PARECER nº:

MPTC/48351/2017

PROCESSO nº:

TCE 13/00194534    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Lages

INTERESSADO:

Fabiano Henrique da Silva Souza

ASSUNTO:

Supostas irregularidades atinentes ao pagamento de multa/juros de mora e descontrole orçamentário e financeiro, com abrangência ao exercício de 2012

 

 

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada pelo Tribunal de Contas em atendimento à Decisão n. 1071/2015 (fls. 71-71v), exarada pelo Tribunal Pleno quando do julgamento do processo REP n. 13/00194534, que versava sobre supostas irregularidades atinentes ao pagamento de multa e juros e ao descontrole orçamentário e financeiro na Prefeitura Municipal de Lages no exercício de 2012, sendo a mencionada decisão vazada nos seguintes termos:

6.1. Converter o presente processo em Tomada de Contas Especial, nos termos do art. 32 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 34, caput, da Resolução n. TC-06/2001.

6.2. Definir a RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA, nos termos do art. 15, I, da Lei Complementar n. 202/00, dos Srs. RENATO NUNES DE OLIVEIRA, Prefeito Municipal de Lages no exercício de 2012, e WALTER MANFROI, Secretário de Finanças do Município de Lages no exercício de 2012, por irregularidades verificadas nas presentes contas.

6.3. Determinar a CITAÇÃO dos Responsáveis acima nominados, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/2000, para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, apresentarem alegações de defesa, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, quanto às irregularidades a seguir relacionados, ensejadores de imputação de débito e cominação de multa, ou comprovarem o ressarcimento ao erário municipal dos valores irregularmente pagos:

6.3.1. Realização de despesas com encargos (juros e multas) por atraso no recolhimento das contribuições devidas ao INSS, no valor de R$ 272.476,91 (duzentos e setenta e dois mil, quatrocentos e setenta e seis reais e noventa e um centavos), caracterizando falta de controle interno no setor de pagadoria, despesas estranhas à competência municipal e afronta aos arts. 4º e 12, §1º, da Lei n. 4.320/64 (item 2.1 do Relatório de Instrução DMU n. 1556/2015);

6.3.2. Realização de despesas com encargos (juros e multas) por atraso no recolhimento das contribuições devidas ao PASEP, no valor de R$ 8.519,45 (oito mil, quinhentos e dezenove reais e quarenta e cinco centavos), caracterizando falta de controle interno no setor de pagadoria, despesas estranhas à competência municipal, e ofensa aos arts. 4º e 12, §1º, da Lei n 4.320/64 (item 2.2 do Relatório DMU).

Às fls. 72-73 foi realizada a citação dos responsáveis para a apresentação de alegações de defesa sobre as irregularidades que lhes foram imputadas, resultando na apresentação das alegações de defesa de fls. 82-92 pelo Sr. Walter Manfroi.

O procurador do Sr. Renato Nunes de Oliveira peticionou às fls. 74-75 informando o falecimento daquele responsável. O Relator, então, determinou (fl. 78) a notificação do advogado do de cujus para eventual nomeação de inventariante ou para informar sobre a necessidade de citação de todos os herdeiros, providência que foi cumprida à fl. 79.

Na sequência, os autos vieram a este Ministério Público de Contas, que se manifestou à fl. 81 pelo retorno dos autos à Secretaria-Geral para aguardar resposta à notificação realizada, sendo esse posicionamento acatado pelo Relator (fl. 81).

Às fls. 94-95 foi indicado que a Sra. Juracy Terezinha Valcanaia é a inventariante do Sr. Renato Nunes de Oliveira, manifestando-se esse órgão ministerial (fl. 98), portanto, pela realização de sua citação, a qual foi determinada pelo Relator também à fl. 98.

Considerando a frustração da tentativa de citação via postal (fl. 100), procedeu-se à citação por edital da Sra. Juracy Terezinha Valcanaia (fl. 101).

No entanto, às fls. 103-103v, a Diretoria de Controle dos Municípios identificou que a citação via postal que havia sido intentada foi realizada no endereço errado, propondo, dessa forma, a realização de nova citação no endereço correto.

