Despacho nº:

GPDDR/104/2016

Processo nº:

REP 16/00366403    

Origem:

Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN

Assunto:

Irregularidades no contrato decorrente do Edital de Pregão Presencial nº 009/2016, referente à contratação de caminhão PIPA para o serviço de transporte de água tratada.

 

Trata-se de Representação movida pela empresa Ilha Limpeza e Serviços Ltda. - EPP, por intermédio de seu sócio administrador, Sr. Leocádio Salviano Filho, com vistas a apurar irregularidades no edital do Pregão Presencial nº 009/2016, lançado pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, para contratação do serviço de transporte de água tratada para os Municípios de Florianópolis, Biguaçu, São José e Santo Amaro da Imperatriz.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, por meio do Relatório nº 464/2016 (fls. 76-87), sugeriu ao Relator: a) o conhecimento da representação; b) a suspensão cautelar dos atos administrativos vinculados à execução do contrato nº 742/2016, celebrado em decorrência do Pregão Presencial nº 009/2016; c) a realização de audiência: c.1) do Sr. Arnaldo Venício de Souza, Diretor Administrativo e subscritor do ato convocatório e gestor do Contrato nº 742/2016; c.2) da Sra. Sabrina de Abreu, Pregoeira e subscritora do edital de convocação; c.3) da empresa BBB Pré-Moldados EIRELI ME, na pessoa do sócio administrador, Sr. Marcelo Ribeiro Borghezan; c.4) da empresa ST Veículos e Locações Ltda. ME, na pessoa do sócio administrador, Sr. Rafael Santos Sousa; c.5) da empresa PAVSUL Asfaltos e Pavimentações Ltda. EPP, na pessoa do sócio administrador, Sr. Rafael Santos Sousa; c.6) da empresa Murilo Silveira de Souza ME, na pessoa do sócio administrador, Sr. Murilo Silveira de Souza; c.7) do Sr. Renaldo Domingos Ramos, Gerente de Licitações da CASAN; e c.8) da Recap do Brasil, Silveira & Souza Ltda. ME, na pessoa do sócio administrador, Sr. Murilo Silveira de Souza.

O Relator, por meio do Despacho nº GAC/LEC 806/2016 (fls. 88-91), decidiu pelo conhecimento da representação, pelo indeferimento do pedido cautelar[1] e, por fim, pela remessa dos autos ao Ministério Público de Contas.

A não concessão do pedido cautelar foi ratificada pelo órgão colegiado (fl. 91).

Os autos foram, então, remetidos a este Ministério Público de Contas para manifestação.

É o relatório.

A representação em tela, conforme já salientado, visa a apurar supostas irregularidades no procedimento licitatório Pregão Presencial nº 009/2016, deflagrado com o objetivo de realizar a contratação de serviço de transporte de água, com caminhão-pipa, para os Municípios de Florianópolis, São José, Biguaçu e Santo Amaro da Imperatriz.

O representante sustenta, inicialmente, que não constam no Edital lançado determinadas exigências legais para o fornecimento do objeto da licitação, quais sejam: a) Alvará Sanitário e de Funcionamento específico para o objeto da licitação; b) Exigência de responsável técnico (químico) com o devido registro do Conselho Regional de Química - CRQ; e c) a participação de empresas que possuam em seu objeto social a prestação do serviço objeto da referida licitação.

Segundo o representante, é necessário observar esses pressupostos para assegurar que o transporte de água não resulte em riscos à saúde pública, especialmente porque alguns dos estabelecimentos que serão atendidos são hospitais e postos de saúde.  

Primeiramente, em relação à exigência de Alvará Sanitário e de Funcionamento Específico, entendo que a disposição contida no subitem 4.5, “e”, do Edital (fl. 29) supre essa necessidade ao prever que “Cada caminhão-pipa deverá possuir e ter à disposição alvará sanitário e certificado de vistoria expedido pela autoridade sanitária competente”.

De igual sorte, entendo que não há irregularidade em virtude da inexistência de previsão no Edital quanto à necessidade de a empresa ter em seu quadro um responsável técnico (químico), haja vista que o objeto da licitação abrange tão somente o transporte de água potável por meio de caminhões-pipa, sendo a análise da qualidade do produto transportado (água) de competência da contratante, no caso, a CASAN.

Aliás, a exigência de responsável técnico com registro no Conselho fiscalizador vai de encontro aos princípios que norteiam o procedimento licitatório, porquanto tal pressuposto restringiria o caráter competitivo do certame, violando o disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal[2] e no art. 30, I, da Lei nº 8.666/93[3].

A propósito, sobre o assunto o Tribunal de Contas da União já decidiu:

A exigência de registro ou inscrição na entidade profissional competente, prevista no art. 30, inciso I, da Lei 8.666/1993, deve se limitar ao conselho que fiscalize a atividade básica ou o serviço preponderante da licitação.[4]

 

Ademais, não se pode olvidar que a CASAN possui profissionais devidamente qualificados, inclusive com registro no Conselho Regional de Química, para fiscalizar a prestação do serviço licitado[5].

Nesses pontos, portanto, em consonância com o entendimento da área técnica, concluo que não há motivação suficiente para o acolhimento da representação.

Por outro lado, como bem assinalou o corpo instrutivo, o serviço de transporte de água potável é altamente regulado por questões ambientais e sanitárias.

Por esse motivo, ainda que a presença de profissional com registro no Conselho Regional de Química seja prescindível pelas razões expostas alhures, deve-se exigir no instrumento convocatório, quanto à qualificação técnica, que as empresas interessadas em participar do certame possuam o registro no aludido Conselho, a quem competirá fiscalizar as atividades desenvolvidas pela contratada nessa área.

Tal exigência, como bem pontuou a DLC, encontra guarida na Resolução Normativa nº 105/1987, em seu art. 2º, número 31, subitem 31.30[6].

Registre-se, outrossim, que a Lei Geral de Licitações dispõe em seu art. 30, IV, que os requisitos previstos em lei especial devem ser atendidos no tocante à qualificação técnica[7].

No que diz respeito ao aludido dispositivo, Marçal Justen Filho esclarece:

 

O exercício de determinadas atividades ou o fornecimento de certos bens se encontram disciplinados em legislação específica. Assim, há regras acerca da fabricação e comercialização de alimentos, bebidas, remédios, explosivos etc. Essas regras tanto podem constar de lei como estar explicitadas em regulamentos executivos.[8]

 

Por fim, no tocante à última irregularidade noticiada, registra-se que é condição inarredável para participar do processo de licitação que as empresas estejam devidamente inscritas no cadastro de contribuintes, além de que as atividades por elas desenvolvidas sejam compatíveis com objeto contratual.

Nesses termos é a redação do art. 29, II, da Lei nº 8.666/93, senão vejamos:

 

Art. 29.  A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

[...]

II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

 

Com base nessa premissa, verifica-se, no caso concreto, que a empresa ST Veículos e Locações Ltda. ME – vencedora do Pregão Presencial nº 009/2016 – não estava apta a prestar o serviço de transporte de água potável, porquanto, de acordo com a descrição do seu objeto social na Junta Comercial do Estado de Santa Catarina – JUCESC, a pessoa jurídica em questão possui autorização para desenvolver as suas atividades apenas nos seguintes ramos (fl. 68):

 

Locação de automóveis municipal, intermunicipal, interestadual com condutor; locação de automóveis municipal, intermunicipal, interestadual sem condutor; locação de caminhões; reboques; semi-reboques e outros veículos rodoviários, sem condutor; Aluguel de máquinas e equipamentos industriais e comerciais, sem operador; Aluguel de máquinas e equipamentos para construção, sem operador; transporte rodoviário de cargas, exceto produtos perigosos e mudanças; e prestação de serviços especializados de escola.

 

Como se vê, não se encontra entre as aptidões técnicas da empresa realizar o transporte de água potável, o qual não se confunde com nenhum dos serviços elencados em seu cadastro junto à JUCESC.

Registre-se que, além da Ilha Limpeza e Serviços Ltda., de propriedade do representante, apenas a empresa Murilo Silveira de Souza ME possuía na descrição do seu objeto social o transporte de água potável.

Logo, em relação aos apontamentos iniciais, entende-se que há irregularidade no caso vertente pelo fato de não constar como requisito no Edital do Pregão Presencial nº 009/2016 a inscrição das empresas no Conselho Regional de Química, bem como por inexistir a exigência de que as atividades desenvolvidas pelas empresas participantes do certame sejam compatíveis com o objeto contratual.

Adiante, o representante sustenta a existência de irregularidade na apresentação das propostas pelas empresas no procedimento licitatório.

No que diz respeito a esse aspecto, cabe destacar que concorreram no Pregão Presencial nº 009/2016 as seguintes empresas: a) ST Veículos e Locações Ltda. EPP; b) BBB Pré-Moldados Ltda. ME; c) PAVSUL Asfaltos e Pavimentações Ltda. EPP; d) Murilo Silveira de Souza ME e; e) Ilha Limpeza e Serviços Ltda. EPP.

Os indícios de irregularidade, a meu ver, exsurgem dos autos a partir de determinadas circunstâncias que envolvem a participação das referidas empresas no certame e o andamento da disputa deflagrada pela CASAN.

Destaca-se, nesse rumo, que as empresas ST Veículos e Locações, BBB Pré-Moldados e PAVSUL Asfaltos e Pavimentações não possuem em seu objeto social a prestação dos serviços licitados. Ou seja, apenas as empresas Murilo Silveira de Souza ME e a Ilha Limpeza e Serviços Ltda. estariam preparadas para entregar adequadamente o objeto da licitação.

Outro fato que levanta suspeita no caso em tela é a composição societária das empresas ST Veículos e Locações e PAVSUL Asfaltos e Pavimentações, que possuem sócios em comum no seu quadro. Inclusive, um deles, o Sr. Rafael Santos Souza, é administrador da última empresa citada[9].

Os indícios de irregularidade tornam-se evidentes porque apenas as referidas empresas apresentaram lances sucessivos, até que a ST Veículos e Locações sagrou-se vencedora com a proposta no valor de R$ 1.078.400,00.

