PARECER
nº: |
MPTC/47008/2016 |
PROCESSO
nº: |
REP 15/00407507 |
ORIGEM : |
Prefeitura de Itá |
INTERESSADO: |
Carlos Alberto Kita Xavier |
ASSUNTO : |
Cessão de contrato firmado entre a
municipalidade e a empresa Ciclo
Construtora Ltda. |
1 –
RELATÓRIO
Trata-se de Representação
formulada pelo Sr. Carlos Alberto Kita Xavier, Presidente do CREA-SC,
comunicando supostas irregularidades no Contrato Administrativo n° 125/2011, que
tem como objeto a prestação de serviços de recuperação e melhorias de vias
públicas, firmado entre o Município de Itá e a Empresa Ciclo Construtora Ltda.
Auditores da Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações – DLC sugeriram o conhecimento da
Representação e audiência dos responsáveis.[1]
Manifestei-me no mesmo sentido.[2]
O Exmo. Relator determinou
referidas medidas.[3]
As audiências dos responsáveis,
Sr. Egídio Luiz Gritti, prefeito, e Sra. Franciele Dall Bello, fiscal da obra,
foram efetivadas via correio.[4]
Já em relação ao Sr. Paulo
Fernandes Canelles, representante da empresa Ciclo Construtora Ltda, após diversas tentativas via correio,[5] a
audiência foi realizada por edital.[6]
Os responsáveis apresentaram
justificativas,[7]
com exceção do Sr. Paulo Fernandes Carnelles.
Auditores da DLC sugeriram
decisão de irregularidade do ato analisado, com aplicação de multa a Sra.
Franciele Dall Bell, engenheira fiscal da obra.[8]
Opinei pela realização de
audiência da Empresa Ciclo Construtora
Ltda, representada pelo seu sócio proprietário Adalson Santos Morais.[9]
A audiência foi realizada via
correio,[10]
porém não foram apresentadas justificativas.
Por fim, auditores da DLC
sugeriram decisão de irregularidade do ato analisado e aplicação de multa a Sra.
Franciele Dall Bello, engenheira fiscal da obra.[11]
2 –
MÉRITO
A Representação versa sobre transferência
do objeto do contrato pela empresa vencedora da licitação, violando a cláusula
décima do instrumento contratual.
Eis o teor da referida cláusula:
“ o presente contrato não poderá ser objeto de cessão ou transferência, no todo
ou em parte”.
O Município de Itá e a empresa Ciclo Construtora Ltda celebraram o Contrato
n° 125/2011, cujo objeto era a prestação de serviços de recuperação e melhoria
de aproximadamente 24,5 km de vias públicas e estradas vicinais do município.[12]
A empresa Ciclo Construtora Ltda violou a cláusula décima do contrato, que
proibia a cessão ou transferência, ao celebrar contrato de subempreitada com a
empresa Matt Construtora Ltda,
transferindo a execução total do objeto do contrato.[13]
Dessa forma, houve infringência
ao disposto no art. 72 da Lei n° 8.666/93:
Art. 72. O contratado, na execução do contrato,
sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar
partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso,
pela Administração. (Grifo meu)
Auditores da DMU sugeriram
decisão de procedência dos fatos articulados na Representação, com aplicação de
multa tão somente à fiscal do contrato.[14]
Relembro minha anterior
manifestação nos autos:[15]
Em
tese, caracterizada falha no acompanhamento e fiscalização da execução dos
serviços, deveria a fiscal da obra ser sancionada a respeito.
No
entanto, sancionar apenas a fiscal da obra não guarda coerência com a função
fiscalizatória do Tribunal de Contas em relação aos gestores da administração
pública.
Mormente,
porque os atos de gestão no âmbito do Município são de responsabilidade do
prefeito;[16]
bem como porque os atos de transferência do objeto da contratação são firmados
pela empresa inicialmente contratada.[17]
Assim,
no mínimo, deve ser responsabilizada a empresa que efetuou a subcontratação
vedada por lei.
Não
obstante, para que se concretize a proposição do Ministério Público de Contas,
necessário que a empresa tenha oportunidade de manifestação.
Nesta
direção, verifico que a audiência foi dirigida nominalmente ao sócio
administrador da empresa (fls. 54, 57-v e 66), quando deveria ter sido
direcionada à empresa, pois foi esta que perpetuou a irregularidade perquirida
nos autos.
