Parecer nº:

MPC/47.675/2017

Processo nº:

REC 16/00030596    

Origem:

Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA

Assunto:

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo RLA-1200285490

 

 

Trata-se de Recurso de Reexame interposto pelo Espólio de Nelson Luiz Schaefer Picanço em face do acórdão nº 0788/2015, exarado no processo de fiscalização nº RLA 12/00285490, o qual versou sobre auditoria nos contratos de restauração e supervisão das obras da Ponte Hercílio Luz.

O recorrente apresentou as razões recursais às fls. 03-20, acompanhadas dos anexos de fls. 21-22.

Ao analisar os fundamentos do apelo, a Diretoria de Recursos e Reexames, sob o parecer nº 439/2015, apresentou a seguinte conclusão (fls. 23-26):

 

3.1. Conhecer do Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0788/2015, exarado na sessão ordinária de 04/11/2015, nos autos do RLA 12/00285490, e no mérito dar provimento para:

3.1.1. Tornar insubsistentes os itens 6.2.3.1, 6.2.3.2 e 6.2.3.3 da Deliberação recorrida, cancelando as multas aplicadas ao Senhor Nelson Luiz Giorno Picanço, que totalizam o montante de R$ 11.200,00.

3.2. Dar ciência da Decisão aos procuradores do espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço e ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura – DEINFRA.

 

É o relatório.

 

1. Da necessidade de redistribuição dos autos

 

Destaque-se, em primeiro lugar, que o processo em tela foi distribuído automaticamente ao Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, o qual assinou, na condição de Relator, a deliberação proferida no processo de fiscalização (RLA 12/00285490), embora a proposta de voto tenha sido apresentada pelo Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi.

Com efeito, anote-se que tal situação ocorreu em virtude da disposição constante no art. 91 da Lei Complementar Estadual nº 202/2002, cuja redação previa a competência do Vice-Presidente do TCE/SC para assinar as decisões proferidas em processos relatados por Auditores Substitutos de Conselheiros.

Percebe-se que o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior é impedido de conduzir os presentes autos, já que, à época, subscreveu como relator.

A respeito do assunto, a Portaria nº TC 04/2015 prescreve:

 

Art. 3º - Os Grupos de Processos referidos no artigo 1º abrangem os processos de contas anuais dos gestores das Administrações Públicas Estadual e Municipais, os de atos administrativos, os de denúncias e os de representações.

[...]

§ 4º - O Conselheiro ou Auditor que tiver atuado como Relator, Revisor ou que tenha proferido o Voto vencedor do acórdão, decisão ou de Parecer no processo originário fica impedido de relatar os respectivos recursos e pedidos de reapreciação de contas municipais. [...] (Grifou-se)

 

Em razão disso, conclui-se que o Exmo. Conselheiro Adircélio deve se dar por impedido para atuar neste feito e, em consequência, deve determinar a redistribuição do presente caderno processual.

 

2. Dos requisitos de admissibilidade

 

Ressalte-se, neste ponto, que o recurso de reexame é o meio processual cabível para atacar decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro.

Na ocasião, sublinhem-se os pressupostos de admissibilidade do recurso em tela: a) cabimento; b) adequação; c) legitimidade; d) tempestividade; e) singularidade.

Assentada essa observação, saliente-se que o apelo é perfeitamente cabível e adequado ao presente caso, já que visa à reforma da decisão proferida em processo de fiscalização.

Quanto à legitimidade, cumpre salientar que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço, o qual faleceu[1] em 19.11.2015, foi condenado ao pagamento de multas nos autos de auditoria. Em razão disso, entende-se que o seu espólio detém legitimidade para apresentar o presente apelo.

Neste ponto, cabe abrir parênteses para aduzir que o instrumento de procuração não havia sido acostado ao feito pelos advogados que subscreveram a peça recursal. No entanto, em 08.03.2017, tal documento foi juntado aos autos do processo de auditoria[2], além de ter sido protocolizada a certidão de nomeação do inventariante.

