos de cláusulas uniformes, aos quais faz referência o parágrafo único do art. 102 da Lei Orgânica Municipal, são os contratos de adesão, tais como o de seguro, o de transporte, o de fornecimento de gás, luz e força, o de prestação de serviços de telefones, certos contratos bancários e alguns de direito marítimo, e que já possuem conteúdo preconstituído, como acima frisado, do qual não fazem parte os contratos administrativos, persistindo a vedação do caput do referido artigo.
O contrato administrativo é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuito personae, objetivando o interesse público pela administração e o lucro pelo particular, e por possuir características e peculiaridades próprias, além de comportar entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente, e a garantia do contrato ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que resulta de dispositivo constitucional (art. 37, XXI), não podendo ser considerado contrato de cláusulas uniformes.

O princípio da igualdade consiste no tratamento isonômico que se deve dar a todos os participantes do certame licitatório, em qualquer modalidade, concorrência, convite, tomada de preços, leilão ou concurso, do qual o administrador não pode afastar-se, concedendo benefícios ou vantagens que não sejam extensivos a todos os participantes. (Processo: CON-02/06543409 Parecer: COG-721/02 Decisão: 222/2003 Origem: Prefeitura Municipal de Caçador Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst Data da Sessão: 17/02/2003 Data do Diário Oficial: 28/05/2003).

PREJULGADO 1039

Não se permite a realização de contrato entre Município e Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, eis que é vedado a estes, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo, quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes, nos termos do artigo 98, da Lei Orgânica Municipal de Laurentino, combinado com os artigos 29, inciso IX e 54, inciso I, alínea a, da Constituição Federal, e artigo 111, inciso VI da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Não pode ser considerado contrato de cláusulas uniformes o contrato administrativo que é consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae, objetivando o interesse público pela Administração e o lucro pelo particular, por possuir características e peculiaridades próprias, além de comportar entre outras particularidades, alterações contratuais efetuáveis bilateralmente, e a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que resulta de dispositivo constitucional (art. 37, inciso XXI) (Processo: CON-01/01847084 Parecer: COG - 537/01 Decisão: 2144/2001 Origem: Prefeitura Municipal de Laurentino Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 22/10/2001 Data do Diário Oficial: 21/12/2001). (grifei)

Ressalto, por fim, que tal irregularidade tem sido objeto de aplicação de sanções em diversos julgados no âmbito dessa Corte de Contas, conforme se extrai, por exemplo, da decisão do processo PCA n. 07/00150749, de 08/08/2011, in verbis:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea “b”, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2006 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Chapadão do Lageado, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar ao Sr. Alair da Silveira - Presidente da Câmara de Vereadores de Chapadão do Lageado em 2006, CPF n. 217.386.029-15, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em razão das despesas, no montante de R$ 5.646,00, referentes ao contrato de aluguel da sede da Câmara de Vereadores, firmado com o Vereador Adilson Michels, realizadas em desacordo com o art. 26, I, letra “a”, da Lei Orgânica do Município de Chapadão do Lageado e com os princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal (item 4.1.2 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000. (Processo n.: PCA-07/00150749, Acórdão n.: 1465/2011, Relator: Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior. Data da Sessão: 08/08/2011). (grifei)

Dessa forma, diante das flagrantes contratações ilegais realizadas pelo Município de São Domingos com as empresas Neudi José Buratti - ME e Gilmar Achiles Marmentini - ME, cabível a aplicação de multa ao Sr. Alcimar de Oliveira, Prefeito Municipal de São Domingos, e a Sra. Ana Claudia Barizon Fontana da Luz, Pregoeira dos Pregões Presenciais n. 01/2009 e 01/2014.

2.     Ausência de comprovação da realização da aferição mensal das quilometragens percorridas pelos veículos do transporte escolar contratados por meio dos Pregões Presenciais n. 01/2009 e n. 01/2014, em desacordo com o art. 63, § 1º, inciso II, da Lei n. 4.320/64 e a Cláusula Primeira dos Contratos Aditivos (padrão) firmados com os prestadores do serviço.

