Parecer nº: |
MPC/49.015/2017 |
Processo
nº: |
REP 15/00159767 |
Origem: |
Município de Alto Bela Vista |
Assunto: |
Comunicação à
Ouvidoria nº 767/2014 - Irregularidades concernentes à contratação de pessoal |
Numeração
Única: |
MPC-SC
2.3/2017.148 |
Trata-se de representação formulada a partir
da Comunicação nº 767/2014, encaminhada à Ouvidoria do Tribunal de Contas,
noticiando possíveis irregularidades no âmbito do Poder Executivo Municipal de
Alto Bela Vista.
A aludida Comunicação também relatou eventuais
restrições relacionadas à admissão de pessoal pela Câmara Municipal de Alto
Bela Vista, as quais estão sob apuração nos autos REP 15/00159848.
Na sequência, às fls. 89-91, a área técnica
sugeriu a audiência da responsável, Sra. Cátia Tessmann Reichert, Prefeita
Municipal de Alto Bela Vista, a qual foi deferida pelo Relator.
Após a devida notificação, a responsável
apresentou justificativas às fls. 101-102.
Em seguida, a área técnica, mediante o
relatório nº 933/2017, fez as seguintes sugestões ao relator (fls. 111-116):
3.1. Considerar irregular, com fundamento no
artigo 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, a contratação
temporária da servidora Tânia Catarina Nilson no período de 10/03/2014 a
10/10/2014 para desempenhar as atribuições de dois cargos de professor – 20
horas, enquanto a mesma se encontrava em Licença para Tratar de Interesses
Particulares do cargo efetivo de Auxiliar Administrativo, evidenciando
acumulação indevida de cargos públicos, em afronta ao artigo 37, inciso XVI, da
Constituição Federal, c/c Prejulgado nº 1817;
3.2. Aplicar multa à Sra. Cátia Tessmann Reichert, Prefeita
Municipal a partir do exercício de 2013, CPF nº 017.160.299-45, na forma do
disposto no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, e artigo 109,
II, do Regimento Interno fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da
publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para
comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o
que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança
judicial, observado o disposto nos art. 43, inciso II, e 71 da Lei Complementar
n. 202/2000, pelas irregularidades explicitadas no item 3.1 deste acórdão;
3.3. Recomendar à Prefeitura de Alto Bela Vista que caso o
Programa em tela assuma caráter de permanência e se torne definitivo no âmbito
do Município de Alto Bela Vista, o procedimento adequado é a admissão de
pessoal em cargo de provimento efetivo mediante prévia aprovação em concurso
público (Prejulgado nº 1083 deste Tribunal de Contas);
É o relatório.
1.
Contratação
de pessoal sem observância ao art. 37, II, da Constituição Federal
Ao
compulsar os autos, verifica-se que a primeira restrição formalizada a partir
da Comunicação nº 767/2014 apontou suposta burla à regra constitucional do
concurso público.
Os
indícios de irregularidade exsurgem dos autos a partir da contratação do Sr.
Airton Altair Lino pela Prefeitura Municipal de Alto Bela Vista mediante
procedimento licitatório, com o objetivo de prestar serviços profissionais nas
áreas esportivas e atividades físicas.
Para
tanto, houve a deflagração do Convite nº 012/2013 (fls. 07-10), que definiu o
objeto da seguinte forma: “Contrato para a prestação de Serviços Técnicos
Profissionais relacionados a áreas esportivas e atividades físicas, para
trabalhar junto a Coordenadoria Municipal de Esportes, ministrando aulas para
crianças no Programa de Escolinhas nas diversas modalidades, elaboração e
atuação em regulamentos de campeonatos, gincanas e outros eventos esportivos
desenvolvidos pela administração municipal com carga horária de 40 (quarenta)
horas semanais, junto a Coordenadoria Municipal de Esportes”.
A
responsável, Sra. Cátia Tessman Reichert, então Prefeita Municipal, argumentou
que o vencedor do certame não ministrou aulas regulares nas escolas municipais,
justificando que a contratação teve finalidade específica, qual seja, atender ao
“Projeto Futsal do Futuro Aluno Nota 10”.
Ademais,
a responsável afirmou que não existia cargo específico no quadro de pessoal
para tal finalidade, como também não havia razão para a sua criação, pois era impossível
saber de antemão se o Projeto teria continuidade nos anos seguintes.
