PARECER nº:

MPTC/44592/2016

PROCESSO nº:

REC 16/00036527    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Brusque

INTERESSADO:

Sonia Knihs Crespi

ASSUNTO:

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo REP-12/00298982

 

 

Trata-se o presente processo de Recurso de Reexame (fls. 3-11) interposto pela Sra. Sonia Knihs Crespi em face do Acórdão n. 0287/2015, dessa Corte de Contas, exarado nos autos do processo REP n. 12/00298982, tendo a referida decisão apontado diversas irregularidades na condução do Pregão Presencial n. 020/2011, condenando os responsáveis ao pagamento de multas, na medida de suas responsabilidades, nos seguintes termos:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à representação encaminhada contra a Prefeitura Municipal de Brusque, acerca de irregularidades praticadas no Pregão Presencial n. 020/2011.

Considerando que foi efetuada a audiência dos Responsáveis, conforme consta na f. 370 a 377 dos presentes autos;

Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Reinstrução DLC n. 322/2014;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer da Representação e no mérito considerá-la parcialmente procedente, e, com fundamento no artigo 36, § 2º, alínea "a" da Lei Complementar n. 202/2000, considerar irregulares os atos relativos ao Pregão Presencial n. 020/2011 e o Contrato n. 33/2011 e o seu Aditivo n. 33-1/2012, a seguir descritos.

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000:

6.2.1. ao Sr. PAULO ROBERTO ECCEL - Prefeito Municipal de Brusque, CPF n. 455.188.319-00, as seguintes multas:

6.2.1.1. R$ 4.000,00 (quatro mil reais), em razão do direcionamento do Pregão Presencial n. 020/2011, em afronta aos arts. 3º, § 1º, I; 9º, I e II; e 30, §§ 1º, 5º e 6º, da Lei n. 8666/93, caracterizando inobservância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade;

6.2.1.2. R$ 1.000,00 (mil reais), pela contratação, através do Pregão Presencial n. 020/2011, de serviço de assessoria e consultoria técnica ao tempo em que havia servidor capacitado para executar o objeto da licitação, em afronta aos princípios da economicidade e eficiência previstos nos arts. 70, parágrafo único, e 37, caput, da Constituição Federal.

6.2.2. ao Sr. ROGÉRIO RISTOW - Secretário Municipal de Administração à época, CPF n. 433.217.989-72, as seguintes multas:

6.2.2.1. 4.000,00 (quatro mil reais), em razão do direcionamento do Pregão Presencial n. 020/2011, em afronta aos arts. 3º, § 1º, I; 9º, I e II; e 30, §§ 1º, 5º e 6º, da Lei n. 8666/93, caracterizando inobservância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade;

6.2.2.2. R$ 1.000,00 (mil reais), pela contratação, através do Pregão Presencial n. 020/2011, de serviço de assessoria e consultoria técnica ao tempo em que havia servidor capacitado para executar o objeto da licitação, em afronta aos princípios da economicidade e eficiência previstos nos arts. 70, parágrafo único, e 37, caput, da Constituição Federal.

6.2.3. à Sra. SÔNIA KNIHS CRESPI - Assessora Jurídica da Prefeitura Municipal de Brusque à época, CPF n. 887.188.759-04, a multa no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), em razão do direcionamento do Pregão Presencial n. 020/2011, em afronta aos arts. 3º, § 1º, I; 9º, I e II; e 30, §§ 1º, 5º e 6º, da Lei n. 8666/93, caracterizando inobservância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.

6.2.4. ao Sr. JOSÉ GUSTAVO HALFPAP - Secretário Municipal de Governo e Gestão Estratégica à época, CPF n. 578.758.209-87, a multa no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), em razão do direcionamento do Pregão Presencial n. 020/2011, em afronta aos arts. 3º, § 1º, I; 9º, I e II; e 30, §§ 1º, 5º e 6º, da Lei n. 8666/93, caracterizando inobservância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.

6.3. Assinar o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, com fundamento no art. 1º, XII, da Lei Complementar n. 202/2000, para que o Prefeito Municipal de Brusque comprove, a este Tribunal e à Câmara Municipal de Brusque, a anulação do Contrato n. 33/2011 e seus aditivos, decorrentes do Pregão Presencial n. 20/2011.

