Parecer nº:

MPC/46.311/2016

Processo nº:

RLA 13/00482912    

Origem:

Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN

Assunto:

Identificar os planos de expansão/melhoria nas redes de água e esgoto, bem como verificar se os diversos financiamentos obtidos pela estatal estão sendo aplicados conforme previsto nos respectivos contratos de empréstimos.

Trata-se de auditoria realizada na Companhia Catarinense de Água e Esgoto, com vistas a identificar os planos de expansão e melhoria nas redes de água e esgoto e, ainda, a verificar questões relacionadas aos financiamentos obtidos pela estatal.

Após a instrução processual, o Conselheiro Relator determinou a remessa dos autos à Consultoria-Geral, para que a referida diretoria apresentasse manifestação a respeito da proposta sugerida pela Diretoria de Controle da Administração Estadual quanto à revogação dos prejulgados nº 1921 e 2119.

Em razão disso, a Consultoria-Geral, através do relatório nº 238/2016, apresentou a seguinte manifestação (fls. 4.751-4.574):

 

Diante do exposto, a Consultoria-Geral encaminha ao Exmo. Sr. Relator o estudo ora realizado, informando que o Prejulgado 2119 já foi reformado por meio da Decisão n. 2036/2015, exarada no Processo @CON 15/00189160, restando esclarecido que a aposentadoria voluntária dos empregados públicos não extingue o contrato de trabalho.

No que tange a sugestão de revogação do Prejulgado 1921, a mesma não deverá prevalecer, uma vez que a orientação trata dos servidores regidos pelos estatutos funcionais, não devendo receber, quanto a este aspecto, o mesmo tratamento jurídico dos empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

 

É o relatório.

 

1. Da revogação dos prejulgados nº 1921 e nº 2119

 

Ressalte-se, inicialmente, que a Diretoria de Controle da Administração Estadual sugeriu a revogação dos prejulgados nº 1921 e nº 2119 do TCE/SC, por entender que o conteúdo de tais orientações foi superado em razão das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Para a melhor compreensão do assunto ora tratado, afigura-se oportuno transcrever o teor original dos referidos prejulgados:

 

Prejulgado: 1921

1. O servidor estatutário que se aposenta voluntária ou compulsoriamente pelo Regime Geral da Previdência Social deve ser desligado do serviço público, pois a aposentadoria é uma situação que gera a vacância do cargo, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o servidor.

2. O servidor estatutário aposentado voluntariamente, mediante concurso (art. 37, inciso II), pode voltar a exercer cargo, emprego ou função remunerada acumuláveis, na forma do art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal, ou, não sendo acumuláveis, optar entre vencimentos ou proventos, resguardados os direitos adquiridos reconhecidos pelo art. 11 da Emenda Constitucional n. 20/98.

3. O servidor estatutário aposentado voluntariamente poderá também exercer cargos eletivos e cargos em comissão.

4. Com relação ao servidor estatutário aposentado compulsoriamente, consoante dispõe o art. 40, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, ele não poderá retornar ao exercício de cargo efetivo, mas poderá exercer cargos eletivos e cargos em comissão.

 

Prejulgado: 2119

1. A aposentadoria voluntária dos servidores públicos municipais da Administração Pública Direta, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, extingue o contrato de trabalho, sendo indevido o pagamento da multa rescisória, no importe de 40% sobre o FGTS, constituindo irregularidade a manutenção do vínculo de emprego sem nova aprovação em concurso público para o mesmo cargo em respeito ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal. 

2. Ao servidor celetista da Administração Pública Direta, aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social, caso aprovado por novo concurso público, se aplicam as regras da acumulação remunerada de cargos públicos previstas no art. 37, XVI e XVII, da Constituição Federal.

 

A par disso, destaque-se que o prejulgado nº 2119 já foi objeto de revisão pelo Tribunal Pleno da Corte de Contas catarinense em 09.12.2015, através dos autos nº CON 15/00189160.

Com efeito, cabe mencionar que o prejulgado nº 2119 foi reformado e passou a ter seguinte redação:

 

Prejulgado: 2119

1. A aposentadoria voluntária dos empregados públicos não extingue o contrato de trabalho, sendo possível a continuidade no emprego após a concessão do benefício.

2. A aposentadoria voluntária dos servidores efetivos é hipótese de vacância do cargo público por força de seus estatutos, não sendo possível continuar na atividade, ainda que o benefício tenha sido concedido pelo Regime Geral da Previdência Social.

3. A acumulação de proventos de aposentadoria concedida pelo Regime Geral da Previdência Social, com remuneração do emprego público não viola o art. 37, XVI e §10, da Constituição Federal.

 

Como se pode notar, já houve a revisão da matéria, conforme sugerido pela Diretoria de Controle da Administração Estadual em relatório do ano de 2013.

Em razão disso, entendo desnecessário tecer maiores considerações a respeito do aludido prejulgado, cujo entendimento está, nos dias atuais, em consonância com as decisões proferidas pela Suprema Corte.

Passa-se, então, à análise do prejulgado nº 1921.

Em primeiro lugar, cabe ter presente que a interpretação formulada pelo TCE/SC, através do prejulgado nº 1921, versa sobre a aposentadoria voluntária de servidor público.

No intento de melhor compreender o tema, cumpre lembrar que as regras aplicáveis aos servidores públicos diferem daquelas atinentes aos empregados públicos.