Em razão disso, entende-se que o vício constatado inicialmente foi sanado, restando comprovada, assim, a legitimidade do espólio e os poderes dos advogados João José Ramos Schaefer e Nelson Luiz Schaefer Picanço para atuar no feito.

A singularidade, por sua vez, também foi respeitada, já que o recurso de reexame foi interposto uma única vez pelo recorrente.

Por fim, no que diz respeito à tempestividade, impõe-se anotar que a publicação da decisão ocorreu em 04.12.2015 e o apelo foi protocolizado em 02.02.2016, dentro do prazo legal, considerando a suspensão de prazos entre o período de 20.12.2015 a 20.01.2016 no âmbito do TCE/SC.

À vista disso, vê-se que todos os pressupostos de admissibilidade estão presentes e, por consequência, o presente recurso deve ser conhecido.

 

3. Do mérito recursal

 

Cabe ter presente, ao adentrar no mérito recursal, que os autos de fiscalização nº RLA 12/00285490 tinham por objetivo analisar os contratos firmados entre o Departamento Estadual de Infraestrutura e as empresas contratadas para a execução e supervisão das obras de reforma da Ponte Hercílio Luz.

Ao constatar diversas irregularidades, o Tribunal de Contas de Santa Catarina aplicou multas aos responsáveis, dentre eles o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço (Consultor Executivo do Departamento Estadual de Infraestrutura à época).

Na ocasião, mostra-se oportuno citar as irregularidades imputadas ao Sr. Nelson Luiz, a saber: a) autorizar que o Contrato nº PJ-170/2006 (supervisão da obra) sofresse acréscimo de valor que ultrapassa o limite de 25% do inicialmente contratado, descumprindo o previsto no art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/93; b) permitir que o Contrato nº PJ-264/2008 (restauração da ponte) sofresse acréscimo de 50,29% e supressão de 44,78% do seu valor por meio de Termos Aditivos, extrapolando o limite permitido no art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/93; c) autorizar alteração contratual sem as devidas justificativas no Contrato nº PJ-170/2006, em descumprimento ao disposto no art. 65, caput, da Lei nº 8.666/1993.

A par disso, saliente-se que a Diretoria de Recursos e Reexames deixou de analisar as razões recursais apresentadas pelo recorrente e reconheceu de imediato a impossibilidade de mantença da sanção pecuniária.

Para justificar o seu posicionamento, o corpo técnico aduziu que a multa possui caráter personalíssimo, consistindo em medida exclusivamente punitiva, não podendo, portanto, passar do apenado.

Com base nesse fundamento, anotou-se que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço faleceu 15 dias após a prolação da decisão e, em razão disso, sugeriu-se tornar insubsistentes os itens do acórdão referentes à sanção aplicada ao de cujus.

Após analisar atentamente os fundamentos invocados pela Diretoria de Recursos e Reexames, entende-se que razão lhe assiste.

No intento de contribuir com o debate, mostra-se pertinente registrar as considerações do Ministério Público de Contas a respeito do assunto.

Em primeiro lugar, registre-se que o falecimento do responsável no processo de contas, por si só, não é elemento suficiente para afastar eventual decisão condenatória, tampouco é óbice para o julgamento do processo de contas.

Vale comentar, neste ponto, que o processo de contas possui três dimensões, a saber: a) o julgamento da gestão; b) a punibilidade do gestor faltoso; c) a reparação do dano causado ao erário.