6.4. Recomendar à Prefeitura Municipal de Brusque:

6.4.1. que adote as providências cabíveis para fins de ter em seu quadro de servidores, efetivos e comissionados, pessoal capacitado para desenvolver projetos e solicitar recursos para o seu desenvolvimento, desempenhando diretamente as funções relacionadas à captação de recursos, tanto da esfera federal ou quanto da estadual, por se configurar ato de competência do governo municipal;

6.4.2. para que nas próximas licitações adote a modalidade pregão apenas para serviços efetivamente considerados comuns, cujos padrões de desempenho e qualidade, nos termos da Lei n. 10.520/02, possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, observando, ainda, se o respectivo objeto comporta técnicas simples de execução e tem grande oferta de contratação no mercado, o que não foi o caso do Pregão n. 020/2011, promovido pela Prefeitura Municipal de Brusque.

6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC n. 226/2014 e do Parecer n. MPTC/25204/2014:

6.5.1. ao Interessado e Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação;

6.5.2. à Prefeitura Municipal de Brusque, sua assessoria jurídica e ao Órgão Central de Controle Interno daquele Município;

6.5.3. à empresa Logos Assessoria e Projetos Ltda., de Itajaí. (grifei)

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-195/2016 (fls. 13-17), opinando pelo conhecimento do presente Recurso de Reexame e, no mérito, pelo cancelamento da pena de multa imposta à recorrente, da seguinte maneira:

3.1. Conhecer do Recurso de Reexame interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0287/2015, exarada na Sessão Ordinária de 25 de maio de 2015, nos autos nº REP-12/00298982, e no mérito dar provimento para:

3.1.1. tornar insubsistente o item 6.2.3 do Acórdão recorrido, cancelando, consequentemente, a multa de R$ 4.000,00 aplicada à Senhora Sônia Knihs Crespi.

3.2. Dar ciência da Decisão, à Sra. Sônia Knihs Crespi e à Prefeitura Municipal de Brusque.

O recurso de Reexame, previsto nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado contra decisão proferida em processos de fiscalização de atos e contratos, bem como de atos sujeitos a registro, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que foi apontada como responsável pelas irregularidades assinaladas.

O Acórdão atacado foi publicado no DOTC-e n. 1743 em 09/07/2015, tendo a recorrente oposto, inicialmente, Embargos de Declaração em 16/07/2015, os quais foram julgados por meio do Acórdão n. 0828/2015, publicado no DOTC-e n. 1855 de 18/12/2015, sendo que o presente Recurso de Reexame  teve o seu protocolo procedido nessa Corte de Contas em 19/01/2016, o que caracteriza sua tempestividade, levando-se em consideração a suspensão dos prazos processuais diante dos referidos Embargos e por conta do período de recesso de final de ano dessa Corte de Contas.

Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, em função de ter sido interposto uma única vez, bem como ao requisito da legitimidade, pois a recorrente figurou como responsável e recebeu a aplicação de penalidade de multa.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

Passa-se, na sequência, à análise do item impugnado da decisão recorrida e das alegações da recorrente.

O item 6.2.3 do Acórdão recorrido imputou pena de multa à recorrente no valor de R$ 4.000,00, em face do direcionamento do Pregão Presencial n. 020/2011, em afronta aos arts. 3º, § 1º, inciso I; 9º, incisos I e II; e 30, §§ 1º, 5º e 6º, todos da Lei n. 8.666/93, caracterizando inobservância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.

A recorrente, inconformada com a decisão proferida, alegou (fl. 5) que o parecer jurídico por ela firmado expressava a possibilidade de contratação de empresa prestadora de serviço especializada em assessoria e consultoria técnica para captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal, ressaltando (fl. 6) que “a atividade laborativa do advogado público no processo licitatório se delimita na emissão de pareceres opinativos, acerca da matéria técnico-jurídica que norteia sua competência” quando presta consultoria à Administração Pública.

Nesse sentido, argumentou (fl. 6) que o parecer por ela exarado decorreu de “obrigatoriedade de sua emissão”, consoante o disposto no art. 38, parágrafo único da Lei n. 8.666/93. Acerca desta matéria, afirmou que o texto legal objetivou fortalecer a obrigatoriedade da emissão de parecer na condição de exame preliminar das consequências do ato administrativo, não se afastando o seu caráter opinativo e nem o revestindo de natureza vinculante, a qual estaria presente somente em atos decisórios.

