Parecer nº:

MPC/49.026/2017

Processo nº:

TCE 13/00430360    

Origem:

Fundo de Desenvolvimento Social - FUNDOSOCIAL

Assunto:

Tomada de Contas Especial referente à NE 1015, de 18/06/2009, no valor de R$ 27.850,00, repassados à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, para custeio do II Encontro de Gaioleiros do Município de Braço do Norte. - RSAG.

Numeração única:

MPC-SC 2.3/2017.146

 

 

Trata-se de Tomada de Contas Especial instaurada internamente pela Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados[1], em decorrência de diversas irregularidades avistadas em processos de concessão de recursos públicos no Fundo de Desenvolvimento Social no decorrer do exercício de 2009.

Após a instrução processual, a Diretoria de Controle da Administração Estadual manifestou-se nos seguintes termos (fls.521-552):

 

3.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, inciso III, alíneasbe “c”, c/c o art. 21, caput da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, as contas de recursos repassados à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, por meio da Nota de Empenho nº 2009NE001015 (NL 012887/2009), no valor de R$ 27.850,00 (vinte e sete mil, oitocentos e cinquenta reais), paga em 22/06/2009, descrita na Tabela do item 1, de acordo com os relatórios emitidos nos autos.

3.2 Condenar solidariamente, nos termos do art. 18, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, o Sr. Leandro Extekotter, inscrito no CPF sob o nº 038.114.919-62, então presidente da entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, residente na Rodovia SC 370, Km 91 (ou 191), s/nº, Braço do Norte/SC, CEP 88.750-000; a pessoa jurídica Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, inscrita no CNPJ sob o nº 05.640.716/0001-77, com endereço na Rua Sete de Setembro nº 870, Centro, Braço do Norte/SC, CEP 88.750-000; a Sra. Neuseli Junques Costa, inscrita no CPF sob o nº 569.986.869-00, residente na Rua João Batista Meirise nº 63, Roçado, São José/SC, CEP 88.108-115; o Sr. Cleverson Siewert, inscrito no CPF sob o nº 017.452.629-62, com endereço profissional (CELESC) na Avenida Itamarati nº 160, Itacorubi, Florianópolis/SC, CEP 88.034-900; a empresa Valdir Reboque de Veículos Ltda. ME, inscrita no CNPJ sob o nº 04.101.749.0001/86, estabelecida na Av. Felipe Schmidt nº 1967, Centro, Braço do Norte/SC, CEP  88.750-000; a empresa Chrismael Indústria e Comércio de Malhas Ltda. ME, inscrita no CNPJ sob o nº 00.796.036/0001-23, estabelecida na Rua Sete de Setembro nº 1475, Centro, Braço do Norte/SC, CEP  88.750-000; a empresa Gráfica e Editora Catarinense Ltda. ME, inscrita no CNPJ sob o nº 04.852.030/0001-89, estabelecida na Rua Senador Raulino Horn nº 27, Centro, Braço do Norte/SC, CEP  88.750-000; e o Sr. Waldemar dos Reis,  inscrito no CPF sob o nº 450.849.129-49 (proprietário da empresa Waldemar dos Reis  ME – Dica Produções, CNPJ 00.776.148/0001-12), residente na Av. Felipe Schmidt nº 1672, apto. 201, Centro (end. DETRAN) ou Rua Adelmo Crisóstemo de Oliveira nº 201, bairro São Francisco de Assis (end. base CPF), Braço do Norte/SC, CEP 88.750-000, ao recolhimento da quantia de até R$ 27.850,00 (vinte sete mil, oitocentos e cinquenta reais), referente à Nota de Empenho nº 1015/2009, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-e), para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito ao Tesouro do Estado, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 21 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir de 22/06/2009 (data do repasse dos recursos), sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II da Lei Complementar nº 202/2000), em razão da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, contrariando o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e o art. 49 da Resolução TC nº 16/1994, conforme segue:

3.2.1 De responsabilidade solidária do Sr. Leandro Extekotter e da pessoa jurídica Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, já qualificados nos autos, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em face da:

3.2.1.1 ausência de comprovação material da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais e serviços, não demonstrando a boa e regular aplicação dos recursos públicos e nem que se destinou ao objeto da subvenção social, no montante de R$ 27.850,00 (vinte e sete mil, oitocentos e cinquenta reais), contrariando o art. 9º da Lei Estadual nº 5.867/1981, o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1.1 deste Relatório);

3.2.1.2 indevida comprovação de despesa com documento fiscal inidôneo, emitido por empresa com registro baixado junto à Receita Federal do Brasil, o que o torna sem credibilidade para comprovar gastos com recursos públicos, no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), valor já incluído no item 3.2.1.1 desta conclusão, infringindo os arts. 49, 52 e 58, parágrafo único da Resolução TC nº 16/1994 e o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 (item 2.2.1.2 deste Relatório);

3.2.1.3 ausência de comprovação da efetiva prestação de serviços e aquisições, em face da ausência de outros documentos de suporte e aliado à descrição insuficiente dos produtos e serviços nas notas fiscais juntadas como comprovantes de despesas, no montante de R$ 27.850,00 (vinte e sete mil e oitocentos e cinquenta reais), valor já incluído no item 3.2.1.1 e parte consta do item 3.2.1.2 desta conclusão, contrariando o disposto no art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e nos arts. 47, 49, 52, II e III, e 60, II e III da Resolução TC nº 16/1994 (item 2.2.1.3 deste Relatório);

3.2.1.4 indevida comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas, no montante de R$ 27.850,00 (vinte e sete mil, oitocentos e cinquenta reais), mesmo valor dos itens 3.2.1.1 e 3.2.1.3 e parte consta do 3.2.1.2 desta conclusão, contrariando o disposto nos arts. 46, parágrafo único e 59 da Resolução TC nº 16/1994, no art. 24, § 5º do Decreto Estadual nº 307/2003 e no Prejulgado nº 1540 desta Corte de Contas, não comprovando a boa e regular aplicação dos recursos públicos prevista no art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 (item 2.2.1.4 deste Relatório).