Explicando as três dimensões do processo citadas acima, Augusto Sherman Cavalcanti[3] leciona:

 

A primeira dimensão – atinente ao julgamento da gestão do administrador responsável – parece-nos a mais importante entre as três, tendo em vista que realiza o princípio republicano de informar o povo – elemento pessoal do Estado – de como estão sendo utilizados – se bem ou mal – os recursos financeiros que, em sua maioria, foram-lhe subtraídos compulsoriamente mediante tributação. [...] Por conseguinte, o julgamento de contas, antes de ser interesse exclusivo do gestor responsável, concerne a toda a sociedade, pois que a ela está constitucionalmente assegurado o direito de conhecer como foram utilizados os recursos que lhe pertencem. E mais, é o Tribunal de Contas da União, no cumprimento de sua missão institucional, que concretiza esse direito da sociedade, no que atina aos recursos públicos federais. Desse raciocínio resulta que o principal destinatário do processo de contas é antes a coletividade do que o gestor. O gestor é destinatário secundário, tão apenas.

A segunda dimensão do processo de contas, que é desdobramento da primeira, concerne à punibilidade do gestor faltoso, de maneira que tem natureza sancionatória. Note-se que a dimensão política do processo, já explanada, é autônoma e determinante das outras. Para que ela se realize, basta que o processo tenha constituição e desenvolvimento válido. A segunda dimensão, entretanto, é dependente e determinada pela primeira. É dependente porque, sem a apreciação dos atos de gestão, não poderá haver aplicação da pena ao administrador faltoso. É determinada porque a punição do administrador decorre do reconhecimento, no julgamento das contas, da ocorrência de irregularidade na gestão. Na dimensão sancionatória, diferentemente da política, o processo dirige-se direta e imediatamente ao gestor. Somente o administrador deve sofrer as conseqüências punitivas, em face da reconhecida má gestão. Isso, porque a aplicação da pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado, conforme dispõe o art. 5.º, inciso XLV, da Constituição Federal. Por conseguinte, a morte do gestor – embora não seja óbice à continuidade do processo e ao julgamento das contas em razão da necessária concretização da primeira dimensão do processo – é causa de extinção da segunda dimensão do processo, em virtude da extinção da punibilidade, aproximando-se, nesse aspecto, ao processo penal.

A terceira dimensão diz respeito à reparação do prejuízo causado ao erário. Tem ela natureza indenizatória, sendo também dependente e determinada pela dimensão política – a apreciação da gestão. Exsurge do reconhecimento, no julgamento das contas, da ocorrência de dano ao erário e do nexo de causalidade entre o dano e os atos praticados pelo gestor. Nessa vertente e só nessa, o processo alcança os sucessores do administrador falecido. É que a estes, segundo o texto constitucional, estende-se a responsabilidade pela reparação do prejuízo causado, na medida do patrimônio transferido na sucessão (art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, in fine).

[...]

Os sucessores não sofrem conseqüências jurídicas decorrentes da concretização das duas primeiras dimensões do processo de contas. Não respondem diretamente pela má gestão dos valores públicos, não podem, como veremos, titularizar as contas, não se tornam inelegíveis por contas julgadas irregulares nem podem ser constrangidos a cumprir as sanções eventualmente aplicadas ao gestor em vida. A eles se estende, única e exclusivamente, a responsabilidade pela reparação do dano.

 

À luz dessa orientação, pode-se inferir que o processo de contas não deve ser extinto com o falecimento do gestor, pois a finalidade precípua do processo é dar ciência à coletividade acerca da utilização, má ou boa, dos recursos públicos.

Nessa linha de raciocínio, acrescente-se que o Tribunal de Contas julga os atos de gestão e não o gestor, o que demonstra que a sua morte não é impedimento para o prosseguimento do processo.

Constatadas irregularidades nas contas, fica o responsável sujeito à aplicação de multa e/ou à imputação de débito.

Adentrando na segunda dimensão do processo, registre-se que a sanção pecuniária, por se tratar de penalidade, não pode ultrapassar a pessoa do condenado, nos termos do art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República[4]. Logo, não é possível a aplicação de multa aos sucessores do responsável falecido ou ao seu espólio, sob pena de violação ao princípio da intransmissibilidade da pena.

Nessa direção, ministra-nos a jurisprudência do Tribunal de Contas da União:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. FALECIMENTO DE UM DOS RESPONSÁVEIS. DANO AO ERÁRIO. CITAÇÃO. REVELIA. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DO ESPÓLIO E EMPRESAS. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA.