Após colacionar trecho doutrinário (fls. 6-7), a recorrente asseriu (fl. 7) que o parecer emitido no processo licitatório visa a nortear o administrador público na escolha da melhor conduta para a realização do ato administrativo final, apresentando caráter obrigatório no que diz respeito à necessidade de sua solicitação no bojo do processo administrativo, mas “não vinculante frente à possibilidade do Administrador decidir diversamente aos termos arrematados no parecer”.

Em seguida, faz referência (fl. 7) a processo análogo em trâmite no Tribunal de Contas, no qual a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações teria adotado conclusão diversa quanto à definição de responsabilidade solidária do advogado que emitiu parecer. Dentro deste contexto, invocou a aplicação do princípio da isonomia para que seja afastada a multa aplicada.

Trouxe ainda (fl. 7) comentários relativos à importância do advogado, referindo ao art. 133 da CFRB/88 e aos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.906/94, ressaltando que o advogado, ao desempenhar atividade de consultoria e assessoria jurídica, “atua no exercício da profissão ao elaborar e emitir parecer jurídico em processo licitatório, encontrando-se devidamente acobertado pela norma constitucional”. Complementou o raciocínio afirmando (fl. 8) que a responsabilização de advogado por opinião formalizada por parecer em processo licitatório “fulmina o princípio da inviolabilidade assegurada na Constituição Federal”.

Apresentou (fls. 9-10) jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de não responsabilização de agentes pela emissão de pareceres opinativos técnico-jurídicos. Aduziu (fl. 10) que os órgãos de controle externo, ao analisarem e fiscalizarem procedimentos licitatórios, identificando atos de improbidade, se referem a irregularidades na construção do processo formal e execução contratual, “fases isentas da participação do advogado parecerista em sua normalidade”.

Aventou (fl. 10) a hipótese de contradição entre o valor sugerido no Voto e aquele efetivamente aplicado pelo Relator no Acórdão, reiterando (fl. 11) o argumento de que não se poderia “negligenciar o devido tratamento isonômico entre casos análogos”. Ao final, destacou que nunca “sofreu nenhuma penalidade perante essa Corte de Contas”.

Em que pesem os argumentos e ponderações legais e jurisprudenciais apresentados pela recorrente, entende-se não lhe assistir a razão. Discorda-se, desse modo, do posicionamento adotado pela Diretoria de Recursos e Reexames no Parecer n. DRR-195/2016, no sentido de afastamento da penalidade de multa aplicada.

Conforme se extrai dos autos, o debate central se resume na questão da possibilidade de responsabilização pela apresentação de parecer jurídico no âmbito de processo licitatório. Neste contexto, a Área Técnica apresentou a Orientação Técnica n. DGCE 01/2008, elaborada pela Diretoria Geral de Controle Externo, da qual ressai que o presente caso de amolda à segunda hipótese listada, constituindo-se o parecer como obrigatório por exigência de lei, de tipo opinativo, não vinculante e cuja responsabilização do parecerista é incabível, “salvo verificação de erro grave, inescusável ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo”.

Partindo deste referencial, a Área Técnica consignou o seguinte (fl. 16 in fine):

Considerando que no processo cognitivo sequer discutiu-se eventual erro grave, inescusável, tampouco a culpa em sentido largo do parecerista, a deliberação deve ser reformada para excluir a responsabilização da Recorrente nas irregularidades cometidas no edital do Pregão 020/2011.

Ora, compulsando-se os autos, resta patente o equívoco da afirmação inicial, prejudicando seu silogismo. Isso porque, analisando detidamente os expedientes que compõem os autos do processo REP n. 12/00298982, observa-se que a questão foi discutida em diversas oportunidades, tendo sido elucidada quando da emissão do Voto e do Acórdão que se seguiu.

De início, no Relatório de Instrução Preliminar n. DLC-444/2012, a Área Técnica ponderou que (fl. 178 dos autos REP n. 12/00298982):

Quanto à utilização da modalidade de pregão para o objeto contratado: serviço técnico especializado em assessoria e consultoria para a captação de recursos financeiros junto ao Governo Federal; verifica-se não ser comum aos municípios catarinenses a utilização deste tipo de contratação.

Temos dentro da realidade pública brasileira que aproximadamente 65% da arrecadação é destinada constitucionalmente para a União, fato que obriga os administradores públicos municipais a obterem através de transferência voluntária os benefícios financeiros dos convênios.

