Parecer
nº: |
MPC/47.675/2017 |
Processo
nº: |
REC
16/00030596 |
Origem: |
Departamento
Estadual de Infraestrutura - DEINFRA |
Assunto: |
Recurso de
Reexame da decisão exarada no processo RLA-1200285490 |
Trata-se de Recurso de Reexame interposto
pelo Espólio de Nelson Luiz Schaefer Picanço em face do acórdão nº 0788/2015,
exarado no processo de fiscalização nº RLA 12/00285490, o qual versou sobre
auditoria nos contratos de restauração e supervisão das obras da Ponte Hercílio
Luz.
O recorrente apresentou as razões recursais
às fls. 03-20, acompanhadas dos anexos de fls. 21-22.
Ao analisar os fundamentos do apelo, a
Diretoria de Recursos e Reexames, sob o parecer nº 439/2015, apresentou a
seguinte conclusão (fls. 23-26):
3.1. Conhecer do Recurso
de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15
de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0788/2015, exarado na sessão ordinária
de 04/11/2015, nos autos do RLA 12/00285490, e no mérito dar provimento para:
3.1.1. Tornar
insubsistentes os itens 6.2.3.1, 6.2.3.2 e 6.2.3.3 da Deliberação recorrida,
cancelando as multas aplicadas ao Senhor Nelson Luiz Giorno Picanço, que
totalizam o montante de R$ 11.200,00.
3.2. Dar ciência da
Decisão aos procuradores do espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço e ao
Departamento Estadual de Infra-Estrutura – DEINFRA.
É o relatório.
1.
Da necessidade de
redistribuição dos autos
Destaque-se,
em primeiro lugar, que o processo em tela foi distribuído automaticamente ao
Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, o qual assinou, na condição de
Relator, a deliberação proferida no processo de fiscalização (RLA 12/00285490),
embora a proposta de voto tenha sido apresentada pelo Auditor Substituto de
Conselheiro Cleber Muniz Gavi.
Com
efeito, anote-se que tal situação ocorreu em virtude da disposição constante no
art. 91 da Lei Complementar Estadual nº 202/2002, cuja redação previa a
competência do Vice-Presidente do TCE/SC para assinar as decisões proferidas em
processos relatados por Auditores Substitutos de Conselheiros.
Percebe-se
que o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior é impedido de conduzir os
presentes autos, já que, à época, subscreveu como relator.
A
respeito do assunto, a Portaria nº TC 04/2015 prescreve:
Art. 3º - Os Grupos
de Processos referidos no artigo 1º abrangem os processos de contas anuais dos
gestores das Administrações Públicas Estadual e Municipais, os de atos
administrativos, os de denúncias e os de representações.
[...]
§ 4º - O Conselheiro ou Auditor que tiver
atuado como Relator, Revisor ou que tenha proferido o Voto vencedor do acórdão,
decisão ou de Parecer no processo originário fica impedido de relatar os
respectivos recursos e pedidos de reapreciação de contas municipais. [...] (Grifou-se)
Em
razão disso, conclui-se que o Exmo. Conselheiro Adircélio deve se dar por
impedido para atuar neste feito e, em consequência, deve determinar a
redistribuição do presente caderno processual.
2.
Dos requisitos de admissibilidade
Ressalte-se,
neste ponto, que o recurso de reexame é o meio processual cabível para atacar
decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina em
processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro.
Na
ocasião, sublinhem-se os pressupostos de admissibilidade do recurso em tela: a)
cabimento; b) adequação; c) legitimidade; d) tempestividade; e) singularidade.
Assentada
essa observação, saliente-se que o apelo é perfeitamente cabível e adequado ao
presente caso, já que visa à reforma da decisão proferida em processo de fiscalização.
Quanto
à legitimidade, cumpre salientar que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço, o qual
faleceu[1] em
19.11.2015, foi condenado ao pagamento de multas nos autos de auditoria. Em
razão disso, entende-se que o seu espólio detém legitimidade para apresentar o
presente apelo.
Neste
ponto, cabe abrir parênteses para aduzir que o instrumento de procuração não
havia sido acostado ao feito pelos advogados que subscreveram a peça recursal.
No entanto, em 08.03.2017, tal documento foi juntado aos autos do processo de
auditoria[2],
além de ter sido protocolizada a certidão de nomeação do inventariante.
Em
razão disso, entende-se que o vício constatado inicialmente foi sanado,
restando comprovada, assim, a legitimidade do espólio e os poderes dos
advogados João José Ramos Schaefer e Nelson Luiz Schaefer Picanço para atuar no
feito.
A
singularidade, por sua vez, também foi respeitada, já que o recurso de reexame
foi interposto uma única vez pelo recorrente.
Por
fim, no que diz respeito à tempestividade, impõe-se anotar que a publicação da
decisão ocorreu em 04.12.2015 e o apelo foi protocolizado em 02.02.2016, dentro
do prazo legal, considerando a suspensão de prazos entre o período de
20.12.2015 a 20.01.2016 no âmbito do TCE/SC.
À
vista disso, vê-se que todos os pressupostos de admissibilidade estão presentes
e, por consequência, o presente recurso deve ser conhecido.
3.
Do mérito recursal
Cabe
ter presente, ao adentrar no mérito recursal, que os autos de fiscalização nº
RLA 12/00285490 tinham por objetivo analisar os contratos firmados entre o
Departamento Estadual de Infraestrutura e as empresas contratadas para a
execução e supervisão das obras de reforma da Ponte Hercílio Luz.
Ao
constatar diversas irregularidades, o Tribunal de Contas de Santa Catarina
aplicou multas aos responsáveis, dentre eles o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço
(Consultor Executivo do Departamento Estadual de Infraestrutura à época).
Na ocasião, mostra-se
oportuno citar as irregularidades imputadas ao Sr. Nelson Luiz, a saber: a)
autorizar que o Contrato nº PJ-170/2006 (supervisão da obra) sofresse acréscimo
de valor que ultrapassa o limite de 25% do inicialmente contratado,
descumprindo o previsto no art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/93; b) permitir que o
Contrato nº PJ-264/2008 (restauração da ponte) sofresse acréscimo de 50,29% e
supressão de 44,78% do seu valor por meio de Termos Aditivos, extrapolando o
limite permitido no art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/93; c) autorizar alteração
contratual sem as devidas justificativas no Contrato nº PJ-170/2006, em
descumprimento ao disposto no art. 65, caput,
da Lei nº 8.666/1993.
A par disso, saliente-se
que a Diretoria de Recursos e Reexames deixou de analisar as razões recursais apresentadas
pelo recorrente e reconheceu de imediato a impossibilidade de mantença da
sanção pecuniária.
Para justificar o seu
posicionamento, o corpo técnico aduziu que a multa possui caráter
personalíssimo, consistindo em medida exclusivamente punitiva, não podendo,
portanto, passar do apenado.
Com base nesse
fundamento, anotou-se que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço faleceu 15 dias após
a prolação da decisão e, em razão disso, sugeriu-se tornar insubsistentes os
itens do acórdão referentes à sanção aplicada ao de cujus.
Após analisar atentamente
os fundamentos invocados pela Diretoria de Recursos e Reexames, entende-se que
razão lhe assiste.
No intento de
contribuir com o debate, mostra-se pertinente registrar as considerações do
Ministério Público de Contas a respeito do assunto.
Em primeiro lugar, registre-se que o
falecimento do responsável no processo de contas, por si só, não é elemento
suficiente para afastar eventual decisão condenatória, tampouco é óbice para o
julgamento do processo de contas.
Vale comentar, neste ponto, que o processo de
contas possui três dimensões, a saber: a) o julgamento da gestão; b) a
punibilidade do gestor faltoso; c) a reparação do dano causado ao erário.
Explicando as três dimensões do processo
citadas acima, Augusto Sherman Cavalcanti[3]
leciona:
A primeira dimensão –
atinente ao julgamento da gestão do administrador responsável – parece-nos a
mais importante entre as três, tendo em vista que realiza o princípio
republicano de informar o povo – elemento pessoal do Estado – de como estão
sendo utilizados – se bem ou mal – os recursos financeiros que, em sua maioria,
foram-lhe subtraídos compulsoriamente mediante tributação. [...] Por
conseguinte, o julgamento de contas, antes de ser interesse exclusivo do gestor
responsável, concerne a toda a sociedade, pois que a ela está
constitucionalmente assegurado o direito de conhecer como foram utilizados os
recursos que lhe pertencem. E mais, é o Tribunal de Contas da União, no
cumprimento de sua missão institucional, que concretiza esse direito da
sociedade, no que atina aos recursos públicos federais. Desse raciocínio
resulta que o principal destinatário do processo de contas é antes a
coletividade do que o gestor. O gestor é destinatário secundário, tão apenas.
