PARECER nº:

MPTC/51363/2017

PROCESSO nº:

RLA 14/00492669    

ORIGEM:

Fundo Rotativo da Penitenciária Sul

INTERESSADO:

 

ASSUNTO:

Auditar as aplicação de recursos do Fundo Rotativo da Penitenciária de Florianópolis, e demais Fundos, noticiadas da REP 13/00696807 e no PDA 13/00707930.

 

 

 

 

Trata-se de auditoria ordinária in loco realizada no Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, executada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual com o objetivo geral de apurar possíveis irregularidades na aplicação de recursos do Fundo durante o exercício de 2013 (e eventualidades de 2012 e 2014), conforme noticiado nos processos REP n. 13/00696807 e PDA n. 13/00707930.

À fl. 7 dos autos consta o Ofício n. TCE/DCE/AUD. 14.292/2014, por meio do qual os auditores fiscais de controle externo credenciados à auditoria foram apresentados ao Sr. Deiveison Querino Batista, então Diretor da Penitenciária Sul.

À fl. 8 consta a Matriz de Planejamento, contendo as seguintes questões de auditoria: 1) as despesas relativas à aplicação dos recursos decorrentes do trabalho dos reeducandos, pertencentes ao Fundo Rotativo estão sendo realizadas de acordo com a legislação vigente?; 2) o Fundo Rotativo está realizando adequadamente a arrecadação de suas receitas?; 3) o controle interno realizou auditoria ou análise nos registros e demonstrações contábeis relacionados à origem e aplicação de recursos, na execução orçamentária?

As informações requeridas constituíram-se de notas de empenho; ordens bancárias; documentos comprobatórios da despesa pública; registros contábeis e informações gerenciais do Fundo acerca da arrecadação; documentos utilizados como suporte para os registros contábeis e as informações gerenciais; relatórios ou pareceres das auditorias realizadas no período; atuação do controle interno nas atividades e processos; e relatório de controle interno.

Em seguida, foram juntados os documentos constantes às fls. 9-392, divididos da seguinte maneira: “Representação” (fls. 9-42); “Demonstrativos das Receitas e Despesas” (fls. 43-65); “Despesas realizadas com o Departamento Administração Prisional” (fls. 66-103v); “Despesas realizadas com aquisição de uniformes para os servidores da Penitenciária Sul – Exercício de 2014” (fls. 104-144); “Despesas realizadas com aquisição de uniformes para os servidores da Penitenciária Sul – Exercício 2013” (fls. 145-280); “Despesas realizadas com aquisição de uniformes para os servidores da Penitenciária Sul – Presídio Regional de Araranguá – Exercício de 2012” (fls. 281-344); “Veículos da Penitenciária Sul – Unidades Avançadas de Imbituba e Laguna – Presídio Regional de Criciúma – Tubarão – Araranguá” (fls. 345-356); “Irregular cálculo dos valores devidos aos reeducandos em razão de serviços prestados” (fls. 357-359); “Ausência de evidenciação contábil dos recursos depositados em contas correntes bancárias destinados às remunerações dos detentos” (fls. 360-385v); “Não exploração das potencialidades de geração de receita” (fls. 386-390); e “Ausência de Controle Interno” (fls. 391-392).

Às fls. 393-399 foram acostadas as “Matrizes de Achados e de Responsabilização”.

Em seguida, foram juntados os “Termos de Cooperação firmados com as empresas Preservale Saneamento Ambiental Ltda. ME; IBRAP Indústria de Alumínio e Plásticos S/A; Município de Forquilhinha; Município de Criciúma; Município de Araranguá; Salvaro Ind. e Comércio de Madeiras Ltda.; SG Construções; e Transporte Cavera Ltda. EPP” (fls. 400-470.

Após a juntada dos documentos de fls. 9-470, conforme mencionado acima, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apresentou o Relatório DCE n. 502/2014 (fls. 471-495), em cuja proposta de encaminhamento sugeriu a audiência dos responsáveis pelas irregularidades então identificadas.

À fl. 495v, o Relator manifestou-se de acordo pela realização de audiência.

A Sra. Soraya Costa Elias, então Contadora do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, foi notificada por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.329/2014 (fl. 496). O termo de recebimento consta à fl. 506.

O Sr. Everaldo Elias Vieira, então Contador do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, foi notificado por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.330/2014 (fl. 497). O respectivo Aviso de Recebimento consta à fl. 508.

O Sr. Sadi Beck Júnior, então Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, foi notificado por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.328/2014 (fl. 498). O termo de recebimento consta à fl. 505.

O Sr. Arlindo Pagnan, então Gerente de Atividades Laborais da Penitenciária Sul, foi notificado por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.327/2014 (fl. 499). O respectivo Aviso de Recebimento consta à fl. 507.

A Sra. Ada Lili Faraco de Luca, então Secretária de Estado da Justiça e Cidadania, foi notificada por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.326/2014 (fl. 500). O termo de recebimento consta à fl. 504.

O Sr. Leandro Antônio Soares Lima, então Diretor do Departamento de Administração Prisional, foi notificado por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.325/2014 (fl. 501). O termo de recebimento consta à fl. 503.

O Sr. Deiveison Querino Batista, então Diretor da Penitenciária Sul, foi notificado por meio do Ofício TCE/DCE n. 20.324/2014 (fl. 502). O respectivo Aviso de Recebimento consta à fl. 508.

Após as referidas notificações, os Srs. Sady Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca apresentaram solicitação de prorrogação do prazo de apresentação de defesa por 30 dias, a qual restou deferida à fl. 509, sendo o termo de deferimento, por sua vez, acostado às fls. 625-628. Frise-se que os responsáveis apontados não apresentaram resposta, conforme atestado à fl. 629, deixando, assim, transcorrer in albis os prazos legalmente previstos, tornando-se sujeitos aos efeitos da revelia dispostos no art. 15, § 2º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, c/c o art. 17, § 6º, da Resolução n. TC-06/2001.

O Sr. Leandro Antônio Soares Lima também obteve o deferimento da solicitação de prorrogação do prazo para apresentação de defesa (fls. 511-512). Posteriormente, apresentou justificativas de defesa às fls. 543-562 e juntou documentos às fls. 563-565.

O Sr. Everaldo Elias Vieira apresentou suas justificativas de defesa às fls. 514-524.

A Sra. Soraya Costa Elias apresentou suas justificativas de defesa às fls. 526-536.

O Sr. Deiveison Querino Batista apresentou solicitação de prorrogação do prazo para apresentação de defesa por 30 dias às fls. 538-539, a qual restou deferida à fl. 538. Após, obteve o deferimento de nova solicitação de prorrogação de prazo por mais 15 dias (fl. 567). Posteriormente, apresentou suas justificativas de defesa às fls. 578-597 e juntou documentos às fls. 598-623.

O Sr. Arlindo Pagnan apresentou solicitação de prorrogação do prazo para apresentação de defesa por 30 dias às fls. 541-542, e novamente à fl. 569, sendo ambas deferidas (fls. 541 e 569). Posteriormente, apresentou suas justificativas de defesa às fls. 571-576.

Após a apresentação das informações e documentos referidos, a Diretoria de Controle da Administração Estadual apresentou o Relatório DCE n. 002/2016 (fls. 630-657v), em cuja conclusão sugeriu a aplicação de multas aos responsáveis e fixou determinações e recomendações, nos seguintes termos (fls. 656v-657v):

3.1 CONHECER do relatório de auditoria realizada no Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, relativamente à análise das receitas e despesas atinentes ao trabalho dos reeducandos, para considerar irregulares estes atos, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000.

3.2 APLICAR aos responsáveis nominados nos itens abaixo, multa prevista no artigo 70, da Lei Complementar nº 202/2000 (estadual) c/c art. 109, II, do regimento Interno, fixando o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no DOTC-e, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, disposto nos arts. 43, II, e 71 da LC nº 202/2000:

3.2.1 senhores Deiveison Querino Batista, Diretor da Penitenciaria Sul, à época, CPF nº 005.758.309-99, residente a rua Joaquim Angelo, nº 218, Bairro Monte Castelo, Tubarão, SC, CEP 887025-70, Leandro Antônio Soares Lima, Diretor do Departamento de Administração Prisional, à época, CPF 588.019.369-15, residente a rua Sergio Candido, 214, casa, Carianos, Florianópolis, SC, CEP 88047-560,  Ada Lili Faraco De Luca, Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania., CPF n° 226.271.111-91, residente na Rua Dr. Jorge Luiz Fontes, n° 310, Centro, Florianópolis - SC, CEP n°88020-900, em face de:

3.2.1.1 realização de despesas com recursos do Fundo Rotativo da Penitenciária de Florianópolis, fora das finalidades previstas na Lei nº 5.455, de 29 de junho de 1978, e alterações posteriores, e no Decreto nº 2.312, de 15 de outubro de 1997(estadual) com alterações produzidas pelo Decreto estadual nº 132, de 12 de abril de 1999, no montante de R$ 44.747,40 (item 2.1 deste relatório);

3.3 DETERMINAR, no prazo a ser assentado por este Egrégio Tribunal, com fundamento no inciso IX do artigo 59 da Constituição Estadual de 1989 e o inciso XII do artigo 1º da Lei Complementar nº 202 (estadual), à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, na pessoa do seu representante legal, para que adote e comprove a este Tribunal as providencias adotadas, pelo que segue:

3.3.1 devolução do montante de R$ 44.747,40 corrigidos monetariamente, ao Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, por conta da realização de despesas que deveriam ser custeadas pelo Fundo Penitenciário de Santa Catarina – FUPESC, em atendimento a Lei nº 5.455, de 29 de junho de 1978, e alterações posteriores, e no Decreto nº 2.312, de 15 de outubro de 1997(estadual) com alterações produzidas pelo Decreto estadual nº 132, de 12 de abril de 1999 (itens 2.1 deste relatório);

3.3.2 promova alterações na legislação, especialmente no que se refere à regulamentação dos serviços realizados pelos apenados, estabelecendo critérios objetivos de cálculo dos valores devidos aos detentos em razão de serviços prestados nas unidades prisionais (item 2.4 deste relatório);

3.3.3 a abertura de contas correntes individualizadas em todo o sistema prisional para depósito do pecúlio (resultado do trabalho assalariado) dos apenados, em estrita observância à Lei nº 14.410, de 16 de abril de 2008 (estadual) (item 2.6 deste relatório);

3.4 DETERMINAR, no prazo a ser assentado por este Egrégio Tribunal, com fundamento no inciso IX do artigo 59 da Constituição Estadual de 1989 e o inciso XII do artigo 1º da Lei Complementar nº 202 (estadual), à Secretaria de Estado da Fazenda, na pessoa de seu representante legal, para que adote  providências, por meio da Diretoria de Contabilidade Geral – DCOG, para estabelecer procedimentos com vistas a realizar o registro contábil dos valores do pecúlio prisional pelo Fundo Rotativo da Penitenciária Sul (item 2.7 deste relatório).

3.5 RECOMENDAR à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania que adote providências pelo que segue:

3.5.1 realize estudos com vistas a garantir o ressarcimento das despesas com energia elétrica e água, pelas empresas conveniadas que se utilizam dos espaços internos das unidades prisionais, bem como o trabalho dos reeducandos para produção de mercadorias e/ou serviços (item 2.5 deste relatório);

3.5.2 verifique junto às unidades prisionais da real necessidade de postos de trabalho e adote providências para a realização de novos convênios com empresas interessadas para ofertar novos serviços dentro das Unidades Prisionais (item 2.8 deste relatório).

3.6 Dar ciência da Decisão, com remessa de cópia do presente Relatório e do Voto que a fundamentam, aos Responsáveis à época, Srs. Sadi Beck Junior, Leandro Antônio Soares Lima, Deiveison Querino Batista, Arlindo Pagnan, Soraya Costa Elias e Everaldo Elias Vieira, e a sra. Ada Lili Faraco de Luca, Secretária de Estado da Justiça e Cidadania.

Em seguida, vieram os autos a este Ministério Público de Contas para manifestação.

Note-se que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do órgão em questão está inserida entre as atribuições dessa Corte de Contas, consoante os dispositivos constitucionais, legais e normativos vigentes (arts. 70 e 71, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; arts. 58 e 59, inciso IV, da Constituição Estadual; art. 1º, inciso V, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000; e art. 8° c/c art. 6° da Resolução n. TC-06/2001).

Passa-se, assim, à análise das irregularidades levantadas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual.

1.     Irregularidades identificadas pelo Relatório DCE n. 502/2014

1.1.                Realização de despesas, no montante de R$ 44.747,40, com recursos do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, fora das finalidades previstas na Lei Estadual n. 5.455/78 e no Decreto Estadual n. 2.312/97, alterado pelo Decreto Estadual n. 132/99

O item 4.1.1.1 da proposta de encaminhamento e achado 1 do Relatório DCE n. 502/2014 identificou o pagamento de despesas[1] pelo Fundo Rotativo da Penitenciária Sul – nos exercícios de 2012, 2013 e 2014 – fora das finalidades previstas na legislação de regência da matéria, a qual determina expressamente que a receita dos fundos rotativos estaduais deve ser aplicada nos respectivos estabelecimentos prisionais.

Foram apontados como responsáveis pela irregularidade os Srs. Deiveison Querino Batista, Leandro Antônio Soares Lima e Ada Lili Faraco de Luca.

O responsável Deiveison Querino Batista iniciou suas justificativas afirmando (fl. 578) que o Fundo encontra-se sob a constante supervisão técnica da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, realizada através de sua Diretoria de Planejamento e Avaliação, especialmente pela Gerência de gestão de fundos. Alegou ter tratado de conhecer o ambiente e aprofundar seus conhecimentos específicos a fim de promover as mudanças de forma gradual, atendendo aos preceitos esperados pelos órgãos superiores e pela estrutura de controle.

Nesse sentido, argumentou (fl. 579) inexistir processo preparatório capaz de entregar à Administração Pública indivíduo apto a atuar em diversos e complexos ambientes prisionais, tanto na sua atividade stricto sensu como em sua gestão financeira, sendo demandado um período de absorção e adaptação de todo o fluxo de demandas e formas adotadas pelos procedimentos e processos gerenciais.

Ponderou (fl. 579) que, apesar de a legislação regente nortear alguns parâmetros, não contemplaria muitas das singularidades inerentes ao sistema, de modo que caberia ao gestor, fundado no princípio da segurança pública, dar andamento aos trabalhos de forma a ordenar os costumes até o estabelecimento de formas “mais profissionalizadas, ainda que adaptadas”.

O responsável contextualizou (fl. 579), ainda, a mudança na estrutura da Secretaria, resultante do desmembramento do sistema prisional da Secretaria de Segurança Pública em 2010, destacando que todos os processos e trâmites teriam sido alterados sem que houvesse alinhamentos e nem o devido treinamento acerca da formatação ideal, ocasionando a adaptação das unidades por seus respectivos gestores conforme as metodologias existentes.

Nesse ponto, arrazoou (fl. 579) que, conforme o art. 1º da Lei Estadual n. 5.455/78 e entendimento dessa Corte de Contas, o Fundo Rotativo da Penitenciária Sul é subordinado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania através de sua Diretoria de Planejamento e Avaliação, por intermédio da Gerência de Gestão dos Fundos, de modo que seria responsável por estabelecer os parâmetros, normas e procedimentos. Contudo, segundo o responsável, essa supervisão técnica jamais teria existido.

Ressaltou, igualmente (fl. 580), a inexistência de quadro de pessoal técnico-administrativo nos quadros da Secretaria, de modo que a atividade administrativa das unidades prisionais do Estado de Santa Catarina seria exercida “sem o profissionalismo devido, acarretando, no mais das vezes, a acumulação irregular de funções pelo agente penitenciário”. Acrescentou a este panorama o fato de as penitenciárias estaduais atuarem na condição de mantenedoras das unidades menores (presídios), cujas crises e situações emergenciais dificultariam o regular trâmite laboral, inviabilizando ações de planejamento e execução de médio prazo. O responsável explicou que, por interpretação errônea da lei, as unidades acabaram adotando comportamento equivocado no âmbito do próprio Departamento de Administração Prisional.

Aduziu (fl. 580), nesse sentido, que a legislação de regência dos Fundos estaria desatualizada, causando equívocos em sua aplicação, fazendo com que recursos fossem erroneamente encaminhados às unidades prisionais do Estado.

O responsável frisou (fls. 580-581) que em nenhum momento a auditoria tratou de casos de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade causadora de dano ao erário, bem como ação ou omissão praticada com dolo ou má-fé. Acerca do processo de execução das despesas, destacou que foram evidenciadas as dificuldades e demonstrado o entendimento da necessidade de adoção da via mais aprimorada nas atividades, tanto que teria havido a migração gradativa das necessidades para a consonância com a legislação vigente.

Reportou (fl. 581) a realização de reunião com os contadores da Secretaria de Estado da Fazenda acerca da implantação de processo licitatório, admitindo a dificuldade de regularização do fundo e criação da comissão de licitação, em parte diante dos já mencionados empecilhos relativos ao quadro de pessoal técnico-administrativo. Nesse contexto, relatou (fl. 582) que somente em 2014 um grupo de servidores fora recrutado e treinado na área, ressaltando que mudanças e novas medidas “levam tempo e dedicação”, sendo que a atual Direção estaria possibilitando a implantação gradativa dos procedimentos legais.

Diante do contexto fático exposto, o responsável admitiu (fl. 582) que

[...] foram realizadas várias compras por decreto de emergência tais como materiais de construção, consertos de viaturas, ração para animais, entre outros. O dispêndio com materiais de construção faz parte de atos rotineiros participantes de política preventiva a eventuais fugas e ampliação da capacidade das unidades prisionais, sendo maior do que o autorizado para esta unidade.

Diante deste cenário o fundo rotativo necessitava de resposta imediata, pela motivação do interesse na segurança pública e no bem estar social, ante a urgência dos acontecimentos.

Assim, considerando os bens de uso coletivo, a ausência de oficina mecânica credenciada e ausência de processos preventivos de apoio da SJC para ações emergenciais quanto à manutenção de veículos, o fundo ajudou na manutenção de algumas viaturas, pois também eram de uso da penitenciária, vez que transportavam presos daqui para outras unidades.