3.2.2 De responsabilidade solidária do Sr. Waldemar dos Reis, já qualificado (proprietário da empresa Waldemar dos Reis ME), por irregularidade que corroborou para parte do débito indicado no item 3.2, no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), em face da emissão de Nota Fiscal inidônea para acobertar operação comercial inexistente, uma vez que não restou comprovada a locação dos equipamentos descritos no documento fiscal, aliado ao fato de que à época da emissão da nota fiscal a empresa já se encontrava baixada junto ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal do Brasil, ensejando ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput e art. 70, parágrafo único, c/c o art. 71, II, todos da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III, e 58, parágrafo único, todos da Resolução TC nº 16/1994 (itens 2.2.1.1, 2.2.1.2 e 2.2.1.3 deste Relatório; e 2.7 do Relatório de Instrução preliminar – fls. 304v-306).

3.2.3 De responsabilidade solidária da empresa Chrismael Indústria e Comércio De Malhas Ltda. ME, já qualificada, por irregularidade que corroborou para parte do débito indicado no item 3.2, no valor de R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais), em face da nota fiscal conter descrição insuficiente dos produtos, visando acobertar operação comercial não realizada, uma vez que não foi comprovado o fornecimento dos materiais informados no documento fiscal, ensejando ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput e art. 70, parágrafo único, c/c o art. 71, II, todos da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III, e 58, parágrafo único, todos da Resolução TC nº 16/1994 (itens 2.2.1.1 e 2.2.1.3 deste Relatório; e 2.7 do Relatório de Instrução preliminar – fls. 304v-306).

3.2.4 De responsabilidade solidária da empresa Gráfica e Editora Catarinense Ltda. ME, já qualificada, por irregularidade que corroborou para parte do débito indicado no item 3.2, no valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais), em face da nota fiscal conter descrição insuficiente dos produtos, visando acobertar operação comercial não realizada, uma vez que não foi comprovado o fornecimento dos materiais informados no documento fiscal, ensejando ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput e art. 70, parágrafo único, c/c o art. 71, II, todos da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III, e 58, parágrafo único, todos da Resolução TC nº 16/1994 (itens 2.2.1.1 e 2.2.1.3 deste Relatório; e 2.7 do Relatório de Instrução preliminar – fls. 304v-306).

3.2.5 De responsabilidade solidária da empresa Valdir Reboque de Veículos Ltda. ME, já qualificada, por irregularidade que corroborou para parte do débito indicado no item 3.2, no valor de R$ 4.550,00 (quatro mil e quinhentos e cinquenta reais), em face da nota fiscal conter descrição insuficiente dos serviços, visando acobertar operação comercial não realizada, uma vez que não foi comprovada a prestação dos serviços informados no documento fiscal, ensejando ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência previstos no art. 37, caput e art. 70, parágrafo único, c/c o art. 71, II, todos da Constituição Federal/1988 e no art. 16, caput da Constituição do Estado de Santa Catarina, contribuindo para ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos públicos, infringindo o art. 144, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 381/2007 e os arts. 49 e 52, II e III, e 58, parágrafo único, todos da Resolução TC nº 16/1994 (itens 2.2.1.1 e 2.2.1.3 deste Relatório; e 2.7 do Relatório de Instrução preliminar – fls. 304v-306).

3.2.6 De responsabilidade solidária do Sr. Cleverson Siewert (item 2.5 do Relatório preliminar – fls. 302v-303v) e da Sra. Neuseli Junques Costa (item 2.3 do Relatório preliminar – fls. 299v-300v), já qualificados, por irregularidades que concorreram para a ocorrência do dano, sem prejuízo da aplicação de multa prevista no art. 68 da Lei Orgânica deste Tribunal, em face da irregular concessão de recursos no montante de R$ 27.850,00 (vinte sete mil, oitocentos e cinquenta reais), por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância dos requisitos legais e regulamentares indispensáveis para o repasse, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 2º e 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981, nos arts. 1º, 2º, § 1º e 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005, nos arts. 7º e 8º, III e 21 do Decreto Estadual nº 2.977/2005, nos arts. 60 e 61, c/c o art. 116, caput da Lei Federal nº 8.666/1993 e nos arts. 120 e 130 da Lei Complementar Estadual nº 381/2007, bem como aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, contidos no art. 37, caput da Constituição Federal e no art. 16, caput e 5º da Constituição do Estado de Santa Catarina, inclusive da motivação dos atos administrativos (itens 2.1.1.2 e 2.1.1.3 deste Relatório).