A segunda dimensão do
processo de contas, que é desdobramento da primeira, concerne à punibilidade do
gestor faltoso, de maneira que tem natureza sancionatória. Note-se que a
dimensão política do processo, já explanada, é autônoma e determinante das
outras. Para que ela se realize, basta que o processo tenha constituição e
desenvolvimento válido. A segunda dimensão, entretanto, é dependente e
determinada pela primeira. É dependente porque, sem a apreciação dos atos de
gestão, não poderá haver aplicação da pena ao administrador faltoso. É
determinada porque a punição do administrador decorre do reconhecimento, no
julgamento das contas, da ocorrência de irregularidade na gestão. Na dimensão
sancionatória, diferentemente da política, o processo dirige-se direta e
imediatamente ao gestor. Somente o administrador deve sofrer as conseqüências
punitivas, em face da reconhecida má gestão. Isso, porque a aplicação da pena
não pode ultrapassar a pessoa do condenado, conforme dispõe o art. 5.º, inciso
XLV, da Constituição Federal. Por conseguinte, a morte do gestor – embora não
seja óbice à continuidade do processo e ao julgamento das contas em razão da
necessária concretização da primeira dimensão do processo – é causa de extinção
da segunda dimensão do processo, em virtude da extinção da punibilidade,
aproximando-se, nesse aspecto, ao processo penal.
A terceira dimensão
diz respeito à reparação do prejuízo causado ao erário. Tem ela natureza
indenizatória, sendo também dependente e determinada pela dimensão política – a
apreciação da gestão. Exsurge do reconhecimento, no julgamento das contas, da
ocorrência de dano ao erário e do nexo de causalidade entre o dano e os atos
praticados pelo gestor. Nessa vertente e só nessa, o processo alcança os
sucessores do administrador falecido. É que a estes, segundo o texto
constitucional, estende-se a responsabilidade pela reparação do prejuízo
causado, na medida do patrimônio transferido na sucessão (art. 5º, inciso XLV,
da Constituição Federal, in fine).
[...]
Os sucessores não
sofrem conseqüências jurídicas decorrentes da concretização das duas primeiras
dimensões do processo de contas. Não respondem diretamente pela má gestão dos
valores públicos, não podem, como veremos, titularizar as contas, não se tornam
inelegíveis por contas julgadas irregulares nem podem ser constrangidos a
cumprir as sanções eventualmente aplicadas ao gestor em vida. A eles se
estende, única e exclusivamente, a responsabilidade pela reparação do dano.
À luz dessa orientação, pode-se inferir que o
processo de contas não deve ser extinto com o falecimento do gestor, pois a
finalidade precípua do processo é dar ciência à coletividade acerca da
utilização, má ou boa, dos recursos públicos.
Nessa linha de raciocínio, acrescente-se que
o Tribunal de Contas julga os atos de gestão e não o gestor, o que demonstra
que a sua morte não é impedimento para o prosseguimento do processo.
Constatadas irregularidades nas contas, fica
o responsável sujeito à aplicação de multa e/ou à imputação de débito.
Adentrando na segunda dimensão do processo,
registre-se que a sanção pecuniária, por se tratar de penalidade, não pode
ultrapassar a pessoa do condenado, nos termos do art. 5º, inciso XLV, da
Constituição da República[4].
Logo, não é possível a aplicação de multa aos sucessores do responsável
falecido ou ao seu espólio, sob pena de violação ao princípio da intransmissibilidade
da pena.
Nessa direção, ministra-nos a jurisprudência
do Tribunal de Contas da União:
TOMADA
DE CONTAS ESPECIAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS DA BOA E REGULAR
APLICAÇÃO DOS RECURSOS. FALECIMENTO DE UM DOS RESPONSÁVEIS. DANO AO ERÁRIO.
CITAÇÃO. REVELIA. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DO ESPÓLIO E EMPRESAS. CONTAS
IRREGULARES. DÉBITO. MULTA.