Ao final de suas justificativas, o responsável requer (fl. 583) que esse Tribunal de Contas determine à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC) que sane a irregularidade apontada, ressarcindo o montante de R$ 44.747,40 ao Fundo Rotativo da Penitenciária Sul pelo Fundo Penitenciário do Estado de Santa Catarina – FUPESC.

O responsável Leandro Antônio Soares Lima iniciou suas alegações afirmando (fl. 543) que a opção política adotada incumbiu o Departamento de Administração Prisional (DEAP) apenas da execução da política pública para o sistema penal prisional do Estado, explicando (fl. 544) que este departamento e os demais estabelecimentos penais do Estado seriam dotados exclusivamente da administração e segurança externa de cada qual, mas tão somente no que concerne à execução penal.

Nesse sentido, destacou que a Lei Complementar Estadual n. 381/2007 estruturou o Departamento de Administração Prisional nas seguintes unidades: Diretoria de Administração Prisional; Gerência de Execução Penal; Gerência de Orientação e Assistência ao Egresso; Gerência Judiciária; Gerência de Apoio Psiquiátrico; Gerência de Presídios; Gerência de Casa de Albergado; Gerência de Escolta e Vigilância Prisional. Concluiu que a gestão penitenciária estaria circunscrita às competências descritas na Lei de Execuções Penais.

Em seguida, transcreveu (fls. 544-545) o art. 64 da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, asserindo que a lei em referência cria e dá competência aos seguintes órgãos, pertencentes à estrutura da SJC (fls. 545-546): Diretoria Administrativa e Financeira e suas respectivas subdivisões e Diretoria de Planejamento e Avaliação e suas respectivas subdivisões. Após, concluiu (fl. 546) que a atividade administrativa desconcentrada realizada pelo DEAP resume-se apenas ao trato operacional, “mas tão somente no que diz respeito à Lei de Execução Penal”, ao passo que a atividade-meio de cunho técnico-administrativo exercida nas unidades prisionais competiria diretamente à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania nos seus níveis de direção estratégica e gerencial.

Nessa medida, o responsável buscou atribuir toda a responsabilidade à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, argumentando no sentido de que (fl. 547), ainda que o DEAP pretendesse avocar a competência técnica de supervisão e fiscalização das compras realizadas pelos fundos rotativos dos estabelecimentos provisórios e de execução penal do sistema penitenciário, faltar-lhe-ia pessoal administrativo especializado.

O responsável argumentou, ainda (fl. 547), nos mesmos moldes já referidos, a ausência de apontamento, por parte da auditoria, de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade ocasionadora de dano ao erário, bem como ação ou omissão praticada com dolo ou má-fé, frisando que os materiais listados estariam devidamente evidenciados e visualizados pela própria auditoria.

Por fim, concluiu (fls. 547-548) que seria o caso de essa Corte de Contas determinar à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania o saneamento da irregularidade apontada, ressarcindo ao Fundo Rotativo da Penitenciária Sul o valor correspondente aos gastos verificados pela auditoria.

A responsável Ada Lili Faraco de Luca, conforme já exposto na parte introdutória deste parecer, apesar de regularmente cientificada do conteúdo dos presentes autos, deixou transcorrer in albis os prazos legais previstos para apresentação de alegações de defesa, sujeitando-se aos efeitos da revelia, tal como previsto no art. 15, § 2º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Em que pesem as justificativas e argumentos apresentados pelos responsáveis, entendo pela manutenção da irregularidade.

Inicialmente, cabe salientar que o cerne argumentativo das alegações de defesa apresentadas se refere, em apertada síntese, às dificuldades estruturais existentes no âmbito dos órgãos de segurança pública à época dos fatos que deram azo à irregularidade ora discutida, somadas à suposta ausência/deficiência de substrato legislativo hábil a permitir a exata gestão e aplicação dos recursos conforme as respectivas competências. Nesse sentido, inclusive, buscou-se transferir a responsabilidade à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania.

Contudo, conforme se extrai dos autos, a auditoria in loco reuniu documentação e informações as quais, em cotejo com os dispositivos legais e normativos que regem a matéria em discussão, permitem concluir que, de fato, as despesas foram realizadas irregularmente.

Consoante disposto na “Tabela 01 – Relação de empenhos com pagamentos de despesas para a sede do DEAP” (fl. 632), foram dispendidos R$ 6.654,00 na aquisição de camisetas para funcionários, cadeiras, divisórias, peças e acessórios de escritório, bem como peças para manutenção de veículo, todos no interesse do Departamento de Administração Prisional (DEAP).

Ocorre que a Lei Estadual n. 5.455/78 autorizou a criação do Fundo Rotativo nos estabelecimentos provisórios e de execução penal do sistema penitenciário estadual, prevendo em seu art. 1º o seguinte:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir Fundo Rotativo nos estabelecimentos provisórios e de execução penal bem como nos Centros de Internamento para adolescentes autores de ato infracional, existentes ou que venham a ser criados, subordinados à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, destinado à aquisição, transformação e revenda de mercadorias e à prestação de serviços, bem como à realização de despesas correntes e de capital.

§ 1º As despesas correntes previstas no "caput" deste artigo limitar-se-ão às classificadas como material de consumo e serviços de terceiros e encargos e as de capital classificadas como investimentos.

§ 2º Poderá o Fundo Rotativo destinar até 25% (vinte e cinco por cento) dos recursos financeiros para manutenção e custeio do estabelecimento a que pertença.

Tal Fundo passou a ser regulado com a edição do Decreto Estadual n. 2.312/97, cujo art. 4º foi alterado pelo Decreto Estadual n. 132/99, passando a contar com a seguinte redação:

Art. 4o Os recursos do Fundo Rotativo serão aplicados nos estabelecimentos provisórios e de execução penal, integrantes do Sistema Penitenciário do Estado e Centros de Internamento para Adolescentes Autores de Ato Infracional, em despesas correntes e de capital (grifei).

Percebe-se, de imediato, a irregularidade das despesas efetuadas no interesse do DEAP mediante a utilização de recursos do Fundo Rotativo, uma vez que o DEAP não se enquadra na qualificação legal de “estabelecimento provisório e de execução penal”, mas, ao contrário, configura-se como órgão da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, conforme entabulado no art. 65, inciso III, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007.

Desse modo, eventuais dispêndios relacionados à infraestrutura do órgão, tanto no aspecto objetivo quanto subjetivo, deveriam ser custeados com recursos do Fundo Penitenciário do Estado de Santa Catarina (FUPESC), ao qual competem despesas da natureza realizada no DEAP, conforme previsto no art. 3º da Lei Estadual n. 10.220/96:

Art. 3º Os recursos do Fundo Penitenciário do Estado de Santa Catarina - FUPESC são aplicados em

I - reforma, ampliação e construção de estabelecimentos penais, prisionais e de custódia do Estado;

II - renovação e ampliação da frota de veículos;

III - aquisição de materiais permanentes diversos;

IV - manutenção dos estabelecimentos penais, prisionais e de custódia;

V - incentivo a programas sociais, de ensino, de cultura e médico-hospitalares na área penitenciária;

VI - supervisão técnico-administrativa do Sistema Penal;

VII - treinamento e capacitação de recursos humanos vinculados ao Sistema Penal.

IX - na remuneração de profissionais nomeados judicialmente para a realização de perícias de dependência toxicológica, sanidade mental, cessação de periculosidade, criminológicas e outras;

X - na locação de imóveis destinados ao abrigo de internos do Hospital da Custódia e Tratamento que tenham, por laudo pericial, atestada a cessação de sua periculosidade (grifei).

Conforme observado, as despesas com camisetas para funcionários, cadeiras, divisórias, peças e acessórios de escritório, bem como peças para manutenção de veículo, se inserem nas definições insculpidas nos incisos I a IV do art. 3º transcrito acima, de modo que se revela flagrante o equívoco quanto à aplicação de recursos em objeto desconexo com as finalidades previstas.

A mesma análise apresentada acima deve ser aplicada à situação consubstanciada na “Tabela 02” (fls. 632v-634), que traz a relação de notas de empenho destinadas ao pagamento de despesas com aquisição de uniformes, capa para chuva e calçados para os Servidores do Presídio Regional de Araranguá e para os servidores da Penitenciária Sul, perfazendo um dispêndio total de R$ 38.093,40.

Tais despesas deveriam ter sido acobertadas pelos recursos vinculados ao FUPESC, e não por aqueles oriundos do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul que, conforme visto, se prestam a objetivo diverso. Assim, a aplicação de recursos do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul em tais despesas, apesar de não causar dano ao erário ou configurar desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, violou norma legal, ensejando, por esse motivo, a cominação de multa por parte desse Tribunal, a teor do disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Já quanto ao argumento de que não houve dolo ou má-fé no presente caso, convém esclarecer que, no que compete a esse Tribunal de Contas, não há qualquer dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de má-fé como requisito para imputabilidade. Mais ainda, no âmbito do Direito Administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente. Sobre o tema, destaco as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[2], que bem sintetiza esse entendimento:

11. (d) Princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração – O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo, acarretando consequências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.

Ademais, no que diz respeito à tese argumentativa de que a responsabilidade recairia tão somente sobre a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, a área técnica trouxe, oportunamente, os seguintes esclarecimentos (fl. 638):

Contudo, a documentação acostada aos autos comprova que o ex-Diretor do DEAP, tinha conhecimento das despesas realizadas, ao passo que firmou termo de cessão de uso (fl. 103) extemporaneamente para dar um viés de legalidade às despesas realizadas pelo Fundo Rotativo da Penitenciária Sul e que foram destinadas à nova sede do DEAP, no qual era Diretor, no Município de Palhoça.

Destaca-se que além do Fundo Rotativo Sul, também foram utilizados recursos dos Fundos Rotativos de Florianópolis e Curitibanos, para mobiliar a nova sede do Departamento de Administração Prisional, conforme fazem prova os termos de cessão de uso firmado pelo DEAP com estas unidades (fls. 38v e 41).

Nesse sentido, não obstante a competência atribuída à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para gestão do fundo rotativo e fiscalização das atividades administrativas e técnicas, configurou-se a responsabilidade do Diretor da Penitenciária Sul e do Diretor do Departamento de Administração Prisional em razão da subscrição dos documentos que autorizaram as despesas tidas como irregulares, demonstrando a sua ciência a respeito.

Dessa maneira, entendo pela manutenção da irregularidade originalmente apontada pela equipe de auditoria, com a consequente aplicação de penalidade da multa aos responsáveis, conforme prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, sem prejuízo da determinação sugerida pela área técnica, no sentido de que a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, na qualidade de superior hierárquica do Departamento de Administração Prisional, devolva o montante de R$ 44.747,40 ao Fundo Rotativo da Penitenciária Sul.

1.2.                Ausência de licitação para realização de despesas com aquisições de ração animal, materiais de construção para reforma de presídios, uniformes e acessórios para agentes penitenciários e manutenção e conservação de veículos, durante o exercício de 2013, cujos valores são superiores ao montante em que é dispensável a licitação, em afronta ao art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, bem como aos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.666/93

O item 4.1.2.1 da proposta de encaminhamento e achado 2 do Relatório DCE n. 502/2014 apurou a realização de despesas[3] baseadas em procedimento de dispensa de licitação, no exercício de 2013, sem que o Fundo apresentasse elementos informativos ou documentos comprobatórios hábeis a demonstrar a efetiva emergência no caso concreto.

A presente irregularidade foi atribuída à responsabilidade do Sr. Deiveison Querino Batista.

Em suas alegações de defesa, o responsável alegou, preliminarmente (fl. 583), a existência de aspectos relevantes, na conjuntura dos fatos, que não teriam sido identificados e precisavam ser suscitados.

Em relação à inadequação do Decreto Estadual n. 4.013/06, que declarou situação de emergência no sistema prisional catarinense, alegou não deter competência para desrespeitá-lo, por não se tratar de análise do mérito do ato político-administrativo.

Afirmou (fl. 583) ter incorrido em “ato administrativo precário”, porém não doloso ou regido por má-fé, uma vez que as necessidades e demandas que foram supridas teriam em sua essência um “teor emergencial de urgência notória”, para a qual a auditoria não teria atentado.

Contestou (fl. 584) o apontamento de ausência de demonstração de fatores de urgência, alegando existirem no próprio relatório de auditoria situações comprovadas para aplicação contingenciada dos recursos destacados, referentes à aquisição de peças e serviços de conserto de viaturas.

Salientou (fl. 584) que mesmo em face da licitação de tais bens, haveria a identificação de inconsistência em razão da natureza do dispêndio e da regulação do uso das verbas do Fundo Rotativo, uma vez que não haveria entendimento claro quanto ao uso destas verbas na legislação estadual. Argumentou, ainda, que a atribuição quanto ao fechamento de contratos com oficinas credenciadas para a manutenção de veículos seria atribuição da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, ressaltando a problemática da falta de manutenção das frotas das unidades prisionais.

Enfatizou (fl. 584) a anotação de irregularidade seria improcedente em razão de a Comissão de Licitação sequer estar em funcionamento, uma vez que somente em novembro de 2014 teria sido disponibilizado o Curso de Licitações e Contratos, imprescindível à atuação daquela.

No que diz respeito à aquisição de ração animal, o responsável apresentou as seguintes justificativas (fl. 585):

Quando da mudança de direção da penitenciaria sul em outubro/2011, haviam cachorros que eram utilizados para ajudar na guarda externa da unidade. Importante ressaltar que tais animais foram doados à esta unidade após o ingresso de diversas lideranças da facção criminosa conhecida como PGC – Primeiro Grupo Catarinense, doação até mesmo da Polícia Militar.

Ocorre que em 2011 não havia Comissão de Licitação designada, sendo o procedimento adequado o envio de Comunicação Interna ao Departamento de Administração Prisional para que realizasse o procedimento licitatório para aquisição de ração, porém do envio do pedido até a conclusão da licitação sabe-se que ultrapassariam 30 (trinta) dias para a finalização da contratação, o que certamente causaria a morte dos animais, devido à falta de alimentação.

Com relação à aquisição de materiais de construção para a reforma de presídios, o responsável atribuiu (fl. 585) sua necessidade ao contexto de fugas observado nos Presídios Regionais de Araranguá e Criciúma, associados ao desgaste de grades e equipamentos, bem como a movimentações coletivas dos reclusos contra a ordem do ergástulo, os quais teriam causado uma sequência de danos estruturais. Aduziu que esses fatos estariam comprovados em diversas comunicações por parte dos agentes de plantão, asserindo que tais situações não poderiam ficar sem enfrentamento imediato por parte do gestor, de forma a se manter a segurança interna e externa. Ainda nessa discussão, reconheceu “a precariedade no processamento administrativo de dispensa de licitação”, mas alegando a existência de “fatos notórios para a caracterização das urgências”.

Acerca da aquisição de uniformes e calçados para os servidores da Penitenciária Sul, o responsável informou (fl. 585) que os serviços de escoltas que antes era realizado pela Polícia Militar passou a ser atribuição dos agentes penitenciários a partir de 2013, ressaltando que quando da interrupção dos serviços de apoio da Polícia Militar, não teria havido prévia comunicação, o que teria gerado a necessidade da aquisição sob exame de forma imediata.

Além do referido, destacou (fl. 586) o texto do art. 63 da Lei Complementar Estadual n. 472/2009, o qual prevê que “o Estado fornecerá uniformes e os equipamentos de proteção, quando exigidos pelo estabelecimento, gratuitamente, em conformidade com o art. 31 da Lei nº 6.745, de 1985”, comentando em seguida que na situação observada haveria “a precariedade do processo administrativo em sua forma mais rígida” aliada à “caracterização da situação de urgência comprovada e documentada”. Ao final, o responsável concluiu pela existência de motivos suficientes a justificar a ausência de rigor processual, consubstanciados no fato da inexistência de um setor específico de licitações ou de quadro técnico-administrativo de servidores.

Inicialmente, entendo importante trazer à baila alguns esclarecimentos acerca da matéria sob discussão.

A licitação é a regra quando a Administração compra ou contrata bens e serviços, em respeito ao princípio da isonomia e da indisponibilidade do interesse público. Apenas excepcionalmente – e em exemplos taxativos – é dispensável a licitação.

É sabido que a CRFB/88 preceitua, no seu art. 37, inciso XXI, a obrigatoriedade, em regra, de os contratos firmados pela Administração Pública serem precedidos de processos licitatórios. Não obstante, a Lei n. 8.666/93 trouxe alguns dispositivos que tratam da contratação direta, para hipóteses onde é inviável realizar uma licitação (inexigibilidade) ou quando o processo licitatório puder trazer algum tipo de prejuízo ao interesse público (dispensa).

Merece aqui especial atenção ao termo “dispensável” para a licitação, utilizado no art. 24, caput, da Lei 8.666/93. Marçal Justen Filho[4] afirma que a dispensa de licitação se verifica “em situações em que, embora viável a competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente ao interesse público".

Na mesma linha Antônio Roque Citadini[5] aduz que:

[...] a licitação é dispensada, como se pode ver, em situações descritas pela legislação, nas quais se poderá, em tese, realizar o procedimento licitatório, mas que, pelas razões em cada caso apontado, entende-se desnecessário o certame, já que sua realização não propiciaria ao Poder Público a escolha de proposta economicamente mais adequada, nem o pronto atendimento do interesse público (nacional, estadual ou local) que requer providências imediatas.

Pode-se concluir, então, que, ao afastar a regra básica de que toda a contratação no âmbito do Poder Público requer uma prévia licitação, deve-se fundamentar muito bem todas as razões que levaram o administrador a dispensar um certame licitatório, devendo ele comprovar os motivos pelos quais a licitação não seria vantajosa ou mesmo seria divergente do interesse público.

É que, considerando a licitação como regra geral a ser seguida antes das contratações, imposta pela própria Lei Maior do País, qualquer exceção deve ser interpretada da forma mais restrita possível, sob pena de se abarcar situações para as quais o legislador não previu a dispensa e que podem ferir princípios básicos que devem nortear toda a gestão pública, especialmente as contratações, como a isonomia, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a probidade administrativa.

Nessa linha já se pronunciou o Tribunal de Contas da União, ao tratar da aplicabilidade da regra referente às hipóteses de dispensa de licitação. Veja-se trechos do voto condutor do Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, nos autos do processo n. TC-019.027/2003:

Ora, se a dispensa de licitação se configura em exceção à regra constitucional e, mais, se o instituto incide sobre situações nas quais a realização de licitação seria viável, claro está que o art. 24 da Lei n° 8.666/93 deve ser aplicado com o máximo de rigor e cautela, de modo a se evitar a utilização indevida da autorização legal para fugir à realização da licitação. Nesse caso, deve operar uma das regras fundamentais da hermenêutica: aquela que determina que as exceções sejam interpretadas restritivamente. Veja-se, assim, que é exatamente nessa linha que segue a jurisprudência desta Corte, bem como a doutrina, ao afirmarem que a enumeração constante do art. 24 da Lei de Licitações é exaustiva, não admitindo interpretação extensiva ou analogia. [...]

Em consequência dessa restriçãouma determinada situação fática somente será alcançada pela hipótese de dispensa de licitação se apresentar elementos que preencham perfeitamente os requisitos estabelecidos na norma" (grifei).

Dentre inúmeras hipóteses, a Lei n. 8.666/93 elencou em seu art. 24, inciso IV, a possibilidade de dispensa de licitação “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”, como uma forma de respaldar o estado de necessidade decorrente de situações gravosas observadas em uma localidade. Para esses casos, é importante a apresentação de documentação que comprove a situação emergencial, conforme preceitua o art. 26, parágrafo único, inciso I, da Lei de Licitações.

Pois bem.

Conforme se extrai das Tabelas 3 a 7 (fls. 639-643v) dispostas no relatório técnico final, houve a realização de despesas com serviços de manutenção e conservação de veículos no montante de R$ 13.715,50; aquisição de peças para veículos no montante de R$ 54.624,00; aquisição de ração animal no montante de R$ 9.090,00; aquisição de materiais de construção para reforma de presídios no montante de R$ 14.873,72; e aquisição de uniformes e calçados para servidores da Penitenciária Sul no montante de R$ 15.695,00.

A maior parte dessas despesas se deu através de dispensa de licitação calcada no Decreto Estadual n. 1.427/13, cujo texto declarou Situação de Emergência no Sistema Prisional do Estado, autorizando a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania a contratar, na forma do art. 24, inciso IV, da Lei n. 8.666/93, obras, bens e serviços necessários ao atendimento da situação emergencial declarada.

É imperioso notar, entretanto, que a mera declaração de situação de emergência não chancela toda e qualquer contratação posterior por meio de dispensa, sob pena de se permitir a supressão das disposições previstas na legislação nacional, cuja observância é a regra, e não a exceção. Nesse contexto, cabe verificar se as premissas fáticas de fato se amoldam às situações excepcionais previstas em lei.

Em seu relatório inicial, a equipe de auditoria delineou as seguintes considerações (fl. 480):

[...] verificou-se que o Fundo não apresentou elementos informativos, nem documentos comprobatórios que demonstram ter ocorrido realmente a emergência com urgência, a simples emergência, não dispensa a licitação, isto só acontece quando devidamente caracterizada a emergência, o que não ocorreu no caso em análise.

O problema que se constatou é que o Fundo Rotativo, na época oportuna, não observou a necessidade das aquisições acima citadas.

A simples urgência não dispensa a licitação, ela decorre do atraso com que foram tomadas as devidas medidas para as aquisições.

Além do mais o tempo decorrido entre uma aquisição e outra, conforme demonstram os empenhos abaixo relacionados descaracterizou o enquadramento da situação como caso de emergência, acompanhada de urgência, que admitisse dispensa de licitação; pelo observado, houve tempo mais que suficiente para realização do processo licitatório.

Também, é oportuno lembrar, que a gravidade da situação do sistema prisional vem sendo declarada por meio de sucessivos decretos estaduais, desde, ao menos, o ano de 2006 – Decreto nº. 4013, de 16 de fevereiro de 2006 (estadual) – sendo que a última providência neste sentido se limitou à autorização de dispensa de licitação para as aquisições da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, sem que se possa defluir a adequação desta medida a uma situação de emergência que vem sendo reconhecida há, pelo menos nove anos.

O procedimento infringe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, XXI e as disposições dos arts. 2º e 3º da Lei Federal nº 8.666/93, em face da ausência de licitação para dar suporte à realização de despesa pública, que deve consignar o montante a ser gasto no exercício financeiro e estimado por meio de planejamento adequado que abarque todo o período, conforme se depreende do disposto nos arts. 15, § 7º, II e 57, caput, ambos da Lei Federal nº 8.666/93 (grifei).

De fato, o responsável, na qualidade de Diretor da Penitenciária Sul, gestor do fundo e ordenador das despesas, deveria ter melhor considerado toda essa conjuntura fática referida pela equipe de auditoria antes de alocar recursos fiando-se tão somente na permissão concedida pelo Decreto mencionado.

Notadamente no que diz respeito às despesas com serviços de manutenção e conservação de veículos, aquisição de peças para veículos e aquisição de uniformes e calçados para servidores, entendo que essas se configuram como despesas correntes, regulares, rotineiras e previsíveis, de modo que de maneira alguma se poderia enquadrá-las como despesas albergadas em hipóteses de dispensa de licitação fundada em situação emergencial.

No que se refere às despesas com aquisição de ração animal, apesar de as justificativas apresentadas pelo responsável se revestirem de um grau de subjetividade que, em tese, permitiria considerar pela sua regularidade, impende observar que o valor dispendido (R$ 9.090,00) excede aquele previsto pela análise combinada entre os arts. 24, inciso II, e 23, inciso II, alínea “a”, da Lei n. 8.666/93, que preveem a possibilidade de dispensa de licitação para compras de até R$ 8.000,00. Ademais, considerando-se que a primeira nota de empenho data de 19.02.2013 e a última, de 12.11.2013, verifica-se que houve tempo mais do que hábil para que se procedesse ao devido procedimento para aquisição de ração, sendo desnecessárias as sucessivas aquisições por meio de dispensa.

Por sua vez, no que tange às despesas com aquisição de materiais de construção para reforma de presídios, entendo que se pode considerá-las regulares, uma vez que o art. 24, inciso I, c/c o art. 23, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 8.666/93, permite que se dispense a licitação para obras e serviços de engenharia até o montante de R$ 15.000,00, de modo que os R$ 14.873,72 gastos revelam-se afetos ao limite legal em comento.

Cabe esclarecer que a área técnica, ao examinar as justificativas e documentos apresentados pelo responsável, alterou seu entendimento original, considerando possível o afastamento da penalidade de multa ao gestor sob o argumento de que a documentação remetida teria comprovado os esforços empreendidos durante todo o exercício de 2014 no sentido de regularizar a situação do Fundo Rotativo e constituir a Comissão de Licitação.

Entretanto, entendo que tal conclusão não pode ser extraída da precária documentação apresentada pelo responsável.

Em primeiro lugar, as despesas efetuadas são anteriores às medidas referidas, de modo que, caso se pudesse acolher a sugestão da área técnica, os supostos esforços do gestor teriam, na realidade, o condão de retroagir e afastar o caráter irregular das despesas realizadas.

Em segundo lugar, considero questionável o nível dos comprovados “esforços despendidos” pelo responsável no sentido de sanar a situação observada. Conforme se pode observar dos documentos anexados aos autos, tem-se uma singela troca de e-mails (fls. 598 e 604-605) tratando acerca da realização de inscrição de servidores efetivos para participação em cursos de capacitação[6].

Em que pese tais medidas denotarem um interesse no sentido de capacitar servidores e melhor gerir o quadro técnico-administrativo, entendo que não se revelam suficientes a ponto de caracterizar uma efetiva orientação no sentido de privilegiar a licitação e todas as suas características no âmbito da unidade gerida.

Portanto, do cotejo das informações, documentos e justificativas apresentadas e analisadas neste item, considero pertinente sugerir que seja mantida parcialmente a irregularidade, no que diz respeito às despesas relacionadas nas Tabelas 3, 4, 5 e 7 do relatório técnico final (fls. 639-643v), com a consequente aplicação de penalidade de multa ao responsável, prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, observando-se a proporcionalidade entre esta e as condutas praticadas.

1.3.                Veículos da Penitenciária Sul e dos Presídios Regionais de Criciúma e Araranguá, trafegando sem identificação e com placas frias, contrariando o art. 2º, § 3º, da Portaria Estadual n. 032/05, bem como o art. 5º da Lei Estadual n. 7.987/90 e a Lei n. 9.503/97

O item 4.1.2.2 da proposta de encaminhamento e achado 3 do Relatório DCE n. 502/2014 apurou a existência de onze veículos – pertencentes à Penitenciária Sul e aos Presídios Regionais de Criciúma e Araranguá – trafegando sem identificação e com placas frias, em contrariedade às legislações estadual e federal de regência.

A presente irregularidade também foi atribuída à responsabilidade do Sr. Deiveison Querino Batista.

Em suas alegações de defesa, o responsável argumentou (fl. 586) que o art. 116 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que os veículos de propriedade da União, dos Estados e do Distrito Federal, devidamente registrados e licenciados, somente quando estritamente usados em serviço reservado de caráter policial, poderão usar placas particulares, obedecidos os critérios e limites estabelecidos pela legislação que regulamenta o uso de veículo oficial.

Comentou (fl. 586) que tal dispositivo deveria ser interpretado teleologicamente, perquirindo-se qual a razão de a lei restringir a possibilidade de caracterização das placas dos veículos de propriedade dos entes federativos reservados ao serviço policial. Respondeu, em seguida, que a razão se liga à natureza e aos riscos da atividade, não sendo racional que a lei exigisse a identificação dos veículos utilizados por autoridades incumbidas de realizar investigações.

Sob tal contexto, explicou (fl. 587) que o Departamento Estadual de Administração Prisional (DEAP) e suas unidades prisionais exercem trabalho de extrema periculosidade, seja pelas tentativas de fuga frequentes e de resgate de presos, seja pelas organizações criminosas atuantes dentro e fora do cárcere. Aduziu que:

Os veículos descaracterizados e com placas particulares estão destinados ao núcleo de inteligência penitenciária desta unidade que é órgão integrante da Diretoria de Inteligência e Informação da SJC e ao uso de veículos batedores, bem como ao uso em serviço, dentro das atividades inerentes ao cargo, do Diretor da penitenciaria e do chefe de segurança.

Os veículos batedores são utilizados quando de transferências de presos pertencentes às facções criminosas bem como ao encaminhamento destes para as audiências em que são réus.

Saliente-se que a escolta de presos e todo o serviço de apoio é feito pelas unidades penitenciárias e não mais pela Polícia Militar.

Ocorre que dentre os veículos auditados apenas um utiliza placa de segurança conforme segue:

Presídio de Araranguá: Uno Mille Fire Placa MBT 4373, nunca utilizou placa de segurança; Meriva Placa MEP0852, já utilizou placa de segurança, porém em razão da expiração de prazo de validade esta utilizando placa oficial e Parati Placa MJT 5671, está aguardando renovação de autorização de placa de segurança, conforme documentos em anexo.

Presídio de Criciúma: Corsa Placa MEA6461 e Ducato Placa MBS 6885, os veículos já foram baixados da frota do Presídio.

Penitenciária Sul: Zafira Placa DJR 8002, Uno MBT 4393 e Blazer MCJ 8781, nenhum dos citados veículos utilizam placas frias, todos utilizam placas oficiais, bem como já solicitamos baixa do veículo Zafira da frota de veículos da Penitenciária Sul.

Posteriormente, o responsável asseriu (fl. 587) que o Presídio de Araranguá, que exerce a administração da justiça criminal, teria requerido a descaracterização das placas de alguns veículos oficiais, fundamentando-se na necessidade de resguardar a segurança dos presos em transferências e audiências. Nesse sentido, o responsável afirmou (fl. 588) não visualizar qualquer afronta legal ou imoralidade administrativa nos atos examinados.

Ao final, o responsável atestou (fl. 588) que foi no contexto referido que o DETRAN/SC, no uso de suas competências, teria autorizado a utilização de placas particulares pelos veículos relacionados na auditoria procedida, alegando que o mesmo raciocínio deveria ser aplicado para os veículos não identificados com a logomarca do Estado.

De fato, ao compulsar a legislação, encontra-se a exceção à utilização de identificação particular em veículos destinados a serviços policiais, a teor do disposto no art. 5º da Lei Estadual n. 7.987/90:

Art. 5º Os veículos oficiais do Estado devem, obrigatoriamente, serem identificados como tal, mediante aposição, em local visível, de seu número de ordem e do órgão a que servem.

§ 1º Os veículos de representação serão identificados apenas pelas respectivas placas.

§ 2º Ressalvada a hipótese prevista no § 3º deste artigo, e expressamente vedada a identificação de veículos oficiais como particulares.

§ 3º Excetuam-se das disposições deste artigo os veículos utilizados pelas Polícia Civil e Militar, exclusivamente, em atividades de segurança que exijam absoluto sigilo. (grifei)

De igual modo, disciplina o art. 116 do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 116. Os veículos de propriedade da União, dos Estados e do Distrito Federal, devidamente registrados e licenciados, somente quando estritamente usados em serviço reservado de caráter policial, poderão usar placas particulares, obedecidos os critérios e limites estabelecidos pela legislação que regulamenta o uso de veículo oficial.

Dessa maneira, perante o arcabouço normativo e a autorização concedida pelo DETRAN/SC para o uso das placas com identificação particular, entendo que a restrição deve ser afastada.

1.4.                Irregular cálculo dos valores devidos aos reeducandos em razão de serviços prestados, afrontando os arts. 1º e 2º do Decreto Estadual n. 1.634/00, o art. 29 da Lei de Execuções Penais, e o art. 7º, inciso IV, da CRFB/88

O item 4.1.3.1 da proposta de encaminhamento e achado 4 do Relatório DCE n. 502/2014 apurou a realização de trabalho por parte dos reeducandos sem a devida remuneração, bem como a ausência de regulamentação específica acerca dos valores concedidos pelo trabalho dos detentos.

Foram apontados como responsáveis pela irregularidade os Srs. Deiveison Querino Batista, Leandro Antônio Soares Lima e Arlindo Pagnan.

O responsável Deiveison Querino Batista argumentou (fl. 588) que, ante a ausência de fatores críticos/graves motivadores da quebra de mudança no comportamento do gestor que adentra o ambiente, o trâmite funcional deveria ser mantido até o conhecimento de toda a rotina administrativa. Salientou que essa conduta seria um “comportamento propagado pelos teóricos da gestão administrativa, sendo senso comum em todas as obras que tratem de administração pública/privada”.

Nessa medida, explicou (fls. 588-589) ser hábito corriqueiro de toda as unidades – e por “total desconhecimento do entendimento do Sr. Juiz Corregedor” – não praticar o devido pagamento no importe de R$ 1,00/dia, alegando, contudo, não ter havido em momento algum má-fé de sua parte, afirmando tratar-se de valor irrisório.

Acerca do valor previsto, o responsável decidiu (fl. 589) “passar ao largo desta discussão jurídica” em função de a diária ser fixada por decreto do Governador do Estado, de modo que não teria competência para desrespeitar a norma atacada sem incidir em ofensa direta ao princípio da legalidade.

Ao final de suas alegações, quanto aos valores dos trabalhos dos detentos sem regulamentação específica, esclareceu (fl. 589) ser exigido mensalmente um número fixo de dúzias de prendedores de roupas que, se atingido, resulta na concessão do benefício da remição de pena do mês de referência, concedido pelo juízo da execução penal da comarca.

O responsável Leandro Antônio Soares Lima, inicialmente, manifestou (fl. 549) sua ilegitimidade para discorrer acerca da questão procedimental da matéria discutida, sob a justificativa de que a discussão estaria além de suas competências.

Em seguida, alegou (fls. 550-551) a ausência de elementos de ação/omissão jurídica, bem como culpa/dolo e relação de causalidade, reiterando em parte as justificativas mencionadas anteriormente no item 1 deste parecer, no sentido de que a atividade administrativa desconcentrada realizada pelo DEAP se resumiria ao trato operacional, mas tão somente no que diz respeito à Lei de Execuções Penais, sendo que a atividade de cunho administrativo e técnico, exercida nas unidades operacionais, competiria diretamente à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania nos seus níveis de direção estratégica e gerencial.

Nessa trilha, alegou (fl. 551) que a responsabilidade pelo planejamento, formulação e normatização das políticas públicas para o sistema prisional catarinense pertenceria à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, por meio de suas diretorias. Em síntese, o responsável buscou atribuir toda a responsabilidade pela irregularidade em exame à SJC (fls. 551-552).

Por sua vez, o responsável Arlindo Pagnan manifestou-se (fls. 571-572) nos mesmos termos em que o Sr. Deiveison Querino Batista, conforme já reproduzido acima.

Antes de adentrar o mérito da irregularidade, impende salientar que a matéria sob análise já foi objeto de discussão em processo análogo[7]. Naquela oportunidade, manifestei-me por meio do Parecer n. MPTC/43527/2016, tecendo as considerações iniciais que passo a reproduzir em seguida:

O achado de auditoria teve por base a Lei Estadual n. 5.455/78 e o Decreto Estadual n. 1.634/00, que assim disciplinaram a remuneração do trabalho executado pelos sentenciados:

Lei Estadual n. 5.455/78:

Art. 2º Constituem recursos financeiros do Fundo: [...]

II – os resultantes da prestação de serviços e da revenda de mercadoria; [...]

IV – as receitas oriundas de convênios celebrados entre o Estado e instituições públicas e privadas, cuja execução seja da competência da Secretaria da Justiça.

Decreto Estadual n. 1.634/00:

Art. 1º O valor do trabalho executado por sentenciado dentro dos estabelecimentos penais do Estado de Santa Catarina é fixado em R$ 1,00 (um real) a diária, sendo que, para os serviços conveniados realizados pelos detentos a remuneração poderá chegar ao valor de até 1 (um) salário mínimo, não podendo ser inferior a ¾ (três quartos) do mínimo, conforme disciplina a Lei de Execuções Penais.