A propósito, eis o magistério de Lucas Rocha Furtado[1]:

 

Há, efetivamente, inúmeras regras aplicáveis aos servidores públicos e aos empregados públicos constantes do art. 37, que apresenta disposições gerais sobre a Administração Pública. A Constituição Federal, entretanto, no supramencionado Título III, Capítulo VII, apresente seção em que são definidas regras específicas para os servidores públicos. Trata-se da Seção II. Nela são estabelecidas inúmeras regras aplicáveis tão-somente aos servidores ocupantes de cargos públicos, o que importa em excluir a possibilidade de enquadramento dos empregados como servidores públicos.

Nessa seção do texto constitucional, aos empregados públicos são feitas apenas duas referências: uma no artigo 38, § 6º, quando determina que os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregados públicos deverão ser publicados anualmente, e outra no artigo 40, § 13º, que dispõe que aos empregados públicos são se aplicam as regras pertinentes à aposentadoria dos servidores públicos. Ou seja, não é estabelecida, na seção do texto constitucional dedicada aos servidores públicos, uma única referência para definir o regime jurídico dos empregados públicos, razão pela qual nos leva à conclusão de que a categoria servidor público não compreende os empregados públicos.

Servidor público é aquele que ocupa cargo público de provimento e caráter efetivo, que pressupõe previa aprovação em concurso público, ou de provimento em comissão.

[...]

Os empregados públicos constituem categoria específica de agentes públicos, e não é uma espécie de servidor público. Em outras palavras, o empregado público é agente público, mas não é servidor público.

Os empregados públicos são pessoas físicas contratadas pelas entidades políticas ou administrativas para a prestação de serviços sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

  

À luz dessa orientação, pode-se inferir que as normas concernentes à aposentadoria dos servidores públicos não são extensíveis aos empregados públicos.

Sobre a matéria, a Consultoria-Geral da Corte de Contas catarinense, nos autos do processo nº CON 15/00189160, exarou a seguinte manifestação:

 

APOSENTADORIA DO INSS. SERVIDOR CELETISTA. CONTINUIDADE DO VÍNCULO DE TRABALHO. SERVIDOR ESTATUTÁRIO. HIPÓTESE DE VACÂNCIA DO CARGO. CUMULAÇÃO DE PROVENTOS COM REMUNERAÇÃO DA ATIVIDADE. OBSERVÂNCIA DO ART. 37, § 10 DA CF.

Tendo em vista Decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a aposentadoria concedida pelo INSS não extingue o contrato de trabalho, os servidores públicos celetistas da Administração Direta ou Indireta, não são destituídos automaticamente do emprego quando da aposentadoria voluntária.

A aposentadoria voluntária do servidor estatutário é hipótese de vacância do cargo público efetivo, não sendo possível continuar na atividade, ainda que tenha sido concedida pelo Regime Geral da Previdência Social.

A acumulação de proventos de aposentadoria concedida pelo Regime Geral da Previdência Social, com remuneração da atividade não viola o art. 37, inciso VI, nem tampouco o art. 37, § 10, da Constituição Federal. (Grifos no original)

 

À vista do exposto, pode-se deduzir que a aposentadoria voluntária dos empregados públicos não extingue o contrato de trabalho, sendo admissível, pois, a continuidade no emprego após a concessão do benefício. Por outro lado, denota-se que os servidores públicos não podem continuar no exercício do cargo que deu ensejo à sua aposentadoria, uma vez que, nesse caso, ocorre a vacância do aludido cargo.

Neste ponto, impõe-se comentar que tal raciocínio segue o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende dos seguintes julgados:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da "relevância e urgência" dessa espécie de ato normativo.

2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.

3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).

4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.

5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.

6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. 7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97[2].

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. READMISSÃO DE EMPREGADOS DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO POR APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. NÃO-CONHECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 9.528/1997, que dá nova redação ao § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT -, prevendo a possibilidade de readmissão de empregado de empresa pública e sociedade de economia mista aposentado espontaneamente. Art. 11 da mesma lei, que estabelece regra de transição. Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade na parte que impugna dispositivos cujos efeitos já se exauriram no tempo, no caso, o art. 11 e parágrafos. É inconstitucional o § 1º do art. 453 da CLT, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, quer porque permite, como regra, a acumulação de proventos e vencimentos - vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -, quer porque se funda na ideia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício[3].

 

Feitos esses registros, anote-se que a orientação contida no prejulgado nº 1921 do TCE/SC está em consonância com a linha de entendimento ora exposta, não havendo razões, por consequência, para a reforma do prejulgado.

Dessarte, conclui-se que o prejulgado nº 1921 não deve ser revogado, pois o tratamento jurídico aplicável aos empregados públicos, no que diz respeito à aposentadoria voluntária, não se estende aos servidores públicos, conforme orientação exarada pela Suprema Corte.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se por manter na íntegra a orientação contida no prejulgado nº 1921 do TCE/SC, uma vez que a interpretação exarada pela Corte de Contas catarinense está em consonância com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

Florianópolis, 13 de dezembro de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 887-891.

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1721/DF. Relator: Carlos Ayres de Britto. Jul. em: 11 out. 2006. Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso em: 06 dez. 2016.

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1770/DF. Relator: Joaquim Barbosa. Jul. 11 out. 2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 06 dez. 2016.