PARECER  nº :

MPTC/44644/2016

PROCESSO nº :

REP 15/00274787

ORIGEM      :

Prefeitura de Taió

ASSUNTO     :

Supostas irregularidades no Pregão Presencial nº 52/2013 - aquisição de conjunto móvel de britagem primária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – RELATÓRIO

Versam os autos sobre Representação formulada pelo Sr. Joel Sandro Macoppi, vereador, relatando possíveis irregularidades no Pregão Presencial nº 52/2013, lançado pela Prefeitura de Taió, visando à aquisição de conjunto móvel de britagem primária.

O processo tramitou de forma regular, consoante se colige dos pareceres ministeriais da lavra da Procuradora Cibelly Farias Caleffi,[1] dos relatórios técnicos encartados aos autos pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações - DLC,[2] das justificativas trazidas pelos responsáveis, bem como do voto cunhado pelo Eminente Conselheiro Relator.[3]

Ainda assim, por entrever que uma das questões suscitadas no curso deste processo exige particular análise, e considerando ainda a participação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Seção Santa Catarina, que veio a assumir assistência em prol do Sr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho, advogado parecerista, solicitei vista dos autos,[4] faculdade regimentalmente confiada ao Ministério Público do Contas, a teor do que dispõe o art. 214, § 1º, da Resolução nº TCE-6/2001.[5]

 

2 - MÉRITO

Prefacialmente, cogente pontuar que não é a intenção precípua deste parecer externar posição diversa daquelas já amplamente desvendadas no processo, notadamente em relação à possibilidade ou não de se responsabilizar advogado parecerista, mas sim a de contribuir para o amadurecimento do tema e, por via de consequência, auxiliar no enriquecimento do debate jurídico a ser travado no Plenário do TCE/SC.

Para tanto, imperioso esquadrinhar o caso em realce à luz da jurisprudência sedimentada por esta Corte de Contas.

Conforme consignado no introito deste parecer, o cerne da controvérsia gira em torno da responsabilização de advogado parecerista.

Tanto nas justificativas trazidas à baila pelo Sr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho como no expediente colacionado aos autos pela OAB/SC, percebe-se a existência de teses que buscam resguardar a opinião emitida por advogado, blindando-o de eventuais sanções decorrentes do aval dado em atos/contratos eivados de vícios.

Como bem pontuou a Procuradora Cibelly Farias Caleffi,[6] “[...] não se desconhece da chamada imunidade material conferida aos advogados pelo art. 133 da CRFB/88, no entanto, ao teor do que já fora consignado por esta Procuradora nestes autos e acima reproduzido, essa garantia não pode ser utilizada como subterfúgio aos advogados para a prática de atos ilegais, sobretudo quando investidos de função pública”.

A jurisprudência do Tribunal de Contas tem trilhado caminho que aponta para a responsabilização do advogado parecerista, desde que demonstrados indícios de má-fé ou, ao menos, conduta desidiosa.[7]

Portanto, não há falar em incondicional irresponsabilidade do advogado quando da confecção de pareceres jurídicos e expedientes análogos.

Se assim entendêssemos, sequer haveria necessidade de parecer jurídico em licitações públicas e contratos administrativos.

A certeza em relação à ausência de responsabilidade do advogado parecerista representaria grave retrocesso.

E quando digo isso, não me restrinjo à respectiva classe profissional ou aos cidadãos em geral, diretamente envolvidas no assunto. Acresço o sistema de controle externo, que sentiria os reflexos oriundos do declínio da qualidade dos serviços jurídicos prestados por profissionais do campo do Direito, notadamente aqueles que militam na área pública, circunstância que resultaria no esvaziamento do conteúdo do parecer jurídico, colocando em xeque atividade de suma importância para licitações públicas e contratos administrativos, tanto que de elaboração cogente.

Aliás, o art. 32, caput, da Lei nº 8.906/94[8] deixa transparecer que o advogado pode, sim, vir a ser responsabilizado pelos atos que pratica no exercício da profissão:

 

Art. 32 - O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

 

Sobre o assunto, reproduzo excerto do voto condutor do Acórdão nº 797/2013, exarado no processo nº RLA-10/00292484, da lavra do Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, que sintetiza, com maestria, as nuances da responsabilização do advogado parecerista:[9]

 

[...] é totalmente incerta a caracterização da emergência/urgência, nos moldes tecidos pelo administrador. No caso, sob o argumento de que seria ‘necessário tomar medidas emergenciais para ampliar e manter uma fiscalização efetiva de trânsito, tendo em vista os alarmantes índices de ocorrência envolvendo o abuso de velocidade, como forma de redução nos índices de acidentes envolvendo veículos automotores, pedestres e semoventes’, a administração utilizou-se do art. 24, IV, da Lei n. 8.666/90.

Tal proceder enseja a responsabilização do ordenador de despesas, ou seja, do Prefeito Municipal, sem qualquer ressalva. Em relação aos demais servidores apontados como responsáveis, teço algumas considerações.

