Despacho nº: |
GPDRR/077/2016 |
Processo nº: |
REP
14/00710674 |
Un. Gestora: |
Secretaria
de Estado da Educação |
Assunto: |
Aplicação
de recursos na Escola Estadual Básica Cruz e Souza |
Trata-se de representação proposta pelo
Ministério Público de Contas, pleiteando a realização de auditoria na Escola
Estadual Básica Cruz e Souza, no Município de Tijucas, no intuito de verificar
a destinação dada aos recursos provenientes do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação, com relação ao Programa Dinheiro Direto na
Escola.
Por meio do relatório nº 371/2015 (fl. 142),
a diretoria técnica manifestou-se pelo não conhecimento da representação, por
entender não se tratar de matéria afeta à competência do Tribunal de Contas
Estadual, e pela remessa de cópia dos autos ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento Escolar, à Controladoria Geral da União[1]
e ao Tribunal de Contas da União.
É
o sucinto relatório.
Da aplicação
dos recursos escolares
A área técnica do Tribunal, após a protocolização do pedido de auditoria
formulado pelo Ministério Público de Contas, procedeu à realização de inspeção
na Secretaria de Educação, dando origem ao relatório de fls. 140-143.
Da inspeção realizada e dos documentos constantes nos autos,
verificou-se que não foi apresentada a devida prestação de contas referente às
despesas arroladas na inicial.
Em tempo, destaca-se que restou demonstrado que do montante de R$
108.901,00 repassados à Escola Estadual Básica Cruz e Souza, de Tijucas, R$
12.500,00 ainda se encontravam em conta corrente, informação esta corroborada pelos documentos
de fls. 96-100. Já em relação ao restante da quantia (R$ 96.401,00), não houve
a devida prestação de contas.
Entretanto, a diretoria técnica entendeu que a matéria não é de
competência do Tribunal de Contas Estadual, mas sim de competência afeta ao
Tribunal de Contas da União, e que, portanto, a representação não deveria
ser conhecida.
Ao tratar sobre a competência para fiscalizar a aplicação dos recursos
financeiros relativos à execução do Programa Dinheiro Direto na Escola, elencou
a Lei Federal nº 11.947/09, a qual dispõe da seguinte forma:
Art. 28. A fiscalização da aplicação dos recursos
financeiros relativos à execução do PDDE é de competência do FNDE e dos
órgãos de controle externo e interno do Poder Executivo da União e será
feita mediante realização de auditorias, inspeções e análise dos processos que
originarem as respectivas prestações de contas.
Parágrafo único.
Os órgãos incumbidos da fiscalização dos recursos destinados à execução
do PDDE poderão celebrar convênios ou acordos, em regime de mútua cooperação,
para auxiliar e otimizar o controle do Programa.
Com a devida vênia,
discordarei do entendimento exposto pela diretoria técnica.
Quando uma verba
federal é transferida pela União a um Estado, Município ou ao Distrito Federal,
passa a ingressar o orçamento deste outro ente federativo, em cumprimento ao
artigo 35 da Lei Federal nº 10.180/2001:
Art.
35. Os órgãos e as entidades da Administração direta e indireta da União, ao
celebrarem compromissos em que haja a previsão de transferências de recursos
financeiros, de seus orçamentos, para Estados, Distrito Federal e Municípios,
estabelecerão nos instrumentos pactuais a obrigação dos entes recebedores de
fazerem incluir tais recursos nos seus respectivos orçamentos.
A mencionada
transferência altera a natureza jurídica e a competência para fiscalizar a
juridicidade do emprego da verba repassada. Nessa direção, eis o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL –
CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE VERBAS RECEBIDAS EM
VIRTUDE DE ACORDO
FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO E O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. 1. A ação de prestação de
contas de verbas recebidas em virtude de acordo firmado entre o Município e o
Ministério da Educação deve ser processada e julgada pela Justiça Comum
Estadual, haja vista que os recursos já se incorporaram ao patrimônio da
Municipalidade. Inaplicabilidade da Súmula 208/STJ. 2. Conflito conhecido
para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Palmeira dos
Índios – AL, o suscitado[2].