1. Constatado dano ao erário, cabe julgar irregulares as contas dos
responsáveis, com fundamento no art. 16, inciso III, alínea “c”, da Lei nº
8.443/1992, e condená-los ao pagamento solidário do débito correspondente às
parcelas cuja aplicação não foi comprovada.
2.
A comprovação do falecimento do responsável, bem como da ausência de abertura
do respectivo inventário, implica a responsabilização do espólio na pessoa de
seu representante legal.
3. De acordo com o
disposto no inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal, não cabe aplicação
de multa ao espólio ou aos sucessores do responsável em vista de seu
falecimento[5]. (Grifou-se)
De igual sorte, manifestou-se a Corte de
Contas catarinense:
Responsável. Falecimento. Multa. Cancelamento[6].
Constatado
o falecimento do responsável, a multa aplicada deve ser afastada, em face do
caráter personalíssimo da sanção, conforme determina o artigo 5º, XLV, da
Constituição Federal, combinado com o artigo 112 do Regimento Interno desta
Corte[7].
Nesse contexto, sobreleva mencionar que a
sanção pecuniária é uma obrigação personalíssima, o que gera a extinção da
pretensão punitiva quando constatado que essa é a única consequência jurídica
advinda do processo em exame.
Como é sabido, a penalidade de multa não tem
caráter indenizatório, sendo sua finalidade eminentemente repressora e
preventiva, o que justifica a extinção da punibilidade aqui debatida.
Sobre o assunto, eis o magistério de
Alexandre Cardoso Veloso:
No âmbito do TCU,
identifica-se na multa o elemento objetivo voltado à produção do efeito
aflitivo, pois esta almeja punir de maneira pessoal o responsável quando este
pratica condutas legalmente vedadas e dissuadi-lo de repetir no futuro a mesma
ação reprovada. O seu desiderato é o de, por meio de uma medida de restrição
pecuniária, ocasionar uma aflição no agente punido, um desconforto, uma
repreensão[8].
Cumpre-nos
alertar, entretanto, que a extinção da punibilidade deve se ater aos
responsáveis falecidos, não podendo os efeitos da decisão alcançar as demais
partes do processo que estão em condições de responder pelo fato inquinado como
irregular.
À
vista disso, conclui-se que a morte do gestor no curso do processo extingue a
pretensão punitiva quando a irregularidade ensejar apenas a aplicação de
multa.
Fixada
essa premissa, entendo pertinente aprofundar mais o assunto, de modo a
averiguar se há a transmissibilidade da obrigação de efetuar o pagamento da
multa aos sucessores do gestor falecido caso já exista uma condenação exarada
pelo Tribunal de Contas, como é o caso dos autos.
Neste
ponto, verificam-se duas correntes, a saber: a) é irrelevante o momento em que
ocorreu a morte do gestor, pois sempre haverá a extinção da punibilidade, mesmo
já havendo o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal de Contas,
uma vez que a pena é intransmissível; b) havendo trânsito em julgado, a
obrigação decorrente da sanção pecuniária deve ser transferida aos sucessores, pois
se torna dívida de valor, consoante previsão constante no art. 51, do Código
Penal[9].
Após
estudar os fundamentos invocados pelas duas correntes, observo que a posição
adotada pelo Tribunal de Contas da União sobre o assunto é a mais adequada.
Para
o TCU, não há qualquer impedimento para a constituição ou para o prosseguimento
do processo de cobrança quando o falecimento do responsável ocorre após o
trânsito em julgado do acórdão.
Nessa
senda, manifestou-se a Corte de Contas da União através da Resolução nº
178/2005, com redação dada pela Resolução nº 235/2010:
Art. 3º Vencido o prazo fixado sem a
comprovação do recolhimento da dívida ou a interposição de recurso com efeito
suspensivo, sempre que o acórdão condenatório autorizar a cobrança judicial, a unidade
técnico-executiva competente providenciará, em 30 dias:
[...]
§ 1º O
falecimento do responsável após o trânsito em julgado do acórdão que lhe
condenou em débito ou aplicou multa não impede a constituição nem o curso do
processo de cobrança executiva. (AC)(Resolução-TCU
nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)
§ 2º O
Tribunal, mediante proposta do relator, da unidade técnica ou do Ministério
Público, poderá rever, de ofício, o acórdão em que houver sido aplicada multa a
gestor que tenha falecido antes do trânsito em julgado da deliberação. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de
20/09/2010)
Na
esteira de tal raciocínio, pode-se inferir que “somente a multa já convertida
em dívida patrimonial em decorrência do trânsito em julgado do acórdão gerador
da sanção é que pode subsistir e ser cobrada do espólio ou dos sucessores, no
limite do patrimônio transferido”[10].
Ao
encontro disso, convém destacar que, nos moldes da jurisprudência do TCU, o
falecimento do responsável posteriormente ao acórdão transitado em julgado que
aplicou a multa não enseja a reforma do julgado, uma vez que se trata de
questão a ser levantada no juízo de execução.
Para
corroborar, registre-se o teor dos seguintes julgados:
Tomada
de Contas Especial. IRREGULARIDADE. DÉBITO. MULTA. FALECIMENTO DE RESPONSÁVEL
MULTADO APÓS O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. PAGAMENTO PARCIAL DA MULTA. AUSÊNCIA DE
HIPÓTESE DE QUITAÇÃO pelo tcu.
O falecimento de responsável posteriormente a acórdão que
lhe cominou multa e antes da quitação integral da dívida não enseja a reforma
do julgado nem a expedição de quitação, pelo Tribunal, pois se trata de questão
a ser levantada no juízo de execução[11]. (Grifou-se)
E:
VISTOS,
relatados e discutidos estes autos de tomada de contas do Tribunal Regional do
Trabalho da 17ª Região, relativa ao exercício de 1996, em que o Sr. Manoel
Medeiros Júnior, inventariante do espólio de Manoel Medeiros, solicita a
supressão da multa aplicada por meio do Acórdão 482/2000 - Segunda Câmara, em
razão do falecimento do responsável.
ACORDAM os Ministros do Tribunal
de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. indeferir o pedido de
supressão da multa aplicada ao Sr. Manoel Medeiros, haja vista tratar-se de
cobrança de dívida, considerando que seu óbito se deu após a prolação do
Acórdão 482/2000 - Segunda Câmara, não incidindo, portanto, o pressuposto do
art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988 para extinção da
punibilidade;
9.2.
determinar à Secex/ES que adote as providências necessárias para a cobrança do
débito remanescente do espólio;
9.3. dar
ciência do presente Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, ao
interessado[12].
(Grifou-se)
Nessa mesma direção, posicionou-se o Tribunal
de Contas de Tocantins:
COBRANÇA. PROCESSO DE
INADIMPLÊNCIA DE ACP. MESES DE JANEIRO A JULHO DE 2006. SOLICITAÇÃO DE
SUPRESSÃO DAS MULTAS APLICADAS ATRAVÉS DOS RESPECTIVOS ACÓRDÃOS - TCE – 1ª
CÂMARA. FALECIMENTO DO RESPONSÁVEL. ÓBITO POSTERIOR À APLICAÇÃO DA MULTA.
INEXISTÊNCIA DE PRESSUPOSTO PARA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COBRANÇA DE
DÍVIDA. INDEFERIMENTO.
O falecimento do responsável posteriormente aos acórdãos
transitados em julgados que lhe cominaram multas antes da quitação das dívidas,
não enseja reforma dos julgados, nem a expedição de quitação ou arquivamentos,
pelo Tribunal, pois se trata de questão a ser levantada no juízo de execução[13]. (Grifou-se)
Ante as considerações expostas acima, tenho
para mim que esse é o posicionamento mais acertado, pois o falecimento do
responsável após o trânsito em julgado não é motivo para extinguir a
punibilidade, uma vez que a multa passa a ser considerada dívida de valor.
Aliado a isso, sublinhe-se que o Tribunal de
Contas não pode proceder à reforma do acórdão já transitado em julgado, uma vez
que essa discussão não faz mais parte da sua esfera de competência.
Assim,
forçoso concluir que o falecimento do responsável após o trânsito
em julgado do acórdão que lhe aplicou multa não impede a constituição nem o
curso do processo de cobrança executiva.
No
caso em tela, percebe-se que o Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço faleceu em
19.11.2015. O Tribunal de Contas catarinense, por sua vez, exarou decisão em
04.11.2015 e a publicação no Diário Oficial do TCE/SC ocorreu em 04.12.2015.