3.3 Aplicar ao Sr. Leandro Extekotter, já qualificado, multa prevista no art. 70, inciso II da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento do valor ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (art. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/2000), em face da:

3.3.1 ausência de declaração do responsável nos documentos de despesas, atestando que o material foi recebido e/ou o serviço foi prestado, contrariando o disposto no art. 24, inciso XI do Decreto Estadual nº 307/2003 e o art. 44, inciso VII da Resolução TC n° 16/1994 (item 2.2.2 deste Relatório); e

3.3.2 indevida apresentação da prestação de contas 01 ano, 04 meses e 01 dia após o término do prazo legal, em desacordo com o que determina o art. 8º da Lei Estadual nº 5.867/1981 (item 2.2.3 deste Relatório).

3.4 Declarar o Sr. Leandro Extekotter e a pessoa jurídica Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, já qualificados, impedidos de receber novos recursos do erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 16, § 3º da Lei Estadual nº 16.292/2013, c/c o art. 1º, § 2º, inciso I, alíneas “b” e “c” da Instrução Normativa TC nº 14/2012 e o art. 39 do Decreto Estadual nº 1.310/2012.

3.5 Dar ciência do Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamenta ao Sr. Abel Guilherme da Cunha, ao Sr. Cleverson Siewert e a seu procurador constituído nos autos (fl. 353), a Sra. Neuseli Junques Costa, ao Sr. Leandro Extekotter e a seu procurador (fl. 377), à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, à empresa Valdir Reboque de Veículos Ltda.-ME e a seu procurador (fl. 432), à empresa Chrismael Indústria e Comércio de Malhas Ltda.-ME e a seu procurador (fl. 455), à empresa Gráfica e Editora Catarinense Ltda.-ME e a seu procurador (fl. 474), ao Sr. Waldemar dos Reis (proprietário da empresa Waldemar dos Reis-ME) e à Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados. (Grifos no original)

 

É o relatório.

 

1. Considerações iniciais

 

Ressalte-se, em primeiro lugar, que o caso em análise faz parte de um grandioso esquema fraudulento ocorrido durante o exercício de 2009 no Fundo de Desenvolvimento Social, com a participação de servidores, gestores e particulares.

Com efeito, impõe-se rememorar que, nos termos dos relatórios técnicos elaborados pela Diretoria de Controle de Administração Estadual, houve um prejuízo aos cofres públicos no vultoso montante de R$ 6.389.558,72.

Importante salientar, na ocasião, que o Ministério Público de Contas, ao analisar processos semelhantes, manifestou-se pela citação dos superiores hierárquicos[2] da Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual é apontada como executora do esquema fraudulento de repasses de verbas públicas através do Fundo de Desenvolvimento Social no ano de 2009.

Procurou-se demonstrar que, ainda que não existissem provas de uma conduta positiva dos superiores hierárquicos, houve inequívoca omissão, visto não ser aceitável a ideia de que uma única servidora pública pudesse ter o controle de todo o procedimento de concessão de recursos públicos - desde o pedido inicial até a aprovação das contas prestadas - sem que houvesse o mínimo de fiscalização.

É digno de nota, inclusive, que o Tribunal de Contas catarinense, semanalmente, condena determinados gestores e ordenadores primários em razão de suas condutas omissas.

O Relator dos autos, no entanto, divergiu desse posicionamento, pois, no seu entender, não existem provas suficientes da participação dos superiores hierárquicos da servidora Neuseli Junckes Costa nos casos examinados. O Relator fez a ressalva de que tal raciocínio poderia ser revisto caso surgissem novos elementos capazes de evidenciar a responsabilidade dos gestores que compunham a cadeia hierárquica.

 Diante do entendimento do Relator no sentido de que haveria a necessidade de novos elementos de convicção para que fosse adotada a providência solicitada, o Ministério Público de Contas buscou medidas que pudessem colaborar para o correto desenrolar do processo.

Oportuno comentar que foi solicitado, através de notificação formal, o comparecimento da Sra. Neuseli Junckes Costa junto a este órgão. Contudo, tal responsável não compareceu à oitiva agendada.

Somado a isso, buscou-se a troca de informações e a união de esforços com o Ministério Público Estadual, o qual também investiga o esquema fraudulento avistado neste feito.

Em decorrência desse trabalho conjunto, obteve-se a informação de que a Sra. Neuseli Junckes Costa foi presa preventivamente em 13.06.2016. Tal prisão, no entanto, foi relaxada em 02.08.2016, ante a concessão da ordem no habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A propósito, sobreleva destacar que diversas ações foram ajuizadas pelo Ministério Público Estadual junto ao Poder Judiciário no intento de ressarcir o erário.

As ações protocolizadas pelo Ministério Público Estadual estão em fase inicial de tramitação e até o presente momento não se obteve informações novas que pudessem contribuir para a instrução dos processos que estão em curso no TCE/SC.

Em razão disso e tendo em vista os princípios aplicáveis ao processo - celeridade e razoável duração -, entendo necessário, neste momento, analisar o mérito do presente feito, sem sugerir a complementação de citação, consoante proposto em outros feitos que tramitam no Tribunal, versando sobre a aludida fraude.

Ressalve-se, no entanto, que o Ministério Público de Contas reitera o seu entendimento de que a medida mais acertada seria a citação dos superiores hierárquicos da Sra. Neuseli Junckes Costa, pois há elementos suficientes neste caderno processual para adotar a linha de raciocínio exarada por este órgão.

Feita essa introdução e após deixar registrado o posicionamento do MPC a respeito do assunto, passo a analisar os apontamentos levantados pela área técnica.