A
área técnica, ao analisar as justificativas apresentadas, observou que não
houve a juntada de documentação pela responsável para corroborar as suas
afirmações. No entanto, em pesquisa à rede mundial de computadores, o corpo
instrutivo encontrou algumas matérias veiculadas sobre o projeto de futsal comandado
pelo Sr. Airton Altair Lino no Município de Alta Bela Vista.
As
matérias publicadas no endereço eletrônico do Município são ilustradas com
fotos, citam declarações do Sr. Airton sobre o andamento do projeto e seus
objetivos, bem como a evolução das equipes – formadas por crianças e adolescentes
de 06 a 17 anos de idade – para a disputa de campeonatos regionais (fls. 112-112v).
Concluindo
o exame do apontamento, a Diretoria de Controle de Atos de Pessoal sugeriu a
improcedência da representação nesse particular.
Isso
porque considerou que não houve burla às regras constitucionais para o ingresso
no serviço público em cargo efetivo, uma vez que o projeto da Prefeitura
Municipal era temporário. Recomendou, porém, a realização de concurso público caso
o Projeto em comento se torne definitivo.
A
meu ver, se o projeto é apenas temporário, o apontamento restritivo deve ser
mesmo rechaçado. Não seria razoável exigir da Administração municipal a
realização de concurso público para admissão de pessoal por tempo indeterminado
nessa circunstância.
Por
essa razão, perfilho-me ao entendimento da área técnica, no sentido de não
reconhecer a existência da irregularidade descrita nas conclusões do relatório
nº 3999/2016.
Nada
obstante o meu posicionamento pelo afastamento da restrição – pois, a princípio,
não houve afronta ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal –, a
admissão de pessoal no caso vertente exige uma reflexão mais aprofundada.
Não
restam dúvidas de que os “serviços técnicos profissionais relacionados a áreas
esportivas e atividades físicas” representam, na sua essência, as atividades
desempenhadas por professores de educação física.
Sob essa perspectiva, pontuo que a contratação de serviços para
atender atividade-fim da Administração Pública, conforme se deu no caso
concreto, não coaduna com a deflagração de procedimento licitatório.
Ainda
que também não seja exigida a realização de concurso público, a contratação de
pessoal por tempo determinado – justificada pela necessidade transitória de
excepcional interesse público – deve ocorrer mediante processo seletivo.
A
propósito, colhe-se do Tribunal de Contas da União o seguinte entendimento sobre
o tema:
A regra da
imprescindibilidade do concurso público é mitigada na hipótese de contratação
por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público, o que deve ocorrer por meio de processo seletivo
simplificado sujeito a ampla divulgação, nos termos da Lei 8.745/1993.[1]
Outrossim,
o Tribunal de Contas Estadual, por meio do Prejulgado nº 1927, posicionou-se
acerca da contração de pessoal pela Administração Pública por intermédio de
processo seletivo:
Prejulgado n. 1927:
1. A contratação por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público é prevista pelo art. 37, IX, da Constituição Federal, que
dispõe que a lei (local) estabelecerá em que situações poderá ser efetivada.
2. É de competência
do respectivo Ente a edição de lei para regulamentar a norma constitucional, a
qual deve dispor, entre outros, sobre as hipóteses e condições em que poderão
ser realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a necessidade de
excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, a viabilidade de
prorrogação ou não do contrato e sua limitação, bem como sobre a possibilidade
de nova contratação da mesma pessoa, carga horária, remuneração, regime a que
se submete a contratação, a obrigatoriedade de vinculação ao Regime Geral de
Previdência Social (RGPS), em face do art. 40, § 13, da Constituição Federal
(redação da EC n. 20/98), direitos e deveres dos contratados, a forma e
condições de admissão, critérios de seleção, a definição das funções que
poderão ser objeto de contratação temporária, o número limite de admissões
temporárias; os procedimentos administrativos para a efetivação das
contratações.
3. Para contratação do pessoal por tempo determinado a
Administração deve promover o recrutamento do pessoal mediante prévio processo
seletivo público, simplificado, devidamente normatizado no âmbito da
Administração e em conformidade com as disposições da lei local, através de
edital ou instrumento similar que defina critérios objetivos para a seleção, e
que contenha informações sobre as funções a serem preenchidas, a qualificação
profissional exigida, a remuneração, o local de exercício, carga horária, prazo
da contratação, prazo de validade da seleção e hipótese de sua prorrogação ou
não, e outros, sujeito à ampla divulgação, garantindo prazo razoável para
conhecimento e inscrição dos interessados, observada a disponibilidade de
recursos orçamentários e financeiros, bem como o limite de despesas com pessoal
previsto pela LRF.