Determinada a nova citação (fl. 103v), ela foi efetivada à fl. 104, resultando no deferimento da solicitação de prorrogação de prazo apresentada à fl. 107. Transcorrido a prorrogação de prazo concedida, no entanto, a inventariante Sra. Juracy Terezinha Valcanaia deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação (fl. 113).

A Diretoria de Controle dos Municípios, então, exarou o relatório de reinstrução de fls. 114-120v, em cuja conclusão sugeriu julgar irregulares, com imputação de débito, as contas referentes à presente Tomada de Contas Especial, condenando o Sr. Walter Manfroi e o Espólio do Sr. Renato Nunes de Oliveira ao pagamento de R$ 280.996,36, em face das mesmas irregularidades destacadas na já transcrita Decisão n. 1071/2015 dessa Corte de Contas.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente e dos recursos em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso II, da CRFB/88; arts. 58 e 59, inciso II, da Constituição do Estado de Santa Catarina; art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c o art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passo, assim, à análise das irregularidades pontuadas na Decisão n. 1071/2015 dessa Corte de Contas.

Com efeito, embora tenham sido capituladas em itens distintos da Decisão n. 1071/2015 desse Tribunal, as irregularidades relativas ao pagamento em atraso das contribuições devidas ao INSS (item 6.3.1) e ao PASEP (item 6.3.2) estão intimamente relacionadas, tendo em vista que ambas implicam na indevida e evitável realização de despesas (juros moratórios e multas) sem evidenciação de interesse público, de modo que podem ser analisas em conjunto no presente parecer.

  Com efeito, restou evidenciado pela área técnica desse Tribunal no relatório de instrução de fls. 62-64v, que a Prefeitura Municipal de Lages pagou com atraso as contribuições devidas ao INSS relativas à competência de novembro de 2012 e ao décimo terceiro salário daquele mesmo ano, resultando em um ônus adicional de R$ 272.476,91 aos cofres públicos em razão da mora verificada, detalhada da seguinte maneira (fl. 63):

Competência

Valor do INSS

Multa e Juros

Total da Guia

Vencimento

Data do pagamento

11/2012

947.732,26

140.833,01

1.088.565,27

20/12/2012

31/01/2013

13/2012

769.397,49

131.643,90

901.041,39

20/12/2012

05/02/2013

Total

1.717.129,75

272.476,91

1.989.606,66

 

 

Da mesma forma, o atraso no recolhimento das contribuições devidas ao PASEP referente à competência de novembro de 2012 implicou no pagamento de juros e multas no valor de R$ 8.519,45, a saber (fl. 64):

Competência

Valor do PASEP principal

Multa e Juros

Total da Guia

Vencimento

Data do pagamento

30/11/2012

95.509,60

8.519,45

104.029,05

24/12/2012

18/01/2012

 Como se vê, os cofres da Prefeitura Municipal de Lages foram indevidamente onerados no montante total de R$ 280.996,36 pela desídia do Prefeito Municipal e do Secretário de Finanças em adimplir tempestivamente com os valores devidos ao INSS e ao PASEP.

Como visto, a inventariante do ex-Prefeito Renato Nunes de Oliveira, Sra. Juracy Terezinha Valcanaia, não apresentou manifestação à citação realizada por esse Tribunal de Contas.

Por sua vez, o Sr. Walter Manfroi apresentou as alegações de defesa de fls. 82-89 alegando, inicialmente, que durante sua gestão foi encaminhado determinado projeto de lei à Câmara Municipal solicitando autorização legislativa para a realização de operação de crédito decorrente de dívidas da municipalidade, mas que essa proposição teria sido arquivada em razão de disputas políticas.

A propósito do item “Termo de Acordo de Parcelamento” apresentado na defesa do responsável (fls. 83-84), a Diretoria de Controle dos Municípios acertadamente constatou (fl. 119) que se trata de discussão acerca de débitos previdenciários do sistema municipal de Lages, não guardando relação com os débitos analisados nos presentes autos. Dessa forma, tais argumentos não merecem ser considerados.

Ainda, o responsável sustenta, em suma, que a partir de 01.01.2013 o atual gestor de Lages é que seria o responsável pelo adimplemento das obrigações do Município, pois ele teria conhecimento da existência dessas dívidas e havia recursos disponíveis para seu pagamento, mas ele teria optado por não o fazer imediatamente. Também não assiste razão ao responsável quanto a esse ponto, a teor do disposto pela reinstrução às fls. 119v-120, a saber:

Os argumentos de que o atual Gestor não pagou imediatamente após sua posse para ampliar multa e juros para prejudicar o Gestor anterior até parecem fazer sentido quando se observa a data do re-empenhamento de alguns empenhos de 2012, como é o caso dos empenhos nºs 196, 194, 195 e 197, que foram re-empenhados em 02/01/2013, conforme tabela extraída do sistema E-Sfinge a seguir: [...].

Todavia, a razão de todo esse problema originou-se em 2012, quando o Responsável Sr. Walter Manfroi – Secretário de Finanças à época, juntamente com o então Prefeito, Sr. RenatoNunes de Oliveira (falecido), deixaram de quitar os créditos previdenciários no prazo legal, sujeitando-se à incidência de multa e juros de mora.

As razões que levaram o Gestor atual a anular os empenhos e re-empenhar em 02/01/2013 e só pagar em 31/01/2013, não foram questionadas, nem cabe questionar, pois não é esta a questão. Certo é que o atual Gestor assumiu a Administração Municipal com pendências financeiras e atraso no recolhimento previdenciário ao INSS e do PASEP. Ademais, cabe ressaltar que o Gestor adotou providências para regularização do passivo assumido na gestão anterior ainda no primeiro mês de seu mandato.

Responsabilizar o Gestor atual, ainda que em parte, pelo dano causado à Administração devido ao pagamento em atraso das contribuições previdenciárias devidas ao INSS e relativas ao PASEP, cuja responsabilidade pelo pagamento era da Gestão anterior, não faz o menor sentido porque não foi ele quem deu causa ao omitir-se ao pagamento no vencimento.

Se o motivo levantado foi a falta de recursos, impõe-se considerar que houve grave falta de planejamento, controle orçamentário e financeiro de quem já vinha administrando os recursos públicos há longo tempo, inclusive tendo oportunidade de contingenciar dotações orçamentárias para honrar compromissos inadiáveis.

Ademais, se mesmo assim considerarmos que foi difícil para quem tinha todas as condições de tomar medidas restritivas para garantir a assunção dos compromissos obrigatórios e não o fez, ainda mais difícil seria para quem acabou de assumir a Administração, tendo que se inteirar de todos os compromissos herdados da Gestão anterior e ainda honrar os compromissos obrigatórios da nova Gestão.

Ainda, o Sr. Walter Manfroi alega que o pagamento das contribuições previdenciárias referentes à competência de dezembro de 2012, com vencimento em 18.01.2013, somente foi quitado em 31.01.2013, ou seja, também com incidência de encargos, mas que tal irregularidade não fora objeto da representação apresentada a esse Tribunal. Conforme pontuado pelo próprio responsável, tal suposta restrição não está sendo analisada nos presentes autos, sendo desnecessária, portanto, qualquer manifestação a respeito. No entanto, cabível a essa Corte de Contas, se entender pertinente, a instauração de autos apartados para apurar referido ato.

Por fim, o responsável assevera que, embora fosse o ordenador de despesas, as presentes irregularidades recairiam somente ao ex-Prefeito de Lages, na figura de gestor fiscal do Município. Novamente, desnecessárias maiores considerações acerca deste ponto, diante da total falta de embasamento legal para as alegações do responsável e, por outro lado, do seu sólido enquadramento no conceito de responsável - previsto no art. 1º, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 c/c art. 133, § 1º, alínea “a”, do Regimento Interno dessa Corte de Contas -  por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, estando sujeito, portanto, ao controle externo dessa Corte de Contas.

Dessa forma, as alegações de defesa apresentadas pelo Sr. Walter Manfroi não foram hábeis a afastar sua responsabilização ou a descaracterizar as restrições verificadas, mantendo-se a irregularidade de realização de despesas públicas ilegítimas com o pagamento de juros moratórios e multas decorrentes do atraso no pagamento de obrigações do Município.

Nesse sentido, as despesas com juros moratórios e multas, além de não se configurarem como um gasto pertinente e necessário à Administração Pública, ferem os princípios da economicidade e eficiência, expressos no art. 37, caput, da CRFB/88, ditames que se mostram indispensáveis à boa gestão dos bens e valores públicos, de acordo com o seguinte excerto da doutrina de Lucas Rocha Furtado[1], Subprocurador-Geral do Ministério Público de Contas da União:

A eficiência, que foi elevada pela Constituição Federal à categoria de princípio geral da Administração Pública, é um dos aspectos da economicidade. Esta, além da eficiência, compreende a eficácia e a efetividade. Temos, portanto, que economicidade é gênero do qual a eficiência, a eficácia e a efetividade são suas manifestações. [...]

A eficiência requer do responsável pela aplicação dos recursos público o exame da relação custo/benefício da sua atuação. O primeiro aspecto a ser considerado em termos de eficiência é a necessidade de planejamento, de definição das necessidades e a indicação das melhores soluções para o atendimento dessa necessidade pública. [...]

O primeiro passo para o desenvolvimento de atividades de modo eficiente corresponde à necessidade de planejamento dos gastos públicos; o segundo passo a ser dado está ligado à definição das metas; e o terceiro passo corresponde ao exame dos custos necessários à realização das metas.

Além do controle da eficiência, exige-se igualmente do administrador o exame da eficácia e da efetividade de sua atuação, eis que o próprio texto constitucional estabeleceu que a Administração Pública haverá de ser fiscalizada sob a ótica da economicidade, consoante seu art. 70 (grifei).

Dessa maneira, os atos ora analisados – pagamentos de juros moratórios e multas – atentaram contra a eficiência e a economicidade, resultando em incontroverso prejuízo ao erário, nos termos do art. 18, inciso III, alínea “c”, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, sujeitando os gestores responsáveis, portanto, à restituição dessas despesas estranhas à Administração Municipal.

Nesse sentido, destaque-se que, historicamente, o entendimento dessa Corte de Contas é pacífico no sentido de ser devida a imputação de débito aos gestores responsáveis pela realização de despesas com juros e multas decorrentes do atraso no adimplemento de suas obrigações, a teor do que se extrai das seguintes decisões:

Processo TCE n. 04/00030519 - Acórdão n. 472/2005 (imputação de débito confirmada pelos Acórdãos n. 633/2009 e n. 344/2010)

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da análise da prestação de contas das Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S.A. - CEASA/SC, referentes ao exercício de 2000, e condenar a Responsável – Sra. Marli Teresinha Marçal - ex-Diretora-Presidente daquela entidade, ao pagamento da quantia de R$ 1.724,62 (hum mil, setecentos e vinte e quatro reais e sessenta e dois centavos), referente a despesas com juros por atraso no recolhimento de obrigações, sendo: a) R$ 1.468,05, quanto a IPTU, Unidade Oeste com sede no município de Chapecó (item 1 do Relatório DCE); e b) R$ 256,57, quanto a IR, PASEP e COFINS; gastos esses não afetos aos objetivos e finalidades estatutárias da CEASA/SC, em afronta ao disposto no art. 52, § 3º, da Lei Estadual n. 9.831/95 e ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2 do Relatório DCE), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres da CEASA/SC, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000). [...] (grifei)

 

Processo PCA n. 04/01697150 – Acórdão n. 1337/2008 (imputação de débito confirmada pelo Acórdão n. 597/2011)

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, "b" e "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, as contas anuais de 2003 referentes a atos de gestão das Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. - CELESC, e condenar o Responsável – Sr. CARLOS RODOLFO SCHNEIDER - ex-Diretor-Presidente das Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. - CELESC, CPF n. 904.898.378-91, ao pagamento da quantia de R$ 2.800,00 (dois mil oitocentos reais), referente a despesas com multas aplicadas pela CVM, caracterizando ato de liberalidade do administrador, em afronta ao disposto no art. 154, §2º, "a", da Lei (federal) n. 6.404/76 fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres da CELESC, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000). [...] (grifei)

 

Processo TCE n. 09/00341475 - Acórdão n. 508/2012 (imputação de débito confirmada pelo Acórdão n. 805/2014)

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata do pagamento de juros e multas decorrentes do recolhimento em atraso de valores de contribuição social ao INSS pertinentes aos exercícios de 1995 a 2004, da Companhia de Desenvolvimento e Urbanização de Balneário Camboriú – COMPUR, e condenar os Responsáveis a seguir discriminados ao pagamento de débitos de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento do valor dos débitos aos cofres da Compur.bc, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000):

