Parecer nº:

MPC/40.860/2016

Processo nº:

TCE 11/00191302

Origem:

Município de Mafra

Assunto:

Irregularidades nos exercícios de 1999 a 2002

Numeração única:

MPC-SC 2.3/2017.860

 

 

Trata-se de processo autuado em decorrência de determinação exarada no Acórdão nº 55/2011, item 6.4, do processo TCE 01/03711767, com vistas a apurar irregularidades constatadas durante a inspeção in loco realizada pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Mafra.

A conversão do feito em Tomada de Contas Especial foi determinada pela Decisão nº 1223/2015, publicada no DOE 1796 de 23/09/2015, quando também se definiu a responsabilidade solidária do Sr. Carlos Roberto Scholze, ex-Prefeito Municipal no exercício de 2001-2004, da Sra. Veridiana Konkel Bertoldi, ex-Secretária Municipal de Finanças de 2001-2002, e do Sr. Roberto Kredens, ex-Secretário Municipal de Administração de 2002, bem como se determinou a citação destes para se pronunciarem a respeito das irregularidades apuradas (fl. 2225).

Com relação ao Sr. Roberto Kredens, juntou-se certidão de óbito noticiando o falecimento do gestor em 05/01/2013 (fl. 2239). Já a Sra. Veridiana ofereceu sua defesa, seguida de documentação, às fls. 2242-2273. O Sr. Carlos Roberto foi citado por edital e permaneceu revel.

A Diretoria de Controle dos Municípios encaminhou sugestão de voto ao Relator nos seguintes termos (fls. 2277-2284):

 

3.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, „c, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial.

3.2. Condenar solidariamente os responsáveis, Sr. Carlos Roberto Scholze – ex-Prefeito Municipal nos exercícios de 2001/2004, CPF 310.806.349-91, residente à Rua Oscar Amadeu Scholze, s/n, Centro, Mafra/SC, CEP 88.300-000, e Sra. Veridiana Konkel Bertoldi, ex-Secretária Municipal de Finanças, nos exercícios de 2001/2002, CPF 948.012.159-04, residente à Rua Caingas, nº 90, Bairro Garcia, Blumenau/SC, CEP 89.021- 065, ao pagamento dos débitos abaixo especificados e/ou multas nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhes prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico DOTC-e, para comprovar perante o Tribunal de Contas o recolhimento do montante aos cofres públicos, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais, calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, conforme art. 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial nos termos do art. 43, II do mesmo diploma legal.

3.2.1. Dano ao erário municipal no montante de R$ 9.980,00 (nove mil, novecentos e oitenta reais) em razão da ausência de comprovação da aplicação de 20 toneladas de emulsão asfáltica RM-1C, adquirida pelo Município em volume superior ao necessário para atender as localidades beneficiadas, não se comprovando a relação entre a quantidade adquirida com a necessidade prevista em projeto específico, com afronta ao art. 15, § 7º, II, da Lei Federal nº 8.666/93, e ausência de controle físico-financeiro com relação ao cumprimento do programa de trabalho, em descumprimento ao art. 75, III, da Lei Federal nº 4.320/64, bem como os arts. 62 e 63 da mesma lei, caracterizando ainda, irregularidade tipificada como ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado, capitulado no art. 15, § 3º, I, da Lei Complementar Estadual nº 202/00 de 15/12/00 (itens 2.1, deste Relatório);

3.2.2. Dano ao erário municipal no montante de R$ 282,22 (duzentos e oitenta e dois reais e vinte e dois centavos) em decorrência de despesas com veiculação de matéria relacionada à resposta de natureza político-partidária e estranha às finalidades precípuas da publicidade, conforme disposto no art. 37, § 1º, da CRFB/88, em afronta ao mesmo, bem como, caracterizando irregularidade tipificada como ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado, capitulado no art. 15, § 3º, I, da Lei Complementar Estadual nº 202/00 de 15/12/00 (item 2.2, deste Relatório).

