PARECER nº:

MPTC/50472/2017

PROCESSO nº:

REC 17/00151492    

ORIGEM:

Secretaria de Estado da Educação

INTERESSADO:

Marcelo Feliz Artilheiro

ASSUNTO:

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo RLA- 1200456308

 

 

Trata-se o presente processo de Recurso de Reexame (fls. 4-18) interposto pelo Sr. Marcelo Feliz Artilheiro, ex-Consultor Jurídico da Secretaria de Estado da Educação, em face do Acórdão n. 0762/2016, exarado nos autos do processo RLA n. 12/00456308, o qual aplicou multa ao recorrente, nos seguintes termos:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Secretaria de Estado da Educação, que se ocupou da regularidade das despesas, dos registros e das demonstrações contábeis referentes à aquisição de livros paradidáticos e de acervo para biblioteca escolar e, ainda, quanto ao desempenho do controle interno no que tange ao controle e ao acompanhamento dessas despesas, referentes aos exercícios de 2009 a 2011 e eventualidades de 2012.

6.2. Aplicar aos Responsáveis a seguir identificados, com fulcro nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, II, do Regimento Interno desta Corte de Contas, as multas adiante elencadas, em razão de irregularidades de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE – DOTC-e -, para comprovarem a este Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos art. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

6.2.1. em face da ausência de fundamentação técnica da decisão de aquisição e da justificativa de preços na aquisição de livros e materiais paradidáticos, em afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade inscritos no caput do art. 37 da Constituição Federal, e, ainda, aos princípios da isonomia e da obrigatoriedade da busca da escolha da proposta mais vantajosa, impostos nos arts. 3º, 7º, §5º, 14 e 15, §7º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (federal): [...]

6.2.1.6. ao Sr. MARCELO FELIZ ARTILHEIRO - Consultor Jurídico da SED, CPF n. 008.919.037-80, a multa no valor de R$ 1.136,52 (mil cento e trinta e seis reais e cinquenta e dois centavos); [...]

A Diretoria de Recursos e Reexames emitiu o Parecer n. DRR-078/2017 (fls. 19-25), opinando pelo conhecimento do presente Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu provimento para cancelar a multa constante do item 6.2.1.6 do acórdão recorrido.

O Recurso de Reexame, com amparo nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é o adequado em face de decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato, sendo a parte legítima para a sua interposição, uma vez que se enquadra na condição de responsável pelos atos irregulares descritos na deliberação recorrida.

O acórdão recorrido foi publicado na imprensa oficial em 21.02.2017 e a peça recursal foi protocolizada nessa Corte de Contas no dia 22.03.2017, sendo, portanto, tempestiva. Ainda, o recurso obedece ao requisito da singularidade, porquanto foi interposto uma única vez.

Logo, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso, de maneira que se passa, na sequência, à análise das alegações do recorrente.

Inconformado com a multa que lhe fora aplicada, o recorrente arguiu (fl. 5) a incompetência do consultor jurídico para responder pela suposta ausência de fundamentação técnica e justificativa de preços na decisão de aquisição de bens, mencionando a decisão do Relator Wilson Rogério Wan-Dall, nos autos do processo REP n. 15/00274787, que afastou a aplicação de multa a um advogado parecerista.

Alegou (fl. 6) que a fundamentação técnica se encontraria às fls. 70-73, 87-89, 104-106, 475-477, 764-765 dos autos, tendo sido subscrita por profissional habilitado, e informou que a Diretoria de Educação Básica e Profissional fez inúmeras reuniões com outros técnicos da Secretaria, oportunidade na qual decidiram pela aquisição das obras, de modo que a participação de docentes e diretores seria um ato discricionário que causaria inúmeras divergências quanto às obras a serem adquiridas.

Na sequência, ressaltou (fls. 7-9) que não houve qualquer impugnação, ação judicial ou pedido de esclarecimentos por parte dos concorrentes, o que demonstraria que eles tiveram conhecimento e anuíram com o detalhamento e a descrição dos bens a serem adquiridos, de sorte que inexistiria qualquer ilegalidade, imoralidade ou parcialidade no processo.

Ainda, asseriu (fls. 9-12) que a fundamentação legal utilizada pela instrução não se referiria à justificativa de preços, argumentando que não haveria como justificar o preço praticado no mercado.

Por fim (fls. 12-17), transcreveu trechos de entendimentos jurisprudencial e doutrinário para fundamentar a sua conclusão de que

mais vantajosa não é a proposta de menor preço, mas sim, aquela que se mostra mais compatível e aderente ao interesse público, levando em conta outras condições como qualidade, didática, métodos pedagógicos e outras particularidades e não tão somente o preço.

De plano, percebe-se que os argumentos e justificativas apresentados pelo recorrente são basicamente os mesmos apresentados a título de defesa nos autos do processo originário (fls. 3774-3796), os quais já foram devidamente analisados e refutados por este órgão ministerial no Parecer n. MPTC/36816/2015 (fls. 3884-3930).

Apesar disso, a Diretoria de Recursos e Reexames manifestou-se de forma contrária à responsabilização da consultoria jurídica no presente caso, apoiada, dentre outros argumentos, na Orientação Técnica n. 01/2008, expedida pela Diretoria Geral de Controle Externo dessa Corte de Contas, por meio da qual se delineia que a responsabilização do autor de parecer jurídico depende de “erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo”.

Nesse sentido, inclusive, manifestou-se o Relator Wilson Rogério Wan-Dall nos autos do processo REP n. 15/00274787, mencionado pelo recorrente.