No mesmo sentido é o entendimento da
Justiça Federal, em caso análogo:
II – A ação de improbidade proposta pelo
município contra o seu ex-prefeito, por falta de prestação de contas do convênio
firmado com órgão descentralizado da União (FNDE), embora tratando-se de verba
federal, deve ser processada junto à Justiça do Estado, em face da demonstração
de desinteresse da União na causa. Em matéria cível, não basta que haja o
interesse da União ou de entidade federal para que se tenha como firmada a
competência da Justiça Federal, senão que esteja ela ou suas entidades na
relação processual, como autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I, CF),
não valendo para essas hipóteses a invocação da Súmula nº 208 do STJ[3].
Sendo que a presente
representação veicula irregularidades envolvendo aplicação de verbas federais
já incorporadas ao orçamento do Município de Tijucas, incide ainda no caso dos
autos o enunciado da Súmula 209 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à
justiça estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal”.
Sobre o tema, trago à baila jurisprudências
do STJ, no âmbito das quais foi aplicada a referida súmula:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AJUIZADA POR MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTE FEDERAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE
RECURSOS PÚBLICOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta por
Município contra ex-prefeito, por suposto desvio de verba – já incorporada pela
Municipalidade – sujeita à prestação de contas perante órgão federal, no caso,
a FUNASA (fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde).
2. Nos termos inciso I, do art. 109, da CRFB/88, a competência
cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no
processo – rationae personae –, sendo desnecessário perquirir a natureza da
causa (análise do pedido ou causa de pedir), excepcionando-se apenas as causas
de falência, de acidente do trabalho e as sujeitas às Justiças Eleitoral e do
Trabalho.
3. Malgrado a demanda tenha como causa de pedir – a ausência de
prestação de contas (por parte do ex prefeito) de verbas recebidas em
decorrência de convênio firmado com órgão federal – situação que, nos termos da
Súmula 208/STJ, fixaria a competência na Justiça Federal (já que o ex gestor
teria que prestar contas perante o referido órgão federal), não há, no pólo
passivo da ação, quaisquer dos entes mencionados no inciso I do art. 109, da
CF. Assim, não há que se falar em competência da Justiça Federal.
4. Corrobora
o raciocínio, o entendimento sedimentado na Súmula 209/STJ, no sentido de fixar
na Justiça Estadual a competência para o processo e julgamento das causas em
que as verbas recebidas pelo Município, em decorrência de irregularidades
ocorridas no Convênio firmado com a União, já tenham sido incorporadas à
Municipalidade – hipótese dos autos.
5. Conflito
de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de
Marcelância/MT, o suscitado.[4]
(Grifo nosso)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
AJUIZADA POR MUNICÍPIO EM FACE DE EX-PREFEITO. VERBAS RECEBIDAS EM RAZÃO DE CONVÊNIO JÁ INCORPORADAS À MUNICIPALIDADE.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 150 E 209 DESTA CORTE.
1. Trata-se de conflito em que se discute a competência para
julgar ação de prestação de contas ajuizada pelo Município de Cabedelo/PB em
face de ex-prefeito.
2. A
jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que,
em se tratando de demanda referente a verbas recebidas mediante convênio entre
o Município e a União, quando tais verbas já foram creditadas e incorporadas à
municipalidade, a competência para apreciá-la é da Justiça Comum Estadual.
3. Observa-se, ainda, na hipótese em análise, que não há
manifestação de interesse da União em ingressar no feito, figurando como partes
apenas o Município autor e o ex-prefeito, e que o Juízo Federal declarou a
ausência de interesse do Ente Federal, excluindo, assim, sua competência para
examinar o litígio.
4. A demanda, portanto, deve ser julgada pela Justiça Estadual,
incidindo, no caso dos autos, os enunciados das Súmulas 209 e 150/STJ.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 4ª
Vara Cível da Comarca de Cabedelo/PB, o suscitante.[5] (Grifo nosso)
Ademais,
não faltam assertivas em favor da ação conjunta entre o TCU e as Cortes de
Contas de outras esferas, de modo coordenado com os demais órgãos estatais com
competência fiscalizatória administrativa.
