Parecer nº:

MPC/43.224/2016

Processo nº:

TCE 12/00111238    

Origem:

Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE

Assunto:

Tomada de Contas Especial instaurada na SOL, em face de supostas irregularidades na prestação de contas de recursos repassados ao Moto Clube Sorocaba - Projeto Memória Itinerante (NE 542/2008 - R$ 80.000,00)

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada internamente pela Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com vistas a apurar irregularidades relacionadas à transferência de recursos públicos ao Moto Clube Sorocaba, no valor de R$ 80.000,00.

O caderno processual iniciou-se através dos documentos encaminhados pela Unidade Gestora (fls. 02-286).

Posteriormente, a Diretoria de Controle da Administração Estadual realizou diversas diligências, no intento de esclarecer melhor a conjunta fática.

À fl. 394, o Relator despachou no feito, a fim de submeter os autos à Presidência do TCE/SC para que fosse avaliada a necessidade de comunicação dos fatos apurados neste caderno processual ao Ministério Público Estadual, ante a constatação de crimes de natureza pública incondicionada.

Após, o Gabinete da Presidência da Corte de Contas catarinense encaminhou ofício ao Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com cópia dos autos.

Na sequência, o Sr. Gilmar Knaesel, antes de receber o ato citatório, protocolizou no caderno processual uma peça denominada “ação de arguição de prescrição administrativa” (fls. 471-500).

Analisando os autos, a Diretoria de Controle da Administração Estadual, sob o relatório técnico nº 0161/2015, averiguou diversas irregularidades no processo de concessão de recursos públicos e no processo de prestação de contas, razão pela qual definiu a responsabilidade e sugeriu a citação dos responsáveis (fls. 501-525).

Determinada a realização do ato processual (fl. 526), o Sr. Gilmar Knaesel apresentou razões de defesa às fls. 543-569, o Sr. Leandro Laércio de Souza conjuntamente com Moto Clube Sorocaba às fls. 571-586 e o Sr. Décio José Feltz às fls. 599-606.

Por fim, sobreveio novo relatório técnico, sob o nº 0128/2016, com a seguinte conclusão (fls. 641-674):

 

3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, as contas de recursos repassados ao Moto Clube Sorocaba, no montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), referentes à Nota de Empenho nº 542/2008, paga em 22/09/2008, discriminada na Tabela 1 do item 1, de acordo com os relatórios emitidos nos autos.

3.2 Condenar solidariamente, nos termos do art. 18, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o Sr. Leandro Laércio de Souza, Presidente do Moto Clube Sorocaba, inscrito no CPF nº 043.334.609-48, residente na Rua José Francisco Goulart nº 92, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; a pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, inscrita no CNPJ nº 09.159.227/0001-59, estabelecida na Rua José Francisco Goulart nº 92, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; o Sr. Gilmar Knaesel, inscrito no CPF nº 341.808.509-15, ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes nº 310, Gabinete 204, bairro Centro, Florianópolis/SC, CEP 88.020-900; a Sra. Nair Cristina de Abreu, inscrita no CPF nº 051.965.849-35, residente na Rua José Francisco Goulart nº 95, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; a Sra. Nair Ferreira Abreu, inscrita no CPF nº 730.124.409-68, residente na Rua José Francisco Goulart nº 78, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000; a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, inscrita no CPF nº 833.62.299-49, residente na Rua Santo André nº 639, bairro Flor de Nápolis, São José/SC, CEP 88.160-400; e a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, inscrita no CPF nº 649.486.769-34, residente na Rua José Francisco Goulart nº 101, bairro Rio Caveiras, Praia João Rosa, Biguaçu/SC, CEP 88.160-000, ao recolhimento da quantia de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), fixando-lhes prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal (DOTC-e), para comprovar perante esta Corte de Contas o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), partir de 22/09/2008 (data do repasse), sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II da Lei Complementar nº 202/2000), em razão da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, contrariando o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e o art. 49 da Resolução TC nº 16/1994, conforme segue:

3.2.1 De responsabilidade solidária do Sr. Leandro Laércio de Souza e da pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, já qualificados, sem prejuízo da aplicação da multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em face da:

3.2.1.1 ausência de comprovação material da efetiva realização do objeto proposto, ante a ausência de elementos de suporte que demonstrem cabalmente em que especificamente foram aplicados os recursos públicos repassados, no importe de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), descumprindo o art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, os arts. 49 e 52, incisos II e III da Resolução TC nº 16/1994, o art. 70, IX, X e XXI do Decreto Estadual nº 1.291/2008 e os arts. 17 e 20, inciso I do Decreto Estadual nº 307/2003 (subitem 2.3.1.1 deste Relatório);

3.2.1.2 ausência da comprovação material do efetivo fornecimento e da prestação dos serviços, em função da inexistência de outros documentos de suporte e aliada a descrição insuficiente nos comprovantes de despesas, no montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), mesmo valor tratado no item 3.2.1.1 desta conclusão, em afronta ao disposto no art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, no art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, o art. 70, IX, X e XXI e § 1º do Decreto Estadual nº 1.291/2008 e nos arts. 49, 52, II e III, e 60, II e II, todos da Resolução TC nº 16/1994 (subitem 2.3.1.2 deste Relatório);

3.2.1.3 apresentação de documento de despesa simulada e cheque bancário forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar gastos com recursos públicos, no valor de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais), valor incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, não demonstrando o bom e regular emprego dos recursos públicos, desrespeitando o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, ao art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, os arts. 49, 52, incisos II e III, 58, parágrafo único e 61, caput, todos da Resolução TC nº 16/1994 e o art. 70, VIII, XI e § 1º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, além de ter concorrido para a ocorrência de possível crime tipificado nos arts. 298 e 299 da Lei Federal nº 7.209/1984 (subitem 2.3.1.3 deste Relatório);

3.2.1.4 não emissão de cheques cruzados, em desobediência ao art. 58, § 2º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, bem como o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 47, 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994, impossibilitando a aferição da boa e regular aplicação dos recursos (subitem 2.3.1.4 deste Relatório); e

3.2.1.5 juntada de declaração com assinaturas falsificadas, caracterizando documentação forjada para solicitação de recursos públicos, no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), mesmo valor referido nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2, e parte deste trata-se do item 3.2.1.3, todos desta conclusão, o que corroborou para a ocorrência do dano, pois sem a mesma não teria obtido os recursos do Fundesporte, infringindo art. 14 do Anexo V do Decreto Estadual nº 1.291/2008, o que veio a corroborar para o dano ao erário, ante a não demonstração do bom e regular emprego dos recursos públicos na prestação de contas, nos moldes do art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e dos arts. 49 e 52, incisos II e III, ambos da Resolução TC nº 16/1994, além de terem concorrido para a ocorrência de crime tipificado nos arts. 298 e 299 da Lei Federal nº 7.209/1984 (subitem 2.3.2.1 deste Relatório).

3.2.2 De responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, já qualificado nos autos, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em face da:

3.2.2.1 aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC, contrariando os arts. 11, I e 36, § 3º do Decreto Estadual nº 1.291/2008, c/c a Lei Estadual nº 13.336/2005, o art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput e § 5º da Constituição Estadual (subitem 2.2.1.1 deste Relatório);

3.2.2.2 aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência da demonstração formal do enquadramento do projeto no PDIL, desrespeitando a Lei Estadual nº 13.792/2006, c/c o art. 37, caput da Constituição Federal e o art. 16, caput e § 5º da Constituição Estadual (subitem 2.2.1.2 deste Relatório);

3.2.2.3 aprovação do projeto e repasse dos recursos mesmo diante da ausência de avaliação pelo Conselho Estadual de Esporte, quanto ao julgamento do mérito do projeto apresentado pela proponente, contrariando o previsto no art. 10, § 1º da Lei nº 13.336/2005, com redação dada pela Lei nº 14.366/2008, e nos arts. 10 e 11 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, bem como os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, dispostos no art. 37, caput da Constituição Federal e a necessária motivação dos atos administrativos prevista no art. 16, § 5º da Constituição Estadual (subitem 2.2.1.3 deste Relatório); e

3.2.2.4 repasse dos recursos mesmo diante da ausência do termo de Contrato de Apoio Financeiro, em desacordo com o disposto nos arts. 60 e 61, parágrafo único, c/c o art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993, nos arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e nos arts. 1º e 37, II do Decreto Estadual nº 1.291/2008 (subitem 2.2.1.4 deste Relatório).

3.2.3 De responsabilidade solidária da Sra. Nair Cristina de Abreu, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), valor já incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de assessoria de imprensa, motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Nair é membro de outra entidade que guarda estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste Relatório).

3.2.4 De responsabilidade solidária da Sra. Nair Ferreira Abreu, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidade que corroborou para o débito do item 3.2, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), valor já incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de secretária, motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Nair é membro de outra entidade que guarda estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste Relatório).

3.2.5 De responsabilidade solidária da Sra. Lilian Cristina de Oliveira, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no valor de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais), valor já incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de palestrante, motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Lilian é membro de outra entidade que guarda estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste Relatório).

3.2.6 De responsabilidade solidária da Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, já qualificada, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, por irregularidades que corroboraram para o débito do item 3.2, no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), valor já incluído nos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.2 desta conclusão, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de coordenação geral, motivo pelo qual está sujeito a jurisdição deste Tribunal, nos termos do art. 6º, incisos I e II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, pois não há comprovação da realização dos serviços, além de que, o Sra. Maria de Fátima é membro de outras entidades que guardam estreita relação entre elas, pois membro de uma presta serviço para outra, ensejando autorremuneração, em ofensa ao art. 44 do Decreto Estadual nº 1.291/2008, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (subitens 2.3.1.2 e 2.3.2.1 deste Relatório).

3.3 Declarar o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto Clube Sorocaba, já qualificados, impedidos de receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 16, § 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c o art. 1º, § 2º, inciso I, alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012 e o art. 61 do Decreto Estadual nº 1.309/2012.

3.4 Dar ciência do Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamenta ao Sr. Gilmar Knaesel, ao Sr. Leandro Laércio de Souza, à entidade Moto Clube Sorocaba, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, a Sra. Nair Ferreira Abreu, a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, ao Sr. Décio José Feltz e à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL).

3.5 Dar conhecimento do presente Relatório de Instrução, assim como do Acórdão, do Relatório e Voto do Relator ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, visando à instrução dos Inquéritos Civis nºs 06.2014.00006728-0 e/ou 06.2014.00006736-8, ambos em curso na 27ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital – Defesa da Moralidade Administrativa.

 

É o relatório.

 

1. Considerações iniciais

 

Ressalte-se, inicialmente, que a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte repassou, em 11.09.2008, à entidade Moto Clube Sorocaba o valor de R$ 80.000,00, com vistas à execução do projeto denominado “Memória Itinerante”.

Com efeito, cabe aqui mencionar que, nos termos do plano de trabalho, o projeto tinha como finalidade a realização de palestras educativas a crianças e adolescentes de 07 a 16 anos de idade da rede pública de ensino, em entidades sem fins lucrativos e em comunidades carentes, tendo como tema “como o esporte pode propiciar uma melhor qualidade de vida e como ele pode afastar dos vícios indesejáveis”.

Faz-se oportuno comentar que deveriam ser realizadas 50 palestras nas cidades de Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Governador Celso Ramos e São José, com uma expectativa de público de 5.000 crianças e jovens carentes.

Para a execução de tal projeto, previram-se as seguintes despesas (fl. 13):

 

 

 

Descrição

Quant.

Valor Unitário

Valor Total

Aluguel de veículo (diária)

40

R$ 80,00

R$ 3.200,00

Secretária

01

R$ 2.000,00

R$ 2.000,00

Coordenador Geral

01

R$ 3.500,00

R$ 3.500,00

Assessoria de Imprensa

01

R$ 3.500,00

R$ 3.500,00

Cartazes

500

R$ 2,50

R$ 1.250,00

Mini-banners

25

R$ 50,00

R$ 1.250,00

Folders

1.000

R$ 1,30

R$ 1.300,00

Cartilhas/Apostilas

5.000

R$ 6,00

R$ 30.000,00

Cachê para palestrantes

05

R$ 6.800,00

R$ 34.000,00

Total

R$ 80.000,00

 

À vista dessas informações iniciais, sublinhe-se que o caso trazido à baila demanda uma atenção especial, pois há flagrantes indícios de crime nos autos, o que gerou, inclusive, a instauração do inquérito civil nº 06.2014.000006736-8 pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

Ao encontro disso, afigura-se oportuno asseverar que os repasses de verbas públicas efetuados à entidade Moto Clube Sorocaba foram considerados fraudulentos pelo Ministério Público estadual e, em sede sumária, pelo Poder Judiciário, o que culminou na prisão preventiva de diversos envolvidos no esquema, dentre eles o ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte – Sr. Gilmar Knaesel[1] – e o Sr. Leandro Laércio de Souza – Presidente da entidade Moto Clube Sorocaba[2].