 

2. Do processo de concessão de recursos públicos

 

Cabe ter presente, ao adentrar na análise meritória, que o Fundo de Desenvolvimento Social repassou à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte o valor total de R$ 27.850,00, com vistas à realização do II Encontro de Gaioleiros do Município de Braço do Norte.

Ao analisar o processo de concessão, a Diretoria de Controle da Administração Estadual observou a existência de um esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e, ainda, a inobservância de diversos requisitos legais e regulamentares.

Para corroborar, saliente-se que, além da fraude constatada nos autos, restaram vislumbradas ainda as seguintes irregularidades: a) ausência de expressa autorização do Chefe do Poder Executivo, em desacordo ao art. 6º da Lei Estadual nº 5.867/1981; b) ausência de emissão de parecer fundamentado de análise do pedido formulado pela entidade, contrariando o art. 1º, o art. 2º, § 1º e o art. 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005; c) ausência de aprovação do programa ou da ação pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Desenvolvimento Social, em afronta ao art. 7º e ao art. 8º, inciso III, do Decreto Estadual nº 2.977/2005; d) ausência de formalização do contrato ou ajuste entre as partes, em violação ao art. 60 e ao art. 61 c/c art. 116, caput, da Lei nº 8.666/1993.

A par disso, assinale-se que foram chamados aos autos para responder solidariamente por tais apontamentos restritivos o Sr. Abel Guilherme da Cunha (ordenador primário), o Sr. Cleverson Siewert (ordenador secundário e Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e a Sra. Neuseli Junckes Costa (Analista da Receita Estadual).

Prestigiando uma melhor análise das defesas apresentadas pelos responsáveis, passo a examiná-las individualmente.

 

2.1. Defesa do Sr. Abel Guilherme da Cunha

 

Saliente-se que a Diretoria de Controle da Administração Estadual aduziu, em seu relatório técnico inicial, que o Sr. Abel Guilherme da Cunha, além de ser o ordenador primário da despesa, foi o responsável por convidar a Sra. Neuseli Junckes Costa para integrar a sua equipe no Fundo de Desenvolvimento Social quando ainda exercia as atribuições do cargo de Diretor Financeiro.

Ao encontro disso, faz-se oportuno citar que a Sra. Neuseli era convidada pelo Sr. Abel para participar de reuniões fechadas, sem a participação de seus superiores hierárquicos, o que demonstra o grau de confiança e a ligação existentes entre tais agentes.

É digno de nota, também, que foi o Sr. Abel quem indicou, formalmente, a Sra. Neuseli para substituir o Diretor de Gestão dos Fundos Estaduais - Sr. Giovani Machado Seemann - durante o seu gozo de férias.

Presente esse contexto, anote-se que a equipe técnica, após analisar a contestação apresentada pelo Sr. Abel Guilherme da Cunha, afastou a sua responsabilidade, sob o argumento de que a nota de empenho acostada aos autos não está assinada.

Com o devido respeito ao entendimento consubstanciado no relatório técnico derradeiro, mas tenho para mim que o caso exige desfecho diverso, pelas razões que passo a expor.

Em primeiro lugar, acentue-se que é fato incontroverso que o Sr. Abel Guilherme da Cunha era ordenador primário à época dos fatos, o que pode ser vislumbrado, inclusive, em sua defesa.

Como é sabido, a função de ordenador está intimamente ligada à atividade administrativa de execução orçamentária da despesa, envolvendo, por consequência, a responsabilidade gerencial dos recursos públicos.

Sobre o assunto, Guido Kops[3] salienta:

 

As mais variadas circunstâncias, em que pode ser colhido qualquer ato de despesa pública, conduzem inflexivelmente ao autorizador ou ordenador dessa despesa. No âmago da despesa se revela sempre um ordenador. De consequência, este assume a primeira e mais importante responsabilidade na efetivação da despesa. Por outra, a nota tônica da responsabilidade insere imanente na figura do ordenador ou autorizador.

 

Nesse mesmo trilhar, acrescente-se que a Corte de Contas catarinense tem posicionamento sedimentado de que no que concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa original, assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados em sua gestão[4].

De igual sorte, o Tribunal de Contas da União tem entendimento firme de que o ordenador de despesas é pessoalmente responsável pelos atos dos quais resultem despesas para a Administração Pública.

Para corroborar, eis a transcrição do seguinte excerto:

 

O ordenador de despesas é pessoalmente responsável por todos os atos dos quais resultem despesas para a União. Deve, por isso, cercar-se de todas as cautelas possíveis ao autorizar despesas. Não basta aferir a regularidade formal do processo. É preciso que os elementos formadores do processo tenham sido constituídos de acordo com as normas que regem a matéria e o princípio da economicidade seja observado. A afirmação de que apenas deram seqüência a ato já previamente constituído não pode ser acolhida. O poder/dever de diligência do ordenador de despesas impõe a ele a verificação da regularidade dos atos de gestão sob todos os aspectos, sobretudo da adequação do valor do contrato ao seu objeto.

O exame da regularidade da despesa não se exaure na verificação da adequada formalização do processo. A demonstração da despesa realizada deve induzir à compreensão de que a observância das normas que regem a matéria proporcionou o máximo de benefício com o mínimo de dispêndio (Constituição Federal, art. 70, parágrafo único e DL 200/67, arts. 90 e 93)[5]. (Grifou-se)

 

À luz dessa orientação, pode-se deduzir que é inadmissível que o ordenador da despesa não tenha o mínimo de cautela ao autorizar os gastos públicos e ao administrar o dinheiro da sociedade.

