Parecer nº:

MPC/47.219/2017

Processo nº:

ELC 14/00434200    

Un. Gestora:

Município de Penha

Assunto:

Edital de Concorrência nº 01/2014 (objeto: concessão da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário)

Numeração única:

MPC-SC 2.3/2017.166

 

 

 

Trata-se de análise do Edital de Concorrência Pública nº 01/2014, cujo objeto é a “concessão da prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário”, lançado pela Prefeitura Municipal de Penha.

Após a devida instrução processual, o Tribunal Pleno proferiu a Decisão de nº 1613/2015, com a seguinte deliberação (fls. 229-230):

 

6.1. Conhecer os termos do Edital de Concorrência n. 001/2014, de 24/07/2014, da Prefeitura Municipal de Penha, cujo objeto é a outorga da concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, pelo prazo de 35 (trinta e cinco) anos, em caráter de exclusividade.

6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de Penha a adoção das seguintes medidas:

6.2.1. inclua, expressamente, na cláusula contratual referente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato/revisão tarifária, previsão no sentido de assegurar ao poder concedente a readequação do equilíbrio em face da renovação do parque de hidrômetros;

6.2.2. inclua, expressamente, no fluxo de caixa anexo ao contrato, previsão de fator "x" com o fim de estabelecer vínculo entre a eficiência da concessionária e a redução do valor da tarifa, com objetiva definição sobre o modo de cálculo do fator "x" e da distribuição dos ganhos de eficiência da concessionária;

6.2.3. inclua a seguinte cláusula contratual no capítulo referente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em consonância com o que dispõe o art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.987/95: "A Concessionária, a partir da assunção do sistema, assumirá integral responsabilidade por todos os riscos e obrigações inerentes à exploração da Concessão, observadas as condições previstas neste Contrato."

6.2.4. inclua cláusula contratual deixando expressamente previsto que o risco pela demanda será alocado à concessionária.

6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Penha que em futuros instrumentos convocatórios, atente para a adoção das seguintes medidas:

6.3.1. exclua a exigência de comprovação da qualificação técnica com base em um único atestado;

6.3.2. atente para a previsão do art. 30, §5º, da Lei n. 8.666/93, relacionada à comprovação da qualificação técnico-operacional;

6.3.3. exclua critérios irrelevantes para a qualidade do objeto, em atenção à previsão do art. 46, §1º, I da Lei n. 8.666/93;

6.3.4. exclua previsão de desclassificação das propostas técnicas, em atenção à previsão do art. 46, § 2º, da Lei n. 8.666/93;

6.3.5. exclua previsão de critérios subjetivos de julgamento das propostas, em observância aos arts. 3º e 45 da Lei n. 8.666/93;

6.3.6. atente para a justificação técnica dos índices de endividamento que forem exigidos nem seus procedimentos de licitação, ex vi do art. 31, § 5º, da Lei n. 8.666/93.

6.4. Determinar ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes – Prefeito Municipal de Penha, que no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura do contrato, comprove a este Tribunal de Contas o cumprimento das determinações relacionadas nos itens 6.2.1 a 6.2.4 desta deliberação.

6.5. Alertar ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes, já qualificado, que o não cumprimento das determinações relacionadas nos itens 6.2.1 a 6.2.4 e 6.4 acima implicará na cominação das sanções previstas no art. 70, §1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00.

6.6. Determinar à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC deste Tribunal, o acompanhamento do cumprimento do item 6.4 desta deliberação, bem como que inclua em futura programação de auditoria o acompanhamento da execução do contrato de concessão de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município de Penha.

6.7. Dar ciência desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes – Prefeito Municipal de Penha e à Assessoria Jurídica e ao Controle Interno daquele Município.

 

Em sequência, a Prefeitura Municipal de Penha anexou o Contrato de Concessão de Abastecimento de Água e Esgoto do Município e documentação correlata (fls. 241-347).

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, sob o relatório técnico nº 165/2016 (fls. 349-352), sugeriu a aplicação de multa ao responsável por descumprimento à Decisão Plenária e propôs formular determinações.

O Ministério Público de Contas, por sua vez, reiterou posicionamento anteriormente exarado, opinando pela nulidade do edital e aplicação de multa ao gestor pelo descumprimento do item 6.4 da Decisão supra (fls. 354-361).

Em seguida, o Relator apresentou a sua proposta de voto, esta sob o nº GC-JG/2016/093, sugerindo ao Pleno a aplicação de multa ao gestor pelo descumprimento dos itens 6.2.2 e 6.2.4 da Decisão Plenária e a determinação para atendimento ao previsto nos itens 6.2.2 e 6.2.4 da Decisão anterior (fls. 362-365v).

Após, o Procurador Geral do Município solicitou cópia do relatório técnico, o que foi deferido (fl. 366).