É importante consignar, outrossim, a existência de estreita relação entre algumas entidades recebedoras de recursos públicos e seus respectivos representantes.

Para corroborar, anote-se que o Sr. Leandro Laércio de Souza era presidente da Associação Cultural, Esportiva e Musical do Município de Biguaçu, do Moto Clube Sorocaba, do Instituto de Fomento e Desenvolvimento do Turismo Catarinense e, ainda, membro do Conselho Fiscal da Sociedade Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São.

Já o Sr. Edício Gambeta era Presidente da Sociedade Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São e Primeiro Secretário do Instituto de Fomento e Desenvolvimento do Turismo Catarinense.

A Sra. Nair Ferreira de Abreu, por sua vez, era membro do Conselho Fiscal da Associação Cultural, Esportiva e Musical do Município de Biguaçu e da Sociedade Recreativa e Esportiva Mente Sã – Corpo São e, também, Segunda Tesoureira do Instituto de Fomento e Desenvolvimento do Turismo Catarinense.

Ainda, restou constatado ao longo do caderno processual que houve falsificação das assinaturas dos membros da diretoria da entidade Moto Clube Sorocaba na declaração de fls. 30-31, o que confirma o grande esquema fraudulento avistado nestes autos.

Presente esse contexto, cumpre salientar que foram constatadas as seguintes irregularidades no processo de concessão de recursos públicos: a) ausência de parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC; b) ausência da demonstração do enquadramento do projeto aprovado no PDIL; c) ausência de julgamento do projeto pelo Conselho Estadual de Esporte; d) ausência do Contrato de Apoio Financeiro e da publicação do resumo do contrato.

Já no processo de prestação de contas constatou-se a ausência de comprovação da boa e da regular aplicação dos recursos públicos, o que ficou evidenciado diante dos seguintes apontamentos restritivos: a) apresentação de documento contendo assinaturas falsificadas; b) ausência de comprovação da realização do projeto proposto; c) ausência de comprovação da efetiva prestação dos serviços; d) apresentação de documentos de despesa e cheque inidôneos; e) emissão de cheques não cruzados.

Feitos esses comentários, passa-se à análise da prejudicial de mérito arguida pelo Sr. Gilmar Knaesel e, após, ao exame das irregularidades apuradas nos autos.

 

2. Da prejudicial de mérito da prescrição

 

Cabe ter presente, em primeiro lugar, que o Sr. Gilmar Knaesel arguiu a prejudicial de mérito da prescrição, no intento de afastar a sua responsabilização neste caderno processual. 

Para o ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, o caso trazido à baila deveria ter sido julgado em até cinco anos, a contar da data do repasse dos recursos públicos - 11.09.2008.

Na esteira do raciocínio formulado pelo gestor, ter-se-ia, portanto, até o ano de 2013 para a análise das contas e eventual imputação de débito.

Como se pode notar, sem razão a tese lançada.

Com efeito, sabe-se que a matéria aqui ventilada - prescrição - já foi objeto de muita discussão, mas, atualmente, não gera quaisquer dúvidas no âmbito do TCE/SC.

Seguindo a orientação formulada pelo Supremo Tribunal Federal, a Corte de Contas catarinense, em diversas ocasiões, já assinalou que o dano ao erário é imprescritível, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição da República[3].

Para corroborar, anote-se a ementa do voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:

 

RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECER. NÃO-PROVER.

Prescrição. Tribunal de Contas.

A hipótese de ressarcimento de prejuízo causado ao erário não se submete ao instituto da prescrição, consoante determina a parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal.

Tribunal de Contas. Procedimentos instaurados pelo Ministério Público Estadual

O dever-poder conferido pelo texto constitucional aos Tribunais de Contas não está jungido aos procedimentos investigatórios instaurados pelo Ministério Público Estadual.

Matéria de Fato. Prova.

A defesa baseada em matéria de fato deve estar acompanhada de prova idônea[4].

 

Por outra banda, reconheço, notadamente, a existência da Lei Complementar Estadual nº 588/2013 (de questionável constitucionalidade por vício de iniciativa), a qual versa sobre a prescrição intercorrente.

Contudo, é importante rememorar que, nos termos da Resolução nº TC 100/2014, a Lei Complementar Estadual nº 588/2013 não deve ser empregada quando constatada a ocorrência de dano ao erário, senão vejamos:

 

Art. 3° A aplicação do art. 24-A da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 será afastada nas seguintes hipóteses:

I - incidência do art. 37, §5°, da Constituição Federal nos processos em que for caracterizado dano ao erário, conforme dispõem os arts. 15, §3°, 18, inciso lll e §2°, e 32 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000;

II - apreciação de processo de atos para fins de registro, de que trata o inciso III do art. 59 da Constituição do Estado. (Grifou-se)

 

A par disso, cumpre assinalar que as irregularidades vislumbradas no presente caso são ensejadoras de imposição de débito, em razão do dano causado ao erário, e, ainda, aplicação de multa, ante a violação de dispositivos legais.

É necessário, portanto, fazer a subsunção do fato à norma, a fim de verificar se ocorreu a prescrição das irregularidades passíveis de multa.

Nesse contexto, convém anotar o conteúdo normativo da Lei Complementar Estadual nº 588/2013:

 

Art. 24-A É de 5 (cinco) anos o prazo para análise e julgamento de todos os processos administrativos relativos a administradores e demais responsáveis a que se refere o art. 1º desta Lei Complementar e a publicação de decisão definitiva por parte do Tribunal, observado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 1º Findo o prazo previsto no caput deste artigo, o processo será considerado extinto, sem julgamento do mérito, com a baixa automática da responsabilidade do administrador ou responsável, encaminhando-se os autos ao Corregedor-Geral do Tribunal de Contas, para apurar eventual responsabilidade.

§ 2º O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir da data de citação do administrador ou responsável pelos atos administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou extinção do mandato, considerando-se preferencial a data mais recente.” (NR)

 

Art. 2º O disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000, aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma:

I - os processos instaurados há 5 (cinco) ou mais anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 2 (dois) anos para serem analisados e julgados;

II - os processos instaurados há pelo menos 4 (quatro) anos e menos de 5 (cinco) anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 3 (três) anos para serem analisados e julgados;

III - os processos instaurados há pelo menos 3 (três) anos e menos de 4 (quatro) anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 4 (quatro) anos para serem analisados e julgados; e

IV - os processos instaurados há menos de 3 (três) anos terão, a partir da publicação desta Lei Complementar, o prazo de 5 (cinco) anos para serem analisados e julgados.

 

Para uma melhor compreensão dos dispositivos citados acima, trago à colação os ensinamentos do Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi, o qual tratou, com propriedade, sobre a aplicação da referida lei e sobre as regras de transição:

 

Atendo-se à redação conferida ao dito art. 24-A da Lei Complementar n. 202/2000, verifica-se que, dentre os dois marcos fixados para contagem dos prazos, considera-se “... a data de citação do administrador ou responsável pelos atos administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou extinção do mandato, considerando-se preferencial a data mais recente”.

Em consulta aos autos do processo PCA 07/00178910, verifico que a responsável fora citada em data de 26.09.2011, conforme se comprova às fls. 51 daquele caderno processual. Desta forma, tem-se que o prazo final para julgamento do feito seria em 26 de novembro de 2016. Portanto, não há prejuízo ao julgamento do feito quanto a este aspecto. E na concepção deste subscritor, neste ponto se encerra a questão.

Inevitável, entretanto, o surgimento de interpelações suscitando a disciplina do art. 2° da LC 588/2013. Assim, para correto equacionamento da matéria, adito as razões pelo qual defendo sua inaplicabilidade para esta hipótese.

O art. 2º da LC 588/2013 trata das regras de transição, aplicáveis aos processos que, face à novidade da norma, poderiam ser arquivados sem que o Tribunal de Contas tivesse tempo oportuno para adaptação à nova disciplina de temporalidade processual. Desta forma, se a regra geral do novo art. 24-A não vier a prejudicar a atuação desta Corte Administrativa em curto prazo (como é o caso), não se justifica o uso da regra transitória.

Para maior aprofundamento da questão, atente-se para o fato de que o art. 2° expressamente se reporta ao disposto no art. 24-A e menciona que sua aplicabilidade dar-se-á no que couber. (“Art. 2º O disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000, aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma:”). Cabe também enfatizar que os marcos temporais são totalmente distintos num e noutro artigo: um faz uso da data da citação ou término do exercício do cargo ou mandato (regra geral); outro, menciona a data da instauração do processo (regra transitória).

Então, vale repisar, a disciplina do art. 2° só será útil e aplicável quando o imediato alcance do art. 24-A inviabilizar o julgamento de processos mais antigos.

Para melhor esclarecimento, tratemos dos seguintes exemplos:

1)  Suponha-se que na data de publicação da lei (15.01.2013) fosse identificado um processo no qual, há 05 anos ou mais, foi efetuada a citação da parte responsável e findou o exercício do seu cargo ou mandato. Neste caso, a disciplina do recém-criado art. 24-A impediria, desde logo, a emissão de julgamento. O art. 2° surge, então, como norma de transição para assegurar que por mais 02 anos (atenuando os efeitos inovadores da lei) possa o Tribunal de Contas prosseguir na instrução e julgamento do feito, conforme o seguinte texto:

[...]

2)  Suponha-se, agora, que tenha sido identificado um processo que, embora instaurado há mais de 05 anos, não tenha se amoldado completamente ao marco temporal do art. 1°. Cogite-se, por exemplo, que a citação neste processo tenha sido efetuada em ocasião mais recente, menos de 02 anos; ou que o exercício do cargo ou do mandato tenha se encerrado neste mesmo prazo. Para tal hipótese, não se faz necessário o uso da norma de transição, já que a regra geral ainda permitirá a atuação do Tribunal de Contas, conforme a redação do §2° do art. 24-A: “O prazo previsto no ‘caput’ deste artigo será contado a partir da data de citação do administrador ou responsável pelos atos administrativos, ou da data de exoneração do cargo ou extinção do mandato, considerando-se preferencial a data mais recente.” (ou seja, não importa se o processo em si tem mais de 05 anos).

Todos os incisos do art. 2° da LC n. 588/2013 seguem a mesma lógica, qual seja: só possuem aplicabilidade nos casos em que a pronta aplicação da regra geral do art. 24-A obstar a análise de mérito dos processos em trâmite no Tribunal de Contas, de acordo com os prazos ali mencionados. Caso contrário, a disciplina ad futurum deste último basta por si só (art. 24-A).

Cabe explicitar que esta é a única interpretação lógica possível, considerando-se a redação que foi dada ao art. 2° e a regra hermenêutica de que a lei não contém palavras inúteis. Tamanha engenhosidade seria dispensada caso o legislador apenas tivesse preceituado que “os processos em curso no Tribunal de Contas observaram a seguinte disciplina: (...)”. Entretanto, por meio de redação de alcance e aplicabilidade bem mais complexa, prescreveu que o disposto no art. 24-A da Lei Complementar nº 202, de 2000 aplica-se, no que couber, aos processos em curso no Tribunal de Contas, da seguinte forma: (...)”.

Tal linha interpretativa também evitará incoerências futuras, traduzidas no fato de que os jurisdicionados com processos mais recentes não usufruiriam dos mesmos benefícios concedidos àqueles cujos processos foram autuados em data anterior a publicação da LC n. 588/2013.

Para melhor didática, vamos recorrer a outro exemplo: a análise mais simplista do art. 2º da LC n. 588/2013 (com a qual não concordamos) nos induziria a pensar que todos os processos anteriores a 15.01.2013 teriam 05 anos, no máximo, para serem julgados, independentemente da disciplina do art. 24-A. Mas então se questiona: qual será o tratamento dado aos processos instaurados após a publicação da lei?