Art. 2º Do produto da remuneração do detento será destinado o percentual de 25% (vinte e cinco por cento) a título de ressarcimento ao Estado.

Além dessas normas, são utilizados como parâmetros para definição da remuneração dos serviços prestados pelos apenados a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais e a Lei Complementar Estadual n. 529/2011, que dentre seus dispositivos contêm a seguinte previsão:

CRFB/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Lei n. 7.210/84:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

Lei Complementar Estadual n. 529/2011:

Art. 52. O trabalho do preso será remunerado mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário-mínimo regional, qualquer que seja o seu tipo ou categoria.

Em que pese o tratamento legal dado à matéria, não há na Unidade a regulamentação da renda paga aos apenados mediante uma prévia tabela de valores [...].

Percebe-se, portanto, que o contexto fático e a legislação aplicável naqueles autos são em grande medida coincidentes com a presente discussão, de modo que se afigura plausível a adoção, em parte, das mesmas considerações e conclusões então externadas. Na oportunidade em tela, entendi ser suficiente a determinação para que a Unidade Gestora e a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania adotassem medidas direcionadas à alteração da legislação regente no que se refere à regulamentação do trabalho dos apenados.

Cabe esclarecer, nesse ponto, que o processo ora adotado como parâmetro já foi inclusive objeto de julgamento pelo Tribunal Pleno, tendo sido exarada a Decisão n. 0306/2017, publicada no Diário Oficial Eletrônico do Estado n. 2195, de 07.06.2017, cujo item 6.4.2 recomendou à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania a realização de estudos visando à adequação da legislação estadual relacionada à regulamentação dos serviços realizados pelos apenados, estabelecendo-se critérios objetivos para cálculo dos valores devidos aos detentos em razão de serviços prestados nas unidades prisionais.

Trata-se de solução que se coaduna com o entendimento adotado pela área técnica nestes autos (fl. 648v), de modo que reputo – em igual medida – ser suficiente a determinação à Unidade Gestora e à SJC para que adotem providências no sentido de realizar estudos visando à adequação da legislação estadual relacionada à regulamentação dos serviços realizados pelos apenados, estabelecendo-se critérios objetivos para cálculo dos valores devidos aos detentos em razão de serviços prestados nas unidades prisionais.

1.5.                Ausência de ressarcimento de despesas de energia elétrica e água realizadas por empresas conveniadas, em desacordo com o art. 2º, inciso IV, da Lei Estadual n. 5.455/78, e com o art. 37 da CRFB/88

O item 4.1.4.1 da proposta de encaminhamento e achado 5 do Relatório DCE n. 502/2014 constatou que as despesas de energia elétrica e de água geradas por todas as empresas conveniadas, instaladas dentro da estrutura da Penitenciária Sul, estariam sendo suportadas pelo Estado sem que houvesse o necessário reembolso pelas empresas, importando em seu enriquecimento ilícito em prejuízo do erário, infringindo os princípios constitucionais da legalidade e da eficiência.

Foram apontados como responsáveis os Srs. Leandro Antônio Soares Lima, Deiveison Querino Batista, Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca.

O responsável Leandro Antônio Soares Lima, em suas alegações de defesa, qualificou (fl. 553) o presente apontamento como fruto de “atividade cognitiva conduzida unicamente por pura lógica dedutiva de obtuso viés”, a qual não teria evidenciado “a necessária presença da existência dos elementos ação/omissão antijurídica, culpa/dolo e relação de causalidade”.

Argumentou (fl. 553) que o ônus de sua responsabilidade adveio das atribuições que lhe eram conferidas no exercício da função ocupada, porém salientando que não detinha competência alguma para exigir qualquer cobrança de tarifas de energia elétrica e água às empresas conveniadas. Nesse sentido, asseriu (fls. 553-554) que a competência para assinar contratos, convênios, acordos e outros atos administrativos, de acordo com a Lei Complementar Estadual n. 381/2007, seria do Secretário de Estado (no caso, do Secretário de Estado da Justiça e Cidadania).

Sob este aspecto, esclareceu (fl. 554) que a chancela por ele dada aos convênios realizados entre a SJC e os particulares seria juridicamente irrelevante, configurando mera práxis administrativa. Por fim, concluiu que, ante a inexistência de ação/omissão de sua parte, a imputação de responsabilidade não deveria permanecer.

O responsável Deiveison Querino Batista afirmou (fls. 589-590) que lhe fora imputada responsabilidade unicamente em função de figurar como Diretor da Penitenciária Sul e, consequentemente, acumular a função de gestor do Fundo Rotativo da unidade prisional. Por tal razão, reputou o apontamento da auditoria como emanado de “dedução equivocada”, sem comprovação de qualquer ação ou omissão de sua parte.

Relativamente a tal fato, alegou (fl. 590) não deter competência alguma para exigir qualquer cobrança das tarifas de energia elétrica e água dos conveniados. Embasou suas assertivas nas disposições contidas nos arts. 6º e 7º da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, concluindo (fl. 591) que a responsabilidade imputada não deveria permanecer, enfatizando, ao final, que os convênios celebrados com empresas privadas não estabeleceriam quaisquer cláusulas que permitissem a cobrança de taxas inerentes às despesas com água e energia, conforme contido no termo de cooperação que foi anexado.

Os responsáveis Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca, conforme já referido mais de uma vez, apesar de regularmente notificados acerca dos termos processuais, não apresentaram quaisquer manifestações de defesa, sujeitando-se aos efeitos da revelia dispostos no art. 15, § 2º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Quanto à questão da responsabilização, ainda que o art. 7º da Lei Complementar Estadual n. 381/2007 disponha expressamente acerca da competência atribuída aos Secretários de Estado para “assinar contratos, convênio, acordos e outros atos administrativos bilaterais ou multilaterais de que o Estado participe”, os termos de cooperação inseridos na documentação de fls. 400-470 contêm também as assinaturas dos responsáveis, enquanto ocupantes dos cargos de Diretor do Departamento de Administração Prisional e da Penitenciária Sul.

Ademais, na condição de Diretores, os então gestores enquadravam-se exatamente no conceito de responsáveis “por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta”, consoante inclusive a seguinte norma da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno dessa Corte de Contas):

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; (grifei)

Tal entendimento é corroborado pelas ponderações trazidas pela área técnica (fl. 649v):

Contudo, deve-se atentar que a responsabilidade não se materializa unicamente à assinatura do instrumento legal firmado. Como responsáveis pelas unidades prisionais, os gestores devem primar pela boa aplicação dos recursos públicos, e buscar junto à Secretaria providências para adequar os convênios à legislação de regência. 

Não obstante tais considerações, um exame mais detido do caso concreto em cotejo com decisões proferidas em processos análogos permite vislumbrar solução alternativa.

Nos autos do processo RLA n. 14/00442211, já mencionado acima, o auditor Cleber Muniz Gavi, Relator do caso, ao proferir seu voto sobre matéria similar, delineou o seguinte entendimento:

Volvendo a atenção para o caso concreto, ainda que presente indícios de que as despesas com energia elétrica e água, realizadas pelas empresas conveniadas, devessem ser ressarcidas ao Estado, destaco que os documentos juntados nos autos não permitem identificar com a precisão necessária qual o valor despendido e, em tese, passível de ressarcimento. Ante a inexatidão material das mencionadas despesas, não há liquidez e certeza acerca do montante que pudesse constituir eventual débito ou mesmo avaliar a gravidade da restrição ora considerada.

Destarte, em que pese a discordância do órgão ministerial, acompanho o convencimento exarado pela área técnica, no sentido de afastar a aplicação de penalidade, sendo suficiente uma recomendação à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para que adote providências para revisão dos convênios firmados e inclua cláusulas de ressarcimento das despesas com energia elétrica e água consumidas pelas entidades conveniadas dentro das unidades prisionais (grifei).

Levando em consideração a grande similaridade entre as matérias discutidas, tanto sob o aspecto fático quanto legal, considero plausível a adoção da mesma conclusão em comento.

Dessa maneira, apesar da configuração da situação irregular, entendo suficiente a sugestão de recomendação à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para que adote providências voltadas à revisão dos convênios firmados e inclua cláusulas de ressarcimento das despesas com energia elétrica e água consumidas pelas entidades conveniadas dentro das unidades prisionais.

1.6.                Ausência de conta bancária individualizada – Caderneta de Poupança – dos detentos, em desacordo com o previsto no art. 4º, § 5º, da Lei Estadual n. 14.410/08, nos arts. 52, § 2º, e 102 da Lei Complementar Estadual n. 529/2011, bem como no art. 41, inciso IV, da Lei de Execuções Penais

O item 4.1.5.1 da proposta de encaminhamento e achado 6 do Relatório DCE n. 502/2014 verificou a ausência de contas individualizadas (cadernetas de poupança) com a finalidade de formação de Pecúlio Prisional, atualizando os valores economizados e mantendo o poder de compra, violando, dessa maneira, direito expresso dos presos, conforme previsto no art. 41, inciso IV, da Lei de Execuções Penais.