Na sequência, sobreveio a manifestação do Prefeito Municipal de Penha (fls. 369-370v), acompanhada de documentos (fls. 371-568).

Cumprindo determinação do Relator (fl. 571), a área técnica procedeu ao reexame dos autos, elaborando o relatório de nº 598/2016, com a seguinte conclusão (fls. 571A-576v):

 

3.1. CONHECER do presente Relatório, que analisou o cumprimento de Decisão Plenária nº 1613/2015, em relação à inclusão de cláusulas no Contrato nº 194/2015 – PMP, cujo objeto é a contratação de empresa ou consórcio para a concessão da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, firmado pelo Município de Penha.

3.2. CONSIDERAR cumprida a Decisão Plenária nº 1613/2015, em relação aos itens 6.2.3, 6.2.4 e 6.6, e, em relação ao item 6.2.2., que trata da previsão de fator "x" com o fim de estabelecer vínculo entre a eficiência da concessionária e a redução do valor da tarifa, com objetiva definição sobre o modo de cálculo do fator "x" e da distribuição dos ganhos de eficiência da concessionária, desde que a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS): a) comprove o conhecimento da determinação feita por esta Corte de Contas ao Município de Penha; b) comprove o conhecimento da manifestação do Sr. Prefeito Municipal de Penha a este respeito; c) comprove deter condições de efetivar os devidos estudos no prazo proposto pelo Município, para propor adequações, se for o caso no presente contrato de concessão; e d) informe a este Tribunal de Contas o estágio atual do andamento desses trabalhos e o prazo para conclusão, conforme item 2.1 deste Relatório.

3.3. DETERMINAR diligência à Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS) para prestar as informações contidas no item 3.2.

3.4. DAR CIÊNCIA do Relatório n. DLC-598/2016, desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes – Prefeito Municipal de Penha e à Assessoria Jurídica e ao Controle Interno daquele Município.

 

É o relatório.

Cumpre frisar, inicialmente, que os autos retornaram para nova manifestação ministerial após o Chefe do Poder Executivo Municipal – de forma intempestiva – buscar comprovar o atendimento da Decisão Plenária de nº 1613/2015.

Conforme já me posicionei por meio do Parecer nº MPC/41.303/2015 (fls. 354-361), a adoção das medidas corretivas determinadas pelo Plenário (que apenas sanam em parte as irregularidades constatadas no Edital de Concorrência Pública nº 01/2014) faz com que a Municipalidade perpetue um contrato de modo contrário às disposições legais que regem a matéria.

Não é possível convalidar as graves irregularidades que maculam o edital de licitação, manifestamente restritivas à competitividade do procedimento de escolha, com meras retificações contratuais posteriores e pontuais – sobretudo quando o certame envolve a contratação de valores tão expressivos.

Portanto, reitero que a atuação da Corte deveria ser direcionada à adequação do edital licitatório em si, e não ao contrato já firmado com a empresa vencedora do certame

Não há como considerar regular este contrato, visto que as irregularidades apontadas no instrumento macularam todo o processo de concorrência pública. Ressalta-se que não se mostrava possível conhecer desde o princípio os parâmetros que iriam nortear a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração Pública

Limitando a presente análise apenas à restrição anotada no item 6.2.2 da Decisão nº 1613/2015, já se verifica a impossibilidade de se proceder, ao menos de modo adequado, à sua correção na fase de execução contratual.

No caso em exame, a omissão constatada no contrato celebrado – e, antes disso, no edital de licitação – quanto à forma de cálculo do fator “x” e da distribuição dos ganhos de eficiência da concessionária contamina todo o processo de concorrência promovido pelo Município de Penha.

Isso porque a metodologia utilizada para o cálculo influencia diretamente no valor da tarifa suportada pelos usuários e na eficiência do serviço prestado pela concessionária.

Ademais, essa grave omissão editalícia e a inclusão posterior deste item no contrato pode provocar discordância entre a empresa vencedora do certame, no sentido de não aceitar a decisão da ARIS (Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento) quanto à aplicação do fator ‘x’, razão pela qual a definição deste ponto já deveria ter sido formulada quando da deflagração do procedimento licitatório. Este, aliás, era o único momento adequado para que as licitantes interessadas tivessem conhecimento dos termos do futuro contrato e os aceitassem, sem gerar qualquer entrave à execução o serviço.

À vista do exposto, nota-se que a concorrência já restou frustrada.

Desse modo, reitero o posicionamento exarado no Parecer nº MPC/41.303/2015, no qual me manifestei pela nulidade do edital de Concorrência Pública nº 01/2014, bem como pela aplicação de multa ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes, Prefeito Municipal, visto que não houve a adoção das providências no prazo estipulado.