4. O edital do
processo seletivo deve conter informações sobre o número de vagas a serem
preenchidas mediante contratação temporária, as de preenchimento imediato e se
for o caso previsão de chamamento à medida que surgir a necessidade durante o
período de validade do processo seletivo.
5. Em observância aos
princípios da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade, da
moralidade e da transparência da Administração, o chamamento dos candidatos
deve observar a ordem de classificação decorrente do resultado do processo
seletivo.
[...]
7. A realização de
processo seletivo constitui-se do meio próprio e regular para a habilitação de
candidatos para contratação temporária no serviço público, tratando-se de ato
vinculado para a Administração, razão pela qual é vedada a contratação de
pessoas não-inscritas ou que tiveram sua inscrição indeferida.
8. É de competência
da Administração local a definição da forma e condições de remuneração do
pessoal contratado por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de interesse público através da lei que regulamentar o inciso IX do art. 37 da
Constituição Federal, devendo a remuneração das funções ser informada no edital
do respectivo processo seletivo.
[...] (grifei).
De
mais a mais, outra alternativa viável é a celebração de parceria com o Terceiro
Setor a partir da realização de Chamamento Público, oportunizando a ampla
participação de organizações da sociedade civil capacitadas para o
desenvolvimento do “Projeto Futsal do Futuro Aluno Nota 10”.
No
meu entendimento, a adoção de qualquer uma dessas opções mostra-se, sem sombra
de dúvidas, mais alinhada com os objetivos do projeto social e com a legislação
em vigor. Por outro lado, concluo que a deflagração de licitação, seja qual for
a modalidade escolhida pelo gestor, não representa o meio adequado para a
contratação de pessoal pela Administração Pública com o intuito de desempenhar
atividades finalísticas.
Feitas
essas considerações, pondero que, ao consultar o Portal da Transparência do
Município de Alto Bela Vista, constatei que no ano de 2015 houve o lançamento
de nova licitação, na modalidade Pregão presencial, tendo como objeto a “Contratação
de empresa para prestação de serviços técnicos para desenvolvimento do projeto
"Futsal do Futuro - Aluno Nota 10".
O
vencedor do certame, mais uma vez, foi o Sr. Airton Altair Lino, que celebrou o
Contrato nº 36/2015 com a Prefeitura Municipal.
Já
no ano de 2016 até o presente momento não existem registros de novos certames
deflagrados para a contratação do referido objeto.
Nada
obstante, cabe frisar novamente que a deflagração de procedimentos licitatórios
pela Administração Pública para a contratação de serviços relacionadas à
atividade-fim não coaduna com o ordenamento jurídico em vigor.
Por
essa razão, entendo ser pertinente a formulação de determinação para que a Prefeitura Municipal de Alto Bela Vista se
abstenha de realizar a contratação desse tipo de serviço por meio de licitação.
2.
Irregularidade
na contratação temporária de servidora
A
Comunicação nº 767/2014 descreveu possível irregularidade envolvendo atos de
pessoal no âmbito da Prefeitura Municipal de Alto Bela Vista.
Nesse
contexto, extrai-se dos autos que a servidora Tânia Catarina Nilson, então
ocupante do cargo efetivo de Auxiliar Administrativo, requereu “Licença para
tratar de Assuntos Particulares” em 07/03/2014, a qual foi deferida pela
municipalidade no mesmo dia (fl. 64).
Na
sequência, em 10/03/2014, houve a edição da Portaria nº 34/2014, que dispôs
sobre a concessão da licença supracitada (fl. 65). Ocorre que, nessa mesma data,
a Sra. Tânia também foi nomeada para desempenhar as atribuições do cargo de
Professor.
A
nomeação, autorizada após a aprovação da referida servidora no Processo
Seletivo nº 001/2014 (fls. 66-67), abrangeu dois cargos distintos, sendo um
deles para ministrar aulas nos “anos iniciais do ensino fundamental” e o outro
na “educação infantil”.