1. Constatado dano ao erário, cabe julgar irregulares as contas dos responsáveis, com fundamento no art. 16, inciso III, alínea “c”, da Lei nº 8.443/1992, e condená-los ao pagamento solidário do débito correspondente às parcelas cuja aplicação não foi comprovada.

2. A comprovação do falecimento do responsável, bem como da ausência de abertura do respectivo inventário, implica a responsabilização do espólio na pessoa de seu representante legal.

3. De acordo com o disposto no inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal, não cabe aplicação de multa ao espólio ou aos sucessores do responsável em vista de seu falecimento[5]. (Grifou-se)

 

De igual sorte, manifestou-se a Corte de Contas catarinense:

 

Responsável. Falecimento. Multa. Cancelamento[6].

Constatado o falecimento do responsável, a multa aplicada deve ser afastada, em face do caráter personalíssimo da sanção, conforme determina o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal, combinado com o artigo 112 do Regimento Interno desta Corte[7].

 

Nesse contexto, sobreleva mencionar que a sanção pecuniária é uma obrigação personalíssima, o que gera a extinção da pretensão punitiva quando constatado que essa é a única consequência jurídica advinda do processo em exame.

Como é sabido, a penalidade de multa não tem caráter indenizatório, sendo sua finalidade eminentemente repressora e preventiva, o que justifica a extinção da punibilidade aqui debatida.

Sobre o assunto, eis o magistério de Alexandre Cardoso Veloso:

 

No âmbito do TCU, identifica-se na multa o elemento objetivo voltado à produção do efeito aflitivo, pois esta almeja punir de maneira pessoal o responsável quando este pratica condutas legalmente vedadas e dissuadi-lo de repetir no futuro a mesma ação reprovada. O seu desiderato é o de, por meio de uma medida de restrição pecuniária, ocasionar uma aflição no agente punido, um desconforto, uma repreensão[8].

 

Cumpre-nos alertar, entretanto, que a extinção da punibilidade deve se ater aos responsáveis falecidos, não podendo os efeitos da decisão alcançar as demais partes do processo que estão em condições de responder pelo fato inquinado como irregular.

À vista disso, conclui-se que a morte do gestor no curso do processo extingue a pretensão punitiva quando a irregularidade ensejar apenas a aplicação de multa. 

Fixada essa premissa, entendo pertinente aprofundar mais o assunto, de modo a averiguar se há a transmissibilidade da obrigação de efetuar o pagamento da multa aos sucessores do gestor falecido caso já exista uma condenação exarada pelo Tribunal de Contas, como é o caso dos autos.

Neste ponto, verificam-se duas correntes, a saber: a) é irrelevante o momento em que ocorreu a morte do gestor, pois sempre haverá a extinção da punibilidade, mesmo já havendo o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal de Contas, uma vez que a pena é intransmissível; b) havendo trânsito em julgado, a obrigação decorrente da sanção pecuniária deve ser transferida aos sucessores, pois se torna dívida de valor, consoante previsão constante no art. 51, do Código Penal[9].

Após estudar os fundamentos invocados pelas duas correntes, observo que a posição adotada pelo Tribunal de Contas da União sobre o assunto é a mais adequada.

Para o TCU, não há qualquer impedimento para a constituição ou para o prosseguimento do processo de cobrança quando o falecimento do responsável ocorre após o trânsito em julgado do acórdão.

Nessa senda, manifestou-se a Corte de Contas da União através da Resolução nº 178/2005, com redação dada pela Resolução nº 235/2010:

 

Art. 3º Vencido o prazo fixado sem a comprovação do recolhimento da dívida ou a interposição de recurso com efeito suspensivo, sempre que o acórdão condenatório autorizar a cobrança judicial, a unidade técnico-executiva competente providenciará, em 30 dias:

[...]

§ 1º O falecimento do responsável após o trânsito em julgado do acórdão que lhe condenou em débito ou aplicou multa não impede a constituição nem o curso do processo de cobrança executiva. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

§ 2º O Tribunal, mediante proposta do relator, da unidade técnica ou do Ministério Público, poderá rever, de ofício, o acórdão em que houver sido aplicada multa a gestor que tenha falecido antes do trânsito em julgado da deliberação. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

 

Na esteira de tal raciocínio, pode-se inferir que “somente a multa já convertida em dívida patrimonial em decorrência do trânsito em julgado do acórdão gerador da sanção é que pode subsistir e ser cobrada do espólio ou dos sucessores, no limite do patrimônio transferido”[10].

Ao encontro disso, convém destacar que, nos moldes da jurisprudência do TCU, o falecimento do responsável posteriormente ao acórdão transitado em julgado que aplicou a multa não enseja a reforma do julgado, uma vez que se trata de questão a ser levantada no juízo de execução.

Para corroborar, registre-se o teor dos seguintes julgados:

 

Tomada de Contas Especial. IRREGULARIDADE. DÉBITO. MULTA. FALECIMENTO DE RESPONSÁVEL MULTADO APÓS O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. PAGAMENTO PARCIAL DA MULTA. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE QUITAÇÃO pelo tcu.

O falecimento de responsável posteriormente a acórdão que lhe cominou multa e antes da quitação integral da dívida não enseja a reforma do julgado nem a expedição de quitação, pelo Tribunal, pois se trata de questão a ser levantada no juízo de execução[11].  (Grifou-se)

 

E:

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de tomada de contas do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, relativa ao exercício de 1996, em que o Sr. Manoel Medeiros Júnior, inventariante do espólio de Manoel Medeiros, solicita a supressão da multa aplicada por meio do Acórdão 482/2000 - Segunda Câmara, em razão do falecimento do responsável.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. indeferir o pedido de supressão da multa aplicada ao Sr. Manoel Medeiros, haja vista tratar-se de cobrança de dívida, considerando que seu óbito se deu após a prolação do Acórdão 482/2000 - Segunda Câmara, não incidindo, portanto, o pressuposto do art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988 para extinção da punibilidade;

9.2. determinar à Secex/ES que adote as providências necessárias para a cobrança do débito remanescente do espólio;

9.3. dar ciência do presente Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, ao interessado[12]. (Grifou-se)

 

Nessa mesma direção, posicionou-se o Tribunal de Contas de Tocantins:

 

COBRANÇA. PROCESSO DE INADIMPLÊNCIA DE ACP. MESES DE JANEIRO A JULHO DE 2006. SOLICITAÇÃO DE SUPRESSÃO DAS MULTAS APLICADAS ATRAVÉS DOS RESPECTIVOS ACÓRDÃOS - TCE – 1ª CÂMARA. FALECIMENTO DO RESPONSÁVEL. ÓBITO POSTERIOR À APLICAÇÃO DA MULTA. INEXISTÊNCIA DE PRESSUPOSTO PARA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COBRANÇA DE DÍVIDA. INDEFERIMENTO.

O falecimento do responsável posteriormente aos acórdãos transitados em julgados que lhe cominaram multas antes da quitação das dívidas, não enseja reforma dos julgados, nem a expedição de quitação ou arquivamentos, pelo Tribunal, pois se trata de questão a ser levantada no juízo de execução[13]. (Grifou-se)

 

Ante as considerações expostas acima, tenho para mim que esse é o posicionamento mais acertado, pois o falecimento do responsável após o trânsito em julgado não é motivo para extinguir a punibilidade, uma vez que a multa passa a ser considerada dívida de valor.

Aliado a isso, sublinhe-se que o Tribunal de Contas não pode proceder à reforma do acórdão já transitado em julgado, uma vez que essa discussão não faz mais parte da sua esfera de competência.

 Assim, forçoso concluir que o falecimento do responsável após o trânsito em julgado do acórdão que lhe aplicou multa não impede a constituição nem o curso do processo de cobrança executiva.

No caso em tela, percebe-se que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço faleceu em 19.11.2015. O Tribunal de Contas catarinense, por sua vez, exarou decisão em 04.11.2015 e a publicação no Diário Oficial do TCE/SC ocorreu em 04.12.2015.

Como se pode notar, o Sr. Nelson faleceu 15 dias após a decisão ser proferida, mas antes mesmo da publicação no Diário Oficial.

Nota-se, portanto, que não houve o trânsito em julgado da deliberação que aplicou multa ao Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço, razão pela qual devem ser afastadas as sanções que lhe foram impostas.

Adverte-se, no entanto, que tal posicionamento somente deve ser adotado em razão de ter sido constatado que não houve o trânsito em julgado do acórdão recorrido, pois, do contrário, não caberia ao Tribunal de Contas rever a decisão.

Para encerrar, sublinhe-se que devem ser mantidas as penalidades aplicadas aos demais agentes públicos condenados pelos mesmos apontamentos, porquanto o falecimento de um gestor não afasta a responsabilidade dos demais.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. pela redistribuição do feito, por força do disposto no art. 3º, § 4º da Portaria nº TC 04/2015;

2. Por conhecer do Recurso de Reexame interposto pelo Espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço em face do acórdão nº 0788/2015;

3. no mérito, por dar provimento para tornar insubsistentes os itens 6.2.3.1, 6.2.3.2 e 6.2.3.3 da deliberação recorrida, cancelando, assim, as multas aplicadas ao Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço, que totalizam o montante de R$ 11.200,00.

4. Por dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC ao Espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço e ao Departamento Estadual de Infraestrutura.

Florianópolis, 14 de março de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Certidão de Óbito acostada à fl. 1.934 dos autos nº RLA 12/00285490.

[2] Certidão de Inventariante e Procuração acostadas às fls. 1.951-1.952 dos autos nº RLA 12/00285490.

[3] CAVALCANTI, Augusto Sherman. O processo de contas no TCU: o caso do gestor falecido. Disponível em: http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/1122/1180. Acesso em: 26 abr. 2016.

[4] O art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República prescreve: “XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC-003.838/2009-9 – 2ª Câmara. Rel. Augusto Nardes. J. em: 31 jan. 2012. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 28 abr. 2016.

[6] No mesmo sentido, têm-se os seguintes acórdãos do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina: nº 0116/2014, nº 1096/2013, nº 0985/2012, nº 0351/2012, nº 0695/2010, nº 1695/2008, nº 0005/2008 e nº 0659/2005.

[7] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC-10/00540488, da Prefeitura Municipal de Taió. Rel. César Filomeno Fontes. J. em: 28 nov. 2011.

[8] VELOSO, Alexandre Cardoso. Multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União a gestor de recursos públicos falecido ou que venha a falecer depois da aplicação da punição (Considerações sobre o princípio da pessoalidade, previsto no art.5º, inciso XLV, da Constituição Federal). Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília, n.108, 2007, p. 23.

[9] O Código Penal, em seu art. 51, prescreve: Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”.

[10] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 008.260/1999-0, Plenário. Rel. Raimundo Carreiro. J. em: 25 mar. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 28 abr. 2016.

[11] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.039/1995-4, Plenário. Rel. Walton Alencar Rodrigues. J. em: 06 dez. 2006. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 28 abr. 2016.

[12] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Autos nº 300.072/1997-0, Segunda Câmara. Rel. Ubiratan Aguiar. J. em: 17 fev. 2005. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[13] TOCANTINS, Tribunal de Contas. Processo nº 03578/2006. Rel. Maria Luiza Pereira Meneses. J.  em: 23 set. 2009. Disponível em: http://www.tce.to.gov.br/PAUTA_APREC/userfiles/Dec97774fde91071fce192a312a32b1f6b1.pdf. Acesso em: 29 abr. 2016.