3.3. Condenar o Sr. Carlos Roberto Scholze - ex- Prefeito Municipal nos exercícios de 2001/2004, CPF 310.806.349-91, residente à Rua Oscar Amadeu Scholze, s/n, Centro, Mafra/SC, CEP 88.300-000, ao pagamento dos débitos abaixo especificados e/ou multas nos termos do art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhes prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico DOTC-e, para comprovar perante o Tribunal de Contas o recolhimento do montante aos cofres públicos, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais, calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, conforme art. 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial nos termos do art. 43, II do mesmo diploma legal.

3.3.1. Dano ao erário municipal no montante de R$ 31.463,80 (trinta e um mil, quatrocentos e sessenta e três reais e oitenta centavos) em razão da ausência da comprovação da aplicação de 48,91 toneladas de emulsão asfáltica RM-1C, no exercício de 2002, uma vez que há contradição dos argumentos utilizados para justificar a rescisão do contrato nº 090/02 e as provas documentais apresentadas, não se verificando a relação entre a quantidade adquirida com a necessidade prevista em projeto específico, com afronta ao art. 15, § 7º, II, da Lei Federal nº 8.666/93, e ausência de controle físico-financeiro com relação à aplicação do volume supostamente adquirido, em afronta ao art. 75, III, da Lei Federal nº 4.320/64, bem como os arts. 62 e 63 da mesma lei, podendo caracterizar ainda irregularidade tipificada como ato de gestão ilegítimo ou antieconômico injustificado, capitulado no art. 15, § 3º, I, da Lei Complementar Estadual nº 202/00 de 15/12/00 (item 2.3).

3.4. Aplicar multa ao Sr. Carlos Roberto Scholze - ex- Prefeito Municipal nos exercícios de 2001/2004, com fundamento no art. 69, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares abaixo, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

3.4.1. Cessão de uso do bem público, referente ao uso de veículo Fiat Uno, placas MBI 1873, para uso pessoal dos vereadores Luiz Cláudio Rodrigues e Vanderlei Zipperer, caracterizando afronta ao art. 123 da Lei Orgânica do Município (item 2.4, deste Relatório).

3.5. Dar ciência da decisão aos responsáveis Srs. Carlos Roberto Scholze e Veridiana Konkel Bertoldi.

 

É o relatório.

Faz-se necessário tratar, antes de adentrar na análise do feito, acerca do falecimento do Sr. Roberto Kredens, ex-Secretário Municipal de Administração (exercício de 2002), e da constatação de dano ao erário.

Primeiramente, impõe-se enfatizar que a jurisdição do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina abrange os herdeiros dos administradores e responsáveis, os quais devem responder pelos débitos do falecido perante a Fazenda Pública, até a parte que na herança lhes couber (art. 6º, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000).

Não constitui demasia relembrar, também, que o ressarcimento ao erário tem cunho indenizatório e incide na esfera patrimonial do de cujus, pois o seu escopo é a reparação do prejuízo causado aos cofres públicos.

A esse respeito, cabe trazer à colação os ensinamentos de Mônica Nicida Garcia[1]:

 

É, pois, a reparação ou o ressarcimento do dano o pagamento de uma indenização, o que se obtém ou se procura obter quando se invoca a incidência da esfera de responsabilidade civil. Trata-se de responsabilidade patrimonial. Quando se fala em responsabilidade civil, portanto, não se fala em aplicação de sanção ou penalidade. A reparação do dano, efetivamente, não pode ser tida como sanção. É que a sanção ou pena deve ter um efeito aflitivo que imponha sofrimento ou dor àquele sobre quem é aplicada. É, em última análise, um castigo. E dessas características, não se reveste o ressarcimento de dano, consequência da responsabilização civil.

 

Partindo dessa premissa, percebe-se que, desde que respeitado o princípio do devido processo legal, pode a Administração Pública buscar reaver os valores atinentes aos prejuízos causados ao erário, ainda que tenha ocorrido o falecimento do responsável.

Nota-se que, nesse caso, a obrigação de reparar o dano é estendida aos sucessores e contra eles executada, até o limite do patrimônio transferido (art. 5º, inciso XLV, CRFB/1988).

Nesse passo, vale citar a dicção do art. 1997 do Código Civil brasileiro:

 

Art. 1997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe couber.

 

Ao encontro disso, convém aduzir que a doutrina é uníssona ao tratar da possibilidade de alcance de bens do de cujus para adimplir dívidas por ele deixadas, o que pode ser observado através da lição de Sílvio Rodrigues:

 

É conhecida a regra de que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Ora, sendo a herança o acervo de bens que constitui o patrimônio do finado, é natural que deva responder por seus débitos. (...)

Antes da partilha, o acervo total deixado pelo de cujus responde pelo pagamento das dívidas (CC, art. 1.997, 1ª parte).

Entretanto, ultimada a partilha, a herança, como tal, desaparece. Esse ato, contudo, não pode frustrar o direito dos credores, que só se extingue pelo pagamento ou pela prescrição. Portanto, os credores podem, mesmo depois da partilha, exigir dos herdeiros, proporcionalmente, o pagamento dos créditos que tenham contra o falecido (CC, art. 1.997, 2ª parte).

Realmente, a partilha é feita aos herdeiros na presunção de que os bens partilhados pertencem ao espólio, pois não há mais dívidas. Se, todavia, é o contrário que se verifica, já que remanesceram débitos a ser resgatados, o dever de resgatá-los se transmite aos herdeiros. Estes, em tese, representam a pessoa do finado. A eles se impõe o dever de pagar as dívidas que deviam ser pagas por seu representado[2].

 

Nessa mesma linha de argumentação, acentue-se que, para o Tribunal de Contas da União, “a morte não implica a extinção das obrigações do falecido, cabendo ao espólio responder pelas suas dívidas. Não havendo a identificação de inventário e, por conseguinte, a nomeação de inventariante, a citação do espólio deve ser realizada na pessoa do administrador provisório, que é, primeiramente, o cônjuge supérstite, segundo a ordem estabelecida no art. 1.797 do Código Civil”[3].

Para sedimentar a questão, mostra-se oportuno transcrever os seguintes acórdãos exarados pelo TCU:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. OBRAS DE RECONSTRUÇÃO DE PONTES E BUEIROS NO MUNICÍPIO DE APIACÁS/MT. EXECUÇÃO PARCIAL. CITAÇÃO. FALECIMENTO DE UM DOS RESPONSÁVEIS. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO SOLIDÁRIO. MULTA. REMESSA DE CÓPIAS.

1. Julgam-se irregulares as contas com imputação de débito ao espólio do responsável falecido, em face da execução parcial do objeto conveniado.

2. O espólio, ou os sucessores, conforme o caso, respondem solidariamente pelo débito deixado pelo de cujus, até o limite do valor do patrimônio que lhes for transferido.

3. O contratado responderá solidariamente pelo débito apurado, em caso de comprovada apropriação indevida dos recursos federais calculados pela diferença entre os valores recebidos e o montante equivalente aos serviços efetivamente executados.

4. A penalidade de multa não se transfere aos sucessores do responsável falecido, ante seu caráter personalíssimo, sendo causa de extinção da punibilidade a morte ocorrida em data anterior à prolação do acórdão condenatório[4]. (Grifou-se)

 

E:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO. RECUPERAÇÃO DE CASAS POPULARES. INEXECUÇÃO TOTAL DO OBJETO INICIALMENTE PACTUADO. NÃO COMPROVAÇÃO DA CORRETA APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS. CITAÇÃO DO RESPONSÁVEL E DA EMPRESA EXECUTANTE. FALECIMENTO DO GESTOR. CITAÇÃO DOS HERDEIROS. ACOLHIMENTO DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA DA EMPRESA. EXCLUSÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. ALEGAÇÕES DE DEFESA DOS HERDEIROS DO GESTOR IMPROCEDENTES. CONTAS IRREGULARES COM IMPUTAÇÃO DE DÉBITO[5]. (Grifou-se)

 

Ainda:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO FIRMADO PELO MINISTÉRIO DO TURISMO. CITAÇÃO PELA NÃO COMPROVAÇÃO DA BOA E REGULAR APLICAÇÃO DOS RECURSOS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA EXECUÇÃO DO OBJETO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE BANDAS POR INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTAS IRREGULARES. FALECIMENTO DO RESPONSÁVEL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA. CONDENAÇÃO EM DÉBITO DO HERDEIRO.