Entretanto, a aplicação estrita da referida Orientação Técnica iria de encontro ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a responsabilidade deve recair também sobre aquele que, no desempenho de suas funções administrativas, na qualidade de consultor, assessor jurídico ou procurador, contribuiu ou corroborou a prática do ato irregular e, nessa linha, a Suprema Corte não se refere a nenhum dos requisitos suscitados pela Diretoria Geral de Controle Externo desse Tribunal de Contas.

Segundo o STF, no julgamento do MS n. 24584/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a emissão de parecer induz à responsabilidade solidária do seu subscritor, conforme se extrai do julgado a seguir transcrito:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que determinara a audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização de convênio firmado pelo INSS, em virtude da emissão de pareceres técnico-jurídicos no exercício profissional — v. Informativos 328, 343, 376 e 428. Entendeu-se que a aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente (Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”). Considerou-se, ainda, a impossibilidade do afastamento da responsabilidade dos impetrantes em sede de mandado de segurança, ficando ressalvado, contudo, o direito de acionar o Poder Judiciário, na hipótese de virem a ser declarados responsáveis quando do encerramento do processo administrativo em curso no TCU. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que deferiam a ordem (grifei).

O mesmo entendimento é explanado no MS n. 24631-6/DF, julgado também em 09.08.2007, do qual extraio do voto do Relator, Ministro Joaquim Barbosa, os seguintes trechos:

Como já sustentei no voto-vista no MS 24.584, calcado em respeitável doutrina, a obrigatoriedade ou não da consulta tem influência decisiva na fixação da natureza do parecer.

Assim, poder-se-ia dizer que: [...]

(ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir tal ato como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submete-lo a novo parecer;

(iii) mas quando a lei estabelece a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante” (décider sura vis conforme), o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. [...]

O que é relevante nessa classificação é que, no caso do parecer vinculante, há efetiva partilha do poder decisório. É nessa linha de entendimento que o professor CHAPUS sustenta haver maculação, por vício de competência, do ato administrativo expedido sem a observância do “avis conforme” nos casos em que a lei o exige.

Isto porque nesses casos em que o parecer favorável de órgão consultivo é, por força de lei, pressuposto de perfeição do ato, há efetiva “partilha do poder de decisão” entre a autoridade executiva e o órgão consultivo.

Com essas considerações, no atual momento da jurisprudência do STF, eu acredito que seja possível formular as seguintes premissas para o exame de questões como a presente: [...]

B) Nos casos de definição, pela lei, de vinculação do ato administrativo à manifestação favorável no parecer técnico jurídico, a lei estabelece efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, e assim, em princípio, o parecerista pode vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso (grifei).

Como se pode observar da conclusão dos pareceres jurídicos emitidos pelo Sr. Marcelo Feliz Artilheiro (fls. 26-32, 44-50, 60-66, 74-78, 93-98, 107-112, 124-128, 269-275 e 514-515), grande parte dos editais foi aprovada por ele com base no art. 38 da Lei de Licitações, justamente o dispositivo que fundamenta o caráter vinculante de tais documentos (inciso VI).

Desse modo, entendo ser despropositada a exigência de “erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo” para a fixação da responsabilidade solidária do emissor de parecer jurídico com caráter vinculante.

A Diretoria de Recursos e Reexames mencionou, ainda, às fls. 24-24v, que a presente situação seria

diferenciada em relação a questão da responsabilização do advogado público, isto porque, a fundamentação técnica da decisão de aquisição e a justificativa de preços são etapas anteriores a elaboração do edital de licitação, cuja responsabilidade é do gestor público.

[...] não compete ao consultor jurídico ismiscuir-se na escolha do objeto da licitação ou da contratação direta, pois, neste caso, estaria invadindo o campo da oportunidade e conveniência do gestor.

Todavia, discordo novamente do posicionamento manifestado pela área técnica, por entender que as razões técnicas para as contratações e a justificativa de preço são elementos indispensáveis à instrução dos processos licitatórios, de modo que o consultor jurídico, quando da análise de tais processos, deveria, por dever de ofício, alertar o gestor acerca da deficiência de tais documentos.

Com efeito, esta representante ministerial já debateu de forma exaustiva a presente matéria no desenvolvimento do processo REP n. 15/00274787, tendo também em tal oportunidade defendido a responsabilização do parecerista jurídico.

Assim, em função da ausência de qualquer novo argumento – ou documento – apresentado pelo recorrente, entende-se pela manutenção da penalidade de multa aplicada conforme o disposto no acórdão recorrido.

Por fim, acerca do pedido de redução do valor da multa ao mínimo legal (fl. 17), esclarece-se que, com o advento da Resolução n. TC-0114/2015, o valor máximo da multa disposta no art. 70, caput, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, é de R$ 14.206,50, isto é, aplicando-se os percentuais previstos no art. 109, inciso II, do Regimento Interno dessa Corte de Contas, o Relator poderia ter aplicado sanção ao recorrente entre os valores de R$ 1.136,52 e de R$ 11.365,20 – estipulou em R$ 1.136,52, ou seja, correspondente ao exato montante mínimo legal, inviabilizando, assim, qualquer diminuição de valor. 

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO do Recurso de Reexame e, no mérito, pelo seu DESPROVIMENTO, mantendo-se hígido o teor do Acórdão n. 0762/2016.

Florianópolis, 22 de agosto de 2017.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora