Parecer nº: |
MPC/43.224/2016 |
Processo nº: |
TCE
12/00111238 |
Origem: |
Fundo
Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE |
Assunto: |
Tomada
de Contas Especial instaurada na SOL, em face de supostas irregularidades na
prestação de contas de recursos repassados ao Moto Clube Sorocaba - Projeto
Memória Itinerante (NE 542/2008 - R$ 80.000,00) |
Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada
internamente pela Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com
vistas a apurar irregularidades relacionadas à transferência de recursos
públicos ao Moto Clube Sorocaba, no valor de R$ 80.000,00.
O caderno processual iniciou-se através dos
documentos encaminhados pela Unidade Gestora (fls. 02-286).
Posteriormente, a Diretoria de Controle da
Administração Estadual realizou diversas diligências, no intento de esclarecer
melhor a conjunta fática.
À fl. 394, o Relator despachou no feito, a
fim de submeter os autos à Presidência do TCE/SC para que fosse avaliada a
necessidade de comunicação dos fatos apurados neste caderno processual ao
Ministério Público Estadual, ante a constatação de crimes de natureza pública
incondicionada.
Após, o Gabinete da Presidência da Corte de
Contas catarinense encaminhou ofício ao Procurador-Geral de Justiça do
Ministério Público do Estado de Santa Catarina com cópia dos autos.
Na sequência, o Sr. Gilmar Knaesel, antes de
receber o ato citatório, protocolizou no caderno processual uma peça denominada
“ação de arguição de prescrição administrativa” (fls. 471-500).
Analisando os autos, a Diretoria de Controle
da Administração Estadual, sob o relatório técnico nº 0161/2015, averiguou
diversas irregularidades no processo de concessão de recursos públicos e no
processo de prestação de contas, razão pela qual definiu a responsabilidade e
sugeriu a citação dos responsáveis (fls. 501-525).
Determinada a realização do ato processual
(fl. 526), o Sr. Gilmar Knaesel apresentou razões de defesa às fls. 543-569, o
Sr. Leandro Laércio de Souza conjuntamente com Moto Clube Sorocaba às fls.
571-586 e o Sr. Décio José Feltz às fls. 599-606.
Por fim, sobreveio novo relatório técnico,
sob o nº 0128/2016, com a seguinte conclusão (fls. 641-674):
3.1 Julgar irregulares, com imputação de
débito,
na forma do art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, as contas de
recursos repassados ao Moto Clube
Sorocaba, no montante de R$
80.000,00 (oitenta mil reais), referentes à Nota de Empenho nº 542/2008,
paga em 22/09/2008, discriminada na Tabela 1 do item 1, de acordo com os
relatórios emitidos nos autos.
3.2 Condenar solidariamente, nos termos do art.
18, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o Sr. Leandro Laércio de Souza, Presidente do Moto Clube Sorocaba,
inscrito no CPF nº 043.334.609-48, residente na Rua José Francisco Goulart nº
92, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; a pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, inscrita no CNPJ nº 09.159.227/0001-59,
estabelecida na Rua José Francisco Goulart nº 92, bairro Rio Caveiras, Praia
João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; o Sr. Gilmar Knaesel, inscrito no CPF nº 341.808.509-15, ex-Secretário de
Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com endereço profissional na Rua Jorge
Luz Fontes nº 310, Gabinete 204, bairro Centro, Florianópolis/SC, CEP
88.020-900; a Sra. Nair Cristina de
Abreu, inscrita no CPF nº 051.965.849-35, residente na Rua José Francisco
Goulart nº 95, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP
88.160-000; a Sra. Nair Ferreira Abreu,
inscrita no CPF nº 730.124.409-68, residente na Rua José Francisco Goulart nº
78, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, inscrita
no CPF nº 833.62.299-49, residente na Rua Santo André nº 639, bairro Flor de
Nápolis, São José/SC, CEP 88.160-400; e a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, inscrita no CPF nº
649.486.769-34, residente na Rua José Francisco Goulart nº 101, bairro Rio
Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000, ao recolhimento da
quantia de R$ 80.000,00 (oitenta mil
reais), fixando-lhes prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do
Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal (DOTC-e), para comprovar
perante esta Corte de Contas o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do
Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44
da Lei Complementar nº 202/2000), partir de 22/09/2008 (data do repasse), sem o
que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, para que adote providências à
efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II da Lei Complementar
nº 202/2000), em razão da não comprovação da boa e regular aplicação dos
recursos públicos, contrariando o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual
nº 381/2007 e o art. 49 da Resolução TC nº 16/1994, conforme segue:
3.2.1 De responsabilidade solidária do Sr. Leandro Laércio de Souza e da pessoa
jurídica Moto Clube Sorocaba, já qualificados, sem prejuízo
da aplicação da multa prevista no
art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em face da:
3.2.1.1 ausência de
comprovação material da efetiva realização do objeto proposto, ante a ausência
de elementos de suporte que demonstrem cabalmente em que especificamente foram
aplicados os recursos públicos repassados, no importe de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), descumprindo o art. 9º da Lei
Estadual nº 5.867/1981, o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº
381/2007, os arts. 49 e 52, incisos II e III da Resolução TC nº 16/1994, o art.
70, IX, X e XXI do Decreto Estadual nº 1.291/2008 e os arts. 17 e 20, inciso I
do Decreto Estadual nº 307/2003 (subitem 2.3.1.1 deste Relatório);
3.2.1.2 ausência da
comprovação material do efetivo fornecimento e da prestação dos serviços, em
função da inexistência de outros documentos de suporte e aliada a descrição
insuficiente nos comprovantes de despesas, no montante de R$ 80.000,00 (oitenta
mil reais), mesmo valor tratado no item 3.2.1.1 desta
conclusão, em afronta ao disposto no art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, no art. 144,
§ 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, o art. 70, IX, X e XXI e § 1º do
Decreto Estadual nº 1.291/2008 e nos arts. 49, 52, II e III, e 60, II e II,
todos da Resolução TC nº 16/1994 (subitem 2.3.1.2 deste Relatório);
3.2.1.3 apresentação de documento
de despesa simulada e cheque bancário forjado, caracterizando documentação
falsa para comprovar gastos com recursos públicos, no valor de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais), valor incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, não
demonstrando o bom e regular emprego dos recursos públicos, desrespeitando o
art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao art. 9º da Lei
Estadual nº 5.867/1981, os arts. 49, 52, incisos II e III, 58, parágrafo único
e 61, caput, todos da Resolução TC nº
16/1994 e o art. 70, VIII, XI e § 1º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, além de
ter concorrido para a ocorrência de possível crime tipificado nos arts. 298 e
299 da Lei Federal nº 7.209/1984 (subitem 2.3.1.3 deste Relatório);
3.2.1.4 não emissão de
cheques cruzados, em
desobediência ao art. 58, § 2º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, bem como o
art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 47, 49 e 52,
II e III da Resolução TC nº 16/1994, impossibilitando a aferição da boa e regular
aplicação dos recursos (subitem 2.3.1.4 deste Relatório); e
3.2.1.5 juntada de
declaração com assinaturas falsificadas, caracterizando documentação forjada
para solicitação de recursos públicos, no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), mesmo valor referido nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2, e parte deste trata-se do
item 3.2.1.3, todos desta conclusão, o que corroborou para a ocorrência do
dano, pois sem a mesma não teria obtido os recursos do Fundesporte, infringindo
art. 14 do Anexo V do Decreto Estadual nº 1.291/2008, o que veio a corroborar
para o dano ao erário, ante a não demonstração do bom e regular emprego dos
recursos públicos na prestação de contas, nos moldes do art. 144, § 1º da Lei
Complementar Estadual nº 381/2007 e dos arts. 49 e 52, incisos II e III, ambos
da Resolução TC nº 16/1994, além de terem concorrido para a ocorrência de crime
tipificado nos arts. 298 e 299 da Lei Federal nº 7.209/1984 (subitem 2.3.2.1
deste Relatório).
3.2.2 De responsabilidade solidária do
Sr. Gilmar Knaesel, já qualificado
nos autos, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no
valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, em face da:
3.2.2.1 aprovação do projeto
e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de parecer técnico e
orçamentário emitido pelo SEITEC, contrariando os arts. 11, I e 36, § 3º do
Decreto Estadual nº 1.291/2008, c/c a Lei Estadual nº 13.336/2005, o art. 37, caput da Constituição Federal e o art.
16, caput e § 5º da Constituição
Estadual (subitem 2.2.1.1 deste Relatório);
3.2.2.2 aprovação do projeto e repasse dos
recursos mesmo diante da ausência da demonstração formal do
enquadramento do projeto no PDIL, desrespeitando a Lei Estadual nº 13.792/2006,
c/c o art. 37, caput da Constituição Federal e o art.
16, caput e § 5º da Constituição
Estadual (subitem 2.2.1.2 deste Relatório);
3.2.2.3 aprovação do projeto e repasse dos
recursos mesmo diante da ausência de avaliação pelo Conselho Estadual de
Esporte, quanto ao julgamento do mérito do projeto apresentado pela proponente,
contrariando o previsto no art. 10, § 1º da Lei nº 13.336/2005, com redação
dada pela Lei nº 14.366/2008, e nos arts. 10 e 11 do Decreto Estadual nº
1.291/2008, bem como os princípios da legalidade, da moralidade e da
impessoalidade, dispostos no art. 37, caput
da Constituição Federal e a necessária motivação dos atos administrativos
prevista no art. 16, § 5º da Constituição Estadual (subitem 2.2.1.3 deste
Relatório); e
3.2.2.4 repasse dos recursos mesmo diante da ausência do termo de Contrato de Apoio
Financeiro, em desacordo com o disposto nos arts. 60 e 61, parágrafo único, c/c
o art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993, nos arts. 120 e 130 da Lei
Complementar Estadual nº 381/2007 e nos arts. 1º e 37, II do Decreto Estadual
nº 1.291/2008 (subitem 2.2.1.4 deste Relatório).
3.2.3 De
responsabilidade solidária da Sra. Nair
Cristina de Abreu, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no
valor de R$ 3.500,00 (três mil e
quinhentos reais), valor já incluído nos
itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de
numerário proveniente do erário, por suposto serviço de assessoria de imprensa,
motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art.
6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há
comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Nair é membro de
outra entidade que guarda estreita relação entre elas, pois membro de uma
presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do
Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no
art. 16, caput da Constituição do
Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts.
49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste
Relatório).
3.2.4 De
responsabilidade solidária da Sra. Nair
Ferreira Abreu, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, por irregularidade que corroborou para o débito do item 3.2, no valor
de R$ 2.000,00 (dois mil reais), valor já incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em
face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário
proveniente do erário, por suposto serviço de secretária, motivo pelo qual está
sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei
Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da realização dos
serviços, além de que, o Sra. Nair é membro de outra entidade que guarda
estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para outra,
ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº
1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no
art. 16, caput da Constituição do
Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts.
49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste
Relatório).
3.2.5 De
responsabilidade solidária da Sra. Lilian
Cristina de Oliveira, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no
valor de R$ 6.800,00 (seis mil e
oitocentos reais), valor já incluído nos
itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de
numerário proveniente do erário, por suposto serviço de palestrante, motivo pelo
qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I
e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da
realização dos serviços, além de que, o Sra. Lilian é membro de outra entidade
que guarda estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para
outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº
1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no
art. 16, caput da Constituição do
Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e
regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts.
49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste
Relatório).
3.2.6 De
responsabilidade solidária da Sra.
Maria de Fátima Goulart da Silva, já
qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei
Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do
item 3.2, no valor de R$ 3.500,00 (três
mil e quinhentos reais), valor já
incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2
desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa
e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de
coordenação geral, motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal,
nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
pois não há comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Maria
de Fátima é membro de outras entidades que guardam estreita relação entre elas,
pois membro de uma presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em
ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência
previstos no
art. 37, caput da Constituição
Federal/1988 e no art. 16, caput da
Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação
da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar
Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994
(subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste Relatório).
3.3 Declarar o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto
Clube Sorocaba, já qualificados, impedidos de receber novos recursos
do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 16,
§ 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c o art. 1º, § 2º, inciso I, alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012 e o art. 61 do Decreto
Estadual nº 1.309/2012.
3.4 Dar ciência do Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o
fundamenta ao Sr. Gilmar Knaesel, ao
Sr. Leandro Laércio de Souza, à
entidade Moto Clube Sorocaba, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, a
Sra. Nair Ferreira Abreu, a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, ao Sr. Décio José Feltz e à Secretaria
de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL).
3.5 Dar
conhecimento do presente Relatório de Instrução, assim como do Acórdão, do
Relatório e Voto do Relator ao Ministério
Público do Estado de Santa Catarina, visando à instrução dos Inquéritos
Civis nºs 06.2014.00006728-0 e/ou 06.2014.00006736-8, ambos em curso na 27ª
Promotoria de Justiça da Comarca da Capital – Defesa da Moralidade
Administrativa.
É o relatório.
1.
Considerações iniciais
Ressalte-se, inicialmente, que a Secretaria
de Estado de Turismo, Cultura e Esporte repassou, em 11.09.2008, à entidade Moto
Clube Sorocaba o valor de R$ 80.000,00, com vistas à execução do projeto
denominado “Memória Itinerante”.
Com efeito, cabe aqui mencionar que, nos
termos do plano de trabalho, o projeto tinha como finalidade a realização de
palestras educativas a crianças e adolescentes de 07 a 16 anos de idade da rede
pública de ensino, em entidades sem fins lucrativos e em comunidades carentes,
tendo como tema “como o esporte pode propiciar uma melhor qualidade de vida e
como ele pode afastar dos vícios indesejáveis”.
Faz-se oportuno comentar que deveriam ser
realizadas 50 palestras nas cidades de Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis,
Governador Celso Ramos e São José, com uma expectativa de público de 5.000
crianças e jovens carentes.
Para a execução de tal projeto, previram-se
as seguintes despesas (fl. 13):
Descrição |
Quant. |
Valor Unitário |
Valor Total |
Aluguel de veículo (diária) |
40 |
R$ 80,00 |
R$ 3.200,00 |
Secretária |
01 |
R$ 2.000,00 |
R$ 2.000,00 |
Coordenador Geral |
01 |
R$ 3.500,00 |
R$ 3.500,00 |
Assessoria de Imprensa |
01 |
R$ 3.500,00 |
R$ 3.500,00 |
Cartazes |
500 |
R$ 2,50 |
R$ 1.250,00 |
Mini-banners |
25 |
R$ 50,00 |
R$ 1.250,00 |
Folders |
1.000 |
R$ 1,30 |
R$ 1.300,00 |
Cartilhas/Apostilas |
5.000 |
R$ 6,00 |
R$ 30.000,00 |
Cachê para palestrantes |
05 |
R$ 6.800,00 |
R$ 34.000,00 |
Total |
R$ 80.000,00 |
À vista dessas informações iniciais, sublinhe-se
que o caso trazido à baila demanda uma atenção especial, pois há flagrantes
indícios de crime nos autos, o que gerou, inclusive, a instauração do inquérito
civil nº
06.2014.000006736-8 pelo Ministério
Público do Estado de Santa Catarina.
Ao encontro disso, afigura-se oportuno
asseverar que os repasses de verbas públicas efetuados à entidade Moto Clube
Sorocaba foram considerados fraudulentos pelo Ministério Público estadual e, em
sede sumária, pelo Poder Judiciário, o que culminou na prisão preventiva de
diversos envolvidos no esquema, dentre eles o ex-Secretário de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte – Sr. Gilmar Knaesel[1]
– e o Sr. Leandro Laércio de Souza – Presidente da entidade Moto Clube Sorocaba[2].
É importante consignar, outrossim, a
existência de estreita relação entre algumas entidades recebedoras de recursos
públicos e seus respectivos representantes.
Para corroborar, anote-se que o Sr. Leandro
Laércio de Souza era presidente da Associação Cultural, Esportiva e Musical do
Município de Biguaçu, do Moto Clube Sorocaba, do Instituto de Fomento e
Desenvolvimento do Turismo Catarinense e, ainda, membro do Conselho Fiscal da
Sociedade Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São.
Já o Sr. Edício Gambeta era Presidente da Sociedade
Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São e Primeiro Secretário do Instituto
de Fomento e Desenvolvimento do Turismo Catarinense.
A Sra. Nair Ferreira de Abreu, por sua vez,
era membro do Conselho Fiscal da Associação Cultural, Esportiva e Musical do
Município de Biguaçu e da Sociedade Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São
e, também, Segunda Tesoureira do Instituto de Fomento e Desenvolvimento do
Turismo Catarinense.
Ainda, restou constatado ao longo do caderno
processual que houve falsificação das assinaturas dos membros da diretoria da
entidade Moto Clube Sorocaba na declaração de fls. 30-31, o que confirma o grande
esquema fraudulento avistado nestes autos.
Presente esse contexto, cumpre salientar que
foram constatadas as seguintes irregularidades no processo de concessão de
recursos públicos: a) ausência de parecer técnico e orçamentário emitido pelo
SEITEC; b) ausência da demonstração do enquadramento do projeto aprovado no
PDIL; c) ausência de julgamento do projeto pelo Conselho Estadual de Esporte;
d) ausência do Contrato de Apoio Financeiro e da publicação do resumo do
contrato.
Já no processo de prestação de contas
constatou-se a ausência de comprovação da boa e da regular aplicação dos
recursos públicos, o que ficou evidenciado diante dos seguintes apontamentos
restritivos: a) apresentação de documento
contendo assinaturas falsificadas; b)
ausência de comprovação da realização do projeto proposto; c) ausência de
comprovação da efetiva prestação dos serviços; d) apresentação de documentos de
despesa e cheque inidôneos; e) emissão de cheques não cruzados.
Feitos esses comentários, passa-se à análise
da prejudicial de mérito arguida pelo Sr. Gilmar Knaesel e, após, ao exame das
irregularidades apuradas nos autos.
2.
Da prejudicial de mérito da prescrição
Cabe
ter presente, em primeiro lugar, que o Sr. Gilmar Knaesel arguiu a prejudicial
de mérito da prescrição, no intento de afastar a sua responsabilização neste
caderno processual.
Para
o ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, o caso trazido à baila
deveria ter sido julgado em até cinco anos, a contar da data do repasse dos
recursos públicos - 11.09.2008.
Na
esteira do raciocínio formulado pelo gestor, ter-se-ia, portanto, até o ano de
2013 para a análise das contas e eventual imputação de débito.
Como
se pode notar, sem razão a tese lançada.
Com
efeito, sabe-se que a matéria aqui ventilada - prescrição - já foi objeto de
muita discussão, mas, atualmente, não gera quaisquer dúvidas no âmbito do
TCE/SC.
Seguindo
a orientação formulada pelo Supremo Tribunal Federal, a Corte de Contas
catarinense, em diversas ocasiões, já assinalou que o dano ao erário é
imprescritível, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição da República[3].
Para
corroborar, anote-se a ementa do voto proferido pelo Conselheiro Substituto
Cleber Muniz Gavi:
RECURSO
DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECER. NÃO-PROVER.
Prescrição.
Tribunal de Contas.
A
hipótese de ressarcimento de prejuízo causado ao erário não se submete ao
instituto da prescrição, consoante determina a parte final do § 5º do art. 37
da Constituição Federal.
Tribunal
de Contas. Procedimentos instaurados pelo Ministério Público Estadual
O
dever-poder conferido pelo texto constitucional aos Tribunais de Contas não
está jungido aos procedimentos investigatórios instaurados pelo Ministério
Público Estadual.
Matéria de Fato. Prova.
A defesa
baseada em matéria de fato deve estar acompanhada de prova idônea[4].
Por
outra banda, reconheço, notadamente, a existência da Lei Complementar Estadual
nº 588/2013 (de questionável constitucionalidade por vício de iniciativa), a
qual versa sobre a prescrição intercorrente.
Contudo,
é importante rememorar que, nos termos da Resolução nº TC 100/2014, a Lei
Complementar Estadual nº 588/2013 não deve ser empregada quando constatada a
ocorrência de dano ao erário, senão vejamos:
Art. 3° A aplicação
do art. 24-A da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 será afastada nas
seguintes hipóteses:
I - incidência do art. 37, §5°, da Constituição Federal
nos processos em que for caracterizado dano ao erário, conforme dispõem os
arts. 15, §3°, 18, inciso lll e §2°, e 32 da Lei Complementar (estadual) n.
202/2000;
II - apreciação de
processo de atos para fins de registro, de que trata o inciso III do art. 59 da
Constituição do Estado. (Grifou-se)
A
par disso, cumpre assinalar que as irregularidades vislumbradas no presente
caso são ensejadoras de imposição de débito, em razão do dano causado ao
erário, e, ainda, aplicação de multa, ante a violação de dispositivos legais.
É
necessário, portanto, fazer a subsunção do fato à norma, a fim de verificar se
ocorreu a prescrição das irregularidades passíveis de multa.
Nesse
contexto, convém anotar o conteúdo normativo da Lei Complementar Estadual nº
588/2013:
Art.
24-A É de 5 (cinco) anos o prazo para análise e julgamento de todos os
processos administrativos relativos a administradores e demais responsáveis a
que se refere o art. 1º desta Lei Complementar e a publicação de decisão
definitiva por parte do Tribunal, observado o disposto no § 2º deste
artigo.
§
1º Findo o prazo previsto no caput
deste artigo, o processo será considerado extinto, sem julgamento do mérito,
com a baixa automática da responsabilidade do administrador ou responsável,
encaminhando-se os autos ao Corregedor-Geral do Tribunal de Contas, para apurar
eventual responsabilidade.
§
2º O prazo previsto no caput
deste artigo será contado a partir da data de citação do administrador ou
responsável pelos atos administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou
extinção do mandato, considerando-se preferencial a data mais recente.” (NR)
Art.
2º O disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000,
aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da
seguinte forma:
I
- os processos instaurados há 5 (cinco) ou mais anos terão, a partir da
publicação desta Lei Complementar, o prazo de 2 (dois) anos para serem
analisados e julgados;
II
- os processos instaurados há pelo menos 4 (quatro) anos e menos de 5 (cinco)
anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 3 (três)
anos para serem analisados e julgados;
III
- os processos instaurados há pelo menos 3 (três) anos e menos de 4 (quatro)
anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 4
(quatro) anos para serem analisados e julgados; e
IV
- os processos instaurados há menos de 3 (três) anos terão, a partir da
publicação desta Lei Complementar, o prazo de 5 (cinco) anos para serem
analisados e julgados.
Para
uma melhor compreensão dos dispositivos citados acima, trago à colação os
ensinamentos do Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, o qual tratou, com
propriedade, sobre a aplicação da referida lei e sobre as regras de transição:
Atendo-se
à redação conferida ao dito art. 24-A da Lei Complementar n. 202/2000,
verifica-se que, dentre os dois marcos fixados para contagem dos prazos,
considera-se “... a data de citação
do administrador ou responsável pelos atos administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou
extinção do mandato, considerando-se preferencial a data
mais recente”.
Em consulta aos autos do processo PCA 07/00178910, verifico
que a responsável fora citada em data de 26.09.2011, conforme se comprova às
fls. 51 daquele caderno processual. Desta forma, tem-se que o prazo final para julgamento do
feito seria em 26 de novembro de 2016. Portanto, não há prejuízo ao julgamento do feito quanto a
este aspecto. E na concepção deste subscritor, neste ponto se encerra a
questão.
Inevitável, entretanto, o surgimento de interpelações
suscitando a disciplina do art. 2° da LC 588/2013. Assim, para correto
equacionamento da matéria, adito as razões pelo qual defendo sua
inaplicabilidade para esta hipótese.
O art. 2º da LC 588/2013 trata das regras de transição,
aplicáveis aos processos que, face à novidade da norma, poderiam ser arquivados
sem que o Tribunal de Contas tivesse tempo oportuno para adaptação à nova
disciplina de temporalidade processual. Desta forma, se a regra geral do novo
art. 24-A não vier a prejudicar a atuação desta Corte Administrativa em curto
prazo (como é o caso), não se justifica o uso da regra transitória.
Para maior aprofundamento da questão, atente-se para o fato
de que o art. 2°
expressamente se
reporta ao disposto no art. 24-A e menciona que
sua aplicabilidade dar-se-á no que
couber. (“Art. 2º O disposto no
art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000,
aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da
seguinte forma:”). Cabe também
enfatizar que os marcos temporais são totalmente distintos num e noutro artigo:
um faz uso da data da citação ou término do exercício do cargo ou mandato
(regra geral); outro, menciona a data da instauração do processo (regra
transitória).
Então, vale repisar, a disciplina do art. 2° só será útil e
aplicável quando o imediato alcance do art. 24-A inviabilizar o julgamento de
processos mais antigos.
Para melhor esclarecimento, tratemos dos seguintes
exemplos:
1) Suponha-se que na data de publicação da lei (15.01.2013)
fosse identificado um processo no qual, há 05 anos ou mais, foi efetuada a
citação da parte responsável e findou o exercício do seu cargo ou mandato.
Neste caso, a disciplina do recém-criado art. 24-A impediria, desde logo, a
emissão de julgamento. O art. 2° surge, então, como norma de transição para
assegurar que por mais 02 anos (atenuando os efeitos inovadores da lei) possa o
Tribunal de Contas prosseguir na instrução e julgamento do feito, conforme o
seguinte texto:
[...]
2) Suponha-se, agora, que tenha sido identificado um processo
que, embora instaurado há mais de 05 anos, não tenha se amoldado completamente
ao marco temporal do art. 1°. Cogite-se, por exemplo, que a citação neste
processo tenha sido efetuada em ocasião mais recente, menos de 02 anos; ou que
o exercício do cargo ou do mandato tenha se encerrado neste mesmo prazo. Para
tal hipótese, não se faz necessário o uso da norma de transição, já que a regra
geral ainda permitirá a atuação do Tribunal de Contas, conforme a redação do
§2° do art. 24-A: “O prazo previsto no ‘caput’ deste artigo será contado a
partir da data de citação do administrador ou responsável pelos atos
administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou extinção do mandato,
considerando-se preferencial a data mais recente.” (ou seja, não importa se
o processo em si tem mais de 05 anos).
Todos os incisos do art. 2° da LC n. 588/2013 seguem a
mesma lógica, qual seja: só possuem aplicabilidade nos casos em que a pronta
aplicação da regra geral do art. 24-A obstar a análise de mérito dos processos
em trâmite no Tribunal de Contas, de acordo com os prazos ali mencionados. Caso
contrário, a disciplina ad futurum deste último
basta por si só (art. 24-A).
Cabe explicitar que esta é a única interpretação lógica
possível, considerando-se a redação que foi dada ao art. 2° e a regra
hermenêutica de que a lei não contém palavras inúteis. Tamanha engenhosidade
seria dispensada caso o legislador apenas tivesse preceituado que “os processos
em curso no Tribunal de Contas observaram a seguinte disciplina: (...)”. Entretanto,
por meio de redação de alcance e aplicabilidade bem mais complexa, prescreveu
que “o disposto no art. 24-A da Lei
Complementar nº 202, de 2000 aplica-se, no que couber, aos
processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma: (...)”.