Feitas essas considerações, sublinhe-se que a alegação da equipe técnica de que a nota de empenho colacionada ao feito não está assinada não tem o condão de afastar a responsabilidade do gestor.

Note-se que o relatório concernente à nota de empenho acostado ao feito (fl. 32) foi emitido em 06.10.2010 pelo servidor Sebastião Luiz Pereira.  O empenho, por sua vez, ocorreu efetivamente em 18.06.2009.

Em outras palavras, denota-se que o documento suscitado pela área técnica trata-se de um mero relatório extraído do sistema SIGEF/SC mais de um ano após o repasse do dinheiro público.

Forçoso admitir, portanto, que a ausência de assinatura no relatório da nota de empenho juntado aos autos não afasta a responsabilidade do Sr. Abel Guilherme da Cunha, pois sequer corresponde à época da concessão.

Não bastasse isso, ressalte-se que a ausência da assinatura na nota de empenho pode ser vista, em tese, como uma irregularidade, mas não serve para afirmar que o ordenador primário não sabia do repasse do dinheiro público.

Como é sabido, o empenho consiste em apenas uma das fases da despesa. Ainda que supostamente o Sr. Abel não tenha emitido a nota de empenho - o que não se acredita -, vê-se que tal gestor foi responsável por determinar a realização da última etapa do dispêndio - o pagamento.

Nessa linha de argumentação, cumpre consignar que o Decreto-Lei nº 200/1967 conceitua que ordenador de despesa é toda e qualquer autoridade de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos (art. 80, § 1º).

Deduz-se, assim, que eventual irregularidade na nota de empenho, por si só, não é o suficiente para afastar a responsabilidade do ordenador de despesa, cuja atribuição não se restringe à emissão de tal documento.

Ademais, não me parece razoável afirmar que o Sr. Abel Guilherme da Cunha, na condição de ordenador primário, não tinha ciência da emissão de 196 notas de empenho, no valor total de R$ 6.389.558,72, atreladas a repasses fraudulentos em um único exercício.

Acresça-se a esse raciocínio, ainda, que a Sra. Neuseli Junckes Costa ocupava o cargo de Analista da Receita Estadual e não possuía ingerência tamanha a ponto de determinar a transferência de recursos públicos na ordem de aproximadamente 6,4 milhões em um único ano.

Embora o Sr. Abel Guilherme da Cunha afirme que não exercia qualquer interferência sobre a Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais e sobre a Secretaria Executiva de Gestão de Fundos Estaduais, percebe-se que tal argumento não é aceitável.

Ora, se tal agente aceitou ser ordenador de despesa da Unidade mostra-se incongruente a afirmação de que não possuía qualquer responsabilidade pela atividade administrativa de execução orçamentária dos gastos públicos.

De igual modo, vê-se que a alegação de que a fraude perpetuada no Fundo de Desenvolvimento Social ocorreu em lugar físico diverso daquele em que o Sr. Abel exercia suas funções de Diretor de Investimentos e Participações Públicas não é relevante a ponto de afastar a sua responsabilidade.

A acumulação de duas atribuições, por sua vez, apenas demonstra que tal gestor deveria exercer suas funções com responsabilidade, ante o grau de confiança que lhe foi depositado.

Dessa forma, pode-se inferir que o Sr. Abel deve responder pelos pagamentos que autorizou e, por corolário, deve ser condenado ao ressarcimento ao erário e ao pagamento de multa.

 

2.2. Defesa do Sr. Cleverson Siewert

 

Registre-se, neste ponto, que o Sr. Cleverson Siewert, em 2009, estava à frente da Secretaria Executiva de Gestão dos Fundos Estaduais e, ainda, era ordenador secundário de despesa.

Em razão de tais atribuições, tal gestor foi chamado aos autos para responder, de forma solidária, pela fraude avistada no Fundo de Desenvolvimento Social e, ainda, pelas diversas irregularidades nos processos de concessão de recursos públicos.

No intento de afastar a sua responsabilidade, o Sr. Cleverson Siewert aduz que determinou, em 2010, a adoção de providências administrativas, com vistas à elucidação da conjuntura fática.

Pontuou, também, que a responsabilidade pelos fatos irregulares deve ser atribuída exclusivamente à Sra. Neuseli Junckes Costa, uma vez que tal servidora articulou um esquema fraudulento, sigiloso e suficientemente capaz de enganar, por certo período de tempo, os gestores.

Em arremate, a defesa assinalou que o Ministério Público Estadual está apurando os fatos e que o nome do Sr. Cleverson em nenhum momento foi citado como autor ou partícipe de quaisquer irregularidades.

Para a Diretoria de Controle da Administração Estadual, tais argumentos não prosperam, porquanto houve omissão do Sr. Cleverson Siewert ao fiscalizar e supervisionar os seus subordinados.

Atrelado a isso, o corpo técnico asseverou que a adoção de providências administrativas somente restou efetivada quando tal responsável assumiu a Secretaria de Estado da Fazenda, em 2010.

A meu ver, a interpretação dada ao caso concreto pela Diretoria de Controle da Administração Estadual é acertada e está em consonância com as regras e com os princípios aplicáveis à espécie.