Deve-se destacar, ainda, que não se mostra cabível arguir agora dificuldades de retificação na fase contratual.

Se a própria unidade gestora deu causa à situação em tela – necessidade de elaboração de estudo por parte da ARIS acerca do fator “x” e da distribuição dos ganhos de eficiência –, não vejo como adequado utilizar desse argumento para adiar a correção da falha.

Destaco, por oportuno, que desde a assinatura do Contrato nº 194/2015, conforme documentos juntados em anexo, a ARIS – Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento – vem assinalando em seus pareceres que a Concessionária não está cumprindo as cláusulas contratuais do cronograma físico­financeiro.

Os pareceres elaborados pela ARIS estão disponíveis em seu endereço eletrônico[1].

Em 07/07/2016 a ARIS se manifestou nos seguintes termos[2]:

 

[...] a Concessionária não vem demonstrando indícios de que cumprirá as metas contratuais estabelecidas para o 1º ano da concessão. Especialmente no que se refere aos investimentos que deveriam estar distribuídos (incremento de rede e ligações, por exemplo), percebe-se certa morosidade e descumprimento das metas parciais do cronograma físico­ financeiro apresentado.

Quanto à Assinatura de Responsabilidade Técnica de profissional habilitado para o Sistema de Abastecimento de Água, a prestadora deixou de apresentar documentos comprobatórios e demonstra falta de comprometimento no cumprimento das normas e procedimentos de responsabilidade técnica.

 

Já no parecer emitido em 27/09/2016 a ARIS assentou:

 

De maneira geral, a Concessionária não vem demonstrando indícios de que cumprirá as metas contratuais estabelecidas para o 1o ano da Concessão, especialmente no que se refere aos investimentos que deveriam estar distribuídos (incremento de rede e ligações, por exemplo).

Quanto à Assinatura de Responsabilidade Técnica de profissional habilitado pelo Sistema de Abastecimento de Água, a prestadora deixou de apresentar os devidos documentos comprobatórios.

 

Em 07/03/2017 a ARIS detalhou (Tabelas 2 e 3) os investimentos realizados pela prestadora e as metas físicas estabelecidas no Plano Municipal de Saneamento Básico de Penha.

Ao analisar a Tabela 2, observa-se que dos R$ 5.381.872,22 milhões previstos para investimento no primeiro ano, nos termos da proposta comercial, a concessionária somente investiu R$ 1.234.550,38 milhões.

Esses novos fatos reforçam a tese da necessidade de anulação do edital de Concorrência Pública nº 01/2014 e, por decorrência, do Contrato nº 194/2015, que não vem sendo executado adequadamente pela concessionária.

Deve-se pontuar, por fim, que à concessionária incumbe, por força do art. 31 da Lei nº 8.987/1995, “prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato” (inciso I), prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato (inciso III) e cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão (inciso IV).

Ao poder concedente, por sua vez, nos termos do art. 29, incumbe regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação (inciso I), aplicar as penalidades regulamentares e contratuais (inciso II), extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato (inciso IV), dentre outros.

Por fim, a Lei nº 8.987/1995 dispõe que a inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais (art. 38).

Por tal razão, entendo pertinente determinar à Unidade Gestora que adote as providências necessárias à retomada dos serviços, nos termos dispostos no art. 38 da Lei nº 8987/1995[3], e deflagre novo certame para a concessão da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se:

1) pela aplicação de multa ao Sr. Evandro Eredes dos Navegantes, Prefeito Municipal, por descumprir o item 6.4 da Decisão nº 1613/2015 e o art. 70, § 1º da Lei Complementar nº 202/2000;

2) pela nulidade do edital de Concorrência Pública nº 01/2014, por afronta aos arts. 3º, § 1º, I, 6º, IX, alínea “f”, 30, § 1º, I, 31, § 5º, 40, VII e X, 44, 45, 46, § 1º, I, 2º, todos da Lei nº 8.666/93.

3) pela determinação à Unidade Gestora para que adote as providências necessárias à retomada dos serviços, nos termos dispostos no art. 38 da Lei nº 8987/1995, e deflagre novo certame para a concessão da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município.

Florianópolis, 10 de julho de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] Endereço eletrônico: http://www.aris.sc.gov.br/municipios/penha.html

 e file:///C:/Users/0238929/Downloads/relatorios-de-fiscalizacao-dos-investimentos-ano-1.pdf;

file:///C:/Users/0238929/Downloads/rrinvestimentopenha-002-preliminar.pdf; Acesso em: 10/07/2017.

[2] No endereço eletrônico da ARIS não consta o Relatório de Fiscalização dos Investimentos 001. Assim, juntam-se aos autos somente as considerações finais do referido relatório.

[3] Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

§ 1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;

[...]

IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;