6.1.1. DE RESPONSABILIDADE DO SR. JOÃO ODILON RODRIGUES MACHADO - Diretor-Presidente da Companhia de Desenvolvimento e Urbanização de Balneário Camboriú - Compur-bc - no período de 10/02 a 31/08/1995, CPF n. 895.739.439-72, o montante de R$ 2.004,19 (dois mil e quatro reais e dezenove centavos), em face dos danos à Companhia decorrentes da falta de recolhimento tempestivo de contribuição social ao INSS dos meses de competência 04 a 07/1995, somente efetuado em 21/02/2005, gerando acréscimo de juros e multas, infringindo os princípios da legalidade e da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal) e caracterizando gestão antieconômica, além de caracterizar ato de liberalidade a custa da Companhia, vedado pela alínea “a” do §2º do art. 154 da Lei n. 6.404/76 (item 2.1. do Relatório DCE); [...] (grifei)

 

Processo TCE n. 14/00214260 - Acórdão n. 719/2015

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria ordinária realizada na Câmara Municipal de Pescaria Brava,

6.2. Condenar o Responsável – Sr. Everardo Cardoso Martins – Presidente da Câmara de Pescaria Brava no ano de 2013, CPF n. 344.112.759-53, ao pagamento da quantia de R$ 6.673,64 (seis mil seiscentos e setenta e três reais e sessenta e quatro centavos), em face da realização de despesas irregulares com juros e multas pelo recolhimento em atraso do INSS, uma vez que não traduzem caráter público e não guardam relação com a definição de despesas de custeio, em afronta aos arts. 4º e 12, § 1º, da Lei n. 4.320/64, fixandolhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, ou interpor recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000). [...] (grifei)

No mesmo sentido, essa matéria já foi objeto dos Prejulgados n. 372, 573, 604 e 1038 desse Tribunal, a saber:

Prejulgado n. 372

1. As dívidas inadimplidas pelo Poder Público extinguem-se pela prescrição ou pelo pagamento. A prescrição fundamenta-se no Decreto Federal n° 20.910 de 06.01.1932, que estabelece que as dívidas passivas da União, Estados e Municípios prescrevem em 5 (cinco) anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. O pagamento poderá ser efetuado se a despesa tiver sido inscrita em Restos a Pagar, os quais têm vigência por cinco exercícios, ou se o compromisso for reconhecido pelo Administrador, sendo pago à conta de dotação específica consignada no orçamento.

2. O pagamento de correção monetária, sendo usado como fundamento legal o artigo 117 da Constituição Estadual, compreende os mesmos critérios usados pela Administração Municipal para a atualização das obrigações tributárias. Na hipótese de contrato entre as partes, os índices são aqueles pactuados, e, mais recentemente, aqueles que representam a variação de preços dos insumos ou de custo dos materiais, no período superior a um ano.

3. O pagamento de juros somente poderá ser efetivado se estiver previamente previsto em lei, ou no contrato celebrado entre as partes, ou decorrer de decisão judicial, no percentual que for previsto nessas alternativas.

4. A decisão de efetivar ou não o pagamento da dívida, observada a legislação vigente, é do Administrador. Em considerando prescrita a obrigação (Decreto Federal n° 20.910/32), a baixa dos registros deve obedecer as normas da contabilidade pública (grifei).

 

Prejulgado n. 573

O Município de Pinheiro Preto tem legitimidade passiva para o pagamento de juros, quando sua incidência decorre do texto legal ou cláusula contratual. Em se tratando de juros de mora, devidos em função de atraso de pagamento pelo Município, a responsabilidade recairá sobre o Ordenador da Despesa, caso não reste comprovada a impossibilidade de cumprimento da obrigação no prazo inicialmente avençado. O procedimento para cobrança dos juros devidos pelo Município de Pinheiro Preto é através do contencioso administrativo ou judicial (grifei).

 

Prejulgado n. 604

Toda a despesa que não estiver contemplada no orçamento ou em lei específica carece de autorização, não podendo, portanto, ser considerada legal.

O acréscimo de juros e multa quando do pagamento de obrigações tributárias vencidas, somente poderá ser efetivado, se estiver previamente previsto em lei. A ausência de autorização legal constituírá aplicação indevida de recursos públicos, irregularidade administrativa, incorrendo na responsabilidade de gestão (grifei).