Como
se pode notar, o Sr. Nelson faleceu 15 dias após a decisão ser proferida, mas
antes mesmo da publicação no Diário Oficial.
Nota-se,
portanto, que não houve o trânsito em julgado da deliberação que aplicou multa
ao Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço, razão pela qual devem ser afastadas as
sanções que lhe foram impostas.
Adverte-se,
no entanto, que tal posicionamento somente deve ser adotado em razão de ter
sido constatado que não houve o trânsito em julgado do acórdão recorrido, pois,
do contrário, não caberia ao Tribunal de Contas rever a decisão.
Para
encerrar, sublinhe-se que devem ser mantidas as penalidades aplicadas aos
demais agentes públicos condenados pelos mesmos apontamentos, porquanto o
falecimento de um gestor não afasta a responsabilidade dos demais.
Ante o exposto, o Ministério Público de
Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da
Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:
1.
pela redistribuição do feito, por
força do disposto no art. 3º, § 4º da Portaria nº TC 04/2015;
2. Por
conhecer do Recurso de Reexame
interposto pelo Espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço em face do acórdão nº
0788/2015;
3. no
mérito, por dar provimento para
tornar insubsistentes os itens 6.2.3.1, 6.2.3.2 e 6.2.3.3 da deliberação
recorrida, cancelando, assim, as multas aplicadas ao Sr. Nelson Luiz Giorno
Picanço, que totalizam o montante de R$ 11.200,00.
4. Por
dar ciência da decisão proferida
pelo TCE/SC ao Espólio do Sr. Nelson Luiz Giorno Picanço e ao Departamento Estadual
de Infraestrutura.
Florianópolis,
14 de março de 2017.
Diogo Roberto Ringenberg
Procurador do Ministério
Público de Contas
[1] Certidão de Óbito acostada à fl.
1.934 dos autos nº RLA 12/00285490.
[2] Certidão de Inventariante e
Procuração acostadas às fls. 1.951-1.952 dos autos nº RLA 12/00285490.
[3] CAVALCANTI, Augusto Sherman. O
processo de contas no TCU: o caso do gestor falecido. Disponível em: http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/1122/1180.
Acesso em: 26 abr. 2016.
[4] O art. 5º, inciso XLV, da
Constituição da República prescreve: “XLV - nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento
de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
TC-003.838/2009-9 – 2ª Câmara. Rel. Augusto Nardes. J. em: 31 jan. 2012.
Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em:
28 abr. 2016.
[6] No mesmo sentido, têm-se os seguintes
acórdãos do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina: nº 0116/2014, nº
1096/2013, nº 0985/2012, nº 0351/2012, nº 0695/2010, nº 1695/2008, nº 0005/2008
e nº 0659/2005.
[7] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas.
REC-10/00540488, da Prefeitura Municipal de Taió. Rel. César Filomeno Fontes.
J. em: 28 nov. 2011.
[8] VELOSO, Alexandre
Cardoso. Multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União a gestor de recursos
públicos falecido ou que venha a falecer depois da aplicação da punição
(Considerações sobre o princípio da pessoalidade, previsto no art.5º, inciso
XLV, da Constituição Federal). Revista do Tribunal de Contas da União.
Brasília, n.108, 2007, p. 23.
[9] O Código Penal, em seu art. 51,
prescreve: “Art.
51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada
dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida
ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição”.
[10] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
TC 008.260/1999-0, Plenário. Rel. Raimundo Carreiro. J. em: 25 mar. 2015.
Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 28 abr. 2016.
[11] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
TC 013.039/1995-4, Plenário. Rel. Walton Alencar Rodrigues. J. em: 06 dez.
2006. Disponível em: www.tcu.gov.br.
Acesso em: 28 abr. 2016.
[12] BRASIL, Tribunal de Contas da União.
Autos nº 300.072/1997-0, Segunda Câmara. Rel. Ubiratan
Aguiar. J. em: 17 fev. 2005. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.
[13] TOCANTINS, Tribunal de Contas.
Processo nº 03578/2006. Rel. Maria Luiza Pereira Meneses. J. em: 23 set. 2009. Disponível em: http://www.tce.to.gov.br/PAUTA_APREC/userfiles/Dec97774fde91071fce192a312a32b1f6b1.pdf. Acesso em: 29 abr. 2016.