Parecer nº:

MPC/50.479/2017

Processo nº:

DEN 16/00033340    

Un. Gestora:

Município de Laguna

Assunto:

Inadimplemento.

Numeração Única:

MPC-SC 2.3/2017.848

 

 

 

Trata-se de denúncia formulada pela empresa ANCS DISTRIBUIDORA LTDA. - EPP, por meio de seu representante, Sr. Artedanio Silva Vieira, relatando suposta ocorrência de inadimplemento de despesa registrada nas notas fiscais de nºs 11923 (no valor de R$ 3.122,11) e 11942 (no valor de R$ 1.055,05), emitidas no exercício de 2015, durante a gestão do Prefeito Everaldo dos Santos (fl. 02).

Ao receber os autos, a Diretoria de Controle dos Municípios, através do relatório nº 982/2016 (fls. 12-13), sugeriu o não conhecimento da denúncia por carecer de autenticidade de autoria e de indícios de prova da irregularidade.

Passo a examinar o feito.

Vale consignar que os requisitos formais de admissibilidade de denúncia estão previstos no art. 65, §1º da LC nº 202/2000 e nos arts. 95 a 99 do Regimento Interno do Tribunal de Contas (Resolução nº TC- 06/2001).

Em adição, cabe mencionar que a Resolução nº TC- 0120/2015[1], dentre outras alterações, modificou os artigos 96 a 98 do Regimento Interno.

Com a publicação da referida norma, previu-se que a denúncia somente deve ser conhecida se atender a todos os requisitos prescritos no art. 96 do Regimento Interno[2], não podendo a diretoria técnica competente, consoante exposto no parágrafo único do art. 97[3], suprir a ausência dos requisitos de admissibilidade por meio de diligência.

No entanto, em atendimento ao princípio do formalismo moderado e considerando que as exigências acima mencionadas poderiam ser facilmente saneadas, entendo que a falha não justifica a omissão de uma possível atuação do Tribunal de Contas.

Nesse sentido, cabe trazer à discussão excerto do voto proferido pelo Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior no processo DEN 16/00033692:

 

Extraio do relatório da área técnica (fl. 14v) que:

Evidencia-se a ausência do documento identificatório exigido do denunciante, sem que lhe caiba a baixa de diligência para suprir o vício detectado, segundo o parágrafo único do art. 97, RI, sob nova redação pela Resolução nº TC-0120/2015, por si mesmo, a fulminar a pretensão judicante.

No mesmo sentido manifestou-se o Ministério Público de Contas à fl. 17, ou seja, de que a ausência do documento oficial com foto do representante ensejaria o não conhecimento da representação.

Em razão disso, registro, por oportuno, que a melhor interpretação para a restrição à diligência prevista no parágrafo único do art. 97 do Regimento Interno não é aquela que impossibilita a solicitação de documento de identificação do denunciante com foto. Explico.

Assim dispõem os arts. 96[4] e 97[5] do Regimento deste Tribunal:

Art. 96. A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova da irregularidade e conter o nome legível do denunciante, sua qualificação, endereço e assinatura.

§ 1º A denúncia deve estar acompanhada dos seguintes documentos:

 I – se pessoa física, documento oficial de identificação do denunciante com foto;

II – se pessoa jurídica, os atos constitutivos, o comprovante de inscrição no CNPJ e documentos hábeis a demonstrar os poderes de representação, acompanhados de documento oficial com foto de seu representante.

§ 2º Recebida no Tribunal de Contas, a denúncia será autuada e encaminhada ao órgão de controle competente para exame.

§ 3º O Tribunal não conhecerá de denúncia que não observe os requisitos e formalidades prescritos neste artigo.

 § 4º A denúncia, uma vez acolhida, somente será arquivada por decisão fundamentada do Tribunal Pleno.

§ 5º Nos processos de denúncia, a ação do Tribunal de Contas restringirse-á à apuração dos fatos denunciados.