Elaboração de projetos, solicitações e audiências estão dentre os procedimentos necessários para concretizar a formalização do repasse e conseqüentemente a execução do objeto conveniado.

Observa-se que os municípios necessitam possuir estrutura para realizá-los, sendo dentro da normalidade executados pelos próprios servidores do seu quadro.

Neste sentido, não é comum a efetivação da contratação de empresa para executar o objeto licitado pelo Município de Brusque, através do Pregão Presencial nº 020/2011. (grifei)

Após a manifestação dos responsáveis, a Área Técnica manteve seu posicionamento no Relatório de Reinstrução n. DLC-191/2013, apontando que (fls. 456v-457 dos autos REP n. 12/00298982):

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, ao analisar as manifestações dos responsáveis sobre este item 2.2.1, discorda dos entendimentos apresentados.

A interpretação excessivamente ampla dada pelos responsáveis sobre o que seria “bens e serviços comuns” ultrapassa os limites do bom senso e o próprio princípio da legalidade.

Como considerar comum a contratação de assessoria e consultoria específica para obtenção de recursos federais?

Toda atividade prevista para ser exercida pela contratada poderia ser realizada por seus servidores, como ocorre em milhares de municípios brasileiros. Caso houvesse a necessidade de obter auxílio externo, certamente seria pela complexidade dos procedimentos em uma ação específica.

Neste cenário, estaríamos diante de um objeto complexo e, portanto, antagônico à possibilidade de utilizar a modalidade pregão, exclusiva para bens e serviços comuns.

Assim, temos duas hipóteses: ou o objeto é simples que poderia ser realizado diretamente pelo município ou excepcionalmente é complexo e, portanto, necessária a contratação de terceiros e, neste caso, fora da condição de serviço comum exigido pela Lei 10.520/2002. [...]

Conforme já mencionado, tendo a União a posse de mais de 65% dos recursos públicos no Brasil, é imperativo que os municípios estejam em constante busca por convênios e outras transferências voluntárias junto ao governo federal e, para tanto, devem possuir a estrutura necessária.

Elaboração de projetos, solicitações e audiências estão dentre os procedimentos necessários para concretizar a formalização do repasse e, consequentemente, a execução do objeto conveniado.

Pelo exposto, mantém-se a restrição com as respectivas responsabilidades de todos que participaram dos procedimentos relacionados ao Pregão 020/2011 e já devidamente identificados anteriormente. (grifei)

Outra não foi a orientação seguida no Relatório de Reinstrução n. DLC-308/2013 (fls. 469-469v dos autos REP n. 12/00298982).

Na ocasião, este Órgão Ministerial se manifestou em consonância com a DLC, observando o Parecer n. MPTC/18840/2013 que (fls. 478-480 dos autos REP n. 12/00298982):

É elementar, a partir da própria definição legal, que a contratação de prestação de serviços especializados de assessoria e consultoria para obtenção de recursos federais não se trata de serviço comum, tendo em vista que os padrões de desempenho e qualidade não podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Os responsáveis não apresentaram argumentos que pudessem comprovar ser o serviço contratado comum, mesmo porque tal tarefa seria impossível, em razão da clara complexidade do objeto licitado. [...]

Quanto à responsabilização da assessoria jurídica, entendo que deva ser mantida, em razão do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a responsabilidade deve recair também sobre aquele que, no desempenho de suas funções administrativas, na qualidade de Consultor, Assessor Jurídico ou Procurador, contribuiu ou corroborou a prática do ato irregular.

Segundo o STF, a emissão de parecer, conforme previsto no art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/99 (hipótese que se amolda ao presente caso), induz a responsabilidade solidária do seu subscritor (...). [...]

Ressalta-se que o parecer emitido em processos licitatórios pela assessoria jurídica, ao contrário do que afirma a Sra. Sonia Knihs Crespi, não é meramente opinativo, mas serve como um claro subsídio para a decisão do administrador em lançar ou não o edital, em contratar ou não contratar, daí decorre a sua responsabilidade solidária. (grifei)

A DLC novamente abarcou o tema em sua última manifestação, o Relatório de Reinstrução n. DLC-226/2014 (fl. 560 dos autos REP n. 12/00298982), entendendo pelo não acolhimento dos argumentos e informações apresentados pelos responsáveis, mantendo a responsabilidade de cada um deles, inclusive da “senhora Sonia, assessora jurídica pelo parecer emitido conforme fls. 54 dos autos”.