Na condição de superior hierárquico, o Sr. Cleverson Siewert tinha a obrigação funcional de orientar, controlar, supervisionar e fiscalizar os serviços desempenhados por seus subordinados.

Vale destacar, oportunamente, que as atribuições elencadas acima dizem respeito ao poder hierárquico, já amplamente debatido por este órgão ministerial em feitos semelhantes.

A propósito, cumpre registrar que a hierarquia, conceito ínsito à organização da administração pública, envolve verdadeiros poderes e não meras faculdades.

No caso em apreço, evidencia-se que o Sr. Cleverson Siewert não exerceu o mínimo de controle, fiscalização e supervisão dos serviços desempenhados pela Sra. Neuseli Junckes Costa.

É inadmissível, pois, uma servidora montar processos de concessão de recursos públicos, repassar vultosos valores a entidades particulares e ainda forjar falsas prestações de contas sem que houvesse qualquer fiscalização.

Relembra-se, em tempo, que o Sr. Cleverson possuía as atribuições de Secretário da pasta e ordenador secundário da despesa, o que, notadamente, aumenta a sua responsabilidade pelos fatos aqui discutidos.

Nessa linha de raciocínio, entende-se que “não é razoável excluir a culpabilidade daqueles que possuíam atribuições fiscalizatórias para evitar os danos ou, ainda, poderiam ter implantado controles de gestão financeira tendentes a coibir o mau uso de recursos públicos. A grave responsabilidade daqueles que gerenciam bens públicos passa, necessariamente, pelo estabelecimento de controles e rotinas eficientes na sistemática de movimentação de valores”[6].

Frente ao exposto, conclui-se que o Sr. Cleverson Siewert deve responder solidariamente pelo dano causado aos cofres estatais, sem prejuízo da multa proporcional ao dano.

 

2.3. Defesa da Sra. Neuseli Junckes Costa

 

A última defesa a ser analisada é a da Sra. Neuseli Junckes Costa, a qual foi apontada como executora e peça principal de todo o esquema fraudulento ocorrido no Fundo de Desenvolvimento Social em 2009.

Ao cotejar os autos, observam-se diversos elementos de provas capazes de demonstrar que a Sra. Neuseli atuou diretamente nos repasses irregulares, desde a formalização do pedido de concessão até a baixa das prestações de contas.

Não é demasia relembrar, a propósito, que tal responsável foi presa preventivamente e responde por diversas ações de improbidade administrativa, em decorrência da fraude aqui mencionada.

Atrelado a isso, sublinhe-se que a Sra. Neuseli foi submetida a processo administrativo disciplinar, o qual resultou na sua demissão qualificada.

Em sua defesa - intempestiva -, a Sra. Neuseli tenta imputar a responsabilidade pelos atos ímprobos e irregulares a outros agentes públicos. No entanto, não trouxe aos autos uma única prova sequer, a fim de confirmar suas alegações.

Em razão disso, valho-me integralmente das considerações feitas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual quanto à necessidade de responsabilização da Sra. Neuseli Junckes Costa.

Para finalizar este ponto, acresça-se que a Sra. Neuseli deve responder pelo débito de forma solidária e, ainda, deve ser condenada ao pagamento de multa proporcional ao dano, ante a gravidade da sua conduta.

 

3. Do processo de prestação de contas

 

Sabe-se que aquele que recebe dinheiro oriundo dos cofres do erário deve comprovar, de forma ampla e robusta, a sua boa utilização.

Nesse sentido, anote-se o teor do art. 140, da Lei Complementar Estadual nº 284/2005:

 

Art. 140. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou pelos quais o Estado responsa, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

§ 1º Quem quer que utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.

 

Na oportunidade, sobreleva mencionar que o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos compete ao gestor, conforme se depreende da jurisprudência sedimentada pelo Tribunal de Contas da União:

 

TCE. APLICAÇÃO IRREGULAR DE PARTE DE RECEITAS ORIUNDAS DE CONVÊNIO COM ENTIDADE FEDERAL. CITAÇÃO. REVELIA. CONFIGURAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, EM DECORRÊNCIA DE ATO DE GESTÃO ILEGÍTIMO OU ANTIECONÔMICO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RECURSO DE REVISÃO. CONHECIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.

1. A configuração de dano ao Erário, em decorrência de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, importa no julgamento pela irregularidade, na condenação em débito e na aplicação de multa.

2. Nos processos de contas que tramitam nesta Casa, compete ao gestor o ônus da prova da boa e da regular aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados, o que independe da comprovação de ter se configurado o crime de improbidade administrativa, da ocorrência de enriquecimento ilícito ou de locupletamento por parte do recorrente[7]. (Grifou-se)

 

Nesse mesmo passo, tem-se o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina, nos termos do voto lavrado pelo Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE RECURSOS ANTECIPADOS DO FUNCULTURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. AUTORREMUNERAÇÃO. PAGAMENTOS À FAMILIARES. DESPESAS ILEGAIS E INJUSTIFICADAS. IRREGULARIDADE DAS CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OMISSÕES DO PODER CONCEDENTE. MULTA.

1. Nos processos de contas o onus probandi é do gestor dos recursos públicos, que é pessoalmente responsável pela boa e regular aplicação dos recursos repassados e tem o ônus de provar a execução do objeto pactuado, das despesas vinculadas ao mesmo e trazer à colação elementos que demonstrem o atendimento ao interesse público e a inexistência de lesão ao patrimônio público.