Confirmando
essa assertiva, consta dos autos contrato de subempreitada firmado pela empresa
Ciclo Construtora Ltda, representada
pelo sócio proprietário Adalson Santos Morais, e a empresa Matt Construtora
Ltda (fls. 31/35).
Tal
documento, além de demonstrar inequivocamente a prática da irregularidade pela
empresa Ciclo Construtora Ltda,
reforça que a audiência não deveria ter sido dirigida ao sócio administrador da
empresa.
Dessa
feita, visando sanear o feito, opino pela audiência da empresa Ciclo Construtora Ltda, representada por
seu sócio proprietário, Adalson Santos Morais, para que seja ouvida a respeito
da subcontratação contrária à Lei de Licitações. (Grifos meus)
Eis a conclusão a que chegaram
auditores da DLC a respeito:[18]
Registre-se
que foi concedida oportunidade da empresa Ciclo Construtora Ltda se manifestar,
com vistas ao atendimento do princípio da ampla defesa e do contraditório, por
meio de regular audiência (fl. 103). Por sua vez, o prazo transcorreu sem
apresentação de justificativa. Desta feita, entende-se por reiterar, assim, a
conclusão sugerida no Relatório nº DLC-246/2016.
2.1. Apuração de responsabilidade da empresa contratada diante do
descumprimento do contrato:
Determina a
Cláusula Oitava do Contrato que:
CLÁUSULA
OITAVA – DAS PENALIDADES:
Pela
inexecução total ou parcial do contrato, o CONTRATANTE poderá aplicar ao
CONTRATADO, as seguintes penalidades:
Advertência;
Suspensão
ao direito de licitar com a Administração pelo prazo de 2 (dois) anos;
Declaração
de idoneidade, com fulcro no Capítulo IV, seção II da Lei nº 8.666/93 e Lei
10.520/2002;
Multa;
I – a
penalidade de advertência será aplicada em caso de infrações cometidas que
prejudiquem a lisura do processo licitatório ou que venham a causar dano ao
CONTRATANTE ou a terceiros.
II – as
multas serão as seguintes:
30 %
(trinta por cento) sobre o saldo do contrato, no caso de desistência no
fornecimento.
III – a
penalidade de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de
contratar com a Administração serão aplicadas nos seguintes casos:
[...]
Em que pese
a cláusula Décima contivesse previsão de impossibilidade de cessão ou
transferência do Contrato, no todo ou em parte, a empresa assim o fez, conforme
comprova o contrato firmado entre a empresa Ciclo Construtora Ltda. e a Matt
Construtora Ltda, sem que fosse aplicada a primeira qualquer penalidade
contratual. De acordo com a cláusula Nona acima descrita, era cabível inclusive
a rescisão contratual sem direito à indenização. Contudo, não se tem
informações que qualquer penalidade tenha sido imposta.
Desta
feita, diante da ausência de apuração de descumprimento contratual por parte da
empresa Ciclo, esta instrução técnica opina no sentido de manter o apontamento,
sugerindo determinação a Unidade Gestora instaure procedimento administrativo
para apurar a responsabilidade da empresa no tocante ao descumprimento
contratual.
A transferência do objeto do
contrato é inequívoca.
Dessa feita, o cerne da questão
gira em torno da responsabilização pela prática da irregularidade.
No que concerne ao prefeito, já
no relatório de fls. 87/91, auditores da DLC consignaram:
Nos autos não há comprovação de que o Prefeito
tenha tomado ciência desta situação, não restando cristalino ter este agido com
culpa. Assim, não pode ser responsabilizado pelo descumprimento da cláusula que
proíbe a subcontratação. Se não participou de nenhuma forma para a ocorrência
do ato irregular, não pode ser configurado como responsável. Sugere-se, desta
feita, que seja afastada a responsabilidade do sr. Egídio Luiz Gritti –
Prefeito Municipal de Itá à época dos fatos.
Como se vê, a responsabilidade do
prefeito foi afastada sob o argumento de não haver demonstração de saber ele da
subcontratação.
Ocorre que a engenheira
responsável pela fiscalização da obra também alegou não saber:[19]
[...]
como engenheira fiscal da obra, compareci ao local semanalmente, requisitando
documentos, analisando os serviços, e em momento algum pude presenciar qualquer
espécie de sub empreitada. Muito pelo contrário, quem sempre se dirigia a mim e
aos demais servidores municipais eram funcionários da empresa Ciclo, e toda
documentação de contratação de pessoal entregue a este Município estava sempre
em nome da empresa Ciclo Construtora Ltda,
conforme documentos em anexo.
Desta
forma, é totalmente desconhecida pela fiscalização da obra qualquer tipo de sub
empreitada [subempreitada]. Tal procedimento nunca sequer foi requerido junto a
este Município, sendo que conforme acima exposto, toda documentação apresentada
do início ao fim da obra sempre constou em nome da empresa Ciclo Construtora Ltda.
De fato, a engenheira junto
documentos em que consta o nome da Ciclo
Construtora Ltda, empresa originalmente contratada, quais sejam:
- Anotação de Responsabilidade Técnica – folha
posterior à fl. 81 – não numerada;
- Relação de trabalhadores – fls. 82/84.
Inexiste demonstração nos autos
que a fiscal da obra teve conhecimento da subempreitada.
Pelo contrário, consta dos autos e-mail firmado por representante da
empresa Matt Construtora dirigido a
fiscal do CREA,[20]
onde ficou consignado que “até foi visto junto a [à] administração Municipal da
possibilidade de nos sub empreitarmos a mesma, mas o município por sua vez não
aceitou [...]”.
Desta forma, por não haver
demonstração que a engenheira teve conhecimento da subempreitada, e por não se
admitir responsabilização objetiva, da mesma forma que o prefeito, a engenheira
fiscal da obra não merece ser responsabilizada.
Por fim, há que se ter em mente
que os atos de transferência do objeto da contratação foram firmados pela
empresa inicialmente contratada, motivo pelo qual opinei pela oportunidade de
manifestação por parte desta.
A citação da empresa Ciclo Construtora foi devidamente
cumprida, conforme aviso de recebimento constante da fl. 103.
Ocorre que a empresa não
compareceu ao processo.
O responsável que não acudir à citação será considerado
revel, para todos os efeitos,
dando-se prosseguimento ao processo, nos termos do que dispõe o art. 15, § 2º,
da Lei Complementar nº 202/2000:
Art. 15.
Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal:
[...]
§ 2º O
responsável que não acudir à citação será considerado revel, para todos os
efeitos, dando-se prosseguimento ao processo.
O Código de Processo Civil, em
seu art. 344, informa que, “se o réu não contestar a
ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato
formuladas pelo autor”.[21]
Conforme consta das fls. 31/35, a
empresa Ciclo Construtora Ltda foi a
responsável por celebrar contrato de subempreitada com a empresa Matt Construtora Ltda, em violação de
clausula contratual firmada com a Administração.
Resta verificar se o
descumprimento da norma da lei de licitações pela empresa somente a sujeita a
sanções contratuais ou se também a sujeita à punição pelo Tribunal de Contas.
A respeito da questão, leciona
Jorge Ulisses Jacoby:[22]
A
possibilidade de inscrever como devedor a pessoa jurídica é admitida em se
tratando de irregularidade de contas, quando há ingresso no caixa da pessoa
jurídica. Em princípio, inadmite-se a responsabilização pela recomposição por
dano praticado ou pela aplicação de multa.
A
teoria geral das obrigações admite até a imposição de responsabilidade às
pessoas jurídicas e é pacífico, também, que essas devem responder pelas
obrigações contratuais.
Eis a jurisprudência do Tribunal
de Contas da União sobre o assunto:[23]
A multa decorrente de grave infração a norma
legal ou regulamentar (art. 58, inciso II, da Lei 8.443/92) é inaplicável a
pessoa jurídica, uma vez que essa pena requer análise da conduta do agente que
praticou o ato tido como irregular.
Somente é cabível aplicação de multa a pessoa
jurídica quando verificada ocorrência de débito (art. 57 da Lei 8.443/1992).
Como se vê, no âmbito do TCU, a
aplicação de multa a pessoa jurídica é admitida apenas quando há imputação de
débito.
De outro lado, como visto acima,
a doutrina indica para a responsabilidade da empresa pelas cláusulas
contratuais.
Assim, tendo em vista que a
transferência de execução integral do objeto, mediante contrato de
subempreitada, afrontou o contrato, o caso seria para adoção de providências
visando à aplicação de penalidades contratuais (cláusula oitava – fl. 9).