O
Decreto Municipal nº 1805/2014, anexado às fls. 104-107 dos autos, homologou o
Processo Seletivo em questão.
A
responsável, Sra. Cátia Tessman Reichert, alegou que tal ocorrência “passou
desapercebida da administração municipal”. Acrescentou que a irregularidade foi
sanada ainda no mesmo ano, quando a Administração municipal providenciou o
cancelamento da licença e a exoneração da servidora dos cargos temporários, permanecendo
apenas no seu cargo de origem.
Em
que pesem os argumentos defensivos, entendo que a irregularidade está
configurada e o contexto fático-probatório que acompanha os autos é suficiente
para a sua comprovação.
A
concessão da licença e a nomeação para os cargos de Professor aconteceram em
curtíssimo período de tempo, apontando que houve uma ação deliberada para beneficiar
a servidora em questão.
Além
disso, a alegação de que a irregularidade foi sanada por conta do cancelamento
dos atos que ensejaram a nomeação da Sra. Tânia não encontra guarida, mormente
porque a responsável não trouxe nenhum elemento para corroborar a sua tese.
Por
outro lado, a partir das diligências efetuadas pela área técnica, foi possível
encontrar os dois Decretos Municipais que dispõem sobre a exoneração da
servidora dos dois cargos de Professor.
Os
Decretos foram editados nos meses de outubro e novembro de 2014 e assinados
pelo Sr. Décio Grätner, então Prefeito Municipal em exercício (fls. 108-109).
Como
a “Licença para Tratar de Assuntos Particulares” estava em vigor desde o dia 10
de março de 2014, a meu ver, não é necessário dizer que as providências para
sanar a irregularidade foram tomadas intempestivamente.
Com
efeito, o que se verificou no caso concreto foi a indevida acumulação de cargos
e funções públicas, porquanto a servidora, ocupante de cargo efetivo de
Auxiliar Administrativo – de cunho técnico –, exerceu atribuições inerentes ao
cargo de Professor durante o período de 10/03/2014 a 10/10/2014.
Para
arrematar, o entendimento do Tribunal de Contas Estadual, firmado no Prejulgado
nº 1817, é cristalino ao vedar a acumulação de cargos na situação retratada
nestes autos, senão vejamos:
Prejulgado n. 1817
1. Excetuadas às
hipóteses dos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição da República, a
acumulação remunerada de cargos viola a Carta Magna, motivo pelo qual o servidor
deve fazer opção e se exonerar de um deles.
2. O professor
efetivo do magistério municipal, em estágio probatório no magistério estadual,
que estiver em gozo de licença sem remuneração no município, não poderá exercer
cargo em comissão de atribuições técnicas ou científicas, mesmo que haja
compatibilidade de horário, uma vez que a licença sem remuneração não tem o
condão de afastar a incidência da proibição de acumulação de cargos públicos,
cujas únicas exceções estão previstas na alíneas "a" a "c"
do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal.
3. O servidor
municipal ocupante de cargo efetivo que estiver em licença sem remuneração e
não se enquadre nas hipóteses excepcionais dos incisos XVI e XVII do art. 37,
não pode assumir cargo de provimento efetivo no Estado. A permissão do
afastamento de servidor em estágio probatório, do exercício das funções
inerentes ao cargo efetivo, para a assunção de cargo comissionado só é devida
quando presente o interesse da Administração, ou seja, interesse público que
supere a necessidade pública original que motivou a realização de concurso
público para preenchimento de cargo vago.
Conclui-se,
assim, que a restrição está configurada, sendo que a responsável não só agiu
diretamente para a prática da irregularidade, como também nada fez para impedir
a sua continuidade, já que nem a exoneração da servidora foi decretada por ela.
Por
esta razão, filio-me ao entendimento da área técnica, a fim de que seja
aplicada a pena de multa à responsável.
Ante
o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida
pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000,
manifesta-se por acompanhar a sugestão encaminhada no relatório nº 933/2017,
acrescentando a determinação para
que a Prefeitura Municipal de Alta Bela Vista se abstenha de realizar a
contratação de serviços relacionadas à atividade-fim da Administração mediante
procedimento licitatório.
Florianópolis,
14
de junho de 2017.
Diogo
Roberto Ringenberg
[1] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 738/2010. Segunda Câmara. Rel. José Jorge. Un. Gestora: Universidade Federal Fluminense – MEC. J. em: 02/03/2010.