1. O ônus de comprovar a regularidade da integral aplicação dos recursos públicos ao objeto do convênio compete ao gestor ou, no caso de falecimento deste, ao representante do seu espólio, por meio de documentação idônea, que demonstre, de forma efetiva, os gastos efetuados e o nexo de causalidade entre as despesas realizadas e os recursos federais recebidos.

2. Para a caracterização da hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, inciso III, da Lei 8.666/1993, é necessária a apresentação do contrato de exclusividade entre os artistas e o empresário contratado, registrado em cartório, não bastando para tanto a autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas.

3. No caso de falecimento do responsável, a obrigação de reparar o dano recai sobre o espólio ou, caso consumada a partilha, sobre os seus sucessores.

 4. A penalidade de multa não se transfere aos sucessores do responsável falecido, ante seu caráter personalíssimo, sendo causa de extinção da punibilidade a morte ocorrida em data anterior à prolação do acórdão condenatório[6]. (Grifou-se)

 

A par disso, nota-se que no caso de falecimento do responsável, a obrigação de reparar o dano recai sobre o espólio ou, caso consumada a partilha, sobre os seus sucessores, até o limite do valor do patrimônio que lhes for transferido.

Assentada essa posição, é importante comentarmos ainda acerca da consequência jurídica decorrente do falecimento do responsável em momento anterior à citação.

É cediço que, no âmbito do Tribunal de Contas, a regra geral é que a citação seja realizada em face da própria pessoa que deu causa ao surgimento da demanda, conjugando, assim, o pressuposto subjetivo (capacidade de ser parte) com o pressuposto objetivo de validade do processo (citação válida).

No entanto, existem situações em que não é possível a citação do próprio responsável, a exemplo do caso em que há o seu óbito. 

À vista dessa problemática – falecimento do responsável antes da citação –, duas correntes doutrinárias surgiram no intento de encontrar o melhor deslinde para tal conjuntura fática.

Ressalte-se, desde já, que o assunto é deveras controvertido, sendo que no âmbito do próprio Tribunal de Contas da União não há uma posição sedimentada.

Com efeito, anote-se que Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[7] defende o posicionamento de que o falecimento do responsável em momento anterior à citação poderá implicar em arquivamento do processo, por ausência do pressuposto de desenvolvimento válido e regular.

Nesse sentido, vislumbram-se algumas decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União, o que pode ser corroborado através dos seguintes acórdãos:

 

Acórdão 2214/2016

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO. IMPUGNAÇÃO TOTAL DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. CITAÇÃO. FALECIMENTO DO RESPONSÁVEL. IMPEDIMENTOS AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. ARQUIVAMENTO[8].

 

Acórdão nº 3527/2015

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. CONVÊNIO PARA CONSTRUÇÃO DE ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL. SUPERFATURAMENTO E PAGAMENTOS POR SERVIÇOS NÃO REALIZADOS. FALECIMENTO DO RESPONSÁVEL ANTES DO SEU CHAMAMENTO AOS AUTOS. CITAÇÃO DO ESPÓLIO APÓS 16 (DEZESSEIS) ANOS DA OCORRÊNCIA DOS FATOS. PRESUNÇÃO RELATIVA DA EXISTÊNCIA DE ÓBICES AO EXERCÍCIO PLENO DO DIREITO DE DEFESA. POSSIBILIDADE ADMITIDA EM CARÁTER EXCEPCIONAL ANTE A PECULIARIDADE DO CASO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR[9].