Acrescenta-se a esse contexto o fato de que a empresa BBB Pré-Moldados, responsável por oferecer o melhor preço na fase de apresentação das propostas, deixou de apresentar lances na etapa subsequente do procedimento licitatório.

Entretanto, por conta da proposta formulada pela BBB Pré-Moldados, as outras duas empresas interessadas, Murilo Silveira de Souza ME e a Ilha Limpeza e Serviços Ltda., foram desclassificadas por terem superado o limite de 10% em relação à menor proposta, conforme o disposto nos itens 9.2 e 9.3 do Edital.

Como se percebe, a Empresa BBB Pré-Moldados pode ter feito parte de eventual conluio para fraudar a licitação, uma vez que causa estranheza a detentora da proposta mais vantajosa na primeira fase abandonar o certame em seguida. Tal proposta, portanto, pode ter sido apresentada com o único objetivo de excluir outras interessadas.

Para finalizar a análise das evidências de irregularidades no processo de licitação, ressalta-se que a empresa vencedora, a ST Veículos e Locações, firmou um “Termo Particular de Mandato” com o Sr. Murilo Silveira de Souza – que também participou do Pregão Presencial nº 09/2016 por meio da sua empresa – para que realizasse a “gestão do contrato”.

Na sequência, o mandatário, Sr. Murilo, contratou outra empresa de sua propriedade, a Recap do Brasil, para que realizasse a prestação do serviço.

Ademais, o órgão responsável pela licitação pode ter sido conivente com a irregularidade, tendo em vista que o Gerente de Licitações da CASAN, Sr. Renaldo Domingos Ramos – ao ser questionado via e-mail pelo sócio da empresa ST Veículos e Locações quanto à possibilidade do aludido Termo configurar espécie de subcontratação – respondeu de forma negativa. Para tanto, o servidor afirmou que o mandatário seria apenas um “representante” e que as demais responsabilidades recairiam sobre o contratante.

O representante aponta que a prestação de serviços pela empresa Recap do Brasil caracteriza verdadeira sublocação, situação que é vedada pelos termos contratuais.

Nesse ponto, é de suma importância destacar a observação realizada pela área técnica, alertando que a empresa Recap do Brasil pertence, na verdade, ao próprio Sr. Murilo Silveira de Souza e à sua esposa, Sra. Beatriz da Silva Silveira de Souza.

Dessa forma, ao transferir a “gestão do contrato” para o Sr. Murilo, a ST Veículos e Locações autorizou que o próprio Mandatário procedesse à contratação de empresa da sua propriedade para a prestação dos serviços objeto da licitação.

A meu ver, os indícios de irregularidade são veementes e envolvem omissões no instrumento convocatório, conluio no certame e descumprimento de cláusulas contratuais.

Dessarte, para além da realização de audiência, tendo em vista que as condutas descritas podem configurar, em tese, a prática de crime previsto na Lei nº 8.666/93, bem como ato de improbidade administrativa, concluo ser pertinente comunicar tais fatos ao Ministério Público Estadual para que este adote, desde já, as medidas que entender cabíveis.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se por acompanhar a sugestão do corpo técnico, a fim de que seja determinada a audiência dos pretensos responsáveis, bem como por comunicar ao Ministério Público Estadual a possível prática de crime previsto na Lei nº 8.666/93 e de ato de improbidade administrativa no caso vertente, para que este órgão adote as providências que entender necessárias.

Florianópolis, 06 de dezembro de 2016.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] No caso dos autos, o Relator entendeu que não foi atendido o requisito do periculum in mora haja vista que a abertura do Pregão Presencial nº 009/2016 ocorreu em 15/02/2016, havendo a adjudicação na mesma oportunidade, sendo que somente em 26/07/2016 o representante noticiou o fato. Assim, para o Relator, a inércia do representante afasta a necessidade de urgência da medida acauteladora, não tendo este sequer realizado pedido acautelatório (fl. 90).

[2] Art. 37. [...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

[3] Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

[4] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 5383/2016. Segunda Câmara. Rel. Vital do Rêgo. J. em: 10 mai. 2016. Acessado em: 30 nov. 2016.

[5] Em notícia extraída da rede mundial de computadores, a CASAN noticia sobre acordo firmado com o Conselho Regional de Química abrangendo, entre outras questões, a disponibilidade de responsáveis técnicos, devidamente registrados no CRQ, em cada unidade da Companhia. Disponível em: http://www.casan.com.br/noticia/index/url/acordo-valoriza-atuacao-de-profissionais-de-quimica-na-casan#0  Acessado em: 30 nov. 2016.

[6] Art. 2º - É obrigatório o registro em Conselho Regional de Química, consoante o art. 1º, das empresas e suas filiais que tenham atividades relacionadas à área da Química listadas a seguir:

[...]

31. INDÚSTRIA DE UTILIDADE PÚBLICA

31.30 - Tratamento e distribuição de água — à de natureza química.

[7] Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

[...]

IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

[8] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p.338

[9] Fl. 41