Da mesma maneira, este Órgão Ministerial manteve sua posição quando da apresentação do Parecer n. MPTC/25204/2014 (fls. 567-568), reiterando o entendimento da impossibilidade de utilização do pregão para contratação de serviços especializados.

Portanto, é errônea a assertiva posta pela Diretoria de Recursos e Reexames de que nos autos originários “sequer discutiu-se eventual erro grave”. Na realidade a discussão se deu à exaustão, sempre se chegando à mesma conclusão, qual seja pela responsabilização da recorrente na medida em que proferiu parecer cujo conteúdo era manifestamente equivocado e até mesmo contrário às previsões legais, doutrinárias e jurisprudenciais.

Nesse sentido, e em ordem de reforçar e esclarecer o tema sob análise, imperioso que se revisite a obra específica de Marçal Justen Filho[1] sobre licitações e contratos administrativos, na qual é tratada a presente temática:

Ao examinar e aprovar os atos da licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo.

A afirmativa se mantém inclusive em face de questões duvidosas ou controvertidas. Havendo discordância doutrinária ou jurisprudencial acerca de certos temas, a assessoria jurídica tem o dever de consignar essas variações, para possibilitar às autoridades executivas pleno conhecimento dos riscos de determinadas decisões. Mas, se há duas teses jurídicas igualmente defensáveis, a opção por uma delas não pode acarretar punição. Entendimento similar pode pôr-se quanto à avaliação sobre os fatos relevantes para uma decisão. Por isso, poderá (deverá) punir-se o servidor público que adota interpretação contrária ao Direito, aberrante, ou se o prolator do parecer desvirtuar os fatos ocorridos, adotando versão não fundada em documentos ou outras provas. Se a decisão administrativa for entranhada de defeito desconhecido do agente que forneceu o parecer, não há cabimento em sua responsabilização. Tanto mais por ser inadmissível impor uma espécie de “responsabilidade política” ao sujeito que desempenha função de assessoramento, sancionando-o apenas em virtude da consumação de um resultado reputado incompatível com valores protegidos pelo Direito. Aquele que desempenha atividade de assessoramento jurídico ou técnico sujeita-se ao regime jurídico genérico: a responsabilização civil, penal ou administrativa depende da culpabilidade. Enfim, é essencial preservar a autonomia da função de assessoramento jurídico ou técnico.

O tema foi trazido à tona especialmente em virtude de decisão do STF, proferida no Mandado de Segurança nº 24.073-3/DF, em cuja ementa se lê o seguinte:

“Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa... O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo...” (rel. Min. Carlos Velloso)

No âmbito do TCU, a decisão do STF acabou gerando o entendimento consagrado no Acórdão nº 462/2003, Plenário, relatado pelo Ministro Walton Alencar Rodrigues, no sentido de que

“O parecer jurídico emitido por consultoria ou assessoria jurídica de órgão ou entidade, via de regra acatado pelo ordenador de despesas, constitui fundamentação jurídica e integra a motivação da decisão adotada, estando, por isso, inserido na verificação da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos relacionados com a gestão de recursos públicos... Na esfera da responsabilidade pela regularidade da gestão, é fundamental aquilatar a existência do liame ou nexo de causalidade existente entre os fundamentos de um parecer desarrazoado, omisso ou tendencioso, com implicações no controle das ações dos gestores da despesa pública que tenha concorrido para a possibilidade ou concretização do dano ao Erário. Sempre que o parecer jurídico pugnar para o cometimento de ato danoso ao Erário ou com grave ofensa à ordem jurídica, figurando com relevância causal para a prática do ato, estará o autor do parecer alcançado pela jurisdição do TCU, não para fins de fiscalização do exercício profissional, mas para fins de fiscalização da atividade da Administração Pública.”

Seguindo essa linha de entendimento, o TCU deixou de responsabilizar o signatário de parecer jurídico favorável a uma contratação posteriormente reputada viciada porque seu conteúdo não se configurava como “desarrazoado, omisso ou tendencioso”, tendo sido elaborado com fundamento em informações não exatas (Acórdão nº 1.616/2003, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti). Mas, em outra oportunidade, impôs a responsabilização “porque, no presente caso, o parecer jurídico de responsabilidade do ex-Procurador-Geral foi fundamental para a contratação direta, que resultou grave infração à norma legal...” (Acórdão nº 1.412/2003, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa) [...]