2. A aplicação de recursos públicos impõe a observância de regramentos que garantam sua destinação única e exclusiva a finalidades que correspondam ao interesse público. Despesas que caracterizam autorremuneração e pagamento a familiares devem ser considerados ilegais quando atenderem a interesses exclusivamente particulares e não atingirem à finalidade pública.

3. Os atos e omissões que revelam irregularidades na aprovação de projetos para financiamento no âmbito do SEITEC, por inobservância aos dispostivos legais e regulamentares que regem a matéria, são sujeitos à aplicação de multa[8]. (Grifou-se)

 

Fixada essa premissa, saliente-se que, no presente caso, não restou comprovada a boa e regular aplicação dos recursos públicos, em razão das seguintes constatações: a) ausência de comprovação da realização do objeto proposto; b) apresentação de documento fiscal inidôneo; c) documentos fiscais com descrição insuficiente dos produtos supostamente adquiridos e dos serviços contratados, bem como ausência de outros meios supletivos de prova da aquisição dos produtos e da prestação dos serviços; d) comprovação das despesas com notas fiscais em cópias; e) apresentação das contas fora do prazo legal.

A par das irregularidades, destaque-se, desde já, que a Gerência de Auditoria de Recursos Antecipados, após realizar uma verificação in loco na sede da entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, concluiu que não havia elementos para certificar que os recursos públicos foram aplicados em consonância com o plano de trabalho aprovado (fl. 65).

De igual modo, percebe-se, ao examinar a prestação de contas protocolizada pela entidade, que os documentos acostados aos autos são insuficientes para demonstrar a regularidade das contas, pois há fortes indícios de que o projeto não foi executado.

Nessa linha de argumentação, faz-se necessário mencionar que foi juntada ao feito a nota fiscal emitida em 23.06.2009 por Waldemar dos Reis – ME (fl. 40), cuja empresa foi baixada do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica em 31.12.2008. Portanto, a nota foi lançada mais de seis meses após a empresa estar inapta para operar.

Feita essa observação, é importante assinalar, também, que os documentos fiscais constantes no caderno processual não são suficientes para comprovar a regularidade das despesas, sobretudo porque estão desacompanhados de outros elementos de prova.

Imperioso destacar, ademais, que as notas não estão devidamente detalhadas, razão pela qual não permitem a correta identificação das despesas efetuadas, como é o caso dos documentos emitidos por Chrismael Indústria e Comércio de Malhas Ltda., Valdir Reboque de Veículos Ltda., Waldemar dos Reis ME e Catarinense Ltda. ME.

Ainda no tocante às notas fiscais, verifica-se que não foram juntadas as vias originais, o que viola a determinação contida no art. 59 da Resolução nº TC 16/1994, vigente à época. Ademais, o Sr. Leandro Extekotter (Presidente da entidade) não apresentou qualquer declaração de que o material foi recebido e o serviço prestado, nos termos do art. 24, inciso XI, do Decreto Estadual nº 307/2003.

Os registros fotográficos apresentados, por sua vez, não têm o condão de demonstrar a realização do projeto intitulado “II Encontro de Gaioleiros do Município de Braço do Norte”, pois não se vislumbra nexo entre as fotografias e a execução do suposto evento.

 Presente todo esse contexto, anote-se que o Sr. Leandro Extekotter e a entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte suscitaram, em apertada síntese, que as irregularidades observadas no processo de concessão não podem lhes ser imputadas. Somado a isso, defenderam que os recursos públicos foram devidamente empregados e que há provas suficientes nos autos que atestam que o projeto foi realizado nos moles propostos no plano de aplicação.

Com o devido respeito à defesa apresentada, mas não se vislumbram no caderno processual elementos aptos a certificar a regularidade das contas, mormente porque não há como afirmar que o projeto foi executado em conformidade com os ditames legais e com o plano aprovado.

No tocante às irregularidades avistadas na concessão dos recursos públicos, cumpre registrar que em nenhum momento foi atribuída tal responsabilidade ao Sr. Leandro Extekotter e à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, os quais estão respondendo, neste feito, por não comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos.

Note-se, a propósito, que a prestação de contas protocolizada pelos responsáveis aponta vícios graves na aplicação dos recursos e a defesa, neste momento, não traz nenhuma prova que possa ilidir as irregularidades.

Assim, valho-me na íntegra das conclusões exaradas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, no sentido de determinar a restituição dos valores aos cofres públicos, acrescida da devida e necessária aplicação de multa.

Quanto à responsabilidade das empresas que emitiram os documentos fiscais, coaduno com o entendimento do corpo técnico, porquanto não há no caderno processual elementos suficientes para afirmar que os produtos foram fornecidos e os serviços prestados. Não há, aliás, provas sequer de que o evento foi executado.

Como é sabido, todo aquele que concorre para a efetivação do dano causado ao erário deve responder de forma solidária, nos termos do art. 18, § 2º, inciso “b”, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

E, tendo em vista que as defesas apresentadas pelas empresas mencionadas nos autos também não trouxeram à baila provas suficientes de que não contribuíram para a ocorrência dos prejuízos, entende-se que devem ser mantidas suas respectivas responsabilidades.