Se o marco temporal do art. 24-A da Lei Orgânica (regra geral para contagem dos cinco anos) é constituído apenas pela data da citação ou do término do exercício do cargo ou função, é bem possível que um processo futuro tenha mais de 15 anos e ainda assim esteja em condições de ser julgado. Basta, por exemplo, que a citação tenha ocorridos nos últimos dois anos. Neste caso, não haveria uma incoerência normativa? Os jurisdicionados submetidos à regra de transição não teriam obtido um tratamento privilegiado, considerando-se a regra geral que passa a vigorar? Não se estaria adotando referências totalmente distintas para determinar o arquivamento dos processos, ou seja, para aqueles autuados até 15.01.2013 a referência seria a data da autuação (mais favorável), enquanto para os posteriores, a data da citação ou término do exercício do cargo ou mandato?

Por certo, a linha interpretativa que preserva a coerência, evita a distinção entre situações jurídicas idênticas e reverencia o caráter perene das disposições normativas, constitui o melhor norte a ser seguido. Não é demais lembrar que uma norma de transição se presta a flexibilizar eventuais rupturas decorrentes de uma nova regra jurídica. Mas se a interpretação do seu alcance conduz a criação de regra totalmente distinta da norma principal e com ela não compatível, impõe-se a revisão do processo interpretativo, com o escopo de conciliar a norma de transição com a nova disciplina geral que fundamentou sua existência.

[...]

Reconhece-se não haver obviedades no raciocínio ora adotado. Mas é importante advertir que a lei da qual estamos tratando por si só representa um grande desafio à lógica. Um artigo subsidia a aplicação do outro, mas se valendo de referência que, a princípio, os tornaria inconciliáveis. E há diversas outras peculiaridades da norma colocando à prova a flexibilidade do intérprete, sem caber a este voto o esgotamento da matéria. O que deve ficar claro é que qualquer tentativa de compreensão demandará múltiplas leituras, um olhar clínico sobre todos os termos da lei e, sobretudo, redobrado esforço para lhes emprestar um sentido e coerência. (Grifos no original)

 

Em exame ao prazo prescricional previsto na Lei nº 588/2013, pode-se concluir que as irregularidades passíveis de multa não estão prescritas, uma vez que o Sr. Gilmar Knaesel foi citado em 1º de dezembro de 2015, ou seja, há menos de um ano.

Logo, a prejudicial de mérito arguida deve ser afastada, uma vez que o argumento levantado é insuscetível de obstar a análise de mérito neste feito.

 

3. Do processo de concessão de recursos públicos

 

3.1. Ausência de parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC

 

Destaque-se, neste ponto, que o processo de concessão de recursos públicos deve passar por diversas análises até a emissão da decisão final, o que inclui um exame técnico, jurídico e orçamentário.

Para corroborar a assertiva acima, anote-se a previsão constante no Decreto Estadual nº 1.291/2008:

 

Art. 36. Os projetos de cunho cultural, turístico e esportivo, de âmbito estadual ou regional, deverão obrigatoriamente ser apresentados nas Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional do domicílio do proponente, juntamente com a documentação necessária, e submetidos à apreciação do Conselho de Desenvolvimento Regional.

[...] 

§ 3° - Todo projeto proposto deverá ser instruído jurídica e administrativamente pelas Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional e pela Diretoria do SEITEC, no caso dos projetos prioritários e especiais, devendo ser solicitados todos os pareceres jurídicos, técnicos e orçamentários que se fizerem necessários para instruir o julgamento dos Conselhos e Comitês Gestores.

 

A par disso, impõe-se consignar que os pareceres jurídicos, técnicos e orçamentários são de fundamental importância, pois auxiliam na análise do projeto e contribuem, evidentemente, no julgamento do projeto pelos Conselhos e Comitês Gestores.

No caso em tela, constata-se a inexistência do parecer técnico-orçamentário, o que demonstra que o projeto denominado “Memória Itinerante” foi aprovado sem que houvesse a análise adequada por parte do órgão responsável.

Em sua contestação, o Sr. Gilmar Knaesel não traz elementos que atenuem a sua responsabilidade, tampouco apresenta justificativas que rechacem o apontamento restritivo, o que pode ser ratificado a partir do seguinte excerto extraído da defesa (fl. 561):

 

Cabem algumas considerações de suma importância para aclaramento da restrição apontada. Somente nos relatórios de instrução mais recentes é que começou a ser apontada a ausência de parecer técnico orçamentário como uma falha passível de aplicação de sanção.

A ausência de parecer técnico orçamentário ocorreu em todos os processos de concessão de incentivos através dos fundos do sistema SEITEC, pelo simples fato de que, por se tratar de recursos oriundos de renúncia de tributos, e sem quantificação prévia, todos os recursos eram classificados numa fonte de despesa que recebeu o código 62.

Talvez tenha passado desapercebido pelos analistas do TCE, que os projetos dependiam, num primeiro momento da captação de recursos por parte dos proponentes e após, da disponibilidade apresentada pela Secretaria da Fazenda, a cada quinzena, do quanto de receita poderia ser utilizada para os projetos incentivados.

O empenhamento dependia até o último momento da liberação de quanto poderia ser pago para aquele projeto. Este é um dos principais motivos porque ocorriam tantas alterações nos valores aprovados. O orçamento dos fundos era global e, empenhado de acordo com as disponibilidades financeiras.

 

Como se pode perceber, os argumentos acima invocados não têm o condão de afastar a irregularidade, mormente porque o responsável assevera que a ausência do parecer técnico-orçamentário ocorreu em todos os processos de concessão.

Dessa feita, entende-se que deve haver a devida responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel, já que ignorou as normas aplicáveis à espécie.

 

3.2. Ausência da demonstração do enquadramento do projeto aprovado ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL

 

Sabe-se que a concessão de incentivos pela Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte depende da adequação do projeto apresentado ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto[5].

Vale aqui mencionar que o Plano citado acima foi instituído pela Lei Estadual nº 13.792/2006 e tem por finalidade estabelecer as políticas, as diretrizes e os programas para a cultura, para o turismo e para o desporto do Estado de Santa Catarina.

Nos termos da referida norma, o plano, oriundo do processo de planejamento descentralizado, possui ampla participação popular e tem por base a aplicação dos seguintes critérios:

 

Art. 2º O Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina - PDIL, oriundo de processo de planejamento descentralizado, com ampla participação popular, tem por base a aplicação dos seguintes critérios:

I - incentivo e valorização de todas as formas de expressão cultural;

II - integração com as políticas de comunicação, ecológica, educacional e de lazer;

III - proteção das obras, objetos, documentos, monumentos naturais e outros bens de valor histórico, artístico, científico e cultural;

IV - criação de espaços e equipamentos públicos e privados, destinados a manifestações artístico-culturais;

V - preservação da identidade e da memória catarinense;

VI - concessão de apoio administrativo, técnico e financeiro às entidades culturais municipais e privadas, em especial à Academia Catarinense de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina;

VII - concessão de incentivos, nos termos da lei, para a produção e difusão de bens e valores culturais, como forma de garantir a preservação das tradições e costumes das etnias formadoras da sociedade catarinense;

VIII - integração das ações governamentais no âmbito da cultura, esporte e turismo;

IX - abertura dos equipamentos públicos para as atividades culturais;

X - criação de espaços públicos equipados para a formação e difusão das expressões artístico-culturais;

XI - autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento;

XII - destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento;

XIII - tratamento diferenciado para o desporto profissional e não profissional;

XIV - proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional;

XV - educação física como disciplina de matrícula obrigatória;

XVI - fomento e incentivo à pesquisa no campo da educação física;

XVII - promoção e incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico;

XVIII - preservação, recuperação e manutenção dos recursos naturais, artísticos e históricos do Estado de Santa Catarina;

XIX - incentivo às vocações turísticas locais que favoreçam o ingresso ou reingresso das pessoas na vida econômica pela criação de emprego e renda;

XX - incentivo e apoio ao desenvolvimento de sistemas produtivos locais na direção de uma maior agregação de valor, com a incorporação de novas tecnologias, cultura, design e conhecimento;

XXI - incentivo à integração da cultura, turismo e esporte;

XXII - promoção turística do Estado de Santa Catarina de forma regional; e

XXIII - promoção e incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento econômico e social, de divulgação, de valorização e preservação do patrimônio cultural e natural, respeitando as peculiaridades locais, coibindo a desagregação das comunidades envolvidas e assegurando o respeito ao meio ambiente e à cultura das localidades exploradas, estimulando sua auto-sustentabilidade.

 

À vista dessa prescrição normativa, percebe-se o quão importante é a adequação do projeto proposto ao PDIL, o que foi ignorado no processo de concessão ora examinado.

Para afastar o apontamento, o Sr. Gilmar Knaesel alega que há uma interpretação equivocada da Lei Estadual nº 13.792/2006, pois, no seu entender, não é necessário um parecer formal de enquadramento do projeto ao plano.

Contudo, sem razão.

Cabe rememorar, na oportunidade, que um dos requisitos do ato administrativo é a forma, a qual exige, em regra, que o gestor exteriorize a sua vontade por escrito.

Nota-se, a propósito, que a forma é imprescindível à validade do ato, o que pode ser corroborado através da lição do saudoso Hely Lopes Meirelles[6]:

 

O revestimento exteriorizado do ato administrativo constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição, chamado de Forma. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, quanto à vontade da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Daí podermos afirmar que, se, no Direito Privado, a liberdade da forma do ato jurídico é regra, no Direito Público é exceção. Todo ato administrativo é, em princípio, formal. E compreende-se essa exigência, pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrasteado com a lei e aferido, frequentemente, pela própria Administração e até pelo judiciário, para verificação de sua validade.

 

Nessa linha de raciocínio, far-se-ia necessário um documento formal que comprovasse que houve o exame exigido pela legislação de regência.

Somado a isso, lembra-se que o ato administrativo, de regra, requer motivação, de modo a apontar os elementos de convicção daquele que emitiu determinado ato.

Diante da ausência da demonstração do enquadramento do projeto apresentado ao Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL, manifesto-me pela responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel.

 

 

 

3.3. Ausência de julgamento do projeto pelo Conselho Estadual de Esporte

 

Colhe-se do caderno processual que não há qualquer manifestação do Conselho Estadual de Esporte quanto ao mérito do projeto “Memória Itinerante” apresentado pela entidade Moto Clube Sorocaba.

Cotejando a legislação que disciplina o assunto (Decreto Estadual nº 1.291/2008), vislumbra-se que é de competência do Conselho Estadual de Esporte a definição dos projetos a serem encaminhados ao Comitê Gestor, senão vejamos:

 

Art. 19. Aos Conselhos de Cultura, de Turismo e de Esporte caberá, nos termos da Lei nº 14.367, de 25 de janeiro de 2008, a definição dos projetos a ser encaminhados aos Comitês Gestores para aprovação dos financiamentos solicitados, em conformidade com as prioridades das políticas públicas governamentais.

Parágrafo único. Na seleção dos projetos os Conselhos Estaduais deverão observar, além do mérito, a viabilidade orçamentária, a exeqüibilidade dos prazos propostos e as credenciais do proponente comprovando sua capacitação para execução do projeto.

 

Ao encontro disso, verifica-se que compete ao Comitê Gestor aprovar os editais e os projetos propostos, o que somente ocorrerá após o julgamento de mérito pelo Conselho Estadual, nos seguintes moldes:

 

Art. 9º A administração superior de cada Fundo será exercida por um Comitê Gestor, órgão executivo subordinado à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, e será composto pelos seguintes membros:

 [...]

 § 1º Os Comitês Gestores tomarão suas decisões por maioria simples, competindo-lhes aprovar os editais e projetos propostos, depois de julgados em seu mérito pelos respectivos Conselhos Estaduais, em conformidade com as prioridades das políticas públicas governamentais.

[...]

Art. 10. Compete ao Comitê Gestor de cada Fundo:

[...]

II - homologar, de acordo com as políticas governamentais e a capacidade orçamentária, os projetos a ser financiados com recursos do Fundo, definidos pelos Conselhos Estaduais de Cultura, de Turismo e de Esporte;

[...]

§ 2º Compete aos Comitês Gestores definir a aprovação dos valores finais, considerando o impacto orçamentário e financeiro, a ser aplicados em cada projeto ou programa, analisados previamente no mérito pelos Conselhos Estaduais. (Grifou-se)

 

À luz de tais disposições normativas, depreende-se que o Conselho Estadual possui relevante papel na análise dos projetos, pois lhe compete discutir, deliberar e propor diretrizes da política de esporte do Estado.

No intento de afastar o apontamento restritivo, o Sr. Gilmar Knaesel alegou, novamente, que não havia estrutura na Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte para a realização dos trabalhos. Na ocasião, acrescentou que os membros do Conselho reuniam-se apenas uma vez por mês e trabalhavam de forma voluntária.