O Superior Tribunal
de Justiça reconheceu a possibilidade de controle concomitante pelo TCU e pelas
Cortes de Contas dos Estados e Municípios:
1.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério – FUNDEF atende a uma política nacional de educação, cujo
interesse da União resta evidenciado por diversos dispositivos constitucionais
e infraconstitucionais.
2.
Os Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios devem fiscalizar
o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição, que trata do sistema de
ensino no país, conforme dispõe o art. 11 da Lei 9.424/96[6].
À luz de tais
ponderações, entendo que, em se tratando de recursos incorporados ao orçamento
do Município e cuja finalidade é aplicação na área de educação, bem como diante
da evidente precariedade das condições mínimas de funcionamento da instituição
de ensino, não restam dúvidas de que os fatos merecem maiores esclarecimentos.
Ademais, é obrigação do
gestor zelar para que os recursos recebidos sejam aplicados adequadamente, bem
como para que tal aplicação seja devidamente comprovada por meio das prestações
de contas.
Tal é a importância do dever de prestar contas que a sua ausência é
considerada causa suficiente para a caracterização, em tese, de ato de
improbidade administrativa, nos termos do art. 11, VI, da Lei nº 8.429/92:
Art. 11. Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições, e notadamente:
[...]
VI – deixar de prestar contas quando
esteja obrigado a fazê-lo. (Grifo nosso)
Ressalta-se a
importância da cooperação e conjugação de esforços entre os ramos federal e
estadual para a fiscalização da correta aplicação dos recursos repassados ao
Município de Tijucas, eis que os munícipes eram os destinatários de tais
recursos.
Dessarte, conclui-se
que a presente representação deva ser conhecida, visto que a matéria representada é de competência da Corte de Contas
Estadual.
Ademais,
a irregularidade apurada é de natureza grave, visto que enseja dano ao erário,
sendo passível, assim, não só de cominação de multa, mas também de imputação de
débito.
Ante
o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000,
manifesta-se:
1)
pelo conhecimento da presente
representação;
2)
pela realização de audiência do Sr. Eduardo Deschamps
(Secretário de Estado da Educação), do Sr. Jones Bosio (Secretário de Estado da
Agência de Desenvolvimento Regional de Brusque à época) e do Sr. Erci Ademir
Maciel, Presidente da APP da Escola de Educação Básica Cruz e Souza, em face
da:
2.1) ausência de prestação de contas referente aos recursos provenientes do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação, com relação ao Programa Dinheiro
Direto na Escola, repassados à Associação de Pais e Professores da EEB
Cruz e Souza, de Tijucas, referentes ao período de 01/01/2012 a 31/12/2013.
3) sem prejuízo da apuração dos fatos pela Corte de Contas catarinense,
pela remessa de cópia integral dos autos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Escolar (FNDE), à Controladoria-Geral da União (CGU)[7]
e ao Tribunal de Contas da União (TCU), para as providências que entenderem
cabíveis.
Florianópolis, 16 de agosto de 2016.
Diogo Roberto Ringenberg
[1] Atual Ministério da
Transparência, Fiscalização e Controle.
[2] Superior Tribunal de
Justiça. Processo: CC 64.869/AL, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de
12/02/2007.
[3] FEDERAL, Tribunal
Regional. Ag.
2006.01.00.020118-1/PA. Rel. Juiz Federal Convocado Jamil Rosa de Jesus
Oliveira, 3ª Turma do TRF/1ª Região, Unânime. DJU de 27/10/2006.
[4] Superior Tribunal de
Justiça Processo: CC 100507 MT – 2008/ 232471-7. Rel.
Min. Castro Meira. Primeira Seção. DJe: 30/03/2009.
[5] Superior Tribunal de
Justiça. CC 57110/PB – 2005/0201430-4. Minª. Denise
Arruda. Primeira Seção. DJ: 07/05/2007.
[6] Superior Tribunal de
Justiça. CC nº 41.163-RS. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção do STJ, J:
14/02/05, RSTJ, v. 188, p. 494.
[7] Atual Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.