Não obstante, considerando que o
contrato original data de 19-4-2011[24] e
o contrato de subempreitada data de 20-4-2011,[25]
há que se atentar para a incidência do prazo prescricional previsto no art.
206, § 5º, I, do Código Civil, que é de 5 anos.
Para Erica Miranda dos Santos
Requi,[26]
nos casos em que o fato não possa ser imediatamente conhecido, referido prazo
corre a partir do conhecimento da infração:
As faltas sancionadas com a advertência somente
podem ser punidas durante a vigência do contrato. Findo este último, não mais
poderá ser aplicada, até por não haver mais interesse para a Administração.
Já as infrações mais graves, punidas com multa,
suspensão do direito de contratar ou licitar ou contratar e com declaração de
inidoneidade, caracterizando grave inexecução contratual ou prática de
ilícitos, deve ser aplicado prazo quinquenal.
O momento de início desse prazo deve ser aquele em que é cometida a
infração. Pode ser, porém, que pela natureza do fato o mesmo não possa ser
imediatamente conhecido. Aí, então, o prazo prescricional deverá começar a
correr a partir da ciência do fato pela autoridade administrativa. (Negrito do
original).
Desta feita, configurada
irregularidade para a qual não existe demonstração de dolo ou culpa de
gestores/servidores públicos, e não havendo consenso sobre a penalização de
pessoa jurídica pelas Cortes de Contas, resta efetuar recomendação ao gestor que
adote providências visando à penalização contratual da empresa Ciclo Construtora Ltda, com base nas
cláusulas oitava e décima do Contrato nº 125/2011.[27]
3 -
CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo
art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pela adoção das
seguintes providências:
3.1 - DECISÃO de IRREGULARIDADE, na forma do
art. 36, § 2°, a, da Lei Complementar
n° 202/2000, do seguinte ato:
3.1.1 – Transferência, mediante contrato de
subempreitada, da execução integral (global) do objeto disposto na cláusula
primeira do Contrato nº 125/2011, firmado entre o Município de Itá e a empresa Ciclo Construtora Ltda, em violação ao
disposto na cláusula décima do referido termo contratual, contrariando o
disposto no art. 72 da Lei nº 8.666/93.
3.2 - RECOMENDAÇÃO ao gestor que adote
providências visando à penalização contratual da empresa Ciclo Construtora Ltda, com base nas cláusulas oitava e décima do
Contrato nº 125/2011.[28]
Florianópolis, 20 de abril de 2017.
Procurador
[1] Fls. 51/54.
[2] Fl. 56.
[3] Fls. 57/58.
[4] Fls. 64/66.
[5] Fls. 71/74.
[6] Fl. 86.
[7] Fls. 68 e 77/79.
[8] Fls. 87/91.
[9] Fls. 93/97.
[10] Fl. 103.
[11] Fls. 105/107.
[12] Fls. 105/107.
[13] Fls. 31/35.
[14] Fls. 4/12.
[15] Fls. 96/97.
[16] Vide contrato firmado pelo prefeito, às fls.
4/12.
[17] No caso dos autos, consta contrato de subempreitada
às fls. 31/35.
[18] Fls. 105-v/106.
[19] Fls. 78/79.
[20] Fl. 21.
[21] Aplicado subsidiariamente,
tendo em vista o disposto no art. 308 do Regimento Interno: “Os casos omissos
serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da legislação processual ou,
quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno”.
[22] FERNANDES, Jorge Ulisses
Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil - jurisdição e competência. 2ª ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2005. p. 387.
[23] Tribunal de Contas da
União. Acórdão 491/2017 - Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes. Data da
sessão: 22-03-2017. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/12/responsabilidade%2520da%2520pessoa%2520jur%25C3%25ADdica%2520aplica%25C3%25A7%25C3%25A3o%2520de%2520multa/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520COLEGIADO%2520asc%252C%2520ANOACORDAO%2520desc%252C%2520NUMACORDAO%2520desc/true/1>.
Acesso em: 19-4-2017.
[24] Fl. 9.
[25] Fl. 35.
[26] Requi, Érica Miranda dos Santos. Do prazo prescricional para aplicação de
sanções contratuais. Revista Zênite ILC Digital. Disponível em:
<http://www.zenite.blog.br/do-prazo-prescricional-para-aplicacao-de-sancoes-contratuais/>.
Acesso em: 20-4-2017.
[27] Fls. 4/12.
[28] Fls. 4/12.