 

A propósito, acrescente-se que, ao analisar várias decisões do Tribunal de Contas da União que examinam o assunto, percebe-se que um dos fundamentos suscitados para arquivar os autos remonta ao longo lapso temporal entre a data da irregularidade e uma eventual citação dos sucessores do responsável.

Na esteira de tal raciocínio, impende comentar que a Corte de Contas da União faz um exame das particularidades de cada caso concreto, o que nos impede afirmar, portanto, que os autos processuais deverão sempre ser arquivados quando o óbito do responsável ocorrer em momento anterior à citação.

Por outro lado, há quem sustente que, mesmo havendo o falecimento do responsável, não há óbice ao desenvolvimento válido e regular do processo, pois, no entender dessa corrente, os sucessores podem integrar a relação jurídico-processual.

Ainda que existam acórdãos no âmbito do TCU que determinam o arquivamento dos autos diante do contexto aqui apresentado, cabe assinalar que o próprio TCU, através da Resolução nº 170/2004, dispôs que, havendo a notícia do falecimento do responsável nos autos, compete à unidade técnica adotar providências para identificar o inventariante ou os sucessores, senão vejamos:

 

Art. 6º Na hipótese de os Correios informarem que o destinatário:

I - é falecido, caberá à unidade remetente identificar o inventariante, ou os sucessores, mediante solicitação de auxílio:

a) à unidade jurisdicionada ou órgão de controle interno ao qual esteja vinculado o destinatário ou o processo;

b) ao Poder Judiciário na Comarca de domicílio do falecido;

 

Ao encontro disso, a Resolução nº 170/2004 do Tribunal de Contas da União, com redação dada pela Resolução nº 235/2010[10], na seção em que trata “Dos Destinatários das Comunicações” prescreve:

 

Dos Destinatários das Comunicações

Art. 18-A. As comunicações serão dirigidas ao responsável, ou ao interessado, ou ao dirigente de órgão ou entidade, ou ao representante legal ou ao procurador constituído nos autos, com poderes expressos no mandato para esse fim. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

Parágrafo único. No caso de responsável falecido, as comunicações serão encaminhadas: (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

I – ao espólio, enquanto não homologada a partilha de bens entre os herdeiros, na pessoa do administrador provisório da herança ou do inventariante, se já tiver sido nomeado; (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

II – aos herdeiros, após a homologação da partilha de bens. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

Art. 18-B. As citações e as notificações serão renovadas em nome do espólio ou dos herdeiros, caso o falecimento do responsável tenha ocorrido antes ou durante o prazo anteriormente concedido ao destinatário. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

§ 1º Vencido o prazo de alegações de defesa em momento anterior ao falecimento, tem-se como válida a citação efetivada na pessoa do responsável. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

§ 2º Transcorrido o prazo para interposição de recurso com efeito suspensivo em momento anterior ao falecimento, tem-se como válida a notificação enviada ao responsável, cabendo à unidade competente: (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

I – certificar o trânsito em julgado do acórdão condenatório; (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

II – dar ciência ao espólio, ou aos herdeiros, do objeto tratado nos autos e do resultado do julgamento; (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010)

III – adotar as providências necessárias à promoção da cobrança executiva da dívida, na forma determinada pelos normativos internos específicos. (AC)(Resolução-TCU nº 235, de 15/09/2010, BTCU 36/2010, DOU de 20/09/2010) (Grifos no original e grifos meus)

 

À luz dessa orientação, a Corte de Contas da União prolatou os seguintes acórdãos:

 

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO DECORRENTE DE TRANSAÇÕES BANCÁRIAS FRAUDULENTAS. CONTAS IRREGULARES. SOLIDARIEDADE. DÉBITO. MULTA. FALECIMENTO DE RESPONSÁVEL ANTES DA CITAÇÃO. NULIDADE DE PONTOS DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. CITAÇÃO DOS SUCESSORES.

Comprovado que o responsável, julgado à revelia, era falecido antes mesmo da citação, cumpre a decretação de insubsistência dos dispositivos referentes à sua condenação ao pagamento de débito e apenação com multa, renovando-se, no primeiro caso, a abertura de prazo para defesa àqueles que têm interesse sobre o patrimônio deixado[11].

 

Acórdão nº 5917/2016

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIOS. REVELIA DE UM DOS RESPONSÁVEIS. ALEGAÇÕES DE DEFESA DE OUTRO RESPONSÁVEL REJEITADAS POR MEIO DO ACÓRDÃO 3889/2014-2ª CÂMARA. INFORMAÇÃO DE QUE O RESPONSÁVEL REVEL JÁ HAVIA FALECIDO À ÉPOCA EM QUE LHE FOI DIRIGIDO O OFÍCIO CITATÓRIO. NULIDADE DO ITEM 9.1 DO ACÓRDÃO 3889/2014-2ª CÂMARA E NECESSIDADE DE REFAZIMENTO DA CITAÇÃO, NA PESSOA DO ESPÓLIO[12].

 

Como se pode observar, o assunto gera decisões em sentidos diversos, do que se denota que as particularidades de cada caso devem ser analisadas antes de adotada uma conclusão.

Não se pode afirmar, de pronto, que a morte do responsável antes da sua citação gera o arquivamento do caderno processual ou afasta a obrigatoriedade de recomposição do erário, pois isso depende de uma análise pormenorizada de cada conjuntura fática.

Nessa linha de raciocínio, faz-se oportuno citar, a título de exemplo, alguns requisitos a serem observados em processos que possuam essa particularidade: a) lapso temporal entre a data da irregularidade e data do julgamento das contas; b) conduta (dolosa/culposa) do responsável pelas contas; c) existência de mais responsáveis no processo; d) constatação de enriquecimento ilícito.

Apostas as minhas considerações sobre o assunto, passo a analisar a situação fática trazida à baila.

Nota-se, no caso sob exame, que a inspeção realizada pela área técnica buscou apurar irregularidades praticadas nos exercícios de 1999 a 2002 nos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Mafra.

Constatou-se a ausência de comprovação de aplicação de 48,91 toneladas de emulsão asfáltica RM-1C, no exercício de 2002, prática irregular atribuída ao Sr. Roberto Kredens solidariamente com o Sr. Carlos Roberto Scholze, correspondente ao débito de R$ 31.463,80.

Os atos questionados, portanto, ocorreram há cerca de quinze anos, fato este que prejudicaria o exercício do contraditório e da ampla defesa pelos sucessores do falecido.

Deve-se acrescentar, ainda, que o feito encontra-se em adiantada fase processual, pronto para julgamento de mérito. A realização de nova citação nesse momento, deste modo, torna-se ainda mais questionável, visto que posterga o deslinde do feito e, consequentemente, a recomposição dos cofres públicos.

Assim, em virtude do longo lapso temporal decorrido entre os fatos apontados como irregulares e o julgamento deste feito, bem como em razão do já alongado trâmite processual, entendo que não devem ser citados os sucessores do responsável.

Superado esse ponto, passo a analisar a responsabilidade dos demais envolvidos.

O Sr. Carlos Roberto Scholze foi apontado como responsável pelo débito de R$ 31.463,80 – em razão da ausência de comprovação de aplicação de 48,91 toneladas de emulsão asfáltica RM-1C, no exercício de 2002 – e pela cessão de uso do bem público referente ao veículo Fiat Uno, placas MBI 1873, para uso pessoal dos vereadores Luiz Cláudio Rodrigues e Vanderlei Zipperer.

O Sr. Carlos Roberto Scholze foi ainda apontado como responsável, juntamente com a Sra. Veridiana Konkel Bertoldi, pelo débito de R$ 9.980,00 referente à ausência de comprovação de aplicação de 20 toneladas de emulsão asfáltica, a qual foi adquirida pelo Município em volume superior ao necessário para atender algumas localidades.

Apesar de devidamente citado, o Sr. Carlos não apresentou sua defesa, devendo ser a ele aplicados os efeitos da revelia.

A Sra. Veriana, por sua vez, manifestou-se informando que o exercício do cargo de Secretária de Finanças não guarda qualquer relação com os danos a ela imputados, visto que dentre suas atribuições não está a solicitação de materiais e a fiscalização de sua destinação, tampouco a quantificação dos materiais destinados a obras ou ao estoque da Prefeitura, limitando-se à análise da dotação orçamentária e à realização de pagamentos, diante da pertinência da documentação apresentada (fl. 2243).

Arguiu que a ela não caberia fazer uma análise subjetiva da conveniência ou necessidade de materiais, função esta que seria da Secretaria de Obras e Serviços. Em seguida, juntou cópia da Nota Fiscal referente às 20 toneladas de emulsão asfáltica, do comprovante de recebimento do Chefe da Divisão da Secretaria de Obras e Serviços Públicos e da Nota de Empenho.

Os dois gestores também foram responsabilizados pela despesa de R$ 282,22 relativa à veiculação de matéria de natureza político-partidária no jornal Gazeta de Riomafra, por meio da qual o então prefeito se defendeu de ataques de membros de outros partidos e promoveu o seu mandato (fls. 531-532).

A Sra. Veridiana informa que exerceu apenas a atividade administrativa de confeccionar o ofício para envio do material publicitário, sem atribuição de contestar ou corrigir o texto encaminhado por outra Secretaria, a de Comunicação Social. Não seria cabível, a seu ver, responsabilizá-la pelo conteúdo da mensagem (fl. 2247). 

Ao cotejar os autos, nota-se que a ordem de compra dos volumes de emulsão asfáltica e o contrato foram assinados pela gestora na mesma data, ensejando o fornecimento do material e acarretando sua responsabilização pela irregularidade apontada.

O mesmo se pode dizer a respeito da despesa com publicidade indevida, visto que foi a responsável que enviara Ofício ao jornal solicitando a divulgação do material (fl. 530).

Verifica-se, desta forma, que a Sra. Veridiana contribuiu para a ocorrência dos gastos tidos por irregulares, mediante atos administrativos que apontam para esta conclusão, fazendo com que sua responsabilidade solidária seja mantida.

Diante destas considerações e dos documentos extraídos dos autos, entende-se que as imputações de débito e multas subsistem.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, inciso II, da Lei Complementar no 202/2000, manifesta-se pelo acolhimento das conclusões exaradas pela área técnica.

Florianópolis, 24 de agosto de 2017.

 

Diogo Roberto Ringenberg

Procurador do Ministério

Público de Contas

 

 



[1] GARCIA, Mônica Nicida. Responsabilidade do agente político. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 184.

 

[2] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. Volume 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 331-332.

[3] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 020.809/2014-0, 2º Câmara. Rel. Augusto Nardes. J. em: 17 nov. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[4] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 022.192/2009-8, Segunda Câmara. Rel. Augusto Nardes. J. em: 05 maio 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[5] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 017.756/2011-1, 2ª Câmara. Rel. Augusto Nardes. J. em: 14 abr. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 012.096/2012-1, 1ª Câmara. Rel. Bruno Dantas. J. em: 03 mar. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[7] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. P. 635-636.

[8] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos nº 031.033/2013-0 (1ª Câmara). Rel. Weder de Oliveira. J. em: 05 abr. 2015. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em 21 jun. 2016.

[9] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos nº 020.312/2013-0 (Segunda Câmara). Rel. Augusto Nardes. J. em: 30 jun. 2016. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 21 jun. 2016.

[10] A Resolução nº 235/2010 do Tribunal de Contas da União altera as Resoluções-TCU nºs 164/2003, 170/2004 e 178/2005, para disciplinar os procedimentos a serem observados quando do falecimento de responsável.

[11] BRASIL, Tribunal de Contas da União. TC 974420047, Plenário. Rel. Marcos Vinicius Vilaça. J. em: 28 maio 2008. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 29 abr. 2016.

[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos nº 021.496/2013-7 (2ª Câmara). Rel. Ana Arraes. J. em: 17 maio 2016. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 21 jun. 2016.