Como se pode perceber, as razões de defesa apresentadas não afastam a irregularidade, pois apenas evidenciam que o repasse, de fato, não deveria ter sido realizado.

Consequentemente, a responsabilidade do Sr. Gilmar Knaesel resta mantida, pois ignorou todo o procedimento de concessão de recursos públicos.

 

3.4. Ausência do contrato de apoio financeiro e da publicação do resumo do contrato

 

A última irregularidade atribuída ao Sr. Gilmar Knaesel diz respeito à ausência de instrumento de contrato para o repasse de recursos públicos e, ainda, à ausência da publicação do extrato contratual.

Como é sabido, em regra, a Administração Pública deve formalizar seus ajustes através de instrumento que regule, de forma detalhada, a relação jurídica estabelecida entre o Poder Público e o particular.

A respeito do assunto, tem-se a seguinte disposição normativa constante na Lei Complementar Estadual nº 381/2007:

 

Art. 130. A execução descentralizada de programas de trabalho a cargo de órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, que envolva a transferência voluntária de recursos financeiros oriundos de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, objetivando a realização de programas de trabalho, projeto ou atividade, será efetivada mediante a celebração de convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres, ou por meio de auxílios e contribuições, observada a legislação pertinente e o disposto no art. 79 desta Lei Complementar.

Parágrafo único. Decreto do Chefe do Poder Executivo disciplinará o disposto neste artigo, sem prejuízo de as mesmas normas se aplicarem, no que couber, aos instrumentos que não produzem repercussão orçamentária e financeira.

 

A par dessa orientação, convém acrescer que a necessidade de um instrumento disciplinando o ajuste firmado entre as partes é imprescindível, uma vez que estipula o valor do recurso repassado, a realização do objeto, as obrigações das partes, o prazo da prestação de contas, a possibilidade de alteração, a rescisão do acordo entabulado, dentre tantos outros elementos.

Nesse sentido, o Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi manifestou-se:

 

Não obstante tais argumentos, sublinho que o termo de ajuste objetiva regrar as obrigações das partes, tais como a realização do objeto, detalhamento e a forma de realização da contrapartida, os prazos, as possibilidades de alteração e rescisão contratual e prazo de vigência.

Nesta linha de raciocínio, é possível concluir que o contrato ou termo de ajuste é imprescindível para definir as obrigações do proponente do projeto, autorizando, da mesma forma, a realização da despesa pública. A lacuna na formalização deste instrumento legal acarreta prejuízo à atuação do controle externo quanto ao exame da legalidade, economicidade, eficácia e finalidade da despesa pública, prejudicando sobremaneira a análise da boa e regular aplicação do recurso público[7]. (Grifou-se)

 

É digno de nota, também, que a publicação do extrato de contrato é de suma importância, pois tem por finalidade dar conhecimento do ajuste firmado pela Administração Pública à sociedade, em respeito ao princípio da publicidade.

Sobre o assunto, ensina-nos a Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia[8]:

 

(...) o princípio que informa o sistema constitucional vigente – democrático e republicano – é o da publicidade dos atos do Poder Público e dos comportamentos daqueles que compõem os seus órgãos. Como afirmei em escrito sobre aquele princípio, ‘não basta, pois, que o interesse buscado pelo Estado seja público para se ter por cumprido o princípio em foco. Por ele se exige a não obscuridade dos comportamentos, causas e efeitos dos atos da Administração Pública, a não clandestinidade do Estado, a se esconder do povo em sua atuação. (...). A publicidade resulta, no Estado Contemporâneo, do princípio democrático. O poder é do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Brasileira), nele reside, logo, não se cogita de o titular do poder desconhecer-lhe a dinâmica. O princípio da publicidade reforça-se mais ainda em casos como o brasileiro. Tendo sido a República a opção da sociedade brasileira sobre a sua forma de governo, a publicidade passa a fundamentar a institucionalização do Poder segundo aquele modelo. Por isso a publicidade nomeia o Estado brasileiro, que é uma ‘República Federativa’. (...). Considerando-se que a Democracia que se põe à prática contemporânea conta com a participação direta dos cidadãos, especialmente para efeito de fiscalização e controle da juridicidade e da moralidade administrativa, há que se concluir que o princípio da publicidade adquire, então, valor superior ao quanto antes constatado na história, pois não se pode cuidar de exercerem os direitos políticos sem o conhecimento do que se passa no Estado. Não se exige que se fiscalize, se impugne o que não se conhece’. (Grifou-se)

 

Dito isso, destaque-se que, no entender do responsável, quando as cláusulas contratuais firmadas pelo Estado com terceiros estão definidas em lei e regulamentos, desnecessário se torna repeti-las em documentos formais (contratos).

Com o devido respeito a entendimento diverso, mas o raciocínio formulado pelo Sr. Gilmar Knaesel não pode ser aplicado ao presente caso.

Note-se, em tempo, que o repasse de recursos públicos exige a formação de um instrumento de contrato, pois, conforme citado alhures, é nesse documento que estarão previstas todas as particularidades do ajuste.

Dessarte, tenho para mim que o apontamento restritivo não pode ser afastado, pois os argumentos trazidos a lume não servem a esse fim.

 

4. Da responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel

 

Considerando a importância do assunto, julguei oportuno tratar, em ponto específico, a respeito da responsabilidade daquele que repassa recursos públicos sem o preenchimento dos requisitos legais.

No meu sentir, as condutas praticadas pelo Sr. Gilmar Knaesel fazem incidir a aplicação de multa e a imputação de débito, de forma solidária, com aquele que recebeu os recursos públicos.

No entanto, sabe-se que, no âmbito da Corte de Contas catarinense, muito se discute a respeito da responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel.

Nesse sentido, anote-se que, ao analisarmos as decisões proferidas pelo TCE/SC, percebemos que algumas multas aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel já foram afastadas - sob o argumento de que se tratava de infração continuada - e débitos já foram rechaçados - sob a justificativa de que não havia solidariedade.

Em face disso, faz-se pertinente acrescentar as minhas considerações sobre o assunto, pois, a meu ver, as teses suscitadas para afastar a responsabilização não prosperam.

Inicialmente, ater-me-ei aos fundamentos utilizados para retirar o débito, os quais foram lançados nos autos nº TCE 11/00290548, através do voto divergente proferido pelo Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall.

Para afastar a responsabilização solidária, o Exmo. Conselheiro destacou, em síntese, os seguintes fundamentos: a) a solidariedade não se presume - resulta da lei ou da vontade das partes; b) a responsabilidade dos agentes por eventuais danos causados ao erário é de caráter subjetivo; c) a responsabilidade subjetiva exige a conjunção do ilícito, do dano, do nexo causal e da comprovação da culpabilidade do agente.

Após debater amplamente os pontos mencionados acima, o Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall fez o seguinte questionamento no intento de estabelecer o nexo de causalidade: se a análise do projeto tivesse observado todas as formas prescritas na norma, o dano teria acontecido?

Em resposta, asseverou-se:

 

A resposta é sim, uma vez que as irregularidades a seguir listadas dizem respeito à execução do projeto, sendo de total responsabilidade da Entidade e não do órgão repassador:

a) ausência da apresentação de documentos comprobatórios das despesas;

b) movimentação incorreta da conta bancária; e

c) ausência de comprovação do efetivo fornecimento ou da prestação dos serviços.

 

Para arrematar o seu posicionamento, o Conselheiro acrescentou:

 

Para concluir, entendo que para ocorrer à fixação de responsabilidade solidária, deve ficar evidenciado nos autos a contribuição positiva ou negativa do Gestor para a prática do ato, não sendo a ocorrência da prática, mesmo que reiterada, de atos praticados com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, suficiente pra isto. 

 

Em que pese a respeitável motivação consubstanciada acima, tenho para mim que não foi adotada a melhor conclusão para a conjuntura fática.

Antes de adentrar no campo doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto, entendo oportuno contrapor a pergunta formulada pelo Conselheiro com outra indagação: se não tivesse sido efetuado o repasse de recursos públicos ao proponente, em decorrência dos diversos vícios constatados já na origem do processo de repasse dos valores, o dano ao erário teria ocorrido?

Obviamente a resposta é negativa, o que me faz perceber, desde já, que a responsabilização deve ser olhada sobre outro prisma.

Nos autos do processo em comento (TCE 11/00290548), o Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall salientou que as irregularidades eram de total responsabilidade da entidade e não do órgão repassador. Contudo, o referido Relator não se ateve aos demais apontamentos restritivos vislumbrados naqueles autos, a saber: a) liberação de recursos com inconsistências no Plano de Trabalho; b) ausência do parecer do Conselho Estadual de Esporte; c) ausência de Termo de Ajuste entre as partes; d) repasse de recursos após a concretização do projeto.

No meu sentir, não há dúvidas de que as irregularidades supracitadas devem ser atribuídas àquele que efetuou o repasse dos recursos, o que, consequentemente, atrai a responsabilidade de quem estava à frente da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte à época.

Feitas essas observações, ressalte-se que a responsabilidade pode ser compreendida como o dever de assumir consequências jurídicas, ante a violação de um dever jurídico originário.

Adotando-se a tese da responsabilidade subjetiva, deve haver a conjunção dos seguintes requisitos: a) ato ilícito; b) dano; c) nexo causal; d) dolo/culpa (em seus diversos níveis).

Sobre a responsabilidade subjetiva, Sérgio Cavalieri Filho[9] discorre:

 

Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia"; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões "violar direito ou causar dano a outrem".

 

Ao tratar do assunto, o Tribunal de Contas da União dispôs:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONTRATO. INEXECUÇÃO. PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS GESTORES. IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA. FALTA DE CAUTELA E ZELO. CULPA IN ELIGENDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONTAS IRREGULARES E REGULARES COM RESSALVA.

1. A inexecução contratual da qual decorre dano ao erário federal só interessa ao TCU quando estiver presente uma conduta dolosa ou culposa de algum agente público, havendo responsabilidade solidária da entidade privada e dos agentes públicos envolvidos.

2. A responsabilidade dos administradores de recursos públicos segue a regra geral da responsabilidade civil, pois trata-se de responsabilidade subjetiva, a despeito de o ônus de provar a correta aplicação dos recursos caber àqueles[10]. (Grifou-se)

 

Fixada essa orientação, passo a averiguar se estão presentes os elementos da responsabilidade subjetiva no caso do Sr. Gilmar Knaesel.

O ato ilícito é evidente, pois resultou da violação de diversos dispositivos legais, sendo o dano, também, incontestável, já que houve prejuízos de elevada monta aos cofres públicos.

O nexo causal entre o ato ilícito e o dano também está presente, pois se os recursos públicos não tivessem sido repassados com os graves vícios constatados não haveria prejuízos ao erário. A conduta daquele que transferiu os recursos, portanto, foi fundamental para a construção de todas as irregularidades evidenciadas, pois o vício do repasse já está caracterizado na própria origem.

No tocante ao elemento subjetivo (dolo ou culpa), convém assinalar que sempre defendi a ideia de que o Sr. Gilmar Knaesel foi, no mínimo, imprudente ao conceder o repasse de verbas públicas quando ausentes elementos autorizadores.

A partir dos últimos acontecimentos - prisão do Sr. Gilmar Knaesel - e diante das conclusões exaradas nas investigações conduzidas pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais, passo a defender o posicionamento de que tal responsável agia com dolo manifesto, pois tinha a clara intenção de enriquecer ilicitamente através dos cofres públicos.

Vale acentuar que, de acordo com a Diretoria Estadual de Investigações Criminais, o Sr. Gilmar Knaesel é o mentor e o principal beneficiário de manobras feitas por seus subordinados no esquema fraudulento de repasse de recursos públicos[11].

Assim, não pairam dúvidas de que todos os pressupostos da responsabilidade subjetiva estão devidamente demonstrados.

Registre-se, outrossim, que, no âmbito do Tribunal de Contas, a responsabilidade pode ser individual ou solidária, a depender da conjuntura fática apresentada.

Com efeito, sublinhem-se duas previsões normativas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina que dispõem sobre a aludida responsabilidade solidária:

 

Art. 10. A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte prejuízo ao erário.

Art. 18. As contas serão julgadas:

 I — regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II — regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário; e

III — irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; e

d) desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

 § 1º O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que tenha ciência o responsável, feita em processo de prestação ou tomada de contas.

§ 2º Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d, deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular e;

 b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a ocorrência do dano apurado.

§ 3º Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público Estadual, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.

 

Como se depreende, a responsabilidade solidária pode ser invocada quando a autoridade administrativa deixa de adotar imediatamente providências com vistas à instauração de tomada de contas especial. Somado a isso, tem-se a aludida responsabilidade, nos casos de dano ao erário e desfalque de bens e valores públicos, do agente que praticou o ato irregular ou de terceiro que concorreu para a prática do prejuízo.

No presente caso, tem-se a incidência da segunda hipótese, já que o Sr. Gilmar Knaesel, na condição de agente público, praticou o ato irregular que contribui para a ocorrência de lesão ao erário (art. 18, § 2º, ‘a’, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000).

Dessa forma, entende-se que não há como afastar a responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, pois sua conduta se amolda ao dispositivo legal que versa sobre a responsabilização solidária.

E não há que se argumentar que se trata de “mera formalidade”, por exemplo, a ausência de documentos considerados imprescindíveis à análise do projeto.

Ora, a violação da lei não pode ser compreendida como mera formalidade, pois, do contrário, não existiriam razões para o princípio da legalidade ser considerado o instrumento condutor do gestor público.

Lançada essa premissa, destaque-se que o Tribunal de Contas de Santa Catarina, em situação semelhante, já reconheceu a responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel e o condenou à restituição dos valores, senão vejamos:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, com fundamento no art. 18, III, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata da prestação de contas de recursos repassados, através da NE n. 499, de 23/10/2008, no valor de R$ 100.000,00, P/A 4685, elemento 33504301, fonte 0262, à Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC) pelo FUNTURISMO.

6.2. Condenar, SOLIDARIAMENTE, a pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE CHAPECÓ (ACIC) e os Srs. VINCENZO FRANCESCO MASTROGIACOMO - Presidente daquela Associação na gestão 2008/2009, e GILMAR KNAESEL - ex-Secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte - SOL -, ao recolhimento da quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), referente à nota de empenho acima citada, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e -, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data do fato gerador do débito, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da citada Lei Complementar), pela não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, nos termos em que determinam os arts. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual e 144, §1º, da Lei Complementar n. 381/2007, em face da: [...][12]. (Grifou-se)

 

Como reforço argumentativo, anote-se excerto da decisão supracitada, eis que aplicável perfeitamente ao caso:

 

Quanto à co-responsabilização do Sr. Gilmar Knaesel, tem-se que, de acordo com as razões expostas pelo corpo instrutivo (fls. 1.607v./1.612v.), a responsabilidade solidária atribuída ao ex-Secretário de Turismo decorreria da prática de conduta relacionada à inobservância de diversos requisitos previstos na legislação que rege a matéria em enfoque. Segundo a DCE, a desobediência aos dispositivos legais atrairia o ônus da responsabilidade ao agente público que, no exercício de seu mister, teria contribuído para a ocorrência do dano ao erário.

Neste ponto, cabem algumas explanações.

Em processos anteriores, nos quais restou controvertida a hipótese de imputação de débito ao ordenador primário da despesa, apresentei manifestação favorável ao reconhecimento da responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, especialmente em face do atraso na adoção de providências administrativas e na abertura de tomada de contas especial para fins de apuração de irregularidades cometidas no repasse de recursos públicos, nos moldes previstos no art. 146 da Lei Complementar estadual n. 381/2007. Entretanto, por ocasião do julgamento da TCE 10/00424739 (Acórdão n. 680/2013), este Egrégio Plenário acompanhou, por maioria, a divergência proposta pelo Exmo. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, no sentido de que tal conduta deveria ensejar apenas a aplicação de multa ao Secretário de Estado. No mesmo sentido, foi vencido o Exmo. Conselheiro Luiz Roberto Herbst no recente julgamento da TCE 09/00537884 (Rel. p/ acórdão Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall).

É necessário observar, todavia, que os elementos trazidos a estes autos se distinguem do conjunto das irregularidades ora apontadas daquele que outrora ocasionou a sanção pecuniária e o afastamento da imputação de débito ao Sr. Gilmar Knaesel.

Não se trata, portanto, de divergência em relação ao posicionamento pacificado em plenário, mas do reconhecimento da existência de novos pressupostos fáticos que justificam a responsabilidade solidário do então Secretário da SOL.

Com efeito, as violações aos textos legais e regulamentares verificadas no caso em exame contribuíram para criar as condições sem as quais não haveria o repasse de recursos ao proponente, destacando-se aprovação do projeto com parecer contrário quanto ao seu enquadramento no Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL e ausência de parecer técnico e orçamentário do SEITEC, do parecer do Conselho Estadual de Turismo e de termo de ajuste e/ou documento congênere.

Trata-se, portanto, de situação distinta da verificada nos autos da TCE n. 10/00424739, pois, no presente caso, houve, já na origem do processo de repasse dos valores, a prática reiterada e contínua de atos irregulares que resultaram na liberação dos recursos públicos em circunstâncias incompatíveis com a lei de regência. Pode-se mesmo afirmar que o repasse, em si, já constituiria ponto passível de dano, pois destinado a projeto não compatível com a política de incentivo do SEITEC. Tal conclusão, inclusive, decorre da apuração efetuada no âmbito da própria SOL, tendo a comissão formada por servidores daquela secretaria consignado que:

[...]

A propósito da temerária atuação do ex-gestor da SOL, também se assoma o fato de que, tendo sido o repasse posterior ao evento supostamente incentivado, dever-se-ia ao menos aferir se existiam despesas idôneas e suficientemente comprovadas para fazer frente ao montante de recursos públicos que seriam repassados.

Desta forma, diante da existência destas circunstâncias fáticas, subsistem fundamentos para responsabilização solidária do Sr. Gilmar Knaesel pelo débito apurado. (Grifos no original)

 

Dessa maneira, não restam dúvidas de que o Sr. Gilmar Knaesel deve ser responsabilizado no presente caso - multa e débito -, uma vez que preenchidos os requisitos legais autorizadores.

Em tempo, entendo pertinente tecer, ainda, algumas considerações a respeito da tese formulada pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior para afastar a multa quando já houver sido aplicada a referida penalidade em momento pretérito e com base na violação do mesmo dispositivo legal.

No meu entender, essa discussão faz-se apropriada, pois é sabido que diversas penalidades de multa já foram aplicadas ao Sr. Gilmar Knaesel, em decorrência da violação das normas que disciplinam o repasse de verbas públicas.

Pois bem.

No entender do Excelentíssimo Conselheiro, ao verificar a situação acima mencionada, deve ser rechaçada a cominação de multa, sob o fundamento de que se trata de infração continuada.

Nos autos nº REC 14/00251548, o qual foi levado à sessão plenária em 26.08.2015, o Conselheiro Adircélio aduziu:

 

Este Relator, analisando as razões recursais em confronto com os fundamentos lançados pela Diretoria de Recursos e Reexames, expressos no Parecer DRR n. 108/2014, conclui que, de fato, os argumentos do Recorrente, por si só, não autorizam a modificação do acórdão rebatido, contudo, outros aspectos merecem ser analisados, uma vez que, no entender deste Relator, a multa aplicada no item 6.3 do Acórdão n. 030/2014 não merece ser mantida. Vejamos:

Este Relator, por meio do Voto Divergente apresentado nos autos do processo PCR 08/00460294, sustentou seu entendimento no sentido de que, diante da sistemática adotada por esta Corte de Contas em analisar e julgar em processos distintos, atos de uma mesma Unidade Gestora, referentes a um mesmo exercício, acaba por penalizar, por vezes sobremaneira, o gestor responsabilizado por irregularidades que poderiam ter sido analisadas conjuntamente em um mesmo processo, resultando numa só penalidade (esta podendo ser agravada, considerando a infração como continuada), se adotado, por exemplo, o critério de exame de atos por exercício.

Entendo que, como no caso dos autos, em que uma série de repasses efetuados pelo FUNCULTURAL foram analisados de forma individual, em processos distintos, ocorreu que esta Corte de Contas aplicou penalidades ao

 

 
então Secretário, ora Recorrente, uma série de multas pela mesma conduta faltosa, no caso, adoção de providências com vistas à instauração de providências administrativas para a cobrança da prestação de contas especial após o transcurso do prazo regulamentar.

Se considerarmos o período da gestão do Recorrente frente ao Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL, compreendido entre o dia 08/03/2005 a 31/03/2010, a irregularidade acima descrita foi inúmeras vezes apontada por este Tribunal, em processos autuados separadamente, ensejando, na maioria das vezes, imputação de multa ao Responsável, pela mesma irregularidade.

[...]

Observando o acima destacado, tem-se que, apenas em atos do exercício de 2006, o Recorrente foi penalizado pela mesma irregularidade, no mínimo, cinco vezes, sendo que este Relator elencou somente processos em que as multas foram mantidas, mesmo após a interposição de recursos – o que, a meu ver, torna desproporcional a penalização do agente.

[...]

 

 
Pelo exposto, e considerando o caso em tela, entendo que não carreiam justiça as sucessivas decisões que aplicaram repetidas sanções por idênticas razões fáticas, inclusive no mesmo exercício financeiro, por possuírem traços de infração continuada, propugno pelo cancelamento da multa constante do item 6.3 do acórdão ora recorrido.

 

Com a devida vênia, discordo do entendimento exposto acima e, no intento de justificar minha posição quanto ao assunto, passo a discorrer sobre a matéria.

Para iniciar, ressalte-se que o Código Penal, ao tratar do concurso de crimes, dispõe que as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente[13].

Nessa senda, infere-se que, no âmbito penal, a multa é empregada nos termos da regra estatuída para o concurso material, isto é: quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas.

No direito administrativo, não há qualquer dispositivo legal que trate sobre infrações continuadas, nos termos propostos pelo Conselheiro Adircélio.

Reconheço, notadamente, que os princípios da seara penal podem ser utilizados subsidiariamente no direito administrativo sancionador, mas tenho para mim que, no silêncio da lei, devem ser adotadas as regras do cúmulo material em casos dessa natureza.

Nessa direção, Régis Fernandes de Oliveira[14] leciona:

 

Em síntese, na hipótese de concurso de infrações, a legislação pode discriminar o modo de aplicação da sanção (acumulação ou absorção), prevalecendo, no silêncio da lei, a acumulação material. Isto porque, sendo diversas as agressões no ordenamento jurídico, une as infrações elo de repulsa, previsto nele próprio.

 

No mesmo trilhar, eis a lição de Heraldo Garcia Vitta[15]:

 

O Direito Penal é especial, isto é, contém normas particulares, próprias desse ramo jurídico; em princípio, não podem ser estendidas além dos casos para os quais foram instituídas. De fato, não se aplica uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida; não se pode “por de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do processo analógico. Na hipótese de concurso de crimes, o legislador escolher os critérios específicos, próprios dessa ramo do Direito. Logo, não se justifica a analogia das normas do Direito Penal no tema concurso real de infrações administrativas.

A forma de sancionar é instituída pelo legislador, segundo critérios de discricionariedade. Compete-lhe elaborar ou não regras a respeito da ocorrência de infrações administrativas. No silêncio, o cúmulo material é de rigor.

 

Para embasar o seu posicionamento, o Conselheiro Adircélio valeu-se das palavras de Fábio Medina Osório, o qual entende ser possível aplicar as regras da infração continuada na seara administrativa.

Ao ler a doutrina de Fabio Medina Osório, vê-se que, embora o doutrinador mencione ser exequível essa analogia, não há qualquer alusão de como essa regra deve ser aplicada no campo do direito administrativo sancionador.

A propósito, anote-se a previsão legal do crime continuado, nos termos do Código Penal:

 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

 

À luz do exposto, extrai-se que são elementos do crime continuado: a) pluralidade de condutas; b) crimes da mesma espécie; c) circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, modo de execução e outras.

No tocante à circunstância de tempo, denota-se que a jurisprudência sedimentou o entendimento de que o lapso temporal entre os crimes não deve ser superior a 30 dias[16].

No caso específico do Sr. Gilmar Knaesel, não há como afirmar que as infrações que lhe são imputadas foram cometidas no período de 30 dias, sobretudo porque o responsável ficou à frente da Secretaria Estadual de Cultura, Turismo e Esporte pelo período de 08.03.2005 a 31.03.2010 e, nesse longo ínterim, violou as normas que disciplinam o repasse de verbas públicas inúmeras vezes.

 Ademais, como aplicar as circunstâncias de lugar e modo de execução previstas no Código Penal ao presente caso, a fim de caracterizar a continuidade das infrações?

A meu ver, resta frustrada essa possibilidade, pois não há como fazer uma relação entre a conduta de um agente criminoso e aquela praticada por um gestor irresponsável.

Cabe mencionar, outrossim, que, nos crimes de natureza contínua, o magistrado analisa conjuntamente todos os fatos delituosos praticados para, ao final, aumentar a pena de 1/6 a 2/3.

À vista disso, pergunta-se: como aplicar essa regra no âmbito do direito administrativo sancionador quando os processos são distintos?

Pela lógica da tese proposta, ter-se-ia que reunir todos os cadernos processuais em que figura como responsável o Sr. Gilmar Knaesel para, após, realizar a dosimetria da pena.

Como se vê, essa não é a medida mais acertada, até mesmo porque os processos não visam tão somente à análise individual da conduta de cada responsável, mas sim à apuração de determinado fato.

Por outra banda, tenho conhecimento da existência da “teoria da continuidade delitiva administrativa”, a qual pode ser aplicada pela Administração Pública ao exercer o seu poder de polícia.

Para a jurisprudência, “há infração continuada quando a Administração Pública, exercendo o seu poder de polícia, constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de múltiplas infrações da mesma espécie, situação na qual deve ser considerado válido o primeiro auto de infração lavrado”[17].

Nesse contexto, trago à baila o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

ADMINISTRATIVO - SUNAB - SANÇÃO ADMINISTRATIVA POR INFRAÇÃO AO TABELAMENTO DE PREÇO - NATUREZA CONTINUADA.

1. A jurisprudência desta Corte, em reiterados precedentes, tem entendido que há infração continuada quando a Administração Pública, exercendo o poder de polícia, constata, em uma mesma oportunidade, a ocorrência de infrações múltiplas da mesma espécie. A caracterização da continuidade delitiva administrativa se dá em uma única autuação (múltiplos precedentes)[18].

2. Recurso especial provido. (Grifou-se)

 

Ainda:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 53 DO CPC. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. OFERECIMENTO DE SERVIÇOS POR PREÇOS SUPERIORES AO TABELADO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA CONTINUADA. APLICAÇÃO DE MULTA SINGULAR.

1. Inicialmente, impõe-se reconhecer não ter sido caracterizada a violação ao art. 535 do CPC, pois a origem não incorreu em nenhuma contradição no momento da apreciação da apelação interposta. É que, por ocasião do julgamento deste recurso, entendeu-se que a caracterização da infração continuada era suficiente para anular os autos de infração, mesmo que a materialidade da infração restasse incontroversa.

2. No mais, é pacífica a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há continuidade infracional quando diversos ilícitos de mesma natureza são apurados durante mesma ação fiscal, devendo tal medida ensejar a aplicação de multa singular. Precedentes.

3. Ao contrário do afirmado pela parte recorrente, essa jurisprudência aplica-se com perfeição ao presente caso, uma vez que a instância ordinária constatou que, em uma única ação fiscal, a empresa recorrida havia oferecido serviços por preços superiores ao tabelado a diversos associados (fls. 305/306), o que é suficiente para caracterizar a continuidade delitiva administrativa. Rever tal conclusão requer revisitação do conjunto fático-probatório, o que esbarraria na Súmula n. 7 desta Corte Superior.

4. Agravo regimental não provido[19]. (Grifou-se)

 

Como se depreende, a aplicação da teoria supracitada exige que as infrações sejam identificadas em um único momento, pois, caso contrário, torna-se impossível aplicar a causa de aumento de 1/6 a 2/3.

Corroborando o exposto, colaciono aos autos a manifestação exarada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

TRIBUTÁRIO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO ESPECIAL DE INFORMAÇÕES RELATIVAS AO CONTROLE DO PAPEL IMUNE. MULTA. TEORIA DA CONTINUIDADE DELITIVA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE.

1. De acordo com a teoria da continuidade delitiva administrativa, a sequência de várias infrações apuradas em uma única autuação caracteriza a infração de natureza continuada, com aplicação de uma única multa.

 2. Não se aplica esse entendimento se a cada três meses a empresa deixa de apresentar a Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune, pois, nessa hipótese, o que ocorre é a reincidência infratora.

3. Certas construções pretorianas não podem ser aplicadas indistintamente em todos os ramos do Direito. Em se tratando de obrigação tributária acessória, não cabe adotar a figura da continuidade delitiva administrativa. No caso da Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle do Papel Imune, a redução do montante devido a título de multa, através da supressão das multas autônomas, permitiria fosse ela incorporada ao gasto empresarial, estimulando a infração reiterada à lei, o que pode desestruturar o controle do Estado sobre a concessão do favor fiscal relativo ao papel[20]. (Grifou-se)

 

Dessarte, sublinhe-se que a teoria da continuidade delitiva administrativa não pode ser utilizada, pois, no presente caso, o que ocorre é a reincidência da infração.

Ante essa linha de raciocínio, estou convencido de que a tese proposta pelo Conselheiro Adircélio não pode ser aplicada no âmbito da Corte de Contas, pois, além de ausentes os requisitos da continuidade delitiva, não há supedâneo legal para embasá-la.

Em arremate, acrescente-se que o Excelentíssimo Conselheiro aplicou a tese da continuidade das infrações somente para afastar a penalidade de multa, mas não fez qualquer menção de como essa matéria poderia vir a ser empregada no âmbito do TCE/SC, tampouco falou da causa de aumento que deve ser imposta às infrações de natureza continuada.

Após essa análise, tenho para mim que devem ser cominadas novas sanções pecuniárias ao Sr. Gilmar Kanesel, independentemente dos resultados de outros processos julgados anteriormente.

 

5. Apresentação de documento contendo assinaturas falsificadas pelo proponente

 

Cabe ter presente, antes da análise das contas propriamente ditas, que foi identificado nos autos documento com assinaturas falsificadas dos membros da entidade Moto Clube Sorocaba.

Para a melhor compreensão do assunto, destaque-se que foi acostada aos autos uma declaração (fls. 30-31), supostamente assinada pelos membros da diretoria do Moto Clube Sorocaba, com o objetivo de registrar que tais pessoas eram favoráveis à assinatura do contrato com o Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado de Cultura, Turismo e Esporte.

No intento de auferir a autenticidade do documento e das assinaturas nele apostas, a Diretoria de Controle da Administração Estadual encaminhou ofício ao Sr. Osvaldo José Feltz (Vice-Presidente), ao Sr. Graziany Orsi Delagnelo (1º Secretário), ao Sr. Clésio Henrique Franzoni (2º Secretário), ao Sr. Décio José Feltz (1º Tesoureiro), ao Sr. Valmor José Feltz (2º Tesoureiro), ao Sr. Raphael Sperandio dos Reis (1º Diretor de Patrimônio), ao Sr. Diogo Bovee (2º Diretor de Patrimônio) e ao Sr. David Crispim Correa Neto (membro do Conselho Fiscal).

Em resposta, tais pessoas, à exceção do Sr. Décio José Feltz, asseveraram que não reconheciam a assinatura constante na declaração e, para corroborar tal assertiva, juntaram ao caderno processual cópia de documento de identificação.

À vista disso, concluiu-se, no relatório técnico inicial, que o Sr. Décio José Feltz deveria responder, junto com os demais responsáveis, pelos apontamentos restritivos, já que reconheceu as assinaturas constantes na declaração de fls. 30-31 e nos cheques como suas.

Neste ponto, o Sr. Leandro Laércio de Souza aduziu que está perplexo com as imputações que lhe foram feitas, pois os documentos foram examinados pela equipe do SEITEC e o projeto obteve parecer favorável do consultor jurídico.

Como se pode perceber, os argumentos trazidos à baila não têm o condão de afastar a irregularidade e/ou a responsabilidade do Sr. Leandro Laércio de Souza, sobretudo após a sua prisão pela prática de diversos crimes, dentre eles falsificação ideológica.

Já o Sr. Décio José Feltz afirmou que foi ludibriado pelo Sr. Leandro Laércio de Souza e destacou (fls. 602-604):

 

Meu filho João Paulo Feltz, sempre foi um apaixonado pelo motociclismo, sempre contando com meu apoio incondicional, em diversos eventos (fotografias anexadas).

No ano de 2007, resolvemos, juntamente com algumas pessoas da região que apreciam a modalidade, idealizar uma associação para o desenvolvimento do motociclismo. Não recordo exatamente quem nos indicou a pessoa do Sr. Leandro Laércio de Souza, para nos ajudar nessa formação.

Fizemos uma reunião, e diante de suas experiências relatadas, decidimos colocá-lo à frente da associação, com a promessa de que a com a criação do MOTO CLUBE SOROCABA proporcionaria a realização de eventos de motociclismo, com a captação de recursos para tal finalidade, mesmo porque não tínhamos qualquer ideia de como fazê-lo.

Relatou, ainda, que era presidente e/ou fazia parte de outras entidades e estava acostumado com os trâmites burocráticos na solicitação de recursos financeiros.

[...]

Após a obtenção dos recursos, pensávamos que tudo seria utilizado em prol das atividades da associação Moto Clube Sorocaba, o que, tudo indica, não passou de falácias do Sr. Leandro Laércio de Souza.

Oportuno relatar que na primeira oportunidade em que este Suplicante foi intimado para prestar declarações, por ser totalmente leigo no assunto, após muita dificuldade, localizou o Sr. Leandro Laércio de Souza, para saber do que se tratava, sendo induzido a reconhecer expressamente que tudo estava de acordo (fls. 401/402).

Sobre a questão das assinaturas nos cheques, lembro-me que após a liberação dos valores, era necessária a minha assinatura devido ao fato de estar investido no cargo de tesoureiro. Alias, os talonários sempre estiveram na mão do presidente e nunca fui ao banco fazer qualquer solicitação.

[...]

Pois bem, o Sr. Leandro Laércio de Souza solicitou minha assinatura em alguns cheques, todos já preenchidos, dizendo ser necessário para dar início as atividades da associação, sem muitas explicações.

[...]

Não me recordo quantos cheques eu assinei, entretanto, depois de ter acesso às cópias dos cheques, percebo que vários não conferem com a minha assinatura, a exemplo dos cheques acostados às fls. 68, 70, 72, 74, 76, 78, 80, 82, 84, 86.

[...]

Volto a repetir que em momento algum tive conhecimento dos atos pelo Sr. Leandro Laércio de Souza e tampouco participei de qualquer evento citado nos procedimentos administrativos, pois aguardávamos a realização destes em nossa localidade, na pista de motociclismo que estava sendo preparada.

[...]

Todos nós fomos ludibriados, a única diferença é que na primeira oportunidade em que falei nos autos, fui induzido a validar os atos praticados pelo presidente, confiando em suas palavras.

Sem qualquer dúvida, o Sr. Leandro Laércio de Souza é o único responsável por todo esse imbróglio e pela utilização indevida dos valores arrecadados pela associação e, pelo o que se observa, teve a mesma conduta e/ou participação em outras associações.

[...]

 

A par disso, saliente-se que a Diretoria de Controle da Administração Estadual entendeu, em seu relatório conclusivo, que deveria ser afastada a responsabilidade do Sr. Décio José Feltz.

Para a área técnica, todas as assinaturas constantes na declaração de fls. 30-31 são falsificadas, exceto a do Presidente da entidade – Sr. Leandro Laércio de Souza. Considerando que o Sr. Décio José Feltz somente foi citado por ter afirmado incialmente que eram suas as assinaturas constantes no feito, o corpo técnico inferiu que não há razões para manter a responsabilidade do tesoureiro da entidade Moto Clube Sorocaba.

Lançadas as considerações acima, cumpre assinalar que foi atribuído ao Sr. Décio José Feltz, inicialmente, os seguintes apontamentos restritivos: a) apresentação de declaração com assinaturas falsificadas, caracterizando documentação forjada para solicitação de recursos públicos; b) apresentação de documento de despesa simulado e cheque bancário forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar gastos com recursos públicos.

Quanto à primeira irregularidade, entende-se que, de fato, esta não deve ser atribuída ao Sr. Décio José Feltz, pois não há semelhança entre a assinatura aposta na declaração de fls. 30-31 e os documentos de identificação rubricados pelo responsável.

Em outras palavras, percebe-se que a assinatura do Sr. Décio José Feltz também foi falsificada na declaração de fls. 30-31, o que afasta o primeiro apontamento que lhe fora imputado.

Mantém-se, portanto, apenas a responsabilização do Sr. Leandro Laércio de Souza pela falsificação das assinaturas constantes no documento de fls. 30-31, afastando a do Sr. Décio José Feltz.

No que tange à segunda irregularidade atribuída ao Sr. Décio José Feltz, entendo pertinente examiná-la quando da apreciação da prestação de contas, já que tal apontamento será tratado em item específico.

Passa-se, pois, às considerações preliminares sobre o dever de prestar contas e o ônus probandi.

 

6. Do processo de prestação de contas

 

6.1. Ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos

 

Ao analisar a prestação de contas trazidas à baila pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, a Diretoria de Controle da Administração Estadual verificou que não foram juntados aos autos os documentos necessários a certificar a boa e a regular aplicação dos recursos públicos.

Como é sabido, todo aquele que recebe dinheiro oriundo dos cofres do erário deve comprovar, de forma ampla e robusta, a sua boa utilização.

Nesse sentido, anote-se o teor do art. 140, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:

 

Art. 140. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou pelos quais o Estado responsa, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

§ 1º Quem quer que utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.

 

Na oportunidade, sobreleva mencionar que o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete ao gestor, conforme se depreende da jurisprudência sedimentada pelo Tribunal de Contas da União:

 

TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO. REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.

1. A configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em débito e na aplicação de multa.

2. Nos processos de contas que tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou de locupletamento por parte do recorrente[21]. (Grifou-se)

 

De igual sorte, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina, conforme se vislumbra no voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER CONCEDENTE. MULTA.

1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.

2. A aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente particulares e não atingirem à finalidade pública.

3. Os atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para financiamento no âmbito do SEITEC, por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a matéria, são sujeitos à aplicação de multa[22]. (Grifou-se)

 

Fixada essa premissa, saliente-se que, no caso em apreço, o apontamento restritivo restou evidenciado diante das seguintes irregularidades: a) ausência de comprovação material da realização do projeto proposto; b) ausência de comprovação da efetiva prestação dos serviços, agravada pela ausência de outros elementos de suporte e aliada à descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas; c) apresentação de documentos de despesa e cheques inidôneos; d) indevida emissão de cheques sem serem cruzados.

Assentadas as irregularidades, passo a examiná-las individualmente, a fim de propiciar uma melhor análise dos presentes autos.

 

6.1.1. Ausência de comprovação material da realização do projeto proposto

 

Destaque-se, neste segundo momento da análise processual, que não há no feito provas efetivas da realização do objeto proposto, qual seja: promoção de palestras educativas a crianças e adolescentes da rede pública de ensino, em entidades sem fins lucrativos e em comunidades carentes.

Ao compulsar o caderno processual, constatam-se algumas fotos (fls.189-200 e fls. 219-232), as quais não servem para comprovar a execução do projeto.

Nota-se que as crianças que aparecem nas fotografias são alunas de uma escola localizada em Paulo Lopes, o que pode ser corroborado através dos uniformes.

Lembra-se, no entanto, que Paulo Lopes não estava dentre os municípios que seriam contemplados com as supostas palestras.

Somado a isso, acentue-se que, nos termos do plano de trabalho, a expectativa de público era de 5.000 crianças e jovens, mas as fotos constantes no caderno processual mostram as mesmas crianças em um único ambiente escolar.

Importante ressaltar, também, que uma das pessoas que aparece nas fotografias é a Sra. Dalva da Silva, a qual esteve pessoalmente no Tribunal de Contas de Santa Catarina para prestar a seguinte declaração (fl. 638):

 

Aos doze dias do mês de novembro de 2012, apresentou-se neste Tribunal de Contas a Sra, Dalva da Silva, CPF nº 740.375.869-00, que foi procurada pela Sra. Lilian Cristina de Oliveira prometendo obter recursos para o projeto com crianças e que conteúdo dos processos a seguir declara: Processo TCE 12/00111238 (referente ao repasse ao Moto Clube Sorocaba para o projeto Memória Itinerante, Nota de Empenho 541, de 11/09/2008, no valor de R$ 80.000,00, repassados pelo FUNDESPORTE), declara: 1) que se reconhece nas fotos de fl. 189 a 204 e reconhece as crianças como seus alunos da Escola Básica Dr. Ivo Silveira, do município de Paulo Lopes e que as crianças foram utilizadas para segurar os cartazes do projeto sob a alegação de que as fotos serviriam para publicação em jornal de esportes, mas que as fotos não tem qualquer relação com o projeto “Memória Itinerante”. 2) que as fotos foram tiradas pelo Sr. Leandro Laércio de Souza. 3) que as fotos foram tiradas no ano de 2010 ou 2011.

[...] (Grifou-se)

 

À luz dessa transcrição, pode-se observar que as fotografias não passam de uma montagem realizada pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, com vistas a ludibriar os órgãos de fiscalização.

Destaque-se, ademais, que não há no feito a lista de presença dos participantes do evento, o que reforça que o projeto não foi realizado nos termos propostos.

Ao encontro desse entendimento, percebe-se que alguns “prestadores de serviço” fazem parte da diretoria de outras entidades que buscam recursos públicos junto ao Estado para a execução de projetos e, ainda, mantêm estreitos laços entre si, conforme já relatado no início desta peça.

Para agravar ainda mais a situação, verifica-se que algumas notas fiscais, ao invés de serem solicitadas pelo prestador de serviço, foram requeridas pelo Sr. Leandro Laércio de Souza junto à Prefeitura de Florianópolis (fls. 73, 75, 77, 79 e 81).

Diante de toda essa conjuntura fática, conclui-se que não restou comprovada a realização do projeto, pois as provas constantes nos autos demonstram que houve, na verdade, uma verdadeira fraude.

Em razão disso, entende-se que devem ser restituídos aos cofres públicos, em sua integralidade, os valores repassados à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda, deve ser aplicada a penalidade de multa ao Sr. Leandro Laércio de Souza.

 

6.1.2. Ausência da comprovação da efetiva prestação dos serviços, agravada pela ausência de outros elementos de suporte e aliada à descrição insuficiente das notas fiscais apresentadas

 

Impõe-se asseverar, neste ponto, que as notas fiscais arroladas aos autos não detalham os serviços executados, estando assente apenas a informação, na descrição dos serviços, de que se trata de palestras relacionadas ao projeto “Memória Itinerante”.

Não há, pois, qualquer informação a respeito do preço unitário, dos locais em que seriam realizadas as palestras, a hora do serviço e outros elementos de suporte.

Os instrumentos contratuais, por sua vez, também não comprovam a efetiva prestação dos serviços, já que não apresentam detalhes imprescindíveis à sua execução. Ao encontro disso, percebe-se que todos os contratos de prestação de serviços constantes no caderno processual possuem idêntica formatação e cláusulas muito assemelhadas, o que faz concluir que foi a mesma pessoa quem os elaborou.

É digna de nota, também, a declaração prestada pela Sra. Kenia de Andrade Martins, a qual foi instada, através de ofício encaminhado pelo TCE/SC, a apresentar informações concernentes aos supostos serviços prestados, senão vejamos (fl. 381):

 

Informo ao Ilustríssimo Diretor de Controle da Administração que não é possível cumprir tais exigências.

Isso porque nunca tive conhecimento de tal evento, jamais proferi palestras sobre “Memória Itinerante” ou algum tema do gênero.

Além disso, o contrato de prestação de serviço (fls. 161 a 163) é de conteúdo inidôneo, ou seja, foi forjado, pois nunca assinei tal documento. Os indícios de fraude são evidentes, pois não há a qualificação completa de minha pessoa no cabeçalho do contrato e onde, supostamente, seria minha assinatura, não há autenticação cartorária, frisando-se ainda que inexiste similaridade de tal firma com minha assinatura.

Por fim, afirmo que nunca recebi os valores do cheque nº 000010 (fls. 74) e que a nota fiscal foi expedida, provavelmente, apenas para acobertar a fraude praticada apelo Moto Clube Sorocaba com as verbas transferidas pelo FUNDESPORTE. (Grifou-se)

 

Além disso, faz-se necessário ressaltar que as pessoas supostamente contratadas (Sra. Nair Cristina de Abreu, Sra. Nair Ferreira Abreu, Sra. Lilian Cristina de Oliveira e Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva) são integrantes de outras entidades que requerem recursos públicos junto ao erário e prestam serviços umas as outras.

Destaque-se, oportunamente, que não há qualquer informação sobre a qualificação das pessoas citadas acima, a justificar suas contratações.

Chama-se atenção, ainda, que todas as notas fiscais foram emitidas em Florianópolis, embora conste no plano de trabalho que as palestras seriam realizadas em diversos municípios.

No tocante aos serviços de confecção de materiais, observa-se, de igual sorte, que não restou comprovada a sua elaboração nos moldes propostos, sendo os documentos colacionados aos autos insuficientes para comprovar a despesa.

A par de todas essas informações, acrescente-se que a defesa protocolizada pela entidade Moto Clube Sorocaba e pelo Sr. Leandro Laércio de Souza não tem o condão de afastar a irregularidade, já que os responsáveis se limitaram a afirmar que os serviços foram prestados e que a Diretoria de Controle da Administração Estadual se baseia em suposições.

Com o devido respeito a entendimento diverso, mas as informações e provas trazidas à colação são suficientes para comprovar a fraude evidenciada nestes autos. Não se pode olvidar, também, que compete àquele que recebe os recursos públicos o ônus probatório da boa e da regular aplicação dos valores percebidos, o que não restou concretizado no caso em apreço.

Na ocasião, rememoram-se situações que nos levam a concluir que ocorreu um verdadeiro esquema fraudulento: a) há declarações que atestam que não houve palestras (fl. 638); b) foi o Sr. Leandro Laércio de Souza quem requereu as notas fiscais avulsas junto à Prefeitura de Florianópolis e não os prestadores de serviços; c) não foram apresentadas listas de presenças dos participantes das supostas palestras; d) os membros da diretoria da entidade Moto Clube Sorocaba afirmaram que as assinaturas de fls. 30-31 foram falsificadas; e) prisão do Sr. Gilmar Knaesel, do Sr. Leandro Laércio de Souza e demais envolvidos no esquema; f) os supostos prestadores de serviços fazem parte de outras entidades que captam recursos públicos e mantêm estreita relação entre si.

Diante de tudo o que aqui foi exposto, pode-se concluir que não existem provas da efetiva prestação dos serviços, o que reitera a necessidade de devolução dos recursos públicos aos cofres do Estado.

Antes de encerrar este ponto, faz-se necessário comentar que a Diretoria de Controle da Administração Estadual aduziu que a Sra. Nair Cristina de Abreu (assessora de imprensa), a Sra. Nair Ferreira Abreu (secretária), a Sra. Lilian Cristina de Oliveira (palestrante) e a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva (coordenadora) devem responder solidariamente pelo débito, cada uma pelo respectivo valor recebido, uma vez que fazem parte de entidades que mantêm estreito relacionamento e que prestam serviços umas as outras e considerando, ainda, que tais pessoas declararam que prestaram serviços à entidade Moto Clube Sorocaba, mas não comprovaram nestes autos a execução de tais atividades.

Analisando as particularidades do caso concreto, tenho para mim que o raciocínio formulado pela área técnica é acertado.

Nota-se que tais responsáveis foram devidamente citadas para apresentar razões de defesa, mas deixaram o prazo transcorrer in albis.

Inicialmente, quando foram instadas a se manifestar em sede de diligências, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra. Nair Ferreira Abreu e a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva asseveraram que prestaram os serviços e que receberam os valores constantes nas notas fiscais em sua integralidade. Já a Sra. Lilian Cristina de Oliveira não respondeu à diligência efetuada pela área técnica.

Frisa-se, mais uma vez, que não há provas satisfatórias da execução do projeto na prestação de contas apresentada pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, tampouco no bojo da presente tomada de contas especial, embora as responsáveis tenham tido a oportunidade, neste momento, de comprovar que executaram os serviços descritos nos pactos contratuais.

Com efeito, anote-se que há fundamento legal para responsabilizar as pessoas supracitadas, já que estas concorreram para o dano causado ao erário.

Nesse passo, eis a disposição constante na Lei Complementar Estadual nº 202/2000:

 

Art. 18. As contas serão julgadas:

 I — regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II — regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário; e

III — irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

 a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado; e

 d) desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

§ 1º O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que tenha ciência o responsável, feita em processo de prestação ou tomada de contas.

 § 2º Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d, deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular e

b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo, haja concorrido para a ocorrência do dano apurado.

§ 3º Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público Estadual, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.

 

 

À vista dessa prescrição normativa, tenho para mim que as pessoas citadas alhures devem ser responsabilizadas, pois admitiram que receberam recursos públicos, sem comprovar, contudo, a execução das atividades.

Assim, conclui-se que o débito deve ser imputado, de forma solidária, ao Sr. Leandro Laércio de Souza, à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda, limitando-se à quantia percebida por cada uma das responsáveis, à Sra. Nair Cristina de Abreu, à Sra. Nair Ferreira Abreu, à Sra. Lilian Cristina de Oliveira e à Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva.

 

6.1.3. Apresentação de documentos de despesa e cheque inidôneos

 

Registre-se que a irregularidade em tela diz respeito à nota fiscal nº 002800108, a qual foi emitida pela Prefeitura Municipal de Florianópolis no valor de R$ 6.800,00 (fl. 75).

Sobreleva realçar, em tempo, que a nota fiscal supracitada foi requerida pelo Sr. Leandro Laércio de Souza, no intento de comprovar supostos serviços prestados pela Sra. Kenia de Andrade Martins.

Relembra-se, no entanto, que a Sra. Kenia de Andrade Martins prestou informações neste caderno processual (fls. 381-382) e negou que tenha executado qualquer serviço à entidade Moto Clube Sorocaba e, ainda, que tenha recebido a importância de R$ 6.800,00.

Logo, entende-se que a nota fiscal (fl. 75) e o cheque (fl. 74) são inidôneos para comprovar a despesa atinente à realização das palestras, já que tal serviço não foi prestado.

Em sua contestação, o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto Clube Sorocaba alegaram que, das oito notas fiscais avulsas pagas, apenas a emitida pela Sra. Kenia apresenta problemas de validade, o que lhes causa estranheza, depois de passados tantos anos da realização do evento.

Como se vê, os responsáveis não trouxeram à colação qualquer justificativa razoável que possa rechaçar o apontamento restritivo, sobretudo porque restou provado nos autos que o projeto não foi executado.

Dito isso, afigura-se oportuno tratar, ainda, sobre a responsabilidade do Sr. Décio José Feltz, o qual era tesoureiro da entidade Moto Clube Sorocaba.

Em que pese a respeitável motivação consubstanciada no relatório técnico no sentido de afastar a responsabilidade, tenho para mim que o Sr. Décio José Feltz deve responder pelo presente apontamento restritivo, pelos motivos que passo a expor.

Nota-se que, apesar de o Sr. Décio José Feltz aduzir que algumas rubricas constantes nos cheques não conferem com a sua assinatura, a cártula de fl. 74 - a qual diz respeito ao suposto pagamento realizado à Sra. Kenia de Andrade Martins - possui muita semelhança com o documento de identificação do referido responsável (fl. 601).

Até que haja prova em contrário e diante da grande semelhança entre as assinaturas, conclui-se que foi o Sr. Décio José Feltz que, em conjunto com o Sr. Leandro Laércio de Souza, assinou a cártula de fl. 74.

A meu ver, o Sr. Décio foi, no mínimo, imprudente ao assinar os cheques sem se ater à despesa. Exige-se de um tesoureiro, pois, conduta totalmente diversa àquela adotada pelo mencionado responsável.

Dessa feita, entende-se que há elementos para a sua responsabilização, pois, ainda que não haja dolo na conduta do Sr. Décio, restou caracterizada a culpa.

Conclui-se, portanto, que deve ser imputado débito, de forma solidária, ao Moto Clube Sorocaba, ao Sr. Leandro Laércio de Souza e ao Sr. Décio Leandro Feltz.

 

6.1.4. Indevida emissão de cheques sem serem cruzados

 

A última irregularidade trazida à baila diz respeito à utilização de cheques para o pagamento das despesas supostamente realizadas sem que as cártulas fossem cruzadas ao credor, o que pode ser observado às fls. 68, 70, 72, 74, 76, 78, 80, 82, 84 e 86.

Como é sabido, a movimentação da conta bancária por meio de cheque nominativo cruzado possibilita verificar a efetiva destinação dos pagamentos aos respectivos credores dos documentos comprobatórios das despesas e o nexo com os recursos repassados pelo Estado.

A propósito, prescreve o Decreto Estadual nº 1.291/2008:

 

Art. 58. A liberação dos recursos financeiros pelo contratante dar-se-á obrigatoriamente mediante a emissão de ordem bancária em nome do proponente, para crédito em conta individualizada e vinculada. 

§ 1º A conta bancária vinculada deverá ser identificada com o nome do proponente acrescida da expressão contrato e do nome do contratante. 

§ 2º A movimentação da conta referida no § 1º deste artigo realizar-se-á por meio de cheque nominativo cruzado ao credor, ordem bancária, transferência eletrônica disponível ou outra modalidade autorizada pelo Banco Central do Brasil, em que fiquem identificadas as suas destinações e, no caso de pagamento, o credor.

[...] (Grifou-se)

 

Objetivando afastar o apontamento restritivo, o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto Clube Sorocaba apresentaram as seguintes razões de defesa (fl. 576):

 

Também aponta a equipe de instrução o não cruzamento dos cheques nominais emitidos, sugerindo a aplicação de multa, pela existência de falta grave, pelo fato de termos efetuado os pagamentos sem a observância dessa exigência.

Admitimos a existência de falha formal, mas em hipótese alguma se pode afirmar que tal omissão tenha causado lesão ao erário. Os materiais adquiridos e os serviços contratados foram fornecidos, executados e pagos conforme estabelecido nos contratos firmados entre as partes.  

 

Ao contrário do raciocínio formulado pelos responsáveis, a movimentação da conta bancária de forma correta auxilia na certificação da boa e da regular aplicação dos recursos públicos, não se tratando a falha, portanto, de natureza formal.

Assim, infere-se que deve ser mantida a responsabilidade do Sr. Leandro Laércio de Souza e da entidade Moto Clube Sorocaba, pois a irregularidade em tela corrobora a conclusão de que houve uma verdadeira fraude na captação de recursos públicos.

 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por julgar irregulares, com imputação de débito, as contas de recursos repassados ao Moto Clube Sorocaba, no montante de R$ 80.000,00, referente à Nota de Empenho nº 542/2008.

2. Por condenar solidariamente, nos termos do art. 18, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o Sr. Leandro Laércio de Souza, a pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, o Sr. Gilmar Knaesel, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra. Nair Ferreira Abreu, a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva e o Sr. Décio José Feltz, com os devidos acréscimos legais, nos seguintes moldes:

2.1. De responsabilidade solidária do Sr. Leandro Laércio de Souza e da pessoa jurídica Moto Clube Sorocaba, sem prejuízo da aplicação da multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 80.000,00, em face das seguintes irregularidades:

2.1.1. Ausência de comprovação material da efetiva realização do objeto proposto, ante a ausência de elementos de suporte que demonstrem a sua execução;

2.1.2. Ausência da comprovação material do efetivo fornecimento e da prestação dos serviços, em função da inexistência de outros documentos de suporte e aliada à descrição insuficiente nos comprovantes de despesas;

2.1.3. Apresentação de documento de despesa simulada e cheque bancário forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar gastos com recursos públicos;

2.1.4. Não emissão de cheques cruzados;

2.1.5. Juntada de declaração com assinaturas falsificadas, caracterizando documentação forjada para solicitação de recursos públicos.

2.2. De responsabilidade solidária do Sr. Gilmar Knaesel, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 80.000,00, em face das seguintes irregularidades:

2.2.1. Aprovação do projeto e repasse dos recursos sem o parecer técnico e orçamentário emitido pelo SEITEC;

2.2.2. Aprovação do projeto e repasse dos recursos sem a demonstração formal do enquadramento do projeto no PDIL;

2.2.3. Aprovação do projeto e repasse dos recursos sem a avaliação pelo Conselho Estadual de Esporte, quanto ao julgamento do mérito do projeto apresentado pela proponente;

2.2.4. Repasse dos recursos sem a realização do termo de Contrato de Apoio Financeiro;

2.3. De responsabilidade solidária da Sra. Nair Cristina de Abreu, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 3.500,00, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de assessoria de imprensa sem a comprovação da realização dos serviços.

2.4. De responsabilidade solidária da Sra. Nair Ferreira Abreu, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 2.000,00, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de secretária, sem a comprovação da realização dos serviços.

2.5. De responsabilidade solidária da Sra. Lilian Cristina de Oliveira, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 6.800,00, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de palestrante, sem a comprovação da realização dos serviços.

2.6. De responsabilidade solidária da Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 3.500,00, em face da emissão de comprovante de despesa e recebimento de numerário proveniente do erário, por suposto serviço de coordenação geral, sem a comprovação da realização dos serviços.

2.7. De responsabilidade solidária do Sr. Décio José Feltz, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o valor de R$ 6.800,00, em face da apresentação de documento de despesa simulada e cheque bancário forjado, caracterizando documentação falsa para comprovar gastos com recursos públicos.

3. Por declarar o Sr. Leandro Laércio de Souza e a entidade Moto Clube Sorocaba impedidos de receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo.

4. Por dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC ao Sr. Gilmar Knaesel, ao Sr. Leandro Laércio de Souza, à entidade Moto Clube Sorocaba, a Sra. Nair Cristina de Abreu, a Sra. Lilian Cristina de Oliveira, a Sra. Nair Ferreira Abreu, a Sra. Maria de Fátima Goulart da Silva, ao Sr. Décio José Feltz e à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte.

5. Por encaminhar ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina (27ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital – Defesa da Moralidade Administrativa) cópias do relatório conclusivo elaborado pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, do presente parecer e da decisão proferida pelo TCE/SC.

Florianópolis, 12 de setembro de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

                                                        Público de Contas             



[1] Nesse sentido: http://horadesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2016/06/sedes-de-ongs-envolvidas-em-investigacao-que-prendeu-ex-secretario-geram-suspeita-6054248.html.

[3] O art. 37, § 5º, da Constituição da República prevê: “§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

[4] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC 10/00029430, Câmara Municipal de Otacílio Costa. J. em: 13 mar. 2013.

[5] A Lei nº 13.792/2006 prescreve: Art. 6º. A concessão de incentivo pelo Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC dar-se-á somente a projetos que tenham adequação ao presente Plano Estadual da Cultura, do Turismo e do Desporto do Estado de Santa Catarina – PDIL.

 

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo brasileiro. 18 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 18.

[7] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. PCR 08/00075978, FUNDESPORTE. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 22 out. 2010.

[8] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 240.

[9] CAVALIERI FILHO, Sério. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 105.

[10] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2343/2006, Plenário. Relator: Min. Benjamin Zymler. J. em: 06 dez. 2006. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em 16 dez. 2015.

[11] Nesse sentido: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/06/inquerito-aponta-gilmar-knaesel-psdb-como-mentor-de-fraudes-com-ongs-fantasmas-em-sc-6030228.html.

[12] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. TCE 11/00340316, FUNTURISMO. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 18 fev. 2015.

[13] O art. 72, do Código Penal prevê: “Art. 72 - No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”. 

[14] OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções administrativas.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 82.

[15] VITTA, Heraldo Garcia. A sanção do direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 130.

[16] Nesse sentido: (STJ, AgRg no Resp 1198355/RS) PENAL. FURTOS. CRIME CONTINUADO. ARTIGO 71 DO CP. LAPSO TEMPORAL ENTRE AS CONDUTAS SUPERIOR A TRINTA DIAS. DESCARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. 1. A circunstância de haver transcorrido prazo maior que trinta dias entre os delitos, segundo a jurisprudência firmada por este Superior Tribunal de Justiça, afasta a possibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos mesmos.

[17] FEDERAL, Tribunal Regional (3ª Região). Apelação Cível nº 0025078-68.2004.4.03.6100/SP. Rel. Cecilia Marcondes. J. em: 20 dez. 2013. Disponível em: http://www.plenum.com.br/ac/TRF3/003/00250786820044036100.html. Acesso em: 01 set. 2015.

[18] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Resp nº 616412/MA. Rel. Eliana Calmon. J. em: 29 nov. 2004. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.

[19] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). AgRg no Edcl no Resp nº 68479/PE. Rel. Mauro Campbell Marques. J. em 27 abr. 2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 01 set. 2015.

[20] FEDERAL, Tribunal Regional (4ª Região). Embargos de Declaração na Apelação Cível nº 2006.71.04.001289-5/RS. Rel. Marcelo de Nardi. J. em: 26 mar. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/9684301/Downloads/de_jud_2009_03_31_a.pdf. Acesso em: 01 set. 2015.

[21] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9, do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu. gov.br. Acesso em: 08 dez. 2015.

[22] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. TCE 10/002299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.