 

Prejulgado n. 1038

1. De acordo com o art. 37 da Lei Federal nº 4.320/64, as despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, ou seja, na conta "3.1.9.2. - Despesas de Exercícios Anteriores".

2. Em caso de ausência do devido empenhamento, podem ser reconhecidas como compromissos do exercício anterior, já que deveriam ser atendidas naquele exercício em face da legislação vigente, e empenhadas no exercício de 2001, também na conta "3.1.9.2 – Despesa de Exercícios Anteriores".

3. Se foram empenhadas e processadas na época devida, mas não pagas, devem integrar os Restos a Pagar, e assim pagas no exercício seguinte, aplicando-se ao caso de contribuições de exercícios anteriores devida pelo ente e não recolhidas ao INSS (parte patronal).

4. Os valores relativos a multas e juros, resultantes do injustificado pagamento extemporâneo, devem ser lançados como responsabilidade financeira de terceiros - Balanço Patrimonial – Ativo Financeiro – Realizável (art. 88 e 105, § 1º, da Lei Federal nº 4.320/64), com instauração de processo de Tomada de Contas Especial, com posterior remessa ao Tribunal de Contas, nos termos do art. 10, in fine, e § 1º, da Lei Complementar nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas) (grifei).

No entanto, recentemente esse Tribunal passou a adotar entendimento diverso - com o qual, adianta-se, este Ministério Público de Contas não pode compactuar - no sentido de afastar a imputação de débito em face da realização de despesas irregulares com juros e multas pelo recolhimento em atraso de tributos, aplicando aos responsáveis tão somente uma multa por essa irregularidade.

Nesse sentido, cita-se o julgamento do processo REC n. 15/00609711 que, reformando o disposto no acima transcrito Acórdão n. 719/2015, acolheu o voto divergente exarado no processo para julgar as contas irregulares, sem imputação de débito, sob o seguinte fundamento, extraído da Declaração de Voto exarada pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior:

Na linha dos argumentos expostos no referido precedente, tenho dificuldade em visualizar a existência de prejuízo ao erário quando há o recolhimento de débitos tributários em atraso, já que, nesses casos, se há um impacto negativo no erário municipal – pelo pagamento de juros ou de multas moratórias – há, em contrapartida, um impacto positivo no erário estadual ou federal – que recebe o valor desses encargos. A partir de uma visão global do orçamento público, o que de fato ocorre é que há uma transferência de recursos entre entes da mesma esfera de governo ou entre esferas de governo diversas, sendo que os valores decorrentes do pagamento dos encargos moratórios acabam por permanecer nos cofres da administração pública – seja ela municipal, estadual ou federal. (grifei)

Como se vê, o cerne da alteração de entendimento proferida por esse Tribunal consiste em uma suposta ausência de dano ao erário no pagamento de juros moratórios e multas, tendo em vista que os valores pagos pela Administração Pública Municipal teriam sido “transferidos” para a esfera Federal, permanecendo, portanto, em cofres públicos.

Ora, a legítima transferência de recursos entre esferas de governo é aquela, voluntária ou obrigatória, expressamente prevista na CRFB/88, em lei ou em pacto firmado entre os entes, mas com a devida disponibilidade financeira prevista nas disposições orçamentárias envolvidas, em atendimento ao sistema de federalismo fiscal existente no Brasil. Por outro lado, o pagamento de juros moratórios e multas não encontra amparo legal, devendo ser lançado nos balanços orçamentários como responsabilidade financeira de terceiros - a teor do disposto no já transcrito Prejulgado n. 1038 dessa Corte de Contas -, e não como transferência entre entes.

Nesse sentido, os cofres públicos dos Municípios não podem ser confundidos com aquele da União, pois cada ente dispõe de orçamento com receitas e despesas próprias, na linha do disposto na Lei n. 4.320/64.