O STF realizou distinção quanto à eficácia do parecer para determinar a extensão da responsabilidade do emitente de parecer. Reputou-se que a eficácia vinculante do parecer relativamente à decisão a ser adotada pela autoridade administrativa impõe ao emitente do parecer uma responsabilidade diferenciada e mais intensa. Com o maior respeito ao STF, reputa-se que a distinção é improcedente. A natureza vinculante ou não do parecer relativamente à autoridade administrativa é irrelevante para determinar a extensão da responsabilidade do seu emitente. Dita eficácia pode apresentar relevo relativamente à autoridade administrativa, não quanto ao emitente do parecer. Assim, é evidente que não caberá responsabilizar a autoridade administrativa que, em virtude de determinação legal, for constrangida a decidir nos termos exatos e precisos de um parecer fornecido pelo assessor jurídico. Mas daí não se segue que o emitente do parecer seria automaticamente responsabilizável por todo e qualquer parecer de cunho vinculante que emitisse.

A responsabilidade do emitente do parecer – tenha ou não dito parecer cunho vinculante, seja ou não obrigatório – depende do conteúdo e das circunstâncias.

Em todos os casos, não se admite que o parecer teria cunho meramente “opinativo”, tal como se o emitente de um parecer fosse um inimputável, não subordinado ao dever de formular a melhor e mais adequada manifestação possível. O que se deve ressaltar é que o emitente de um parecer não pode ser punido nem responsabilizado por adotar uma dentre diversas interpretações ou soluções possíveis e teoricamente equivalentes. Cabe ao autor de um parecer examinar com cautela todas as circunstâncias do caso concreto, apontado as possíveis divergências e revelando conhecimento técnico e jurídico sobre os fatos, a ciência e a lei. A opção por uma dentre diversas alternativas dotadas de idêntico respaldo não comporta responsabilização, mesmo que o parecer seja obrigatório e de cunho vinculante. Mas a escolha por uma solução desarrazoada, tecnicamente indefensável, incompatível com os fatos concretos, não respaldada pela doutrina e pela jurisprudência acarreta a responsabilização de seu autor ainda que o parecer seja facultativo e não vinculante.

Enfim, a natureza obrigatória ou vinculante do parecer pode agravar a responsabilização do emissor de um parecer mal elaborado e defeituoso, mas não significa a punibilidade para um parecer bem fundamentado, ainda que tenha manifestado entendimento que não venha a ser reputado como o mais adequado e correto. (grifei)

Consoante os ensinamentos transcritos acima, percebe-se que a recorrente incidiu em erro grave, possibilitando sua responsabilização com fulcro em sua atuação defeituosa, eis que deveria, no mínimo, ter apontado a existência de divergência quanto à aplicabilidade da modalidade pregão naquela contratação buscada pela Administração Pública.

Desse modo, entende-se pela manutenção da penalidade de multa inicialmente aplicada à recorrente.

E, finalmente, no que tange ao alegado rigor na aplicação da penalidade – e suposta incoerência entre o valor apresentado em Voto e o disposto no Acórdão recorrido –, a problemática fora devidamente esclarecida no Relatório e Voto n. GAC/AMF-1053/2015 (fls. 72-75v dos Embargos de Declaração n. 15/00434733, em apenso), sendo imperioso frisar que a aplicabilidade de multas no âmbito desse Tribunal de Contas tem por norte os termos do art. 70 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, bem como do art. 109 da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do Tribunal de Contas de Santa Catarina), de modo que não se vislumbra excesso – tampouco afronta à proporcionalidade/razoabilidade – na aplicação da multa no referido valor de R$ 4.000,00, já que arbitrado dentro dos parâmetros legais, a critério do entendimento fundamentado do Relator.

Portanto, considerando que não foram apresentados argumentos ou informações que pudessem elidir a irregularidade constatada, manifesto-me pela manutenção, na íntegra, do julgamento proferido nos autos do processo REP n. 12/00298982. 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do recurso interposto para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se hígida a decisão proferida por meio do Acórdão n. 0287/2015.

Florianópolis, 1º de setembro de 2016.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2010, p. 526-529.