Outra restrição supostamente existente nos Pregões Presenciais n. 01/2009 e n. 01/2014 e apontada na representação em comento refere-se à ausência de especificação da quilometragem a ser percorrida nas linhas do transporte escolar municipal, em afronta ao art. 63, § 1º, inciso II, da Lei n. 4.320/64 e à Cláusula Primeira aos Contratos Aditivos (padrão) firmados com os prestadores do serviço.

Às fls. 470-474, os responsáveis alegam que em ambos os Pregões foram fixados os valores máximos admitidos para a contratação das linhas, com base em pesquisa de preço na região, tendo sido adotado valor abaixo da média, conforme demonstram documentos relativos a julgamento de proposta e homologação de resultado de licitação dos Municípios de São Lourenço do Oeste e Xaxim (fls. 3575-3583). Transcreveram, então, as tabelas do item 1.8 do Edital n. 01/2009 e do item 1.1 do Edital n. 01/2014, demonstrando os valores máximos admitidos de acordo com a capacidade de transporte dos veículos (fls. 470-472).

Insurgem-se os responsáveis, ainda, quanto à aventada indefinição na quantidade mensal de quilometragem a ser percorrida pelos veículos, defendendo a legalidade na fixação do preço por quilômetro rodado:

Não há nenhuma irregularidade em realizar a licitação com base no preço por quilômetro rodado, já que não é possível definir previamente, com exatidão, a quilometragem correta a ser percorrida ao longo do ano letivo, por conta das novas matrículas, desistências ou transferências de alunos que vão surgindo, que implicam em mudanças nas rotas a serem percorridas pelos veículos.

Além disso, o número de dias letivos de um mês para outro também é variável, pois existe um mês com 28 dias, outros com 30 dias e outros com 31 dias, como sabido. Outrossim, existem feriados nacionais, estaduais e municipais, os dias de formação dos professores – quando não há aula, eventuais greves, enfim, os fatores são muito variáveis ao longo do ano letivo.

Nesse contexto, a Área Técnica verificou no Sistema e-Sfinge que “consta do Edital de Pregão n. 001/2009 as respectivas distâncias entre os locais pelos quais irão transitar os veículos que atuarão no transporte escolar do município de São Domingos” e, com isso, elaborou o quadro de fls. 3597-3597v pelo qual comparou a quilometragem prevista no edital com aquelas constantes nos relatórios mensais de prestação dos serviços de transporte escolar apresentados pelos responsáveis (fl. 707), constatando divergências a maior e a menor entre as distâncias das 21 linhas de transporte escolar no mês de fevereiro de 2009 (usado como exemplo). Já no Pregão n. 01/2014 não foram especificadas as distâncias das quatorze linhas, sendo detalhado apenas os valores máximos por quilômetro rodado a serem pagos pela administração pública (fls. 69, 471 e 472).

Dessa forma, a DLC concluiu pela ausência de comprovação da efetiva liquidação da despesa, que deveria ser realizada pela Secretaria Municipal de Educação por meio de documentação de aferição.

Com relação ao processo licitatório n. 01/2009, o item 1 do edital descrevia o trajeto, destino, km por viagem, número de viagem por dia e o total de km por dia (fls. 3303-3304), enquanto o item 1.3 fazia uma ressalva quanto à estimativa dos valores apresentados:

1.3. A quilometragem descrita no quadro constante do Item 1, é meramente ilustrativa, podendo sofrer alterações de quantidade para mais ou para menos, conforme necessidade da Secretaria Municipal de educação, realização de nova medição, bem como em face de ajuste de itinerário.