Para encerrar, sublinhe-se que cada empresa deve responder pelo valor descrito nas notas fiscais, pois somente devem ser condenadas, de forma solidária, pelo montante que efetivamente receberam.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1. Por julgar irregulares, com imputação de débito, as contas de recursos repassados à entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte no valor total de R$ 27.850,00.

2. Por condenar, solidariamente, a entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte, o Sr. Leandro Extekotter, a Sra. Neuseli Junckes Costa, o Sr. Abel Guilherme da Cunha, o Sr. Cleverson Siewert, a empresa Valdir Reboque de Veículos Ltda. ME, a empresa Chrismael Indústria e Comércio de Malhas Ltda. ME, a empresa Gráfica e Editora Catarinense Ltda. ME e o Sr. Waldemar dos Reis ao recolhimento do valor de até R$ 27.850,00 aos cofres públicos, sem prejuízo da aplicação de multa proporcional ao dano causado ao erário, nos seguintes termos:

2.1. De responsabilidade solidária da entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte e do Sr. Leandro Extekotter o valor de R$ 27.850,00, em face dos seguintes apontamentos:

2.1.1. Ausência de comprovação material da realização do objeto proposto e da destinação dos materiais e serviços;

2.1.2. Indevida comprovação de despesa com documento fiscal inidôneo;

2.1.3. Ausência de comprovação da efetiva prestação dos serviços e aquisições, aliada à ausência de outros elementos de suporte e à descrição insuficiente das notas fiscais;

2.1.4. Indevida comprovação de despesas com notas fiscais fotocopiadas.

2.2. De responsabilidade solidária do Sr. Abel Guilherme da Cunha, do Sr. Cleverson Siewert e da Sra. Neuseli Junckes Costa o valor de R$ 27.850,00, em face do seguinte apontamento:

2.2.1. Repasse irregular de recursos por meio de esquema paralelo aos procedimentos estabelecidos na legislação e sem observância aos requisitos legais e regulamentares.

2.3. De responsabilidade solidária do Sr. Waldemar dos Reis o valor de R$ 9.000,00, em face da emissão de nota fiscal inidônea para acobertar operação comercial inexistente e tendo em vista, ainda, que não foi comprovado o fornecimento dos equipamentos informados no documento fiscal.

2.4. De responsabilidade solidária da empresa Chrismael Indústria e Comércio de Malhas Ltda. ME o valor de R$ 12.000,00, em face de a nota fiscal conter descrição insuficiente dos produtos, visando acobertar operação comercial inexistente, e tendo em vista, ainda, que não foi comprovado o fornecimento dos materiais informados no documento fiscal.

2.5. De responsabilidade solidária da empresa Gráfica e Editora Catarinense Ltda. ME o valor de R$ 1.800,00, em face de a nota fiscal conter descrição insuficiente dos produtos, visando acobertar operação comercial inexistente, e tendo em vista, ainda, que não foi comprovado o fornecimento dos materiais informados no documento fiscal.

2.6. De responsabilidade solidária da empresa Valdir Reboque de Veículos Ltda. ME o valor de R$ 4.550,00, em face de a nota fiscal conter descrição insuficiente dos serviços, visando acobertar operação comercial inexistente, e tendo em vista, ainda, que não foi comprovado o fornecimento dos serviços informados no documento fiscal.

3. Por aplicar multa ao Sr. Leandro Extekotter, com fulcro no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, em face dos seguintes apontamentos:

3.1. Ausência de declaração do responsável nos documentos de despesas, atestando que os materiais foram recebidos e os serviços foram prestados;

3.2. Indevida apresentação da prestação de contas 01 ano, 04 meses e 01 dia após o término do prazo legal.

4. Por declarar a entidade Loucos por Trilha Gaiola Clube Braço do Norte e o Sr. Leandro Extekotter impedidos de receber novos recursos do erário, nos termos do art. 16 da Lei nº 16.292/2013 c/c art. 39 do Decreto nº 1.310/2012.

5. Pela remessa das informações contidas nestes autos ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em observância ao art. 18, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, para a adoção das providências que entender cabíveis.

6. Por dar ciência da decisão proferida pelo TCE/SC aos responsáveis e ao Fundo de Desenvolvimento Social.

Florianópolis, 07 de junho de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] A Secretaria Executiva de Recursos Desvinculados era denominada, em 2009, de Diretoria de Gestão dos Fundos Estaduais – DIFE.

[2] Sra. Márcia Almeida Sampaio Goulart (Gerente de Execução Orçamentária e Financeira – GEORF), Sr. Giovani Machado Semann (Diretor de Gestão de Fundos Estaduais – DIFE), Sr. Cleverson Siewert (Secretário Executivo de Gestão dos Fundos Estaduais) e Sr. Antônio Marcos Gavazzoni (Secretário de Estado da Fazenda).

[3] KOPS, Guido. Os ordenadores da despesa pública e a sua responsabilidade. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/24166/22941. Acesso em: 06 jun. 2017.

[4] Trecho extraído do prejulgado nº 1533, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 661/2002 – Plenário. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 06 jun. 2017.

[6] ARRAES, ANA. Autos do Processo nº AC-1340-20/12-P, Plenário. (TCU). Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 06 jun. 2017.

[7] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 013.473/2004-9, do Plenário. Rel. José Jorge. J. em: 27 fev. 2013. Disponível em: www.tcu. gov.br. Acesso em: 08 dez. 2015.

[8] SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. TCE 10/002299497, do FUNCULTURAL. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 19 ago. 2015.