§ 6º Os processos concernentes à denúncia observarão, no que couberem, os procedimentos previstos para a fiscalização de atos e contratos.

Art. 97. O órgão de controle competente, no exame da admissibilidade, poderá requisitar informações ao denunciado, ao titular da unidade gestora ou ao seu órgão de controle interno, indicando as questões a serem esclarecidas e a documentação a ser apresentada, sem prejuízo do envio de outras informações e documentos que o demandado entender pertinentes.

Parágrafo único. A diligência prevista no ‘caput’ deste artigo não poderá suprir os requisitos de admissibilidade constantes do art. 96. (g.n.)

Note-se que o parágrafo único do art. 97 do referido Regimento faz referência ao seu caput, que trata de requisição de informações ao denunciado, ao titular da unidade gestora ou ao seu órgão de controle interno, ou seja, o destinatário da diligência. Em momento algum há vedação de solicitação de informação ao representante ou ao denunciante.

Assim sendo, caso houvesse indício de prova, tendo em vista os princípios da economia processual, da verdade material e do formalismo moderado, poderia a área técnica ter feito diligência (inclusive por contato telefônico) para fazer chegar aos autos o documento com foto do representante, evitando um arquivamento desnecessário por mero vício formal. Não se pode olvidar também que este Tribunal recebe até denúncias anônimas através de sua Ouvidoria[6].

Diante de todo o exposto, em concordância parcial com os termos do Relatório da DMU, bem como do Parecer do Ministério Público de Contas, deixo de conhecer a denúncia, por não atender às prescrições contidas no art. 65, §1º, da Lei Complementar (estadual) nº 202/2000, mais especificamente os indícios de prova da irregularidade.

 

Tem-se ainda a Decisão nº 525/2016, proferida pelo Tribunal Pleno, acolhendo o voto do Relator:

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Não conhecer da Denúncia em análise, por deixar de preencher os requisitos e formalidades preconizados no art. 65, § 1º, da Lei Complementar n. 202/2000, c/c art. 96, caput e § 4º do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, em razão da ausência de indícios de prova de irregularidade.

6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, do Relatório de Instrução DMU n. 968/2016 e do Parecer n. MPTC/41698/2016, ao Interessado nominado no item 3 desta deliberação, através de seu representante legal, e à Prefeitura Municipal de Laguna.

6.3. Determinar o arquivamento do Processo.

7. Ata n.: 49/2016

8. Data da Sessão: 25/07/2016 – Ordinária [grifei]

 

Para corroborar, cabe ainda trazer à colação a Decisão nº 0215/2016, proferida nos autos da REP 16/00003190[7]:

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1°, inciso XVI, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Conhecer da Representação no tocante aos fatos descritos no expediente de fs. 48-49 dos autos, por preencher os requisitos e formalidades dos arts. 113, § 1º, Lei n. 8.666/1993 e 24 da Instrução Normativa n. TC-021/2015.

6.2. Fixar o prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para que o Representante apresente, nos termos do art. 24, II, da Instrução Normativa n. 021/2015, cópia do comprovante de inscrição e atos constitutivos, documentos hábeis a demonstrar os poderes de representação, bem como documento oficial com foto de seu representante.

 

Consoante relatado acima, a falta de documentação relativa à identificação do denunciante poderia ser suprida pela Corte.

No que concerne aos indícios de prova, foi acostado ao feito um ofício de notificação emitido pela empresa ANCS DISTRIBUIDORA LTDA. - EPP, em 21/12/2015, ao Sr. Everaldo dos Santos (então Prefeito Municipal de Laguna), solicitando o adimplemento das Notas Fiscais de nºs 11923 e 11942, respectivamente nos valores de R$ 3.122,11 e 1.055,05 (fl. 02). Foi apresentado, ainda, um relatório denominado “relatórios de títulos em aberto” (documento de fl. 04), elaborado pela própria empresa.

A denunciante juntou também as cópias dos canhotos das notas fiscais (documento de fl. 03) que podem indicar a liquidação de despesas[8].

Ademais, foi efetuada consulta ao Sistema e-Sfinge e identificou-se a liquidação do crédito[9] ora reclamado, corroborando a materialidade da denúncia (fl. 08).

Observa-se que a Administração Municipal providenciou o pagamento do referido crédito em favor da denunciante em 30/12/2015, antes da protocolização da presente demanda.

Em que pese o adimplemento (conforme faz prova o documento de fl. 10), entendo que o fato denunciado pode configurar desrespeito à ordem cronológica da exigibilidade dos pagamentos.

 Destaca-se que se o gestor público efetuar o pagamento de outra despesa constituída posteriormente à data da exigibilidade do título já vencido, restará caracteriza a violação ao artigo 5º da Lei nº 8.666/93, podendo inclusive incorrer no ilícito penal previsto no art. 92 da mesma Lei.

 

Art. 5º da Lei nº 8.666/93:

Art. 5º. Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

 

Art. 92 da Lei nº 8.666/93:

Art. 92.  Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: 

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. 

Parágrafo único.  Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

 

Por oportuno, vale ressaltar que o desrespeito à ordem cronológica da exigibilidade dos pagamentos sujeita a autoridade competente à penalidade de multa prevista no art. 70, inciso II da Lei Complementar nº 202/2000.

Assim, pelo fato de haver documentos indicando a materialidade da pretensa irregularidade, manifesto-me pelo conhecimento da presente denúncia e por determinar à área técnica que realize diligências a fim de averiguar a possível quebra da ordem cronológica de exigibilidade no âmbito da Prefeitura Municipal de Laguna.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pelo conhecimento da presente denúncia e pela realização das diligências necessárias para averiguar a possível quebra da ordem cronológica de exigibilidade.

Florianópolis, 28 de agosto de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas



[1] Publicada em 12.11.2015.

[2] Art. 96. A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova da irregularidade e conter o nome legível do denunciante, sua qualificação, endereço e assinatura. (Redação dada pela Resolução N.TC-0120/2015 – DOTC-e de 12.11.2015)

§ 1º A denúncia deve estar acompanhada dos seguintes documentos:

I – se pessoa física, documento oficial de identificação do denunciante com foto;

II – se pessoa jurídica, os atos constitutivos, o comprovante de inscrição no CNPJ e documentos hábeis a demonstrar os poderes de representação, acompanhados de documento oficial com foto de seu representante.

[3] Art. 97. O órgão de controle competente, no exame da admissibilidade, poderá requisitar informações ao denunciado, ao titular da unidade gestora ou ao seu órgão de controle interno, indicando as questões a serem esclarecidas e a documentação a ser apresentada, sem prejuízo do envio de outras informações e documentos que o demandado entender pertinentes.

Parágrafo único. A diligência prevista no ‘caput’ deste artigo não poderá suprir os requisitos de admissibilidade constantes do art. 96. (Grifou-se)

[4] Redação dada pela Resolução N.TC-0120/2015 – DOTC-e de 12.11.2015.

[5] Redação dada pela Resolução N.TC-0120/2015 – DOTC-e de 12.11.2015.

[6] Res. TC 28-2008. Art. 6º O cidadão poderá apresentar sua comunicação pertinente à demanda ou informação em anônimo ou solicitar o seu sigilo.

[7] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. REP 16/00003190. Relator: Júlio Garcia. J: 16/05/2016. Acesso em 19/04/2017.

[8] Na cópia do canhoto referente à Nota Fiscal nº 11942 consta apenas o nome do Sr. Machado. Na cópia do canhoto referente à Nota Fiscal nº 11923 consta o carimbo da Prefeitura e a assinatura do Sr. José Wanderlei M. Amador.

[9] Referente à aquisição de material de limpeza e produtos de higienização, conforme Pregão Presencial nº 06/2015 e Contrato Administrativo nº 45/2015. Acesso em 21 de agosto de 2017.