É cediço que meu entendimento acerca da responsabilização perante o Tribunal de Contas baseia-se na culpa in vigilando e in eligendo, sendo que em inúmeros processos mencionei o que segue:

[...]

Afora os casos acima mencionados, tenho afastado a responsabilização dos servidores subalternos em diversos precedentes. Todavia, o presente caso cuida de certa particularidade. Além do ordenador de despesas, o ato tido como irregular teve participação direta do então Procurador Jurídico, Sr. Pedro Jonas Martins, fls. 182/183 e dos Srs. Carlos Alberto Fernandes Júnior, designado à época para responder pela Diretoria de Trânsito (fls. 193/197) e Luiz Carlos Domo, responsável por assinar a minuta da dispensa (fls. 225/231), conforme acima mencionado. Todos os servidores possuíam ciência acerca da proibição de contratar sob risco e ainda assim orientaram a administração a manter o seu posicionamento jurídico. O primeiro nem ao menos mencionou no parecer a polêmica situação jurídica envolvendo a questão.

Convém, por último, assinalar que o fato da jurisprudência ressalvar a responsabilização do advogado parecerista que emite parecer opinativo, como assentado pela defesa, não constitui excludente de ilicitude para todo e qualquer caso. Sua responsabilidade fica, sim, configurada quando comprovada a atuação desidiosa, a prestação de informações tecnicamente inapropriadas ou a omissão de informações relevantes (dentro de um contexto que tangencia os indícios de má-fé).

[...]

Conforme já dito inicialmente, esta Corte de Contas, nos autos do Processo ECO 06/00530035, já havia arguido a ilegalidade do Edital lançado no ano de 2006, por ali está previsto a forma de pagamento em percentual sobre as multas aplicadas, sendo no ano seguinte elaborado o parecer jurídico sem qualquer menção à irregularidade mencionada.

[...] (Grifos meus)

 

Resta assente que, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, a responsabilidade do advogado parecerista desponta nas seguintes situações: atuação desidiosa, prestação de informações tecnicamente inapropriadas ou omissão de informações relevantes (dentro de um contexto que tangencia os indícios de má-fé).

Neste diapasão, reproduzo o conteúdo constante do parecer jurídico confeccionado pelo Sr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho, no afã de cotejá-lo com a jurisprudência do TCE/SC:[10]

 

Nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei Nr. 8.666/93 e suas alterações posteriores, examinamos os termos e documentos referentes a [à] abertura do presente processo licitatório.

A abertura desta licitação, assim como a lavratura dos documentos preliminares, obedeceu o determinado pela referida legislação.

Pelo preenchimento dos requisitos legais, aprovamos a abertura e os termos do presente, opinando pelo prosseguimento deste processo licitatório, em seus demais tramites legais.

 

Resta flagrante que o parecer jurídico que deu sustentáculo ao Pregão Presencial nº 52/2013, com vistas à aquisição de conjunto móvel de britagem primária, é por demais genérico, condição que impossibilita ao gestor estabelecer juízo de valor sobre o tema objeto da apreciação jurídica.

Por ser o parecer jurídico ato opinativo, deve ele trazer consigo elementos mínimos que possuam o condão de ilustrar, de forma razoável, os fundamentos técnico-jurídicos que conduziram o advogado parecerista a externar sua opinião de forma “A” ou “B”.

No caso, nítido que o parecer não serviu à finalidade a que deveria se prestar, considerando que não ingressou no mérito propriamente dito da questão objeto de exame, tampouco contemplou os contornos legais e possíveis controvérsias sob o prisma da concretude fática.

Imperioso salientar que, no cumprimento do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, não é permitido que o advogado parecerista, opinando sobre determinado tema afeto às ciências jurídicas, simplesmente registre seu derradeiro posicionamento, desacompanhado dos dispositivos legais e normativos que ao caso seriam aplicáveis, bem como do entendimento jurisprudencial e do lastro doutrinário que o fez alcançar determinada conclusão.

Validando o exposto, os ensinamentos de Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto Dotti:[11]

 

A manifestação produzida pela assessoria jurídica, na forma estatuída pelo parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93, é obrigatória, mas não vinculativa, para o gestor público, que pode dela discordar, desde que apresente as razões de fato e de direito que lhe deem sustentação.

[...]

Produzir manifestação jurídica insuficiente, ou seja, sem fundamentação, ou só com menção de que a minuta examinada não é compatível com a legalidade, seguindo-se da orientação para que o gestor público a reformule segundo a lei de regência, enseja a responsabilização administrativa do assessor jurídico, por violação ao princípio da motivação. (Grifos meus)

 

Avançam os autores afiançando o seguinte:[12]

 

O pronunciamento jurídico deve ser fundamentado, ou seja, a questão (seja sobre licitação ou contratação direta, ou quando da análise e aprovação de minutas de editais, contratos, convênios e outros ajustes) deve ser examinada à luz dos princípios administrativos, do ordenamento normativo vigente, da jurisprudência dos Tribunais judiciais e de contas, bem como da doutrina jurídica. Não basta à assessoria manifestar-se no sentido de que o ato administrativo, o documento ou o dispositivo constante no edital e seus anexos ou no instrumento que formaliza o convênio não encontra respaldo no ordenamento normativo e, portanto, deve ser excluído e anulado. Também não é suficiente a simples menção de que é (ou não) compatível com a legislação ou com normas de inferior hierarquia. É preciso enunciar os motivos (conjunto das razões de fato e de direito) do entendimento. (Grifos meus)

 

Logo, diante da ausência de fundamentação no parecer, a responsabilidade do advogado restaria assinalada.

No entanto, por mais simplório que desponte o parecer jurídico em ênfase, não vejo indícios de má-fé na atuação do advogado encarregado pela sua elaboração, circunstância que, a meu ver, obsta sancioná-lo.

Isso porque a jurisprudência sedimentada por este Tribunal revela que a disposição de espírito é elemento indispensável à responsabilização do advogado parecerista.

Desacertos jurídicos e/ou falhas de interpretação de leis/atos normativos não se mostram suficientemente hábeis a macular a atuação do advogado.

É preciso mais, que os vícios estejam acompanhados de elementos indiciários que possuam o condão de ilustrar que, quando da confecção do expediente opinativo, encontrava-se o parecerista imbuído de má-fé.

No caso, restaria evidenciada mácula no parecer na hipótese de pairarem suspeitas quanto à satisfação de interesses e/ou obtenção de vantagens.

Todavia, tal hipótese não encontra amparo nos elementos probatórios constantes dos autos.

Assim, lastreado nas informações carreadas aos autos, opino inexistirem indícios de má-fé na condução jurídica do Pregão Presencial nº 52/2013, requisito necessário à responsabilidade do advogado parecerista, conforme inteligência jurisprudencial pacificada no âmbito deste Tribunal de Contas.

Há que se enfatizar que o parecer jurídico é ato opinativo, de modo que não vincula a decisão do gestor.

Dessa feita, não me parece que o caso seja para sanção pecuniária ao advogado parecerista.

Por outro lado, vislumbro a necessidade de recomendação ao prefeito e à assessoria jurídica de TAIÓ que, em certames licitatórios, atentem para a necessidade de que os pareceres jurídicos sejam devidamente fundamentados, à luz dos princípios administrativos, das normas vigentes e da jurisprudência calcada pelos Tribunais, enunciando os motivos que conduziram à opinião sobre determinado tema afeto às ciências jurídicas, de forma a atender o disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.

 

3 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000 c/c art. 214, § 1º, da Resolução nº TCE-6/2001 (Regimento Interno), manifesta-se pela adoção das conclusões do Relatório nº DLC-584/2015, SALVO com relação à RESPONSABILIZAÇÃO do ADVOGADO PARECERISTA, nos termos deste parecer; acrescentando RECOMENDAÇÃO ao prefeito e à assessoria jurídica de TAIÓ que, em certames licitatórios, atentem para a necessidade de que os pareceres jurídicos sejam devidamente fundamentados, à luz dos princípios administrativos, das normas vigentes e da jurisprudência calcada pelos Tribunais, enunciando os motivos que conduziram à opinião sobre determinado tema afeto às ciências jurídicas, de forma a atender o disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.

Florianópolis, 21 de setembro de 2016.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Pareceres MPTC nºs 34782/2015, 36529/2015, 39758/2016 e 43378/2016, estabelecidos à altura das fls. 234/235 (Volume I), fl. 854 (Volume III), 1127/1155 (Volume III) e 1211/1216-v (Volume III), respectivamente.

[2] Relatórios DLC nºs 252/2015, 386/2015, 584/2015 e 61/2016, estabelecidos à altura das fls. 229/233-v (Volume I), 834/852 (Volume III), 1109/1125-v (Volume III) e 1192/1209 (Volume III), respectivamente.

[3] Voto nº GAC/WWD-630/2016 (fls. 1217/1224).

[4] Na Sessão de 5-9-2016.

[5] Art. 214 - Qualquer Conselheiro poderá pedir vista do processo, passando a funcionar como Revisor, observado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 80 deste Regimento.

§ 1º É facultado ao Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas pedir vista do processo na fase da discussão, observado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 80 deste Regimento.

[...] (Grifo meu)

[6] Vide fl. 1215 (Volume III).

[7] V.g., processo nº REC-09/00158352.

[8] Que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.

[9] Trecho do voto exarado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, relator do processo n° RLA-10/00292484, datado de 17-6-2013. Disponível em: <file:///C:/PROG-TCE/Processos/RepoEletronico/2013/1000292484/3862404.htm>. Acesso em: 8-9-2016.

[10] Fl. 304 (Volume I).

[11] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação. São Paulo: NDJ, 2012. p. 138.

[12] Ibidem, p. 144.