Logo, o dinheiro irregular e evitavelmente dispendido pela Administração Pública Municipal em favor da União com o pagamento de referidos encargos deixará de ser utilizado por aquele ente na promoção do interesse público primário, prejudicando o atendimento das necessidades de seus cidadãos que são custeadas com recursos municipais - criação e manutenção de creches, transporte público e urbanização, por exemplo -, e comprometendo, portanto, o direito fundamental à boa administração pública. Sobre o tema, Juarez Freitas[2] disserta que:

O direito fundamental à boa administração pública (entendido como direito à administração eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação sócia e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas) acarreta o dever de observar, nas relações administrativas, a totalidade dos princípios constitucionais. Entre tais vetores, cumpre destacar, neste capítulo, os princípios da prevenção e a precaução (grifei).

O dano ao erário, portanto, não depende da utilização de recursos públicos exclusivamente em favor de particulares, estando caracterizado toda vez que recursos públicos forem irregularmente empregados - independentemente do ente que restar favorecido -, sujeitando os responsáveis à restituição dos valores indevidamente aplicados.

Nesse sentido, o recente Acórdão n. 6881/2016, proferido em 16.11.2016 pelo Tribunal de Contas da União, imputou débito ao responsável por dar causa ao recolhimento com atraso (com juros e multas) de valores devidos pela Caixa Econômica Federal à Receita Federal - ambos entes federais, portanto -, destacando o seguinte:

107. O pagamento de multa e juros por atraso de quitação de obrigação constitui dano ao erário efetivo, pois onera irregularmente os cofres da Caixa com encargos adicionais que não existiriam se o responsável tivesse sido diligente e efetuado o pagamento tempestivo.

108. O dispêndio de recursos para pagamento de multa e juros também afronta o princípio constitucional da eficiência previsto no CF/1988, art. 37, caput. [...]

O pagamento na data certa evitaria o dispêndio extra de valores, gerados pela incidência de multas e juros sobre o principal. Portanto, o ex-empregado dever ressarcir a Caixa pelas quantias adicionais que a instituição teve que pagar à RFB, pois esse gasto poderia ser objetivamente evitado caso o responsável tivesse cumprido fidedignamente com sua obrigação. Nessa situação, a desídia configurou um ato omissivo antieconômico que gerou dano ao banco público (grifei).

Com tudo isso, tem-se que o novo entendimento proferido por essa Corte de Contas não merece prosperar, devendo prevalecer a jurisprudência consolidada desse Tribunal e da Corte de Contas da União no sentido de imputar débito aos gestores que deram causa ao pagamento de juros moratórios e multas decorrentes do atraso no adimplemento de obrigações do Município, quaisquer que sejam os entes beneficiados com esses encargos.

Ademais, vale destacar que não se amolda ao presente caso o entendimento desse Tribunal de Contas proferido em determinados processos – a exemplo do Acórdão n. 5836/2010 – no sentido de afastar a imputação de débito aos gestores pelo pagamento indevido de juros e multas diante da ausência de disponibilidade de caixa para fazer frente às despesas principais de forma tempestiva, pois, além de o responsável não ter trazido referida argumentação aos autos – e, portanto, não ter realizado a indispensável[3] prova nesse sentido –, ele foi contundente ao destacar (fl. 84) a saúde financeira do Município de Lages no período em questão.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

1.        pela IRREGULARIDADE das contas em análise nestes autos, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c” c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, em razão das restrições indicadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório de reinstrução;

2.        pela IMPUTAÇÃO DE DÉBITO aos responsáveis, Sr. Walter Manfroi e Espólio de Renato Nunes de Oliveira, na forma do art. 18, inciso III, alíneas “b” e “c” c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, no valor total de R$ 280.996,36, montante a ser devidamente atualizado e acrescido dos juros legais, sem prejuízo, ainda, da aplicação de multa proporcional ao dano, em face das restrições indicadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 da conclusão do relatório de reinstrução;

3.        pela REMESSA DE INFORMAÇÕES contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em cumprimento ao disposto no art. 18, § 3º da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, para ciência dos fatos descritos nestes autos e adoção das providências cabíveis.

Florianópolis, 19 de abril de 2017.

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 112-113.

2 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 99.

[3] Na linha do Parecer n. COG-18/2013 da Consultoria Geral desse Tribunal de Contas, “a mera alegação de que o pagamento de juros e multa ocorreu em face da insuficiência de recursos financeiros à época da exigência da obrigação fiscal, desacompanhada de elementos probatórios, não tem o condão de desconstituir a irregularidade”.