De fato, procedem os argumentos dos responsáveis quanto à impossibilidade de estipulação exata dos quilômetros a serem percorridos pelos veículos que realizam o transporte escolar dos alunos da rede pública de ensino, sendo válida, portanto, a estimativa dos quilômetros a serem percorridos e o valor máximo a ser pago por quilômetro rodado. Ainda assim, tal estimativa de quilômetros a serem percorridos por cada linha não foi realizada no edital do Pregão Presencial n. 01/2014, que se limitou a estabelecer os valores máximos por quilômetro rodado.

Por outro lado, deve haver  um sistema adequado e eficaz de fiscalização e controle dos quilômetros efetivamente rodados por cada prestador do serviço, a fim de atestar a liquidação da despesa e proceder ao respectivo pagamento.

Nesse sentido, os documentos apresentados às fls. 501-2304 referem-se a relatórios de transporte escolar (fls. 501, 525, 546, 567, 601, 640, 660, 680, por exemplo), declarações das escolas estaduais e municipais dos dias letivos de cada mês (fls. 588, 616, 674, 697, por exemplo) e algumas justificativas quanto a alterações nas quilometragens percorridas (fl. 521).

A título ilustrativo, vejam-se os documentos de fls. 1288-1318, relativos à prestação de serviço de transporte escolar do mês de novembro de 2011. Inicialmente, à fl. 1288, consta o Ofício n. 0071/2011 – SECE pelo qual a Secretária Municipal de Educação, Cultura e Esportes à época, Sra. Silvia Rozan de Brito Baggio, encaminha à responsável pelo setor de contabilidade da Prefeitura Municipal o demonstrativo do transporte escolar terceirizado do mencionado mês.  Anexado a tal documento há uma tabela com o nome das empresas terceirizadas, as linhas pelas quais são responsáveis, a quilometragem percorrida por dia por cada linha, o total de dias letivos e o total de quilômetros pagos no mês (fls. 1289-1290), seguido de documentos relacionados a cada empresa (fls. 1291-1297).

No relatório dos serviços prestados pela empresa Neudi José Burati - ME, acostado à fl. 1297, consta uma justificativa quanto à necessidade, na linha 03, de “aumentar 6 km/dia para buscar os filhos de Elizete Pretto e Edson Antenhofen na Comunidade da Linha Imigra”, passando o trecho a ser de 83 km por dia (fl. 1297).

 Em seguida (fls. 1298-1303) há, ainda, declarações das escolas municipais informando que o mês de novembro de 2011 possuiu vinte dias letivos. Por fim, às fls. 1304-1318 são apresentadas as notas fiscais referente ao serviço de transporte escolar prestado no período.

Dessa forma, divergindo do entendimento da Área Técnica, e considerando os documentos juntados aos autos, entendo estar efetivamente caracterizada a realização da aferição mensal das quilometragens dos veículos do transporte escolar contratados por meio dos Pregões Presenciais n. 01/2009 e n. 01/2014, sanando-se, dessa maneira, a irregularidade.

3. Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1.        pela PARCIAL PROCEDÊNCIA da presente representação encaminhada pelo Partido Progressista (Diretório Municipal de São Domingos) e pelos Srs. Ivandro Bigolin, Adilson Nunes de Carvalho e Andrei Poggere de Oliveira, Vereadores da Câmara Municipal de São Domingos, acerca de irregularidades nos Processos Licitatórios n. 01/2009 (Pregão Presencial n. 01/2009) e n. 01/2014 (Pregão Presencial n. 01/2014), referente à prestação de serviços de transporte escolar no Município de São Domingos.

2.        pela IRREGULARIDADE, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, do ato descrito no item 3.2.1.1 da conclusão do relatório técnico final (fls. 3598-3599);

3.        pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos responsáveis, Sr. Alcimar de Oliveira e Sra. Ana Claudia Barizon Fontana da Luz, na forma do art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em razão do ato descrito no item 3.2.1.1 da conclusão do relatório técnico final (fls. 3598-3599).

Florianópolis, 26 de agosto de 2016.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora