Parecer
nº: |
MPC/46.623/2016 |
Processo
nº: |
TCE 13/00438697 |
Origem: |
Fundo de Desenvolvimento Social -
FUNDOSOCIAL |
Assunto: |
NE6192 (R$39.060,00),
NE6167 (R$ 40.000,00), de 10/12/09; NE1607 (R$ 30.000,00), de 28/07/09;
NE1591(R$ 30.041,28), de 24/07/09; NE3034 (R$32.950,00), de16/10/09; NE4823
(R$ 58.929,12), de 26/11/09; NE1362 (R$30.000,00), de1 3/07/09 - RSAG. |
Trata-se de Tomada de Contas Especial
instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos
Desvinculados[1],
em decorrência de diversas irregularidades avistadas em processos de concessão
de recursos públicos no Fundo de Desenvolvimento Social no decorrer do
exercício de 2009.
Após a instrução processual, a Diretoria de
Controle da Administração Estadual manifestou-se nos seguintes termos (fls.
917-930):
3.1 Julgar irregulares com imputação de débito, na forma do art. 18, III,
“a”, “b” e “c”, c/c o art. 21, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, as contas
de recursos transferidos para a ASSOCIAÇÃO
CONFRARIA DE ARTESÃS, decorrente dos empenhos n°s 2009NE001362, de
13/07/2009, no valor de R$ 30.000,00; 2009NE004823, de 26/11/2009, no valor de
R$ 58.929,12; 2009NE003034, de 16/10/2009, no valor de R$ 32.950,00;
2009NE001591, de 24/07/2009, no valor de R$30.041,28; 2009NE001607, de
28/07/2009, no valor de R$30.000,00; 2009NE06167, de 10/12/2009, no valor de
R$40.000,00 e 2009NE06192, de 10/12/2009, no valor de R$39.060,00.
3.2 Condenar solidariamente os
responsáveis: Srª. SAIONARA INÊS
LAUFFER DOS SANTOS,
então presidente da Associação Confraria de Artesãs, inscrita no CPF sob nº
346.146.560-72, residente na Rua do Avaí, n° 00001, Bairro Portinho, Laguna/SC,
CEP 88.790-000; da pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO
CONFRARIA DE ARTESÃS, inscrita no CNPJ nº 10.842.790/0001-06, com endereço na
Rua Argentina, n° 271, Bairro Cohab – Mato Alto, Laguna/SC, CEP 88.790-000; da Srª. NEUSELI JUNCKES COSTA, inscrita no
CPF sob nº 569.986.869-00, residente na Rua Batista Meirise, nº 63, Bairro
Roçado, São José/SC, CEP 88.108-115; do Sr.
CLEVERSON SIEWERT, inscrito no CPF sob nº 017.452.629-62, residente na Av.
Itamarati, nº 160, Bairro Itacorubi, Florianópolis/SC – CEP 88.034-900; e das
empresas PANIFICADORA KI-PÃO, CNPJ
04.737.358/0001-52, com endereço na Avenida Calistrato Muller Salles, n°25,
Sala 1, Bairro Progresso, Laguna/SC, CEP 88.790-000, e J.L.M. PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA., inscrita no CNPJ sob nº
02.917.827/0001-90, com endereço na Avenida Getúlio Vargas, nº 326, Bairro
Magalhães, Laguna/SC ao recolhimento do valor de R$ 260.980,40 (duzentos e sessenta mil novecentos e oitenta
reais e quarenta centavos), devendo-se observar os valores correspondentes aos responsáveis
especificados nos itens abaixo, em face da não comprovação da boa e regular
aplicação dos recursos, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da
publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e, para
comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores do débito ao
Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais
(arts. 21 e 44 da Lei Complementar Estadual n.º 202/00), calculados a partir de
15/07/2009 (NE 1362 - R$ 30.000,00); a partir de 27/11/2009 (NE 4823 - R$
58.929,00); a partir de 19/10/2009 (NE 3034 - R$32.950,00); de 27/07/2009 (NE
1591 - R$ 30.041,28); a partir de 30/07/2009 (NE 1607 - R$ 30.000,00) e a
partir de 18/12/2009 (NE 6167 - R$40.000,00 e NE 6192 - R$ 39.060,00), sem o
que fica, desde logo, autorizado o encaminhamento de peças processuais ao
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para que adote providências à
efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II, da Lei Complementar
Estadual nº 202/00), conforme segue:
3.2.2
De responsabilidade solidária da Srª SAIONARA INÊS LAUFFER DOS SANTOS e
da pessoa jurídica ASSOCIAÇÃO CONFRARIA
DE ARTESÃS, já qualificados, sem prejuízo de
aplicação de multa prevista no art.68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em face
da:
3.2.2.1 omissão
no dever de prestar as contas dos recursos públicos recebidos no montante de R$ 190.980,40 (cento e noventa mil
novecentos e oitenta reais e quarenta centavos), valor já incluído no item 3.2
desta Conclusão, em afronta ao art.58, parágrafo único, da Constituição
Estadual; ao art. 8° da Lei Estadual n° 5.857/1981, ao art. 144, §1°, da Lei
Complementar Estadual n° 381/2007, e aos arts. 49 e 52, I, da Resolução TC n°
16/1994 (item 2.2.1.1 deste Relatório);
3.2.2.2 ausência
de comprovação da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais,
não demonstrando a boa e regular aplicação dos recursos públicos, no montante de
R$ 260.980,40 (duzentos e sessenta
mil novecentos e oitenta reais e quarenta centavos), contrariando o art. 9º da
Lei Estadual nº 5.867/1981, o art. 144, §1º, da Lei Complementar Estadual nº
381/2007 e os arts. 49 e 52, III, da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1.1 do Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº 00452/2015);
3.2.2.3 indevida comprovação de despesas com notas
fiscais fotocopiadas, no montante de R$
30.000,00 (trinta mil reais), incluídos no item 3.2.1.2, contrariando o
disposto nos arts. 46, parágrafo único, e 59 da Resolução TC nº 16/1994, no
art. 24, § 5º, do Decreto Estadual nº 307/2003 e no Prejulgado nº 1540 desta
Corte de Contas, não comprovando a boa e regular aplicação dos recursos
públicos previsto no art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/2007
(item 2.2.1.3 do
Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº 00452/2015);
3.2.2.4 ausência da movimentação em
conta bancária, através de cheques nominais e individualizados por credor, contrariando o art. 16, caput, do Decreto nº 307/03 c/c o art. 47 da Resolução nº TC –
16/94 e Orientações para Prestação de Contas da Secretaria de Estado da Fazenda
(item 2.2.1.4 do
Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº 00452/2015).
3.2.2.5 indevida apresentação de comprovantes de
despesas inidôneos, no montante de R$
70.000,00 (setenta mil reais), valor já incluído no item 3.2 desta
conclusão, o que os tornam sem credibilidade para comprovar despesas com
recursos públicos, em afronta aos arts. 49, 52 e 58, parágrafo único, todos da
Resolução TC n° 16/1994 e ao art. 144, § 1°, da Lei Complementar Estadual
n°381/2007 (item 2.2.1.5 do Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº 00452/2015).
3.2.3 De
responsabilidade solidária da Sra. NEUSELI JUNCKES COSTA e do Sr. CLEVERSON SIEWERT, já qualificados,
sem prejuízo de aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste
Tribunal, por irregularidades que concorreram para a ocorrência do dano, em
face do:
3.2.3.1 repasse irregular de recursos no montante de R$ 260.980,40 (duzentos e sessenta mil
novecentos e oitenta reais e quarenta centavos), por meio de esquema paralelo
aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância aos requisitos
legais e regulamentares, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da
Lei Estadual nº 5.867/1981; nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º, da Lei Estadual nº 13.334/2005,
art. 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005 e art. 116, § 1º, da Lei Federal nº
8.666/1993, bem como os princípios da legalidade, impessoalidade,
publicidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, contidos no
art. 37, caput, da Constituição
Federal e no art. 16, caput e 5º da
Constituição do Estado de Santa Catarina, inclusive da motivação dos atos
administrativos; nos arts. 7º e 8º, III, do Decreto Estadual nº 2.977/2005; e
nos arts. 60 e 61 c/c o art. 116, caput,
da Lei Federal nº 8.666/1993, e arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº
381/2007 (subitem 2.1.1 do Relatório de Instrução DCE/CORA/Div. 3 nº 000452/2015 e
item 2.1 deste relatório).
3.2.4 De responsabilidade
da empresa J.L.M PRODUTOS FARMACÊUTICOS
LTDA., já qualificada, passível
de imputação de débito nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000,
no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), sem prejuízo da cominação de multa,
em face da seguinte irregularidade que concorreu para a ocorrência do dano:
3.2.4.1 emissão de documentos fiscais inidôneos, haja vista a ausência de comprovação do efetivo
fornecimento das mercadorias pela empresa J.L.M
PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA., no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), nos termos dos arts. 49, 52, II
e III e do art. 60, II e III, todos da Resolução nº TC 16/94, vigente à época (item 2.7 do Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº
00452/2015).
3.2.5 De responsabilidade
da empresa PANIFICADORA KI-PÃO, já qualificada, passível de imputação
de débito nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo da cominação de multa, em face da seguinte
irregularidade que concorreu para a ocorrência do dano:
3.2.5.1 emissão de documentos fiscais inidôneos, haja vista a ausência de comprovação do efetivo
fornecimento das mercadorias pela empresa PANIFICADORA
KI-PÃO, no valor de R$ 30.000,00 (trinta
mil reais), nos termos dos arts. 49, 52, II e III e do art. 60, II e III, todos
da Resolução nº TC 16/94, vigente à época (item 2.7 do Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº 00452/2015).
3.3 Aplicar à Sra. SAIONARA INÊS LAUFFER DOS SANTOS,
já qualificada, multa prevista no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar
Estadual nº 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação
do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento dos
valores ao Tesouro do Estado, sem o que fica, desde logo, autorizado o
encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas para que adote providências à efetivação da execução da decisão
definitiva (art. 43, II e 71 (ambos) da Lei Complementar nº 202/00), em face
do:
3.3.1 encaminhamento de prestação de contas fora do prazo
legal, contrariando o art. 8° da Lei Estadual n° 5.867/81 e art. 52 da
Resolução n° TC – 16/94, inciso I (item 2.2.1.6 do Relatório DCE/CORA/Div. 3 nº
00452/2015).
3.4 Declarar a Associação Confraria de Artesãs e a Sra. Saionara
Inês Lauffer dos Santos impedidos de
receberem novos recursos do Erário, consoante dispõe o art. 16 da Lei nº
16.292/2013 c/c art. 39 do Decreto nº 1.310, de 13 de dezembro de 2012.
3.5 Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto
do Relator que a fundamentam à Associação
Confraria de Artesãs, a Sra. Saionara
Inês Lauffer dos Santos, às empresas Panificadora Ki-Pão e J.L.M. Produtos Farmacêuticos Ltda., ao
Sr. Abel Guilherme da Cunha, ao Sr. Cleverson Seiwert, a
Sra. Neuseli Junckes da Costa e ao Fundo
de Desenvolvimento Social – FUNDOSOCIAL.
É o relatório.
1.
Considerações iniciais
Ressalte-se, em primeiro lugar, que o caso em
análise faz parte de um grandioso esquema fraudulento ocorrido durante o
exercício de 2009 no Fundo de Desenvolvimento Social, com a participação de
servidores, gestores e particulares.
Com efeito, impõe-se rememorar que, nos
termos dos relatórios técnicos elaborados pela Diretoria de Controle de
Administração Estadual, houve um prejuízo aos cofres públicos no vultoso
montante de R$ 6.389.558,72.
Importante salientar, na ocasião, que o
Ministério Público de Contas, ao analisar processos semelhantes, manifestou-se
pela citação dos superiores hierárquicos[2]
da Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual é apontada como executora do esquema
fraudulento de repasses de verbas públicas através do Fundo de Desenvolvimento
Social no ano de 2009.
Procurou-se demonstrar que, ainda que não
existissem provas de uma conduta positiva dos superiores hierárquicos, houve
inequívoca omissão, visto não ser aceitável a ideia de que uma única servidora
pública pudesse ter o controle de todo o procedimento de concessão de recursos
públicos - desde o pedido inicial até a aprovação das contas prestadas - sem
que houvesse o mínimo de fiscalização.
É digno de nota, inclusive, que o Tribunal de
Contas catarinense, semanalmente, condena determinados gestores e ordenadores
primários em razão de suas condutas omissas.
O Relator dos autos, no entanto, divergiu
desse posicionamento, pois, no seu entender, não existem provas suficientes da
participação dos superiores hierárquicos da servidora Neuseli Junckes Costa nos
casos examinados. O Relator fez a ressalva de que tal raciocínio poderia ser
revisto caso surgissem novos elementos capazes de evidenciar a responsabilidade
dos gestores que compunham a cadeia hierárquica.
Diante
do entendimento do Relator no sentido de que haveria a necessidade de novos
elementos de convicção para que fosse adotada a providência solicitada, o
Ministério Público de Contas buscou medidas que pudessem colaborar para o
correto desenrolar do processo.
Oportuno comentar que foi solicitado, através
de notificação formal, o comparecimento da Sra. Neuseli Junckes Costa junto a
este órgão. Contudo, tal responsável não compareceu à oitiva agendada.
Somado a isso, buscou-se a troca de
informações e a união de esforços com o Ministério Público Estadual, o qual
também investiga o esquema fraudulento avistado neste feito.
Em decorrência desse trabalho conjunto,
obteve-se a informação de que a Sra. Neuseli Junckes Costa foi presa
preventivamente em 13.06.2016. Tal prisão, no entanto, foi relaxada em 02.08.2016,
ante a concessão da ordem no habeas
corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
A propósito, sobreleva destacar que diversas
ações foram ajuizadas pelo Ministério Público Estadual junto ao Poder
Judiciário no intento de ressarcir o erário.
As ações protocolizadas pelo Ministério
Público Estadual estão em fase inicial de tramitação e até o presente momento
não se obteve informações novas que pudessem contribuir para a instrução dos
processos que estão em curso no TCE/SC.
Em razão disso e tendo em vista os princípios
aplicáveis ao processo - celeridade e razoável duração -, entendo necessário,
neste momento, analisar o mérito do presente feito, sem sugerir a
complementação de citação, consoante proposto em outros feitos que tramitam no
Tribunal, versando sobre a aludida fraude.
Ressalve-se, no entanto, que o Ministério
Público de Contas reitera o seu entendimento de que a medida mais acertada
seria a citação dos superiores hierárquicos da Sra. Neuseli Junckes Costa, pois
há elementos suficientes neste caderno processual para adotar a linha de
raciocínio exarada por este órgão.
Feita essa breve introdução e após deixar
registrado o posicionamento do MPC a respeito do assunto, passo a analisar os
apontamentos levantados pela área técnica.
2.
Do processo de concessão de recursos públicos
Cabe ter presente, ao adentrar na análise
meritória, que o Fundo de Desenvolvimento Social repassou à Associação
Confraria de Artesãs o valor total de R$ 260.980,40, com vistas à aquisição de
cestas básicas e medicamentos.
Ao analisar o processo de concessão, a
Diretoria de Controle da Administração Estadual observou a existência de um
esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e, ainda, a
inobservância de diversos requisitos legais e regulamentares.
Para corroborar, saliente-se que, além da
fraude constatada nos autos, restaram vislumbradas ainda as seguintes
irregularidades: a) ausência de expressa autorização do Chefe do Poder
Executivo, em desacordo ao art. 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981; b) ausência
de emissão de parecer fundamentado de análise do pedido formulado pela
entidade, contrariando o art. 1º, o art. 2º, § 1º e o art. 5º da Lei Estadual
nº 13.334/2005; c) ausência de aprovação do programa ou da ação pelo Conselho
Deliberativo do Fundo de Desenvolvimento Social, em afronta ao art. 7º e ao
art. 8º, inciso III, do Decreto Estadual nº 2.977/2005; d) ausência de
formalização do contrato ou ajuste entre as partes, em violação ao art. 60 e ao
art. 61 c/c art. 116, caput, da Lei nº
8.666/1993.
A par disso, assinale-se que foram chamados
aos autos para responder solidariamente por tais apontamentos restritivos o Sr.
Abel Guilherme da Cunha (ordenador primário), o Sr. Cleverson Siewert
(ordenador secundário e Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e
a Sra. Neuseli Junckes Costa (Analista da Receita Estadual).
Prestigiando uma melhor análise das defesas
apresentadas pelos responsáveis, passo a examiná-las individualmente.
2.1.
Defesa do Sr. Abel Guilherme da Cunha
Saliente-se que a Diretoria de Controle da
Administração Estadual aduziu, em seu relatório técnico inicial, que o Sr. Abel
Guilherme da Cunha, além de ser o ordenador primário da despesa, foi o
responsável por convidar a Sra. Neuseli Junckes Costa para integrar a sua
equipe no Fundo de Desenvolvimento Social quando ainda exercia as atribuições
do cargo de Diretor Financeiro.
Ao encontro disso, faz-se oportuno citar que
a Sra. Neuseli era convidada pelo Sr. Abel para participar de reuniões
fechadas, sem a participação de seus superiores hierárquicos, o que demonstra o
grau de confiança e a ligação existentes entre tais agentes.
É digno de nota, também, que foi o Sr. Abel
quem indicou, formalmente, a Sra. Neuseli para substituir o Diretor de Gestão
dos Fundos Estaduais - Sr. Giovani Machado Seemann - durante o seu gozo de
férias.
Presente esse contexto, anote-se que a equipe
técnica, após analisar a contestação apresentada pelo Sr. Abel Guilherme da
Cunha, afastou a sua responsabilidade, sob o argumento de que a nota de empenho
acostada aos autos não está assinada.
Com o devido respeito ao entendimento
consubstanciado no relatório técnico derradeiro, mas tenho para mim que o caso
exige desfecho diverso, pelas razões que passo a expor.
Em primeiro lugar, acentue-se que é fato
incontroverso que o Sr. Abel Guilherme da Cunha era ordenador primário à época
dos fatos, o que pode ser vislumbrado, inclusive, em sua defesa.
Como é sabido, a função de ordenador está
intimamente ligada à atividade administrativa de execução orçamentária da
despesa, envolvendo, por consequência, a responsabilidade gerencial dos
recursos públicos.
Sobre o assunto, Guido Kops[3]
salienta:
As mais variadas
circunstâncias, em que pode ser colhido qualquer ato de despesa pública,
conduzem inflexivelmente ao autorizador ou ordenador dessa despesa. No âmago da
despesa se revela sempre um ordenador. De consequência, este assume a primeira
e mais importante responsabilidade na efetivação da despesa. Por outra, a nota
tônica da responsabilidade insere imanente na figura do ordenador ou
autorizador.
Nesse mesmo trilhar, acrescente-se que a
Corte de Contas catarinense tem posicionamento sedimentado de que “no que concerne à responsabilidade
administrativa, o ordenador de despesa original, assim definido em lei,
responde pelos atos e fatos praticados em sua gestão”[4].
De
igual sorte, o Tribunal de Contas da União tem entendimento firme de que o
ordenador de despesas é pessoalmente responsável pelos atos dos quais resultem
despesas para a Administração Pública.
Para
corroborar, eis a transcrição do seguinte excerto:
O ordenador de despesas é pessoalmente responsável por todos
os atos dos quais resultem despesas para a União.
Deve, por isso, cercar-se de todas as cautelas possíveis ao autorizar despesas.
Não basta aferir a regularidade formal do processo. É preciso que os elementos
formadores do processo tenham sido constituídos de acordo com as normas que
regem a matéria e o princípio da economicidade seja observado. A afirmação de que apenas deram
seqüência a ato já previamente constituído não pode ser acolhida. O poder/dever
de diligência do ordenador de despesas impõe a ele a verificação da
regularidade dos atos de gestão sob todos os aspectos, sobretudo da adequação
do valor do contrato ao seu objeto.
O
exame da regularidade da despesa não se exaure na verificação da adequada
formalização do processo. A demonstração da despesa realizada deve induzir à
compreensão de que a observância das normas que regem a matéria proporcionou o
máximo de benefício com o mínimo de dispêndio (Constituição Federal, art. 70,
parágrafo único e DL 200/67, arts. 90 e 93)[5].
(Grifou-se)
À
luz dessa orientação, pode-se deduzir que é inadmissível que o ordenador da
despesa não tenha o mínimo de cautela ao autorizar os gastos públicos e ao
administrar o dinheiro da sociedade.
Feitas
essas considerações, sublinhe-se que a alegação da equipe técnica de que a nota
de empenho colacionada ao feito não está assinada não tem o condão de afastar a
responsabilidade do gestor.
Note-se
que os relatórios concernentes às notas de empenho acostados ao feito (fl. 44,
fl. 201, fl. 293, fl. 390, fl. 480, fl. 580, fl. 695) foram emitidos em
06.10.2010 pelo servidor Sebastião Luiz Pereira.
Os
empenhos, por sua vez, ocorreram efetivamente em 13.07.2009, em 24.07.2009, em
28.07.2009, em 16.10.2009, em 26.11.2009 e em 10.12.2009.
Em
outras palavras, denota-se que o documento suscitado pela área técnica trata-se
de um mero relatório extraído do sistema SIGEF/SC um ano após o repasse do
dinheiro público.
Forçoso
admitir, portanto, que a ausência de assinatura no relatório da nota de empenho
juntado aos autos não afasta a responsabilidade do Sr. Abel Guilherme da Cunha,
pois sequer corresponde à época da concessão.
Não
bastasse isso, ressalte-se que a ausência da assinatura na nota de empenho pode
ser vista, em tese, como uma irregularidade, mas não serve para afirmar que o
ordenador primário não sabia do repasse do dinheiro público.
Como
é sabido, o empenho consiste em apenas uma das fases da despesa. Ainda que supostamente
o Sr. Abel não tenha emitido a nota de empenho - o que não se acredita -, vê-se
que tal gestor foi responsável por determinar a realização da última etapa do
dispêndio - o pagamento.
Nessa
linha de argumentação, cumpre consignar que o Decreto-Lei nº 200/1967 conceitua
que ordenador de despesa é toda e
qualquer autoridade de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de
pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos (art. 80, § 1º).
Deduz-se, assim, que eventual irregularidade na
nota de empenho, por si só, não é o suficiente para afastar a responsabilidade
do ordenador de despesa, cuja atribuição não se restringe à emissão de tal
documento.
Ademais,
não me parece razoável afirmar que o Sr. Abel Guilherme da Cunha, na condição
de ordenador primário, não tinha ciência da emissão de 196 notas de empenho, no
valor total de R$ 6.389.558,72,
atreladas a repasses fraudulentos em um único exercício.
Acresça-se
a esse raciocínio, ainda, que a Sra. Neuseli Junckes Costa ocupava o cargo de
Analista da Receita Estadual e não possuía ingerência tamanha a ponto de
determinar a transferência de recursos públicos na ordem de aproximadamente 6,4
milhões em um único ano.
Embora
o Sr. Abel Guilherme da Cunha afirme que não exercia qualquer interferência sobre
a Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais e sobre a Secretaria Executiva de
Gestão de Fundos Estaduais, percebe-se que tal argumento não é aceitável.
Ora,
se tal agente aceitou ser ordenador de despesa da Unidade mostra-se
incongruente a afirmação de que não possuía qualquer responsabilidade pela atividade administrativa de execução orçamentária dos
gastos públicos.
De igual modo, vê-se que a alegação de que a
fraude perpetuada no Fundo de Desenvolvimento Social ocorreu em lugar físico
diverso daquele em que o Sr. Abel exercia suas funções de Diretor de
Investimentos e Participações Públicas não é relevante a ponto de afastar a sua
responsabilidade.
A acumulação de duas atribuições, por sua
vez, apenas demonstra que tal gestor deveria exercer suas funções com
responsabilidade, ante o grau de confiança que lhe foi depositado.
Dessa forma, pode-se inferir que o Sr.
Abel deve responder pelos pagamentos que autorizou e, por corolário, deve ser
condenado ao ressarcimento ao erário e ao pagamento de multa.
2.2.
Defesa do Sr. Cleverson Siewert
Registre-se, neste ponto, que o Sr. Cleverson
Siewert, em 2009, estava à frente da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos
Estaduais e, ainda, era ordenador secundário de despesa.
Em razão de tais atribuições, tal gestor foi
chamado aos autos para responder, de forma solidária, pela fraude avistada no
Fundo de Desenvolvimento Social e, ainda, pelas diversas irregularidades nos
processos de concessão de recursos públicos.
No intento de afastar a sua responsabilidade,
o Sr. Cleverson Siewert aduz que determinou, em 2010, a adoção de providências
administrativas, com vistas à elucidação da conjuntura fática.
Pontuou, também, que a responsabilidade pelos
fatos irregulares deve ser atribuída exclusivamente à Sra. Neuseli Junckes
Costa, uma vez que tal servidora articulou um esquema fraudulento, sigiloso e
suficientemente capaz de enganar, por certo período de tempo, os gestores.
Em arremate, a defesa assinalou que o
Ministério Público Estadual está apurando os fatos e que o nome do Sr.
Cleverson em nenhum momento foi citado como autor ou partícipe de quaisquer
irregularidades.
Para a Diretoria de Controle da Administração
Estadual, tais argumentos não prosperam, porquanto houve omissão do Sr.
Cleverson Siewert ao fiscalizar e supervisionar os seus subordinados.
Atrelado a isso, o corpo técnico asseverou
que a adoção de providências administrativas somente restou efetivada quando
tal responsável assumiu a Secretaria de Estado da Fazenda, em 2010.
A meu ver, a interpretação dada ao caso
concreto pela Diretoria de Controle da Administração Estadual é acertada e está
em consonância com as regras e com os princípios aplicáveis à espécie.
Na condição de superior hierárquico, o Sr.
Cleverson Siewert tinha a obrigação funcional de orientar, controlar,
supervisionar e fiscalizar os serviços desempenhados por seus subordinados.
Vale destacar, oportunamente, que as
atribuições elencadas acima dizem respeito ao poder hierárquico, já amplamente
debatido por este órgão ministerial nos pareceres anteriores.
A propósito, cumpre registrar que a
hierarquia, conceito ínsito à organização da administração pública, envolve
verdadeiros poderes e não meras faculdades.
No
caso em apreço, evidencia-se que o Sr. Cleverson Siewert não exerceu o mínimo de controle, fiscalização e
supervisão dos serviços desempenhados pela Sra. Neuseli Junckes Costa.
É inadmissível, pois, uma servidora montar
processos de concessão de recursos públicos, repassar vultosos valores a
entidades particulares e ainda forjar falsas prestações de contas sem que
houvesse qualquer fiscalização.
Relembra-se, em tempo, que o Sr. Cleverson
possuía as atribuições de Secretário da pasta e ordenador secundário da
despesa, o que, notadamente, aumenta a sua responsabilidade pelos fatos aqui discutidos.
Nessa
linha de raciocínio, entende-se que “não é razoável
excluir a culpabilidade daqueles que possuíam atribuições fiscalizatórias para
evitar os danos ou, ainda, poderiam ter implantado controles de gestão
financeira tendentes a coibir o mau uso de recursos públicos. A grave
responsabilidade daqueles que gerenciam bens públicos passa, necessariamente,
pelo estabelecimento de controles e rotinas eficientes na sistemática de
movimentação de valores”[6].
Frente ao exposto, conclui-se que o Sr. Cleverson Siewert deve
responder solidariamente pelo dano causado aos cofres estatais, sem prejuízo da
multa proporcional ao dano.
2.3.
Defesa da Sra. Neuseli Junckes Costa
A última defesa a ser analisada é a da Sra.
Neuseli Junckes Costa, a qual foi apontada como executora e peça principal de
todo o esquema fraudulento ocorrido no Fundo de Desenvolvimento Social em 2009.
Ao cotejar os autos, observam-se diversos
elementos de provas capazes de demonstrar que a Sra. Neuseli atuou diretamente
nos repasses irregulares, desde a formalização do pedido de concessão até a
baixa das prestações de contas.
Não é demasia relembrar, a propósito, que tal
responsável foi presa preventivamente e responde por diversas ações de
improbidade administrativa, em decorrência da fraude aqui mencionada.
Atrelado a isso, sublinhe-se que a Sra.
Neuseli foi submetida a processo administrativo disciplinar, o qual resultou na
sua demissão qualificada.
Em sua defesa - intempestiva -, a Sra.
Neuseli tenta imputar a responsabilidade pelos atos ímprobos e irregulares a
outros agentes públicos. No entanto, não trouxe aos autos uma única prova
sequer, a fim de confirmar suas alegações.
Em razão disso, valho-me integralmente das
considerações feitas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual
quanto à necessidade de responsabilização da Sra. Neuseli Junckes Costa.
Para finalizar este ponto, acresça-se que a
Sra. Neuseli deve responder pelo débito de forma solidária e, ainda, deve ser
condenada ao pagamento de multa proporcional ao dano, ante a gravidade da sua
conduta.
3.
Do processo de prestação de contas
Sabe-se
que aquele que recebe dinheiro oriundo dos cofres do erário deve comprovar, de
forma ampla e robusta, a sua boa utilização.
Nesse
sentido, anote-se o teor do art. 140, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:
Art. 140. Prestará
contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou
pelos quais o Estado responsa, ou que, em nome deste, assuma obrigações de
natureza pecuniária.
§ 1º Quem quer que
utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na
conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades
administrativas competentes.
Na oportunidade, sobreleva mencionar que o
ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete ao
gestor, conforme se depreende da jurisprudência sedimentada pelo Tribunal de
Contas da União:
TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR
DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO.
REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO
ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE
REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.
1. A
configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou
antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em
débito e na aplicação de multa.
2. Nos processos de contas que
tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular
aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o
crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou
de locupletamento por parte do recorrente[7].
(Grifou-se)
Nesse
mesmo passo, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina,
conforme se vislumbra no voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz
Gavi:
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS
ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO
DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E
INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER
CONCEDENTE. MULTA.
1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que
é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados
e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas
ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse
público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.
2. A
aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam
sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse
público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares
devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente
particulares e não atingirem à finalidade pública.
3. Os
atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para
financiamento no âmbito do SEITEC,
por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a
matéria, são sujeitos à aplicação de multa[8].
(Grifou-se)
Fixada
essa premissa, saliente-se que, no presente caso, não restou comprovada a boa e
a regular aplicação dos recursos públicos, em razão das seguintes
irregularidades: a) ausência de comprovação da realização do objeto proposto;
b) comprovação de despesas com notas fiscais em cópias; c) ausência de
movimentação em conta bancária através de cheques nominais e individualizados;
d) apresentação de documentos fiscais inidôneos; e) apresentação da prestação
de contas após o prazo legal referente à nota de empenho nº 2009NE006167; f)
omissão no dever de prestar contas referentes às notas de empenho nº
2009NE004823, nº 2009NE003034, nº 2009NE001591, nº 2009NE001607 e nº
2009NE006192.
A
par dos apontamentos restritivos, cabe aqui mencionar que a Gerência de
Auditoria de Recursos Antecipados, ao realizar a visitação in loco, confirmou a existência de um grande esquema fraudulento e,
ainda, que os recursos repassados pelo Estado não foram aplicados em cestas
básicas e em medicamentos, conforme previsto no plano de aplicação.
Neste
ponto, impõe-se sublinhar que tal situação ficou evidenciada inclusive pelo
relato prestado pela presidente da Associação Confraria de Artesãs - Sra.
Saionara Inês Lauffeer dos Santos -, a qual declarou (fls. 74-75):
- Que foi informada
da disponibilidade dos recursos por uma pessoa conhecida como “Paulinho”, do
qual não sabia nada a respeito, nem ao menos o seu sobrenome;
[...]
- Que para o recebimento dos recursos foi ao
banco, acompanhada do tal “Paulinho”, sacou o dinheiro e entregou todo o valor
em suas mãos;
[...]
- Relatou que não adquiriu nenhuma mercadoria
e que o “Paulinho” prometeu-lhe entregar cestas básicas e medicamentos para
distribuição, porém, nunca o fez;
- Que procurou pela contadora “Sra. Áurea”,
com intuito de lhe pedir orientação para preparação das Prestações de Contas,
porém, como nunca recebeu nenhuma mercadoria prometida pelo tal “Paulinho”, não
teve do que prestar contas;
[...]
Sobre as sedes das
três entidades de que é presidente, todas beneficiárias de recursos repassados
irregularmente, disse que nenhuma tinha sede, que o endereço era de integrantes
do Grupo de Mães e que se reuniam em suas casas;
- Sobre as notas
fiscais enviadas como Prestação de Contas dos Processos SEF 36823/2009 e SEF
42221/2009, cometeu desconhecê-las, afirmando que não fora ela quem as enviou e
que não também não conhecia seus emitentes;
[...] (Grifou-se)
Como
se pode notar, as declarações acima transcritas confirmam que os recursos
públicos não foram aplicados nos fins previstos, mas sim em finalidade diversa.
Oportuno
comentar que a Sra. Saionara Inês Lauffeer dos Santos é presidente de mais duas
entidades que receberam subvenção social de forma irregular – Associação Broto
de Butiá e Associação Artesã do Mar.
Em
razão disso, percebe-se que a Sra. Saionara recebeu do Estado catarinense, a
título de subvenção, o montante de R$ 452.798,42, cujo valor não foi aplicado em
consonância com os princípios éticos e nos termos dos planos de aplicação
aprovados.
Nesse
contexto, acrescente-se que a Sra. Saionara é tesoureira da Associação Vivendo
a Vida na Melhor Idade, tesoureira na Associação de Bem com a Vida e 1ª
secretária no Grupo Organizado Esperança, sendo que todas as entidades
supracitadas receberam recursos públicos de forma irregular.
Adicione-se
a isso, ainda, que as notas fiscais constantes nos autos são inidôneas e não
servem para comprovar a regularidade das despesas.
Nesse
passo, cabe citar que a inspeção in loco
realizada pela Gerência de Auditoria de Recursos Antecipados constatou que as
empresas que emitiram os documentos fiscais são, na verdade, pequenos
estabelecimentos comerciais que não possuem a quantidade de mercadorias
discriminadas nas notas.
Observa-se,
outrossim, uma grande divergência nos documentos fiscais emitidos, conforme de
depreende do relatório técnico (fl. 835):
Ainda sobre os
documentos fiscais emitidos pela empresa JLM Produtos Farmacêuticos, pode-se
observar que os valores constantes nas notas fiscais nº 004334 e 004335 (fl.
586) sequer têm seus valores corretamente lançados, mostrando que emitente e entidade
agiam em conluio simplesmente para tentar esquentar os valores públicos
recebidos.
Como exemplo, o
documento fiscal nº 004334, tem valor de R$ 36.536,00, contudo se forem
novamente calculados as unidades dos itens lançados multiplicados pelo valor
unitário, se chegará a um novo valor de R$ 31.292, sendo esse valor R$ 5.064,00
menor que o valor da nota fiscal apresentada.
Tal fato se dá em
virtude do item “Tylenol” estar com valor total de R$ 2.036,00 enquanto a
multiplicação correta mostra o valor de R$ 572,00. Da mesma forma, o item
“Tandrilax” está lançado com valor de R$ 7.200,00 enquanto o correto seria R$
3.600,00.
À
vista de todo o exposto, conclui-se que deve haver a devida responsabilização
da Sra. Saionara Inês Lauffeer dos Santos, da Associação Confraria de Artesãs e
das empresas que emitiram as notas fiscais, sem que houvesse, de fato, a
entrega dos produtos.
Importante
mencionar que, embora devidamente citados para apresentar defesa nestes autos,
os responsáveis deixaram o prazo transcorrer in albis.
Para
arrematar, registre-se que a Sra. Saionara e a Associação Confraria de Artesãs devem
ser condenadas à restituição do montante total repassado pelo Estado e as
empresas à importância constante nas notas fiscais emitidas.
Ante
o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:
1. Por
julgar irregulares, com imputação de débito, as contas de
recursos repassados à Associação Confraria de Artesãs no valor total de R$
260.980,40.
2. Por
condenar, solidariamente, a Associação Confraria de Artesãs, a Sra. Saionara
Inês Lauffeer dos Santos, a Panificadora J.B. Santos Ltda ME, a empresa J.L.M.
Produtos Farmacêuticos Ltda, a Sra. Neuseli Junckes Costa, o Sr. Abel Guilherme
da Cunha e o Sr. Cleverson Siewert ao recolhimento do valor de até R$ 260.980,40 aos cofres
públicos, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano causado ao
erário, nos seguintes termos:
2.1. De
responsabilidade solidária da Associação Confraria de Artesãs e da Sra.
Saionara Inês Lauffeer dos Santos o valor de R$ 260.980,40, em face dos
seguintes apontamentos:
2.1.1.
Ausência de prestação de contas dos recursos repassados pelo Estado a título de
subvenção social, concernentes às notas de empenho nº 2009NE004823, nº
2009NE003034, nº 2009NE001591, nº 2009NE001607 e nº 2009NE006192;
2.1.2.
Ausência de comprovação da realização do objeto proposto;
2.1.3.
Indevida comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas;
2.1.4.
Ausência de movimentação de conta bancária através de cheques nominais e
individualizados;
2.1.5.
Indevida apresentação de comprovantes de despesas inidôneos.
2.2. De
responsabilidade solidária do Sr. Abel Guilherme da Cunha, do Sr. Cleverson
Siewert e da Sra. Neuseli Junckes Costa o valor de R$ 260.980,40, em face do
seguinte apontamento:
2.2.1.
Repasse irregular de recursos por meio de esquema paralelo aos procedimentos
estabelecidos na legislação e sem observância aos requisitos legais e
regulamentares.
2.3. De
responsabilidade solidária da empresa J.L.M Produtos Farmacêuticos, na pessoa
de seu representante legal, o valor de R$ 40.000,00, em face do seguinte
apontamento:
2.3.1.
Emissão de documentos fiscais inidôneos, haja vista a não comprovação da
entrega das mercadorias.
2.4. De
responsabilidade solidária da Panificadora J. B. Santos Ltda ME, na pessoa de
seu representante legal, o valor de R$ 30.000,00, em face do seguinte
apontamento:
2.4.1.
Emissão de documentos fiscais inidôneos, haja vista a não comprovação da
entrega das mercadorias.
3. Por
aplicar multa à Sra. Saionara Inês Lauffeer dos Santos, com fulcro no art. 70,
inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em face do seguinte
apontamento:
3.1.
Encaminhamento da prestação de contas fora do prazo legal referente à nota de
empenho nº 2009NE006167.
4. Por
declarar a Associação Confraria de Artesãs e a Sra. Saionara Inês Lauffeer dos
Santos impedidas de receber novos recursos do erário, nos termos do art. 16 da
Lei nº 16.292/2013 c/c art. 39 do Decreto nº 1.310/2012.
5. Pela
remessa das informações contidas
nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em observância
ao art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, para a adoção das
providências que entender cabíveis.
6. Por
dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC aos responsáveis e ao Fundo de
Desenvolvimento Social.
Florianópolis,
02 de dezembro de 2016.
Diogo
Roberto Ringenberg
Procurador
do Ministério
Público de
Contas
[1] A Secretaria Executiva de Recursos
Desvinculados era denominada, em 2009, de Diretoria de Gestão dos Fundos
Estaduais – DIFE.
[2] Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart
(Gerente de Execução Orçamentária e Financeira – GEORF), Sr. Giovani Machado
Semann (Diretor de Gestão de Fundos Estaduais – DIFE), Sr. Cleverson Siewert
(Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e Sr. Antônio Marcos
Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda).
[3] KOPS, Guido. Os ordenadores da
despesa pública e a sua responsabilidade. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/24166/22941.
Acesso em: 21 nov. 2016.
[4] Trecho extraído do prejulgado nº
1533, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.
[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
Acórdão nº 661/2002 – Plenário. Disponível em: www.tcu.gov.br.
Acesso em: 22 nov. 2016.
[6] ARRAES, ANA. Autos do Processo nº AC-1340-20/12-P, Plenário. (TCU). Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 22 nov. 2016.
[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9,
do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu.
gov.br. Acesso em: 08 dez. 2015.
[8] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas.
TCE 10/002299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.