Tal linha interpretativa também evitará incoerências
futuras, traduzidas no fato de que os jurisdicionados com processos mais
recentes não usufruiriam dos mesmos benefícios concedidos àqueles cujos
processos foram autuados em data anterior a publicação da LC n. 588/2013.
Para melhor didática, vamos recorrer a outro exemplo: a
análise mais simplista do art. 2º da LC n. 588/2013 (com a qual não
concordamos) nos induziria a pensar que todos os processos anteriores a
15.01.2013 teriam 05 anos, no máximo, para serem julgados, independentemente da
disciplina do art. 24-A. Mas então se questiona: qual será o tratamento dado
aos processos instaurados após a publicação da lei?
Se o marco temporal do art. 24-A da Lei Orgânica (regra
geral para contagem dos cinco anos) é constituído apenas pela data da citação
ou do término do exercício do cargo ou função, é bem possível que um processo
futuro tenha mais de 15 anos e ainda assim esteja em condições de ser julgado.
Basta, por exemplo, que a citação tenha ocorridos nos últimos dois anos. Neste
caso, não haveria uma incoerência normativa? Os jurisdicionados submetidos à
regra de transição não teriam obtido um tratamento privilegiado,
considerando-se a regra geral que passa a vigorar? Não se estaria adotando
referências totalmente distintas para determinar o arquivamento dos processos,
ou seja, para aqueles autuados até 15.01.2013 a referência seria a data da
autuação (mais favorável), enquanto para os posteriores, a data da citação ou
término do exercício do cargo ou mandato?
Por certo, a linha interpretativa que preserva a coerência,
evita a distinção entre situações jurídicas idênticas e reverencia o caráter
perene das disposições normativas, constitui o melhor norte a ser seguido. Não
é demais lembrar que uma norma de transição se presta a flexibilizar eventuais
rupturas decorrentes de uma nova regra jurídica. Mas se a interpretação do seu
alcance conduz a criação de regra totalmente distinta da norma principal e com
ela não compatível, impõe-se a revisão do processo interpretativo, com o escopo
de conciliar a norma de transição com a nova disciplina geral que fundamentou
sua existência.
[...]
Reconhece-se não haver obviedades no raciocínio ora
adotado. Mas é importante advertir que a lei da qual estamos tratando por si só
representa um grande desafio à lógica. Um artigo subsidia a aplicação do outro,
mas se valendo de referência que, a princípio, os tornaria inconciliáveis. E há
diversas outras peculiaridades da norma colocando à prova a flexibilidade do
intérprete, sem caber a este voto o esgotamento da matéria. O que deve ficar
claro é que qualquer tentativa de compreensão demandará múltiplas leituras, um
olhar clínico sobre todos os termos da lei e, sobretudo, redobrado esforço para
lhes emprestar um sentido e coerência. (Grifos no original)
Em
exame ao prazo prescricional previsto na Lei nº 588/2013, pode-se concluir que
as irregularidades passíveis de multa não estão prescritas, uma vez que o Sr.
Gilmar Knaesel foi citado em 1º de dezembro de 2015, ou seja, há menos de um
ano.
Logo,
a prejudicial de mérito arguida deve ser afastada, uma vez que o argumento
levantado é insuscetível de obstar a análise de mérito neste feito.
3. Do processo de
concessão de recursos públicos
3.1.
Ausência de parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC
Destaque-se,
neste ponto, que o processo de concessão de recursos públicos deve passar por
diversas análises até a emissão da decisão final, o que inclui um exame
técnico, jurídico e orçamentário.
Para
corroborar a assertiva acima, anote-se a previsão constante no Decreto Estadual
nº 1.291/2008:
Art. 36.
Os projetos de cunho cultural, turístico e esportivo, de âmbito estadual ou regional, deverão obrigatoriamente
ser apresentados nas Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional do
domicílio do proponente, juntamente com a documentação necessária, e submetidos
à apreciação do Conselho de Desenvolvimento Regional.
[...]
§ 3° -
Todo projeto proposto deverá ser instruído jurídica e administrativamente pelas
Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional e pela Diretoria do SEITEC,
no caso dos projetos prioritários e especiais, devendo ser solicitados todos os pareceres jurídicos, técnicos e orçamentários que se fizerem
necessários para instruir o julgamento dos Conselhos e Comitês Gestores.
A
par disso, impõe-se consignar que os pareceres jurídicos, técnicos e
orçamentários são de fundamental importância, pois auxiliam na análise do
projeto e contribuem, evidentemente, no julgamento do projeto pelos Conselhos e
Comitês Gestores.
No
caso em tela, constata-se a inexistência do parecer técnico-orçamentário, o que
demonstra que o projeto denominado “Memória Itinerante” foi aprovado sem que
houvesse a análise adequada por parte do órgão responsável.
Em
sua contestação, o Sr. Gilmar Knaesel não traz elementos que atenuem a sua
responsabilidade, tampouco apresenta justificativas que rechacem o apontamento
restritivo, o que pode ser ratificado a partir do seguinte excerto extraído da
defesa (fl. 561):
Cabem algumas
considerações de suma importância para aclaramento da restrição apontada. Somente
nos relatórios de instrução mais recentes é que começou a ser apontada a
ausência de parecer técnico orçamentário como uma falha passível de aplicação
de sanção.
A ausência de parecer
técnico orçamentário ocorreu em todos os processos de concessão de incentivos
através dos fundos do sistema SEITEC, pelo simples fato de que, por se tratar
de recursos oriundos de renúncia de tributos, e sem quantificação prévia, todos
os recursos eram classificados numa fonte de despesa que recebeu o código 62.
Talvez tenha passado
desapercebido pelos analistas do TCE, que os projetos dependiam, num primeiro
momento da captação de recursos por parte dos proponentes e após, da
disponibilidade apresentada pela Secretaria da Fazenda, a cada quinzena, do
quanto de receita poderia ser utilizada para os projetos incentivados.
O empenhamento
dependia até o último momento da liberação de quanto poderia ser pago para
aquele projeto. Este é um dos principais motivos porque ocorriam tantas
alterações nos valores aprovados. O orçamento dos fundos era global e,
empenhado de acordo com as disponibilidades financeiras.
Como
se pode perceber, os argumentos acima invocados não têm o condão de afastar a irregularidade,
mormente porque o responsável assevera que a ausência do parecer técnico-orçamentário
ocorreu em todos os processos de concessão.
Dessa
feita, entende-se que deve haver a devida responsabilização do Sr. Gilmar
Knaesel, já que ignorou as normas aplicáveis à espécie.
3.2. Ausência da demonstração do enquadramento do projeto aprovado ao Plano
Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina –
PDIL
Sabe-se que a concessão de incentivos pela Secretaria de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte depende da adequação do projeto apresentado ao Plano
Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto[5].
Vale aqui mencionar que o Plano citado acima foi instituído pela
Lei Estadual nº 13.792/2006 e tem por finalidade estabelecer as
políticas, as diretrizes e os programas para a cultura, para o turismo e para o
desporto do Estado de Santa Catarina.
Nos
termos da referida norma, o plano, oriundo do processo de planejamento
descentralizado, possui ampla participação popular e tem por base a aplicação
dos seguintes critérios:
Art. 2º O
Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina
- PDIL, oriundo de processo de planejamento descentralizado, com ampla
participação popular, tem por base a aplicação dos seguintes critérios:
I - incentivo e
valorização de todas as formas de expressão cultural;
II - integração com
as políticas de comunicação, ecológica, educacional e de lazer;
III - proteção das
obras, objetos, documentos, monumentos naturais e outros bens de valor
histórico, artístico, científico e cultural;
IV - criação de
espaços e equipamentos públicos e privados, destinados a manifestações
artístico-culturais;
V - preservação da
identidade e da memória catarinense;
VI - concessão de
apoio administrativo, técnico e financeiro às entidades culturais municipais e
privadas, em especial à Academia Catarinense de Letras e ao Instituto Histórico
e Geográfico de Santa Catarina;
VII - concessão de
incentivos, nos termos da lei, para a produção e difusão de bens e valores
culturais, como forma de garantir a preservação das tradições e costumes das
etnias formadoras da sociedade catarinense;
VIII - integração das
ações governamentais no âmbito da cultura, esporte e turismo;
IX - abertura dos
equipamentos públicos para as atividades culturais;
X - criação de
espaços públicos equipados para a formação e difusão das expressões
artístico-culturais;
XI - autonomia das
entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e
funcionamento;
XII - destinação de
recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em
casos específicos, para o desporto de alto rendimento;
XIII - tratamento
diferenciado para o desporto profissional e não profissional;
XIV - proteção e
incentivo às manifestações desportivas de criação nacional;
XV - educação física
como disciplina de matrícula obrigatória;
XVI - fomento e
incentivo à pesquisa no campo da educação física;
XVII - promoção e
incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico;
XVIII - preservação,
recuperação e manutenção dos recursos naturais, artísticos e históricos do
Estado de Santa Catarina;
XIX - incentivo às
vocações turísticas locais que favoreçam o ingresso ou reingresso das pessoas
na vida econômica pela criação de emprego e renda;
XX - incentivo e
apoio ao desenvolvimento de sistemas produtivos locais na direção de uma maior
agregação de valor, com a incorporação de novas tecnologias, cultura, design e conhecimento;
XXI - incentivo à
integração da cultura, turismo e esporte;
XXII - promoção
turística do Estado de Santa Catarina de forma regional; e
XXIII - promoção e
incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento econômico e social, de
divulgação, de valorização e preservação do patrimônio cultural e natural,
respeitando as peculiaridades locais, coibindo a desagregação das comunidades
envolvidas e assegurando o respeito ao meio ambiente e à cultura das
localidades exploradas, estimulando sua auto-sustentabilidade.
À
vista dessa prescrição normativa, percebe-se o quão importante é a adequação do
projeto proposto ao PDIL, o que foi ignorado no processo de concessão ora
examinado.
Para
afastar o apontamento, o Sr. Gilmar Knaesel alega que há uma interpretação
equivocada da Lei Estadual nº 13.792/2006, pois, no seu entender, não é
necessário um parecer formal de enquadramento do projeto ao plano.
Contudo,
sem razão.
Cabe
rememorar, na oportunidade, que um dos requisitos do ato administrativo é a
forma, a qual exige, em regra, que o gestor exteriorize a sua vontade por
escrito.
Nota-se,
a propósito, que a forma é imprescindível à validade do ato, o que pode ser
corroborado através da lição do saudoso Hely Lopes Meirelles[6]:
O revestimento exteriorizado do ato administrativo
constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição, chamado de
Forma. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente,
quanto à vontade da Administração exige procedimentos especiais e forma legal
para que se expresse validamente. Daí podermos afirmar que, se, no Direito
Privado, a liberdade da forma do ato jurídico é regra, no Direito Público é
exceção. Todo ato administrativo é, em princípio, formal. E compreende-se essa
exigência, pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrasteado
com a lei e aferido, frequentemente, pela própria Administração e até pelo
judiciário, para verificação de sua validade.
Nessa
linha de raciocínio, far-se-ia necessário um documento formal que comprovasse
que houve o exame exigido pela legislação de regência.
Somado
a isso, lembra-se que o ato administrativo, de regra, requer motivação, de modo
a apontar os elementos de convicção daquele que emitiu determinado ato.
Diante
da ausência da demonstração do enquadramento do
projeto apresentado ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do
Estado de Santa Catarina – PDIL, manifesto-me pela responsabilização do Sr. Gilmar
Knaesel.
3.3. Ausência de julgamento do
projeto pelo Conselho Estadual de Esporte
Colhe-se
do caderno processual que não há qualquer manifestação do Conselho Estadual de Esporte
quanto ao mérito do projeto “Memória Itinerante” apresentado pela entidade Moto
Clube Sorocaba.
Cotejando a legislação que disciplina o assunto
(Decreto Estadual nº 1.291/2008), vislumbra-se que é de competência do Conselho
Estadual de Esporte a definição dos projetos a serem encaminhados ao Comitê
Gestor, senão vejamos:
Art. 19.
Aos Conselhos de Cultura, de Turismo e de Esporte caberá, nos termos da Lei nº 14.367, de 25 de janeiro de 2008, a
definição dos projetos a ser encaminhados aos Comitês Gestores para aprovação
dos financiamentos solicitados, em conformidade com as prioridades das
políticas públicas governamentais.
Parágrafo
único. Na seleção dos projetos os Conselhos Estaduais deverão observar, além do
mérito, a viabilidade orçamentária, a exeqüibilidade dos prazos propostos e as
credenciais do proponente comprovando sua capacitação para execução do projeto.
Ao encontro disso, verifica-se que compete ao
Comitê Gestor aprovar os editais e os projetos propostos, o que somente
ocorrerá após o julgamento de mérito pelo Conselho Estadual, nos seguintes
moldes:
Art. 9º A administração superior de cada Fundo
será exercida por um Comitê Gestor, órgão
executivo subordinado à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, e
será composto pelos seguintes membros:
[...]
§ 1º Os Comitês Gestores tomarão suas
decisões por maioria simples, competindo-lhes aprovar os editais e projetos
propostos, depois de julgados em seu mérito pelos respectivos Conselhos
Estaduais, em conformidade com as prioridades das políticas públicas
governamentais.
[...]
Art. 10.
Compete ao Comitê Gestor de cada Fundo:
[...]
II - homologar, de acordo com as
políticas governamentais e a capacidade orçamentária, os projetos a ser
financiados com recursos do Fundo, definidos pelos Conselhos Estaduais de
Cultura, de Turismo e de Esporte;
[...]
§ 2º Compete aos Comitês Gestores definir a
aprovação dos valores finais, considerando o impacto orçamentário e financeiro,
a ser aplicados em cada projeto ou programa, analisados previamente no mérito
pelos Conselhos Estaduais. (Grifou-se)
À luz de tais disposições normativas,
depreende-se que o Conselho Estadual possui relevante papel na análise dos
projetos, pois lhe compete discutir, deliberar e propor diretrizes da política
de esporte do Estado.
No intento de afastar o apontamento restritivo, o
Sr. Gilmar Knaesel alegou, novamente, que não havia estrutura na Secretaria de
Estado de Turismo, Cultura e Esporte para a realização dos trabalhos. Na
ocasião, acrescentou que os membros do Conselho reuniam-se apenas uma vez por
mês e trabalhavam de forma voluntária.
Como se pode perceber, as razões de defesa
apresentadas não afastam a irregularidade, pois apenas evidenciam que o
repasse, de fato, não deveria ter sido realizado.
Consequentemente, a responsabilidade do Sr.
Gilmar Knaesel resta mantida, pois ignorou todo o procedimento de concessão de
recursos públicos.
3.4. Ausência do
contrato de apoio financeiro e da publicação do resumo do contrato
A última irregularidade atribuída ao Sr. Gilmar Knaesel diz
respeito à ausência de instrumento de contrato para o repasse de recursos
públicos e, ainda, à ausência da publicação do extrato contratual.
Como
é sabido, em regra, a Administração Pública deve formalizar seus ajustes
através de instrumento que regule, de forma detalhada, a relação jurídica
estabelecida entre o Poder Público e o particular.
A
respeito do assunto, tem-se a seguinte disposição normativa constante na Lei
Complementar Estadual nº 381/2007:
Art.
Parágrafo único.
Decreto do Chefe do Poder Executivo disciplinará o disposto neste artigo, sem
prejuízo de as mesmas normas se aplicarem, no que couber, aos instrumentos que
não produzem repercussão orçamentária e financeira.
A
par dessa orientação, convém acrescer que a necessidade de um instrumento
disciplinando o ajuste firmado entre as partes é imprescindível, uma vez que
estipula o valor do recurso repassado, a realização do objeto, as obrigações
das partes, o prazo da prestação de contas, a possibilidade de alteração, a
rescisão do acordo entabulado, dentre tantos outros elementos.
Nesse
sentido, o Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi manifestou-se:
Não obstante tais argumentos, sublinho que o termo de ajuste objetiva
regrar as obrigações das partes, tais como a realização do objeto,
detalhamento e a forma de realização da contrapartida, os prazos, as
possibilidades de alteração e rescisão contratual e prazo de vigência.
Nesta
linha de raciocínio, é possível concluir que o contrato ou termo de ajuste é
imprescindível para definir as obrigações do proponente do projeto,
autorizando, da mesma forma, a realização da despesa pública. A lacuna na
formalização deste instrumento legal acarreta prejuízo à atuação do controle
externo quanto ao exame da legalidade, economicidade, eficácia e finalidade da
despesa pública, prejudicando sobremaneira a análise da boa e regular aplicação
do recurso público[7]. (Grifou-se)
É
digno de nota, também, que a publicação do extrato de contrato é de suma
importância, pois tem por finalidade dar conhecimento do ajuste firmado pela Administração
Pública à sociedade, em respeito ao princípio da publicidade.
Sobre
o assunto, ensina-nos a Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia[8]:
(...) o princípio que informa o sistema constitucional vigente –
democrático e republicano – é o da publicidade dos atos do Poder Público e dos
comportamentos daqueles que compõem os seus órgãos. Como afirmei em
escrito sobre aquele princípio, ‘não
basta, pois, que o interesse buscado pelo Estado seja público para se ter por
cumprido o princípio em foco. Por ele se exige a não obscuridade dos
comportamentos, causas e efeitos dos atos da Administração Pública, a não
clandestinidade do Estado, a se esconder do povo em sua atuação. (...). A
publicidade resulta, no Estado Contemporâneo, do princípio democrático.
O poder é do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Brasileira), nele
reside, logo, não se cogita de o titular do poder desconhecer-lhe a dinâmica. O
princípio da publicidade reforça-se mais ainda em casos como o brasileiro.
Tendo sido a República a opção da sociedade brasileira sobre a sua forma de
governo, a publicidade passa a fundamentar a institucionalização do Poder
segundo aquele modelo. Por isso a publicidade nomeia o Estado brasileiro, que é
uma ‘República Federativa’. (...). Considerando-se
que a Democracia que se põe à prática contemporânea conta com a participação
direta dos cidadãos, especialmente para efeito de fiscalização e controle da
juridicidade e da moralidade administrativa, há que se concluir que o princípio
da publicidade adquire, então, valor superior ao quanto antes constatado na
história, pois não se pode cuidar de exercerem os direitos políticos sem o
conhecimento do que se passa no Estado. Não se exige que se fiscalize, se
impugne o que não se conhece’. (Grifou-se)
Dito
isso, destaque-se que, no entender do responsável, quando as cláusulas
contratuais firmadas pelo Estado com terceiros estão definidas em lei e
regulamentos, desnecessário se torna repeti-las em documentos formais
(contratos).
Com
o devido respeito a entendimento diverso, mas o raciocínio formulado pelo Sr.
Gilmar Knaesel não pode ser aplicado ao presente caso.
Note-se,
em tempo, que o repasse de recursos públicos exige a formação de um instrumento
de contrato, pois, conforme citado alhures, é nesse documento que estarão
previstas todas as particularidades do ajuste.
Dessarte,
tenho para mim que o apontamento restritivo não pode ser afastado, pois os
argumentos trazidos a lume não servem a esse fim.
4. Da responsabilização do
Sr. Gilmar Knaesel
Considerando
a importância do assunto, julguei oportuno tratar, em ponto específico, a
respeito da responsabilidade daquele que repassa recursos públicos sem o
preenchimento dos requisitos legais.
No
meu sentir, as condutas praticadas pelo Sr. Gilmar Knaesel fazem incidir a
aplicação de multa e a imputação de débito, de forma solidária, com aquele que
recebeu os recursos públicos.
No
entanto, sabe-se que, no âmbito da Corte de Contas catarinense, muito se
discute a respeito da responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel.
Nesse
sentido, anote-se que, ao analisarmos as decisões proferidas pelo TCE/SC,
percebemos que algumas multas aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel já foram
afastadas - sob o argumento de que se tratava de infração continuada - e
débitos já foram rechaçados - sob a justificativa de que não havia
solidariedade.
Em
face disso, faz-se pertinente acrescentar as minhas considerações sobre o
assunto, pois, a meu ver, as teses suscitadas para afastar a responsabilização
não prosperam.
Inicialmente,
ater-me-ei aos fundamentos utilizados para retirar o débito, os quais foram
lançados nos autos nº TCE 11/00290548, através do voto divergente proferido
pelo Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall.
Para
afastar a responsabilização solidária, o Exmo. Conselheiro destacou, em síntese,
os seguintes fundamentos: a) a solidariedade não se presume - resulta da lei ou
da vontade das partes; b) a responsabilidade dos agentes por eventuais danos
causados ao erário é de caráter subjetivo; c) a responsabilidade subjetiva
exige a conjunção do ilícito, do dano, do nexo causal e da comprovação da
culpabilidade do agente.
Após
debater amplamente os pontos mencionados acima, o Conselheiro Wilson Rogério
Wan-Dall fez o seguinte questionamento no intento de estabelecer o nexo de
causalidade: se a análise do projeto tivesse observado todas as formas
prescritas na norma, o dano teria acontecido?
Em
resposta, asseverou-se:
A resposta é sim, uma
vez que as irregularidades a seguir listadas dizem respeito à execução do
projeto, sendo de total responsabilidade da Entidade e não do órgão repassador:
a) ausência da
apresentação de documentos comprobatórios das despesas;
b) movimentação
incorreta da conta bancária; e
c) ausência de
comprovação do efetivo fornecimento ou da prestação dos serviços.
Para
arrematar o seu posicionamento, o Conselheiro acrescentou:
Para concluir,
entendo que para ocorrer à fixação de responsabilidade solidária, deve ficar
evidenciado nos autos a contribuição positiva ou negativa do Gestor para a
prática do ato, não sendo a ocorrência da prática, mesmo que reiterada, de atos
praticados com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, suficiente pra
isto.
Em
que pese a respeitável motivação consubstanciada acima, tenho para mim que não
foi adotada a melhor conclusão para a conjuntura fática.
Antes
de adentrar no campo doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto, entendo
oportuno contrapor a pergunta formulada pelo Conselheiro com outra indagação: se
não tivesse sido efetuado o repasse de recursos públicos ao proponente, em
decorrência dos diversos vícios constatados já na origem do processo de repasse
dos valores, o dano ao erário teria ocorrido?
Obviamente
a resposta é negativa, o que me faz perceber, desde já, que a responsabilização
deve ser olhada sobre outro prisma.
Nos
autos do processo em comento (TCE 11/00290548), o Conselheiro Wilson Rogério
Wan-Dall salientou que as irregularidades eram de total responsabilidade da
entidade e não do órgão repassador. Contudo, o referido Relator não se ateve
aos demais apontamentos restritivos vislumbrados naqueles autos, a saber: a) liberação de recursos com inconsistências no Plano de
Trabalho; b) ausência do parecer do Conselho Estadual de Esporte; c) ausência de Termo
de Ajuste entre as partes; d) repasse de recursos após a concretização do
projeto.
No
meu sentir, não há dúvidas de que as irregularidades supracitadas devem ser
atribuídas àquele que efetuou o repasse dos recursos, o que, consequentemente,
atrai a responsabilidade de quem estava à frente da Secretaria de Estado de
Turismo, Cultura e Esporte à época.
Feitas
essas observações, ressalte-se que a responsabilidade pode ser compreendida
como o dever de assumir consequências jurídicas, ante a violação de um dever
jurídico originário.
Adotando-se
a tese da responsabilidade subjetiva, deve haver a conjunção dos seguintes
requisitos: a) ato ilícito; b) dano; c) nexo causal; d) dolo/culpa (em seus
diversos níveis).
Sobre
a responsabilidade subjetiva, Sérgio Cavalieri Filho[9]
discorre:
Há primeiramente um
elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta
voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um
elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade.
Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art.
186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: a) conduta
culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imperícia"; b) nexo causal, que vem
expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões "violar
direito ou causar dano a outrem".
Ao
tratar do assunto, o Tribunal de Contas da União dispôs:
TOMADA DE CONTAS
ESPECIAL. CONTRATO. INEXECUÇÃO. PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS
GESTORES. IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA. FALTA DE CAUTELA E ZELO. CULPA IN
ELIGENDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONTAS IRREGULARES E REGULARES COM
RESSALVA.
1. A inexecução
contratual da qual decorre dano ao erário federal só interessa ao TCU quando
estiver presente uma conduta dolosa ou culposa de algum agente público, havendo
responsabilidade solidária da entidade privada e dos agentes públicos
envolvidos.
2. A responsabilidade dos administradores de recursos
públicos segue a regra geral da responsabilidade civil, pois trata-se de
responsabilidade subjetiva, a despeito de o ônus de provar a correta aplicação
dos recursos caber àqueles[10]. (Grifou-se)
Fixada
essa orientação, passo a averiguar se estão presentes os elementos da
responsabilidade subjetiva no caso do Sr. Gilmar Knaesel.
O
ato ilícito é evidente, pois resultou da violação de diversos dispositivos
legais, sendo o dano, também, incontestável, já que houve prejuízos de elevada
monta aos cofres públicos.
O
nexo causal entre o ato ilícito e o dano também está presente, pois se os
recursos públicos não tivessem sido repassados com os graves vícios constatados
não haveria prejuízos ao erário. A conduta daquele que transferiu os recursos,
portanto, foi fundamental para a construção de todas as irregularidades
evidenciadas, pois o vício do repasse já está caracterizado na própria origem.
No
tocante ao elemento subjetivo (dolo ou culpa), convém assinalar que sempre
defendi a ideia de que o Sr. Gilmar Knaesel foi, no mínimo, imprudente ao
conceder o repasse de verbas públicas quando ausentes elementos autorizadores.
A
partir dos últimos acontecimentos - prisão do Sr. Gilmar Knaesel - e diante das
conclusões exaradas nas investigações conduzidas pela Diretoria Estadual de
Investigações Criminais, passo a defender o posicionamento de que tal
responsável agia com dolo manifesto, pois tinha a clara intenção de enriquecer
ilicitamente através dos cofres públicos.
Vale
acentuar que, de acordo com a Diretoria Estadual de Investigações Criminais, o
Sr. Gilmar Knaesel é o mentor e o principal beneficiário de manobras feitas por
seus subordinados no esquema fraudulento de repasse de recursos públicos[11].
Assim,
não pairam dúvidas de que todos os pressupostos da responsabilidade subjetiva
estão devidamente demonstrados.
Registre-se,
outrossim, que, no âmbito do Tribunal de Contas, a responsabilidade pode ser
individual ou solidária, a depender da conjuntura fática apresentada.
Com
efeito, sublinhem-se duas previsões normativas na Lei Orgânica do Tribunal de
Contas de Santa Catarina que dispõem sobre a aludida responsabilidade
solidária:
Art. 10. A autoridade administrativa competente, sob
pena de responsabilidade solidária,
deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de
contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e
quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer
desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se
caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de
que resulte prejuízo ao erário.
Art. 18. As contas serão julgadas:
I — regulares, quando expressarem, de forma
clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a
legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II — regulares com
ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza
formal de que não resulte dano ao erário; e
III — irregulares,
quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever
de prestar contas;
b) prática de ato de
gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou
regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou
patrimonial;
c) dano ao erário
decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; e
d) desfalque, desvio
de dinheiro, bens ou valores públicos.
§ 1º O Tribunal poderá julgar irregulares as
contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que tenha
ciência o responsável, feita em processo de prestação ou tomada de contas.
§ 2º Nas hipóteses do
inciso III, alíneas c e d, deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as
contas, fixará a responsabilidade
solidária:
a) do agente público
que praticou o ato irregular e;
b) do terceiro que, como contratante ou parte
interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a
ocorrência do dano apurado.
§ 3º Verificada a
ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal
providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao
Ministério Público Estadual, para ajuizamento das ações civis e penais
cabíveis.
Como
se depreende, a responsabilidade solidária pode ser invocada quando a
autoridade administrativa deixa de adotar imediatamente providências com vistas
à instauração de tomada de contas especial. Somado a isso, tem-se a aludida
responsabilidade, nos casos de dano ao erário e desfalque de bens e valores
públicos, do agente que praticou o ato irregular ou de terceiro que concorreu
para a prática do prejuízo.
No
presente caso, tem-se a incidência da segunda hipótese, já que o Sr. Gilmar Knaesel,
na condição de agente público, praticou o ato irregular que contribui para a
ocorrência de lesão ao erário (art. 18, § 2º, ‘a’, da Lei Complementar Estadual
nº 202/2000).
Dessa
forma, entende-se que não há como afastar a responsabilidade solidária do Sr.
Gilmar Knaesel, pois sua conduta se amolda ao dispositivo legal que versa sobre
a responsabilização solidária.
E
não há que se argumentar que se trata de “mera formalidade”, por exemplo, a
ausência de documentos considerados imprescindíveis à análise do projeto.
Ora,
a violação da lei não pode ser compreendida como mera formalidade, pois, do
contrário, não existiriam razões para o princípio da legalidade ser considerado
o instrumento condutor do gestor público.
Lançada
essa premissa, destaque-se que o Tribunal de Contas de Santa Catarina, em
situação semelhante, já reconheceu a responsabilidade solidária do Sr. Gilmar
Knaesel e o condenou à restituição dos valores, senão vejamos:
ACORDAM
os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em
Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos
arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1.
Julgar irregulares, com fundamento no art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21,
caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada
de Contas Especial, que trata da prestação de contas de recursos repassados,
através da NE n. 499, de 23/10/2008, no valor de R$ 100.000,00, P/A 4685,
elemento 33504301, fonte 0262, à Associação Comercial e Industrial de Chapecó
(ACIC) pelo FUNTURISMO.
6.2. Condenar,
SOLIDARIAMENTE, a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE CHAPECÓ
(ACIC) e os Srs. VINCENZO FRANCESCO MASTROGIACOMO - Presidente daquela
Associação na gestão 2008/2009, e GILMAR KNAESEL - ex-Secretário de Estado da
Cultura, Turismo e Esporte - SOL -, ao recolhimento da quantia de R$ 100.000,00
(cem mil reais),
referente à nota de empenho acima citada, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta)
dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE
– DOTC-e -, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do
débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros
legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da
data do fato gerador do débito, ou interporem recurso na forma da lei, sem o
quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à
efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da citada Lei
Complementar), pela não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos
públicos, nos termos em que determinam os arts. 58, parágrafo único, da
Constituição Estadual e 144, §1º, da Lei Complementar n. 381/2007, em face da:
[...][12]. (Grifou-se)
Como
reforço argumentativo, anote-se excerto da decisão supracitada, eis que
aplicável perfeitamente ao caso:
Quanto à
co-responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel, tem-se que, de acordo
com as razões expostas pelo corpo instrutivo (fls. 1.607v./1.612v.), a
responsabilidade solidária atribuída ao ex-Secretário de Turismo decorreria da
prática de conduta relacionada à inobservância de diversos requisitos previstos
na legislação que rege a matéria em enfoque. Segundo a DCE, a desobediência aos
dispositivos legais atrairia o ônus da responsabilidade ao agente público que,
no exercício de seu mister, teria contribuído para a ocorrência do dano ao
erário.
Neste ponto, cabem algumas explanações.
Em processos anteriores, nos quais restou
controvertida a hipótese de imputação de débito ao ordenador primário da
despesa, apresentei manifestação favorável ao reconhecimento da
responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, especialmente em face do
atraso na adoção de providências administrativas e na abertura de tomada de
contas especial para fins de apuração de irregularidades cometidas no repasse
de recursos públicos, nos moldes previstos no art. 146 da Lei Complementar estadual n. 381/2007. Entretanto, por ocasião do julgamento da TCE
10/00424739 (Acórdão n. 680/2013), este Egrégio Plenário acompanhou, por
maioria, a divergência proposta pelo Exmo. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall,
no sentido de que tal conduta deveria ensejar apenas a aplicação de multa ao
Secretário de Estado. No mesmo sentido, foi vencido o Exmo. Conselheiro Luiz Roberto Herbst no recente julgamento
da TCE 09/00537884 (Rel. p/ acórdão Conselheiro
Wilson Rogério Wan-Dall).
É necessário observar, todavia, que os
elementos trazidos a estes autos se
distinguem do conjunto das
irregularidades ora apontadas daquele que outrora ocasionou a sanção pecuniária
e o afastamento da imputação de débito ao Sr. Gilmar Knaesel.
Não se trata, portanto, de divergência em
relação ao posicionamento pacificado em plenário, mas do reconhecimento da
existência de novos pressupostos fáticos que justificam a responsabilidade
solidário do então Secretário da SOL.
Com efeito, as violações aos textos
legais e regulamentares verificadas no caso em exame contribuíram para criar as
condições sem as quais não haveria o repasse de recursos ao proponente,
destacando-se aprovação do projeto
com parecer contrário quanto ao seu enquadramento no Plano Estadual da Cultura,
do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL e ausência de parecer técnico e orçamentário do SEITEC, do parecer do Conselho Estadual de Turismo e de termo de ajuste e/ou
documento congênere.
Trata-se, portanto, de situação distinta
da verificada nos autos da TCE n. 10/00424739, pois, no
presente caso, houve, já na origem do processo de
repasse dos valores, a prática reiterada e contínua de atos irregulares que resultaram na liberação dos recursos
públicos em
circunstâncias incompatíveis com a lei de regência. Pode-se mesmo afirmar que o
repasse, em si, já constituiria ponto passível de dano, pois destinado a
projeto não compatível com a política de incentivo do SEITEC. Tal conclusão,
inclusive, decorre da apuração efetuada no âmbito da própria SOL, tendo a
comissão formada por servidores daquela secretaria consignado que:
[...]
A
propósito da temerária atuação do ex-gestor da SOL, também se assoma o fato de
que, tendo sido o repasse posterior ao evento supostamente incentivado,
dever-se-ia ao menos aferir se existiam despesas idôneas e suficientemente
comprovadas para fazer frente ao montante de recursos públicos que seriam
repassados.
Desta forma, diante da existência destas
circunstâncias fáticas, subsistem fundamentos para responsabilização solidária do Sr. Gilmar Knaesel pelo débito apurado. (Grifos
no original)
Dessa
maneira, não restam dúvidas de que o Sr. Gilmar Knaesel deve ser
responsabilizado no presente caso - multa e débito -, uma vez que preenchidos
os requisitos legais autorizadores.
Em
tempo, entendo pertinente tecer, ainda, algumas considerações a respeito da
tese formulada pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior para
afastar a multa quando já houver sido aplicada a referida penalidade em momento
pretérito e com base na violação do mesmo dispositivo legal.
No
meu entender, essa discussão faz-se apropriada, pois é sabido que diversas
penalidades de multa já foram aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel, em decorrência
da violação das normas que disciplinam o repasse de verbas públicas.
Pois
bem.
No
entender do Excelentíssimo Conselheiro, ao verificar a situação acima
mencionada, deve ser rechaçada a cominação de multa, sob o fundamento de que se
trata de infração continuada.
Nos
autos nº REC 14/00251548, o qual foi levado à sessão plenária em 26.08.2015, o
Conselheiro Adircélio aduziu:
Este Relator,
analisando as razões recursais em confronto com os fundamentos lançados pela
Diretoria de Recursos e Reexames, expressos no Parecer DRR n. 108/2014, conclui
que, de fato, os argumentos do Recorrente, por si só, não autorizam a
modificação do acórdão rebatido, contudo, outros aspectos merecem ser
analisados, uma vez que, no entender deste Relator, a multa aplicada no item
6.3 do Acórdão n. 030/2014 não merece ser mantida. Vejamos:
Este Relator, por
meio do Voto Divergente apresentado nos autos do processo PCR 08/00460294,
sustentou seu entendimento no sentido de que, diante da sistemática adotada por
esta Corte de Contas em analisar e julgar em processos distintos, atos de uma
mesma Unidade Gestora, referentes a um mesmo exercício, acaba por penalizar,
por vezes sobremaneira, o gestor responsabilizado por irregularidades que
poderiam ter sido analisadas conjuntamente em um mesmo processo, resultando
numa só penalidade (esta podendo ser agravada, considerando a infração como continuada),
se adotado, por exemplo, o critério de exame de atos por exercício.
Entendo que, como no
caso dos autos, em que uma série de repasses efetuados pelo FUNCULTURAL foram
analisados de forma individual, em processos distintos, ocorreu que esta Corte de
Contas aplicou penalidades ao
então
Secretário, ora Recorrente, uma série de multas pela mesma conduta faltosa, no
caso, adoção de providências com vistas à
instauração de providências administrativas para a cobrança da prestação de
contas especial após o transcurso do prazo regulamentar.
Se considerarmos o
período da gestão do Recorrente frente ao Fundo Estadual de Incentivo à Cultura
– FUNCULTURAL, compreendido entre o dia 08/03/2005 a 31/03/2010, a
irregularidade acima descrita foi inúmeras vezes apontada por este Tribunal, em
processos autuados separadamente, ensejando, na maioria das vezes, imputação de
multa ao Responsável, pela mesma irregularidade.
[...]
Observando o acima
destacado, tem-se que, apenas em atos do exercício de 2006, o Recorrente foi
penalizado pela mesma irregularidade, no mínimo, cinco vezes, sendo que este
Relator elencou somente processos em que as multas foram mantidas, mesmo após a
interposição de recursos – o que, a meu ver, torna desproporcional a
penalização do agente.
[...]
Pelo
exposto, e considerando o caso em tela, entendo que não carreiam justiça as
sucessivas decisões que aplicaram repetidas sanções por idênticas razões
fáticas, inclusive no mesmo exercício financeiro, por possuírem traços de
infração continuada, propugno pelo cancelamento da multa constante do item 6.3
do acórdão ora recorrido.
Com
a devida vênia, discordo do entendimento exposto acima e, no intento de
justificar minha posição quanto ao assunto, passo a discorrer sobre a matéria.
Para
iniciar, ressalte-se que o Código Penal, ao tratar do concurso de crimes,
dispõe que as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente[13].
Nessa
senda, infere-se que, no âmbito penal, a multa é empregada nos termos da regra
estatuída para o concurso material, isto é: quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas.
No direito administrativo, não há qualquer
dispositivo legal que trate sobre infrações continuadas, nos termos propostos
pelo Conselheiro Adircélio.
Reconheço, notadamente, que os princípios da
seara penal podem ser utilizados subsidiariamente no direito administrativo
sancionador, mas tenho para mim que, no silêncio da lei, devem ser adotadas as
regras do cúmulo material em casos dessa natureza.
Nessa direção, Régis Fernandes de Oliveira[14] leciona:
Em síntese, na hipótese de concurso de infrações, a
legislação pode discriminar o modo de aplicação da sanção (acumulação ou
absorção), prevalecendo, no silêncio da lei, a acumulação material. Isto
porque, sendo diversas as agressões no ordenamento jurídico, une as infrações
elo de repulsa, previsto nele próprio.
No mesmo trilhar, eis a lição de Heraldo Garcia
Vitta[15]:
O Direito Penal é especial, isto é, contém normas particulares,
próprias desse ramo jurídico; em princípio, não podem ser estendidas além dos
casos para os quais foram instituídas. De fato, não se aplica uma norma
jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida; não se pode “por
de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada
por base do processo analógico. Na hipótese de concurso de crimes, o legislador
escolher os critérios específicos, próprios dessa ramo do Direito. Logo, não se
justifica a analogia das normas do Direito Penal no tema concurso real de
infrações administrativas.
A forma de sancionar é instituída pelo legislador, segundo
critérios de discricionariedade. Compete-lhe elaborar ou não regras a respeito
da ocorrência de infrações administrativas. No silêncio, o cúmulo material é de
rigor.
Para
embasar o seu posicionamento, o Conselheiro Adircélio valeu-se das palavras de
Fábio Medina Osório, o qual entende ser possível aplicar as regras da infração
continuada na seara administrativa.
Ao
ler a doutrina de Fabio Medina Osório, vê-se que, embora o doutrinador mencione
ser exequível essa analogia, não há qualquer alusão de como essa regra deve ser
aplicada no campo do direito administrativo sancionador.
A
propósito, anote-se a previsão legal do crime continuado, nos termos do Código
Penal:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes
ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
caso, de um sexto a dois terços.
À luz do exposto, extrai-se que são elementos do
crime continuado: a) pluralidade de condutas; b) crimes da mesma espécie; c)
circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, modo de execução e outras.
No tocante à circunstância de tempo, denota-se
que a jurisprudência sedimentou o entendimento de que o lapso temporal entre os
crimes não deve ser superior a 30 dias[16].
No caso específico do Sr. Gilmar Knaesel, não há
como afirmar que as infrações que lhe são imputadas foram cometidas no período
de 30 dias, sobretudo porque o responsável ficou à frente da Secretaria
Estadual de Cultura, Turismo e Esporte pelo período de 08.03.2005 a 31.03.2010
e, nesse longo ínterim, violou as normas que disciplinam o repasse de verbas
públicas inúmeras vezes.
Ademais,
como aplicar as circunstâncias de lugar e modo de execução previstas no Código
Penal ao presente caso, a fim de caracterizar a continuidade das infrações?
A meu ver, resta frustrada essa possibilidade,
pois não há como fazer uma relação entre a conduta de um agente criminoso e
aquela praticada por um gestor irresponsável.
Cabe mencionar, outrossim, que, nos crimes de
natureza contínua, o magistrado analisa conjuntamente todos os fatos delituosos
praticados para, ao final, aumentar a pena de 1/6 a 2/3.
À vista disso, pergunta-se: como aplicar essa
regra no âmbito do direito administrativo sancionador quando os processos são
distintos?
Pela lógica da tese proposta, ter-se-ia que
reunir todos os cadernos processuais em que figura como responsável o Sr.
Gilmar Knaesel para, após, realizar a dosimetria da pena.
Como se vê, essa não é a medida mais acertada,
até mesmo porque os processos não visam tão somente à análise individual da
conduta de cada responsável, mas sim à apuração de determinado fato.
Por outra banda, tenho conhecimento da existência
da “teoria da continuidade delitiva administrativa”, a qual pode ser aplicada
pela Administração Pública ao exercer o seu poder de polícia.
Para a jurisprudência, “há infração continuada quando a
Administração Pública, exercendo o seu poder de polícia, constata, em uma mesma
oportunidade, a ocorrência de múltiplas infrações da mesma espécie, situação na
qual deve ser considerado válido o primeiro auto de infração lavrado”[17].
Nesse contexto, trago à baila o entendimento firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO - SUNAB - SANÇÃO ADMINISTRATIVA POR
INFRAÇÃO AO TABELAMENTO DE PREÇO - NATUREZA CONTINUADA.
1. A jurisprudência
desta Corte, em reiterados precedentes, tem entendido que há infração
continuada quando a Administração Pública, exercendo o poder de polícia,
constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de infrações múltiplas
da mesma espécie. A caracterização da continuidade delitiva administrativa
se dá em uma única autuação (múltiplos precedentes)[18].
2. Recurso especial provido. (Grifou-se)
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART.
53 DO CPC. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. OFERECIMENTO DE SERVIÇOS POR PREÇOS
SUPERIORES AO TABELADO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA CONTINUADA. APLICAÇÃO DE MULTA
SINGULAR.
1. Inicialmente, impõe-se reconhecer não ter sido
caracterizada a violação ao art. 535 do CPC, pois a origem não incorreu em
nenhuma contradição no momento da apreciação da apelação interposta. É que, por
ocasião do julgamento deste recurso, entendeu-se que a caracterização da
infração continuada era suficiente para anular os autos de infração, mesmo que
a materialidade da infração restasse incontroversa.
2. No mais, é pacífica a
orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há continuidade
infracional quando diversos ilícitos de mesma natureza são apurados durante
mesma ação fiscal, devendo tal medida ensejar a aplicação de multa
singular. Precedentes.
3. Ao contrário do
afirmado pela parte recorrente, essa jurisprudência aplica-se com perfeição ao
presente caso, uma vez que a instância ordinária constatou que, em uma única
ação fiscal, a empresa recorrida havia oferecido serviços por preços superiores
ao tabelado a diversos associados (fls. 305/306), o que é suficiente para
caracterizar a continuidade delitiva administrativa. Rever tal conclusão requer revisitação do conjunto
fático-probatório, o que esbarraria na Súmula n. 7 desta Corte Superior.
4. Agravo regimental não provido[19]. (Grifou-se)
Como se depreende, a aplicação da teoria
supracitada exige que as infrações sejam identificadas em um único momento,
pois, caso contrário, torna-se impossível aplicar a causa de aumento de 1/6 a
2/3.
Corroborando o exposto, colaciono aos autos a
manifestação exarada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. MULTA POR
DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO
ESPECIAL DE INFORMAÇÕES RELATIVAS AO CONTROLE DO PAPEL IMUNE. MULTA. TEORIA DA
CONTINUIDADE DELITIVA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE.
1. De acordo com a teoria da continuidade delitiva
administrativa, a sequência de várias infrações apuradas em uma única autuação
caracteriza a infração de natureza continuada, com aplicação de uma única
multa.
2. Não se aplica
esse entendimento se a cada três meses a empresa deixa de apresentar a
Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune, pois,
nessa hipótese, o que ocorre é a reincidência infratora.
3. Certas construções pretorianas não podem ser aplicadas
indistintamente em todos os ramos do Direito. Em se tratando de
obrigação tributária acessória, não cabe adotar a figura da continuidade
delitiva administrativa. No caso da Declaração Especial de Informações
Relativas ao Controle do Papel Imune, a redução do montante devido a título de
multa, através da supressão das multas autônomas, permitiria fosse ela incorporada
ao gasto empresarial, estimulando a infração reiterada à lei, o que pode
desestruturar o controle do Estado sobre a concessão do favor fiscal relativo
ao papel[20]. (Grifou-se)
Dessarte, sublinhe-se que a teoria da
continuidade delitiva administrativa não pode ser utilizada, pois, no presente
caso, o que ocorre é a reincidência da infração.
Ante essa linha de raciocínio, estou convencido
de que a tese proposta pelo Conselheiro Adircélio não pode ser aplicada no
âmbito da Corte de Contas, pois, além de ausentes os requisitos da continuidade
delitiva, não há supedâneo legal para embasá-la.
Em arremate, acrescente-se que o Excelentíssimo
Conselheiro aplicou a tese da continuidade das infrações somente para afastar a
penalidade de multa, mas não fez qualquer menção de como essa matéria poderia
vir a ser empregada no âmbito do TCE/SC, tampouco falou da causa de aumento que
deve ser imposta às infrações de natureza continuada.
Após essa análise, tenho para mim que devem ser
cominadas novas sanções pecuniárias ao Sr. Gilmar Kanesel, independentemente
dos resultados de outros processos julgados anteriormente.
5.
Apresentação de documento contendo assinaturas falsificadas pelo proponente
Cabe ter presente, antes da análise das contas
propriamente ditas, que foi identificado nos autos documento com assinaturas
falsificadas dos membros da entidade Moto Clube Sorocaba.
Para a melhor compreensão do assunto, destaque-se
que foi acostada aos autos uma declaração (fls. 30-31), supostamente assinada
pelos membros da diretoria do Moto Clube Sorocaba, com o objetivo de registrar
que tais pessoas eram favoráveis à assinatura do contrato com o Governo do
Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado de Cultura, Turismo e
Esporte.
No intento de auferir a autenticidade do
documento e das assinaturas nele apostas, a Diretoria de Controle da
Administração Estadual encaminhou ofício ao Sr. Osvaldo José Feltz
(Vice-Presidente), ao Sr. Graziany Orsi Delagnelo (1º Secretário), ao Sr.
Clésio Henrique Franzoni (2º Secretário), ao Sr. Décio José Feltz (1º
Tesoureiro), ao Sr. Valmor José Feltz (2º Tesoureiro), ao Sr. Raphael Sperandio
dos Reis (1º Diretor de Patrimônio), ao Sr. Diogo Bovee (2º Diretor de
Patrimônio) e ao Sr. David Crispim Correa Neto (membro do Conselho Fiscal).
Em resposta, tais pessoas, à exceção do Sr. Décio
José Feltz, asseveraram que não reconheciam a assinatura constante na
declaração e, para corroborar tal assertiva, juntaram ao caderno processual
cópia de documento de identificação.
À vista disso, concluiu-se, no relatório técnico
inicial, que o Sr. Décio José Feltz deveria responder, junto com os demais
responsáveis, pelos apontamentos restritivos, já que reconheceu as assinaturas
constantes na declaração de fls. 30-31 e nos cheques como suas.
Neste ponto, o Sr. Leandro Laércio de Souza
aduziu que está perplexo com as imputações que lhe foram feitas, pois os
documentos foram examinados pela equipe do SEITEC e o projeto obteve parecer
favorável do consultor jurídico.
Como se pode perceber, os argumentos trazidos à
baila não têm o condão de afastar a irregularidade e/ou a responsabilidade do
Sr. Leandro Laércio de Souza, sobretudo após a sua prisão pela prática de
diversos crimes, dentre eles falsificação ideológica.
Já o Sr. Décio José Feltz afirmou que foi ludibriado
pelo Sr. Leandro Laércio de Souza e destacou (fls. 602-604):
Meu filho João Paulo Feltz, sempre foi um apaixonado pelo
motociclismo, sempre contando com meu apoio incondicional, em diversos eventos
(fotografias anexadas).
No ano de 2007, resolvemos, juntamente com algumas pessoas da
região que apreciam a modalidade, idealizar uma associação para o
desenvolvimento do motociclismo. Não recordo exatamente quem nos indicou a
pessoa do Sr. Leandro Laércio de Souza, para nos ajudar nessa formação.
Fizemos uma reunião, e diante de suas experiências relatadas,
decidimos colocá-lo à frente da associação, com a promessa de que a com a
criação do MOTO CLUBE SOROCABA proporcionaria a realização de eventos de
motociclismo, com a captação de recursos para tal finalidade, mesmo porque não
tínhamos qualquer ideia de como fazê-lo.
Relatou, ainda, que era presidente e/ou fazia parte de outras
entidades e estava acostumado com os trâmites burocráticos na solicitação de
recursos financeiros.
[...]
Após a obtenção dos recursos, pensávamos que tudo seria
utilizado em prol das atividades da associação Moto Clube Sorocaba, o que, tudo
indica, não passou de falácias do Sr. Leandro Laércio de Souza.
Oportuno relatar que na primeira oportunidade em que este
Suplicante foi intimado para prestar declarações, por ser totalmente leigo no
assunto, após muita dificuldade, localizou o Sr. Leandro Laércio de Souza, para
saber do que se tratava, sendo induzido a reconhecer expressamente que tudo
estava de acordo (fls. 401/402).
Sobre a questão das assinaturas nos cheques, lembro-me que
após a liberação dos valores, era necessária a minha assinatura devido ao fato
de estar investido no cargo de tesoureiro. Alias, os talonários sempre
estiveram na mão do presidente e nunca fui ao banco fazer qualquer solicitação.
[...]
Pois bem, o Sr. Leandro Laércio de Souza solicitou minha
assinatura em alguns cheques, todos já preenchidos, dizendo ser necessário para
dar início as atividades da associação, sem muitas explicações.
[...]
Não me recordo quantos cheques eu assinei, entretanto, depois
de ter acesso às cópias dos cheques, percebo que vários não conferem com a
minha assinatura, a exemplo dos cheques acostados às fls. 68, 70, 72, 74, 76,
78, 80, 82, 84, 86.
[...]
Volto a repetir que em momento algum tive conhecimento dos
atos pelo Sr. Leandro Laércio de Souza e tampouco participei de qualquer evento
citado nos procedimentos administrativos, pois aguardávamos a realização destes
em nossa localidade, na pista de motociclismo que estava sendo preparada.
[...]
Todos nós fomos ludibriados, a única diferença é que na
primeira oportunidade em que falei nos autos, fui induzido a validar os atos
praticados pelo presidente, confiando em suas palavras.
Sem qualquer dúvida, o Sr. Leandro Laércio de Souza é o único
responsável por todo esse imbróglio e pela utilização indevida dos valores
arrecadados pela associação e, pelo o que se observa, teve a mesma conduta e/ou
participação em outras associações.
[...]
A par disso, saliente-se que a Diretoria de Controle
da Administração Estadual entendeu, em seu relatório conclusivo, que deveria
ser afastada a responsabilidade do Sr. Décio José Feltz.
Para a área técnica, todas as assinaturas
constantes na declaração de fls. 30-31 são falsificadas, exceto a do Presidente
da entidade – Sr. Leandro Laércio de Souza. Considerando que o Sr. Décio José
Feltz somente foi citado por ter afirmado incialmente que eram suas as
assinaturas constantes no feito, o corpo técnico inferiu que não há razões para
manter a responsabilidade do tesoureiro da entidade Moto Clube Sorocaba.
Lançadas as considerações acima, cumpre assinalar
que foi atribuído ao Sr. Décio José Feltz, inicialmente, os seguintes
apontamentos restritivos: a) apresentação de declaração com assinaturas
falsificadas, caracterizando documentação forjada para solicitação de recursos
públicos; b) apresentação de documento de despesa simulado e cheque bancário
forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar gastos com recursos
públicos.
Quanto à primeira irregularidade, entende-se que,
de fato, esta não deve ser atribuída ao Sr. Décio José Feltz, pois não há semelhança
entre a assinatura aposta na declaração de fls. 30-31 e os documentos de
identificação rubricados pelo responsável.
Em outras palavras, percebe-se que a assinatura
do Sr. Décio José Feltz também foi falsificada na declaração de fls. 30-31, o
que afasta o primeiro apontamento que lhe fora imputado.
Mantém-se, portanto, apenas a responsabilização
do Sr. Leandro Laércio de Souza pela falsificação das assinaturas constantes no
documento de fls. 30-31, afastando a do Sr. Décio José Feltz.
No que tange à segunda irregularidade atribuída
ao Sr. Décio José Feltz, entendo pertinente examiná-la quando da apreciação da
prestação de contas, já que tal apontamento será tratado em item específico.
Passa-se, pois, às considerações preliminares sobre
o dever de prestar contas e o ônus
probandi.
6.
Do processo de prestação de contas
6.1.
Ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos
Ao
analisar a prestação de contas trazidas à baila pelo Sr. Leandro Laércio de
Souza, a Diretoria de Controle da Administração Estadual verificou que não
foram juntados aos autos os documentos necessários a certificar a boa e a regular
aplicação dos recursos públicos.
Como
é sabido, todo aquele que recebe dinheiro oriundo dos cofres do erário deve
comprovar, de forma ampla e robusta, a sua boa utilização.
Nesse
sentido, anote-se o teor do art. 140, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:
Art. 140. Prestará contas
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou pelos
quais o Estado responsa, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza
pecuniária.
§ 1º Quem quer que
utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na
conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades
administrativas competentes.
Na oportunidade, sobreleva mencionar que o
ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete ao
gestor, conforme se depreende da jurisprudência sedimentada pelo Tribunal de
Contas da União:
TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR
DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO.
REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO
ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE
REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.
1. A
configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou
antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em
débito e na aplicação de multa.
2. Nos processos de contas que
tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular
aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o
crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou
de locupletamento por parte do recorrente[21].
(Grifou-se)
De
igual sorte, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina,
conforme se vislumbra no voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz
Gavi:
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE
RECURSOS ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR
APLICAÇÃO DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS
ILEGAIS E INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES
DO PODER CONCEDENTE. MULTA.
1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que
é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados
e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas
ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse
público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.
2. A
aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam
sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse
público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares
devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente
particulares e não atingirem à finalidade pública.
3. Os
atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para financiamento
no âmbito do SEITEC,
por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a
matéria, são sujeitos à aplicação de multa[22].
(Grifou-se)
Fixada
essa premissa, saliente-se que, no caso em apreço, o apontamento restritivo
restou evidenciado diante das seguintes irregularidades: a) ausência de
comprovação material da realização do projeto proposto; b) ausência de
comprovação da efetiva prestação dos serviços, agravada pela ausência de outros
elementos de suporte e aliada à descrição insuficiente das notas fiscais
apresentadas; c) apresentação de documentos de despesa e cheques inidôneos; d) indevida
emissão de cheques sem serem cruzados.
Assentadas
as irregularidades, passo a examiná-las individualmente, a fim de propiciar uma
melhor análise dos presentes autos.
6.1.1. Ausência de
comprovação material da realização do projeto proposto
Destaque-se,
neste segundo momento da análise processual, que não há no feito provas
efetivas da realização do objeto proposto, qual seja: promoção de palestras
educativas a crianças e adolescentes da rede pública de ensino, em entidades
sem fins lucrativos e em comunidades carentes.
Ao
compulsar o caderno processual, constatam-se algumas fotos (fls.189-200 e fls.
219-232), as quais não servem para comprovar a execução do projeto.
Nota-se
que as crianças que aparecem nas fotografias são alunas de uma escola
localizada em Paulo Lopes, o que pode ser corroborado através dos uniformes.
Lembra-se,
no entanto, que Paulo Lopes não estava dentre os municípios que seriam
contemplados com as supostas palestras.
Somado
a isso, acentue-se que, nos termos do plano de trabalho, a expectativa de
público era de 5.000 crianças e jovens, mas as fotos constantes no caderno
processual mostram as mesmas crianças em um único ambiente escolar.
Importante
ressaltar, também, que uma das pessoas que aparece nas fotografias é a Sra.
Dalva da Silva, a qual esteve pessoalmente no Tribunal de Contas de Santa
Catarina para prestar a seguinte declaração (fl. 638):
Aos doze dias do mês
de novembro de 2012, apresentou-se neste Tribunal de Contas a Sra, Dalva da
Silva, CPF nº 740.375.869-00, que foi procurada pela Sra. Lilian Cristina de
Oliveira prometendo obter recursos para o projeto com crianças e que conteúdo
dos processos a seguir declara: Processo TCE 12/00111238 (referente ao repasse
ao Moto Clube Sorocaba para o projeto Memória Itinerante, Nota de Empenho 541,
de 11/09/2008, no valor de R$ 80.000,00, repassados pelo FUNDESPORTE), declara: 1) que se reconhece nas fotos
de fl. 189 a 204 e reconhece as crianças como seus alunos da Escola Básica Dr.
Ivo Silveira, do município de Paulo Lopes e que as crianças foram utilizadas
para segurar os cartazes do projeto sob a alegação de que as fotos serviriam
para publicação em jornal de esportes, mas que as fotos não tem qualquer
relação com o projeto “Memória Itinerante”. 2) que as fotos foram tiradas pelo
Sr. Leandro Laércio de Souza. 3) que as fotos foram tiradas no ano de 2010 ou
2011.
[...] (Grifou-se)
À
luz dessa transcrição, pode-se observar que as fotografias não passam de uma
montagem realizada pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, com vistas a ludibriar os
órgãos de fiscalização.
Destaque-se,
ademais, que não há no feito a lista de presença dos participantes do evento, o
que reforça que o projeto não foi realizado nos termos propostos.
Ao
encontro desse entendimento, percebe-se que alguns “prestadores de serviço”
fazem parte da diretoria de outras entidades que buscam recursos públicos junto
ao Estado para a execução de projetos e, ainda, mantêm estreitos laços entre
si, conforme já relatado no início desta peça.
Para
agravar ainda mais a situação, verifica-se que algumas notas fiscais, ao invés
de serem solicitadas pelo prestador de serviço, foram requeridas pelo Sr.
Leandro Laércio de Souza junto à Prefeitura de Florianópolis (fls. 73, 75, 77,
79 e 81).
Diante
de toda essa conjuntura fática, conclui-se que não restou comprovada a
realização do projeto, pois as provas constantes nos autos demonstram que
houve, na verdade, uma verdadeira fraude.
Em
razão disso, entende-se que devem ser restituídos aos cofres públicos, em sua
integralidade, os valores repassados à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda,
deve ser aplicada a penalidade de multa ao Sr. Leandro Laércio de Souza.
6.1.2. Ausência
da comprovação da efetiva prestação dos serviços, agravada pela ausência de
outros elementos de suporte e aliada à descrição insuficiente das notas fiscais
apresentadas
Impõe-se
asseverar, neste ponto, que as notas fiscais arroladas aos autos não detalham
os serviços executados, estando assente apenas a informação, na descrição dos
serviços, de que se trata de palestras relacionadas ao projeto “Memória
Itinerante”.
Não
há, pois, qualquer informação a respeito do preço unitário, dos locais em que
seriam realizadas as palestras, a hora do serviço e outros elementos de
suporte.
Os
instrumentos contratuais, por sua vez, também não comprovam a efetiva prestação
dos serviços, já que não apresentam detalhes imprescindíveis à sua execução. Ao
encontro disso, percebe-se que todos os contratos de prestação de serviços
constantes no caderno processual possuem idêntica formatação e cláusulas muito
assemelhadas, o que faz concluir que foi a mesma pessoa quem os elaborou.
É
digna de nota, também, a declaração prestada pela Sra. Kenia de Andrade
Martins, a qual foi instada, através de ofício encaminhado pelo TCE/SC, a apresentar
informações concernentes aos supostos serviços prestados, senão vejamos (fl.
381):
Informo ao
Ilustríssimo Diretor de Controle da Administração que não é possível cumprir
tais exigências.
Isso porque nunca tive conhecimento de tal
evento, jamais proferi palestras sobre “Memória Itinerante” ou algum tema do
gênero.
Além disso, o contrato de prestação de
serviço (fls. 161 a 163) é de conteúdo inidôneo, ou seja, foi forjado, pois nunca assinei
tal documento. Os indícios de fraude são evidentes, pois não há a qualificação
completa de minha pessoa no cabeçalho do contrato e onde, supostamente, seria
minha assinatura, não há autenticação cartorária, frisando-se ainda que
inexiste similaridade de tal firma com minha assinatura.
Por fim, afirmo que nunca recebi os valores do
cheque nº 000010 (fls. 74) e que a nota fiscal foi expedida, provavelmente,
apenas para acobertar a fraude praticada apelo Moto Clube Sorocaba com
as verbas transferidas pelo FUNDESPORTE. (Grifou-se)
Além
disso, faz-se necessário ressaltar que as pessoas supostamente contratadas (Sra.
Nair Cristina de Abreu, Sra. Nair Ferreira Abreu, Sra. Lilian Cristina de
Oliveira e Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva) são integrantes de outras
entidades que requerem recursos públicos junto ao erário e prestam serviços
umas as outras.
Destaque-se,
oportunamente, que não há qualquer informação sobre a qualificação das pessoas citadas
acima, a justificar suas contratações.
Chama-se
atenção, ainda, que todas as notas fiscais foram emitidas em Florianópolis,
embora conste no plano de trabalho que as palestras seriam realizadas em
diversos municípios.
No
tocante aos serviços de confecção de materiais, observa-se, de igual sorte, que
não restou comprovada a sua elaboração nos moldes propostos, sendo os
documentos colacionados aos autos insuficientes para comprovar a despesa.
A
par de todas essas informações, acrescente-se que a defesa protocolizada pela
entidade Moto Clube Sorocaba e pelo Sr. Leandro Laércio de Souza não tem o
condão de afastar a irregularidade, já que os responsáveis se limitaram a
afirmar que os serviços foram prestados e que a Diretoria de Controle da
Administração Estadual se baseia em suposições.
Com
o devido respeito a entendimento diverso, mas as informações e provas trazidas
à colação são suficientes para comprovar a fraude evidenciada nestes autos. Não
se pode olvidar, também, que compete àquele que recebe os recursos públicos o
ônus probatório da boa e da regular aplicação dos valores percebidos, o que não
restou concretizado no caso em apreço.
Na
ocasião, rememoram-se situações que nos levam a concluir que ocorreu um
verdadeiro esquema fraudulento: a) há declarações que atestam que não houve
palestras (fl. 638); b) foi o Sr. Leandro Laércio de Souza quem requereu as
notas fiscais avulsas junto à Prefeitura de Florianópolis e não os prestadores
de serviços; c) não foram apresentadas listas de presenças dos participantes
das supostas palestras; d) os membros da diretoria da entidade Moto Clube
Sorocaba afirmaram que as assinaturas de fls. 30-31 foram falsificadas; e) prisão
do Sr. Gilmar Knaesel, do Sr. Leandro Laércio de Souza e demais envolvidos no
esquema; f) os supostos prestadores de serviços fazem parte de outras entidades
que captam recursos públicos e mantêm estreita relação entre si.
Diante
de tudo o que aqui foi exposto, pode-se concluir que não existem provas da
efetiva prestação dos serviços, o que reitera a necessidade de devolução dos
recursos públicos aos cofres do Estado.
Antes
de encerrar este ponto, faz-se necessário comentar que a Diretoria de Controle
da Administração Estadual aduziu que a Sra. Nair Cristina de Abreu (assessora
de imprensa), a Sra. Nair Ferreira Abreu (secretária), a Sra. Lilian Cristina
de Oliveira (palestrante) e a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva (coordenadora)
devem responder solidariamente pelo débito, cada uma pelo respectivo valor
recebido, uma vez que fazem parte de entidades que mantêm estreito relacionamento
e que prestam serviços umas as outras e considerando, ainda, que tais pessoas
declararam que prestaram serviços à entidade Moto Clube Sorocaba, mas não
comprovaram nestes autos a execução de tais atividades.
Analisando
as particularidades do caso concreto, tenho para mim que o raciocínio formulado
pela área técnica é acertado.
Nota-se
que tais responsáveis foram devidamente citadas para apresentar razões de
defesa, mas deixaram o prazo transcorrer in
albis.
Inicialmente,
quando foram instadas a se manifestar em sede de diligências, a Sra. Nair
Cristina de Abreu, a Sra. Nair Ferreira Abreu e a Sra. Maria de Fátima Goulart
da Silva asseveraram que prestaram os serviços e que receberam os valores constantes
nas notas fiscais em sua integralidade. Já a Sra. Lilian Cristina de Oliveira
não respondeu à diligência efetuada pela área técnica.
Frisa-se,
mais uma vez, que não há provas satisfatórias da execução do projeto na
prestação de contas apresentada pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, tampouco no
bojo da presente tomada de contas especial, embora as responsáveis tenham tido
a oportunidade, neste momento, de comprovar que executaram os serviços
descritos nos pactos contratuais.
Com
efeito, anote-se que há fundamento legal para responsabilizar as pessoas
supracitadas, já que estas concorreram para o dano causado ao erário.
Nesse passo, eis a disposição constante na Lei Complementar Estadual nº 202/2000:
Art. 18. As contas
serão julgadas:
I — regulares, quando expressarem, de forma
clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a
legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II — regulares com
ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza
formal de que não resulte dano ao erário; e
III — irregulares, quando comprovada qualquer
das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de
gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou
regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou
patrimonial;
c) dano ao erário decorrente de ato de gestão
ilegítimo ou antieconômico injustificado; e
d)
desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.
§ 1º O Tribunal
poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento
de determinação de que tenha ciência o responsável, feita em processo de
prestação ou tomada de contas.
§ 2º
Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d, deste artigo, o Tribunal, ao julgar
irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:
a) do agente público que praticou o ato
irregular e
b) do terceiro que, como contratante ou parte
interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a
ocorrência do dano apurado.
§ 3º Verificada a
ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal
providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao
Ministério Público Estadual, para ajuizamento das ações civis e penais
cabíveis.
À
vista dessa prescrição normativa, tenho para mim que as pessoas citadas alhures
devem ser responsabilizadas, pois admitiram que receberam recursos públicos,
sem comprovar, contudo, a execução das atividades.
Assim,
conclui-se que o débito deve ser imputado, de forma solidária, ao Sr. Leandro
Laércio de Souza, à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda, limitando-se à
quantia percebida por cada uma das responsáveis, à Sra. Nair Cristina de Abreu,
à Sra. Nair Ferreira Abreu, à Sra. Lilian Cristina de Oliveira e à Sra. Maria
de Fátima Goulart da Silva.
6.1.3. Apresentação de
documentos de despesa e cheque inidôneos
Registre-se
que a irregularidade em tela diz respeito à nota fiscal nº 002800108, a qual
foi emitida pela Prefeitura Municipal de Florianópolis no valor de R$ 6.800,00
(fl. 75).
Sobreleva
realçar, em tempo, que a nota fiscal supracitada foi requerida pelo Sr. Leandro
Laércio de Souza, no intento de comprovar supostos serviços prestados pela Sra.
Kenia de Andrade Martins.
Relembra-se,
no entanto, que a Sra. Kenia de Andrade Martins prestou informações neste
caderno processual (fls. 381-382) e negou que tenha executado qualquer serviço
à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda, que tenha recebido a importância de R$
6.800,00.
Logo,
entende-se que a nota fiscal (fl. 75) e o cheque (fl. 74) são inidôneos para
comprovar a despesa atinente à realização das palestras, já que tal serviço não
foi prestado.
Em
sua contestação, o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto Clube
Sorocaba alegaram que, das oito notas fiscais avulsas pagas, apenas a emitida
pela Sra. Kenia apresenta problemas de validade, o que lhes causa estranheza,
depois de passados tantos anos da realização do evento.
Como
se vê, os responsáveis não trouxeram à colação qualquer justificativa razoável que
possa rechaçar o apontamento restritivo, sobretudo porque restou provado nos
autos que o projeto não foi executado.
Dito
isso, afigura-se oportuno tratar, ainda, sobre a responsabilidade do Sr. Décio
José Feltz, o qual era tesoureiro da entidade Moto Clube Sorocaba.
Em
que pese a respeitável motivação consubstanciada no relatório técnico no
sentido de afastar a responsabilidade, tenho para mim que o Sr. Décio José
Feltz deve responder pelo presente apontamento restritivo, pelos motivos que
passo a expor.
Nota-se
que, apesar de o Sr. Décio José Feltz aduzir que algumas rubricas constantes
nos cheques não conferem com a sua assinatura, a cártula de fl. 74 - a qual diz
respeito ao suposto pagamento realizado à Sra. Kenia de Andrade Martins -
possui muita semelhança com o documento de identificação do referido
responsável (fl. 601).
Até
que haja prova em contrário e diante da grande semelhança entre as assinaturas,
conclui-se que foi o Sr. Décio José Feltz que, em conjunto com o Sr. Leandro
Laércio de Souza, assinou a cártula de fl. 74.
A
meu ver, o Sr. Décio foi, no mínimo, imprudente ao assinar os cheques sem se
ater à despesa. Exige-se de um tesoureiro, pois, conduta totalmente diversa
àquela adotada pelo mencionado responsável.
Dessa
feita, entende-se que há elementos para a sua responsabilização, pois, ainda
que não haja dolo na conduta do Sr. Décio, restou caracterizada a culpa.
Conclui-se,
portanto, que deve ser imputado débito, de forma solidária, ao Moto Clube
Sorocaba, ao Sr. Leandro Laércio de Souza e ao Sr. Décio Leandro Feltz.
6.1.4. Indevida emissão de
cheques sem serem cruzados
A
última irregularidade trazida à baila diz respeito à utilização de cheques para
o pagamento das despesas supostamente realizadas sem que as cártulas fossem
cruzadas ao credor, o que pode ser observado às fls. 68, 70, 72, 74, 76, 78,
80, 82, 84 e 86.
Como
é sabido, a movimentação da conta bancária por meio de cheque nominativo
cruzado possibilita verificar a efetiva destinação dos pagamentos aos
respectivos credores dos documentos comprobatórios das despesas e o nexo com os
recursos repassados pelo Estado.
A
propósito, prescreve o Decreto Estadual nº 1.291/2008:
Art. 58.
A liberação dos recursos financeiros pelo contratante dar-se-á obrigatoriamente
mediante a emissão de ordem bancária em nome do proponente, para crédito em
conta individualizada e vinculada.
§ 1º A conta
bancária vinculada deverá ser identificada com o nome do proponente acrescida
da expressão contrato e do nome do contratante.
§ 2º A movimentação da conta referida
no § 1º deste artigo realizar-se-á por
meio de cheque nominativo cruzado ao credor, ordem bancária, transferência
eletrônica disponível ou outra modalidade autorizada pelo Banco Central do
Brasil, em que fiquem identificadas as suas destinações e, no caso de pagamento,
o credor.
[...] (Grifou-se)
Objetivando
afastar o apontamento restritivo, o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade
Moto Clube Sorocaba apresentaram as seguintes razões de defesa (fl. 576):
Também aponta a
equipe de instrução o não cruzamento dos cheques nominais emitidos, sugerindo a
aplicação de multa, pela existência de falta grave, pelo fato de termos
efetuado os pagamentos sem a observância dessa exigência.
Admitimos a
existência de falha formal, mas em hipótese alguma se pode afirmar que tal
omissão tenha causado lesão ao erário. Os materiais adquiridos e os serviços
contratados foram fornecidos, executados e pagos conforme estabelecido nos
contratos firmados entre as partes.
Ao
contrário do raciocínio formulado pelos responsáveis, a movimentação da conta
bancária de forma correta auxilia na certificação da boa e da regular aplicação
dos recursos públicos, não se tratando a falha, portanto, de natureza formal.
Assim,
infere-se que deve ser mantida a responsabilidade do Sr. Leandro Laércio de
Souza e da entidade Moto Clube Sorocaba, pois a irregularidade em tela corrobora
a conclusão de que houve uma verdadeira fraude na captação de recursos
públicos.
Ante o exposto, o Ministério Público de
Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da
Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:
1. Por julgar irregulares, com imputação
de débito, as contas de recursos repassados ao Moto Clube Sorocaba, no
montante de R$ 80.000,00, referente
à Nota de Empenho nº 542/2008.
2. Por condenar solidariamente, nos termos do
art. 18, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o Sr. Leandro Laércio de Souza, a pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, o Sr. Gilmar Knaesel, a Sra.
Nair Cristina de Abreu, a Sra. Nair
Ferreira Abreu, a Sra. Lilian
Cristina de Oliveira, a Sra. Maria
de Fátima Goulart da Silva e o Sr.
Décio José Feltz, com os devidos acréscimos legais, nos seguintes moldes:
2.1.
De
responsabilidade solidária do Sr. Leandro Laércio de Souza e da pessoa jurídica
Moto Clube Sorocaba, sem prejuízo da aplicação da multa prevista no art.
68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 80.000,00, em face
das seguintes irregularidades:
2.1.1.
Ausência
de comprovação material da efetiva realização do objeto proposto, ante a ausência
de elementos de suporte que demonstrem a sua execução;
2.1.2. Ausência
da comprovação material do efetivo fornecimento e da prestação dos serviços, em
função da inexistência de outros documentos de suporte e aliada à descrição
insuficiente nos comprovantes de despesas;
2.1.3. Apresentação
de documento de despesa simulada e cheque bancário forjado, caracterizando
documentação falsa para comprovar gastos com recursos públicos;
2.1.4.
Não
emissão de cheques cruzados;
2.1.5. Juntada
de declaração com assinaturas falsificadas, caracterizando documentação forjada
para solicitação de recursos públicos.
2.2. De
responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, sem prejuízo da aplicação de
multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de
R$ 80.000,00, em face das seguintes irregularidades:
2.2.1. Aprovação do projeto e repasse dos
recursos sem o parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC;
2.2.2.
Aprovação
do projeto e repasse dos recursos sem a demonstração formal do enquadramento do
projeto no PDIL;
2.2.3.
Aprovação
do projeto e repasse dos recursos sem a avaliação pelo Conselho Estadual de
Esporte, quanto ao julgamento do mérito do projeto apresentado pela proponente;
2.2.4. Repasse dos recursos sem
a realização do termo de Contrato de Apoio Financeiro;
2.3. De
responsabilidade solidária da Sra. Nair Cristina de Abreu, sem prejuízo da
aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
o valor de R$ 3.500,00, em face da emissão de comprovante de despesa e
recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de
assessoria de imprensa sem a comprovação da realização dos serviços.
2.4. De
responsabilidade solidária da Sra. Nair Ferreira Abreu, sem prejuízo da
aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
o valor de R$ 2.000,00, em face da emissão de comprovante de despesa e
recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de
secretária, sem a comprovação da realização dos serviços.
2.5. De
responsabilidade solidária da Sra. Lilian Cristina de Oliveira, sem prejuízo da
aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000,
o valor de R$ 6.800,00, em face
da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do
erário, por suposto serviço de palestrante, sem a comprovação da realização dos
serviços.
2.6. De
responsabilidade solidária da Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, sem
prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual
nº 202/2000, o valor de R$ 3.500,00, em face da emissão de comprovante de
despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço
de coordenação geral, sem a comprovação da realização dos serviços.
2.7. De
responsabilidade solidária do Sr. Décio José Feltz, sem prejuízo da aplicação
de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor
de R$ 6.800,00, em face da apresentação de documento de despesa simulada e
cheque bancário forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar
gastos com recursos públicos.
3. Por declarar o Sr. Leandro Laércio
de Souza e a entidade Moto Clube Sorocaba impedidos de receber novos recursos do
erário até a regularização do presente processo.
4. Por dar ciência da
decisão proferida pelo TCE/SC ao Sr. Gilmar Knaesel, ao Sr. Leandro Laércio de
Souza, à entidade Moto Clube Sorocaba, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra.
Lilian Cristina de Oliveira, a Sra. Nair Ferreira Abreu, a Sra. Maria de Fátima
Goulart da Silva, ao Sr. Décio José Feltz e à Secretaria de Estado de Turismo,
Cultura e Esporte.
5. Por encaminhar ao
Ministério Público do Estado de Santa Catarina (27ª Promotoria de Justiça da
Comarca da Capital – Defesa da Moralidade Administrativa) cópias do relatório
conclusivo elaborado pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, do
presente parecer e da decisão proferida pelo TCE/SC.
Florianópolis, 12 de setembro de 2016.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador
do Ministério
Público
de Contas
[1] Nesse sentido:
http://horadesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2016/06/sedes-de-ongs-envolvidas-em-investigacao-que-prendeu-ex-secretario-geram-suspeita-6054248.html.
[2] Nesse sentido: http://osoldiario.clicrbs.com.br/sc/noticia/2016/06/inquerito-aponta-gilmar-knaesel-psdb-como-mentor-de-fraudes-com-ongs-fantasmas-em-sc-6030228.html.
[3] O art. 37, § 5º, da Constituição da
República prevê: “§ 5º A lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as
respectivas ações de ressarcimento”.
[4] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC 10/00029430, Câmara Municipal
de Otacílio Costa. J. em: 13 mar. 2013.
[5] A Lei nº 13.792/2006
prescreve: Art. 6º. A concessão de incentivo pelo
Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC
dar-se-á somente a projetos que tenham adequação ao presente Plano Estadual da
Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo
brasileiro. 18 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 18.
[7] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas.
PCR 08/00075978, FUNDESPORTE. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 22 out. 2010.
[8] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios
Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p.
240.
[9] CAVALIERI FILHO, Sério. Programa de Responsabilidade
Civil. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 105.
[10] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão
2343/2006, Plenário. Relator: Min. Benjamin Zymler. J. em: 06 dez. 2006.
Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em
16 dez. 2015.
[11] Nesse sentido:
http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/06/inquerito-aponta-gilmar-knaesel-psdb-como-mentor-de-fraudes-com-ongs-fantasmas-em-sc-6030228.html.
[12] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. TCE
11/00340316, FUNTURISMO. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 18 fev. 2015.
[13] O art. 72, do Código Penal prevê: “Art. 72 - No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”.
[14] OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações
e sanções administrativas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1985, p. 82.
[15] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção do
direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 130.
[16] Nesse sentido: (STJ, AgRg no Resp 1198355/RS) PENAL. FURTOS. CRIME CONTINUADO. ARTIGO 71 DO CP. LAPSO TEMPORAL ENTRE AS CONDUTAS SUPERIOR A TRINTA DIAS. DESCARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. 1. A circunstância de haver transcorrido prazo maior que trinta dias entre os delitos, segundo a jurisprudência firmada por este Superior Tribunal de Justiça, afasta a possibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos mesmos.
[17] FEDERAL, Tribunal Regional (3ª
Região). Apelação Cível nº 0025078-68.2004.4.03.6100/SP.
Rel. Cecilia Marcondes. J. em: 20 dez. 2013. Disponível em: http://www.plenum.com.br/ac/TRF3/003/00250786820044036100.html. Acesso em: 01 set. 2015.
[18] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Resp nº 616412/MA. Rel. Eliana
Calmon. J. em: 29 nov. 2004. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.
[19] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). AgRg no Edcl no Resp nº 68479/PE.
Rel. Mauro Campbell Marques. J. em 27 abr. 2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.
[20] FEDERAL, Tribunal Regional (4ª
Região). Embargos de Declaração na Apelação Cível nº 2006.71.04.001289-5/RS.
Rel. Marcelo de Nardi. J. em: 26 mar. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/9684301/Downloads/de_jud_2009_03_31_a.pdf.
Acesso em: 01 set. 2015.
[21] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9,
do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu.
gov.br. Acesso em: 08 dez. 2015.
[22] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas.
TCE 10/002299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.