Foram apontados como responsáveis os Srs. Leandro Antônio Soares Lima, Deiveison Querino Batista, Arlindo Pagnan, Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca.

O responsável Leandro Antônio Soares Lima admitiu (fl. 556) ser indubitável que a legislação usada como referência no presente achado deixa clara a necessidade de constituição de pecúlio prisional por meio de uma caderneta de poupança. Informou que a ausência de conta individualizada para os condenados seria um problema de todos os Fundos Rotativos Penitenciários do Estado, ponderando que a solução passaria por um tratamento uniforme em todo o sistema penal catarinense, via Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania.

Manifestou (fl. 556) entender que a competência para celebração de contrato, convênio, acordo ou outro ato administrativo bilateral ou multilateral com instituição bancária oficial do Estado seria do Secretário de Estado, isso quando não exigida a chancela do Governador. Novamente, transcreveu (fls. 556-557) os arts. 6º e 7º da Lei Complementar Estadual n. 381/2007.

Nesse sentido, reiterou os argumentos já relatados em itens anteriores, pelos quais alegou que a responsabilização estaria além de suas atribuições, bem como de que a atividade desempenhada pela DEAP se resumiria ao trato operacional, concluindo (fl. 558) que, em última análise, a responsabilidade recairia sobre a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, através de sua Diretoria de Planejamento e Avaliação, por intermédio da Gerência de Planejamento, Orçamento e Convênios.

Os Srs. Arlindo Pagnan e Deiveison Querino Batista se manifestaram, em síntese, nos mesmos termos em que já referido, conforme se observa em suas respectivas alegações de defesa às fls. 572-574 e 591-593, acrescentando que a falta de controle objeto da presente análise já fora alvo de Auditoria Interna realizada pela Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina, por meio da Diretoria de Auditoria Geral. Esclareceram que, no intuito de padronizar os procedimentos, estaria sendo iniciado um projeto piloto na Unidade de Florianópolis, cujas características permitiriam geração de informações com qualidade, relevância e transparência, podendo dar melhor suporte à contabilidade a fim de evidenciar os atos de gestão envolvidos no processo de pagamento de pecúlios aos condenados.

Os responsáveis Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca, conforme já exaustivamente exposto, apesar de regularmente notificados acerca dos termos processuais, não apresentaram quaisquer manifestações de defesa, sujeitando-se aos efeitos da revelia dispostos no art. 15, § 2º, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Conforme disposto pelo art. 102 da Lei Complementar Estadual n. 529/2011, o pecúlio prisional corresponde ao saldo financeiro resultante da dedução das despesas atinentes à indenização pelos danos causados e manutenção carcerária sobre a remuneração pelo trabalho do apenado.

Em igual sentido, dispõe a Lei de Execuções Penais:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade (grifei).

Essa soma deveria ser guardada de forma individualizada em caderneta de poupança para manutenção de seu poder de compra até sua disponibilização para o preso ao final da pena, como forma de garantir sua segurança econômica e obstar a reincidência criminal.

Dessa forma, verifica-se que a omissão por parte dos responsáveis enseja a possibilidade de manifesto prejuízo aos detentos.

No entanto, diante da magnitude da problemática enfrentada quando se descortina o panorama em que inserida, afigura-se temerário atribuir total responsabilidade aos gestores, desconsiderando-se justamente o grau de dificuldade da tarefa a ser empreendida, somada ao fato de que há evidentes medidas sendo tomadas no sentido de resolução da questão.

Mais uma vez a adoção dos autos RLA n. 14/00442211 a título de processo paradigma vem a calhar, na medida em que a problemática enfrentada naquele processo diz respeito à situação verificada na Penitenciária de Florianópolis, tornando-se perceptível que a necessária solução perpassa por um rol de medidas que abranjam todo o sistema penitenciário e prisional do Estado de Santa Catarina.

Nessa medida, imprescindível atentar para as considerações apostas pelo voto do Relator, Cleber Muniz Gavi, nas quais pondera a questão em cotejo com suas causas e consequências, inclusive citando exemplo prático. Veja-se:

Diante desse quadro, considerando as dificuldades práticas para regularização da falha identificada e não havendo nos autos informações que retirem a credibilidade das alegações da defesa, entendo não ser possível identificar total omissão por parte dos gestores.

Trata-se, sem dúvida, de um problema de complexa solução, não havendo, por exemplo, como esta Corte de Contas compelir o Banco do Brasil ou qualquer outra instituição financeira a proceder à abertura de contas de poupança para os detentos, o que tem sido o principal entrave, conforme noticiado pela Diretoria da Penitenciária de Florianópolis.

No entanto, a despeito de todas as dificuldades apontadas, é imperioso que a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania dê continuidade às tentativas para abertura de contas individualizadaspor constituir esta uma obrigação estatuída pela Lei de Execuções Penais e pela Lei Estadual n. 14.410/2008.

Aliás, a constatação de falhas contábeis na evidenciação dos recursos depositados nas contas bancárias destinadas à remuneração dos detentos, conforme abordado no item II.12 deste voto, revela que a rotina atualmente adotada constituiu um fator de grande risco para os próprios gestores do Fundo Rotativo, que podem vir a responder por eventuais inconsistências na conta destinadas à remuneração dos detentos. Segregar manualmente, a partir de uma única conta bancária global, o valor devido a cada detento (inclusive considerando o reajuste e os juros da poupança), constitui tarefa extremamente complexa e passível de erros.

E não se trata de mera cogitação. No Estado do Rio Grande do Sul, semelhante prática levou descontrole dos valores devidos aos reclusos, o que deu causa a instauração de um inquérito civil público pelo Ministério Público estadual. Para conhecimento, transcreve-se abaixo o teor da notícia publicada na internet, na data de 04.01.2016, pelo Jornal Zero Hora:

“Procuram-se apenados que seriam donos de R$ 8 milhões

Susepe se perde na contabilidade das contas-pecúlio e Ministério Público investiga irregularidade

O descontrole nas cadeias gaúchas não se resume à falta de vagas. A Superintendência dos Serviços Prisionais (Susepe) se perdeu na contabilidade das contas-pecúlio de apenados. Presos ganharam dinheiro a mais, outros ficaram sem receber e existem R$ 8 milhões que não se sabe a quem pertencem.

Um inquérito civil público aberto pelo Ministério Público (MP) investiga a irregularidade e tenta localizar os donos do dinheiro ou, em caso de morte, seus herdeiros. Estimativa da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado indica que são milhares de beneficiários, grande parte com direito a receber valores irrisórios de até R$ 10, mas há casos de quantias mais polpudas como R$ 20 mil.

O preso trabalhador tem retido 20% do ganho em uma poupança, a conta-pecúlio, cujo valor ele pode sacar ao final da pena. Essa deveria ser a regra, mas até o início de 2014, não vinha sendo respeitada. Os recursos ingressavam no sistema contábil da Susepe e até estagiários tinham acesso.

Eles podiam alterar valores que seriam repassados aos presos, sem que o sistema registrasse o nome de quem fez a operação, assim como não havia condições de rastreamento. Quantias diminuíam ou aumentavam sem qualquer controle.

O resultado disso foi uma balburdia financeira, com duplicidade de correção em alguns casos, permitindo saques indevidos que somaram R$ 817 mil, segundo aponta o inquérito civil do MP. Em contrapartida, de outros apenados o dinheiro sumiu, ficando com saldo negativo. Auditoria do Tribunal de Contas do Estado apontou a irregularidade.

– O preso trabalha na expectativa de ter uma poupança e quando tem direito a ela, descobre que não tem nada – lamenta o juiz-corregedor Alexandre de Souza Costa Pacheco.

O mecanismo de gerenciamento dos pecúlios foi modificado pela Susepe em abril de 2014, criando contas individuais para cada preso, com indicação de número de CPF e melhorando a segurança no controle das verbas. Mas, mesmo assim, ainda há problemas de gestão nas contas.

– É um sistema muito burocrático. O dinheiro passa por vários órgãos antes da liberação aos presos, demorando de três a seis meses – afirma Pacheco.

Em novembro, uma reunião entre juízes, promotores, representantes do Banrisul e da Susepe discutiu o assunto sem chegar a um consenso. Por causa desses problemas, o Conselho de Supervisão dos Juizados de Execução Penal (Consep) do TJ decidiu que magistrados poderão suspender o recolhimento dos 20% para poupança, autorizando que os presos recebam salário integral a cada mês. Na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, essa medida será adotada a partir deste mês.

O que é

A conta-pecúlio é prevista no artigo 29 da Lei de Execução Penal que abrange a remuneração do trabalho prisional. Determina que uma parcela do valor pago ao preso seja reservada a um pecúlio, em caderneta de poupança, para ser entregue a ele quando obtiver a liberdade.

As empresas que contratam presos no Rio Grande do Sul repassam 20% do salário para a Susepe, que depois transfere para o Banrisul. Quando termina de cumprir a pena, o preso é autorizado a sacar o dinheiro para recomeçar a vida fora da cadeia.

A falha

Por erros de gestão, a Susepe perdeu o controle sobre as contas, permitindo saques a mais por alguns presos e deixando outros com saldo a menos e até negativo, além de não saber a quem pertencem R$ 8 milhões.

O problema ganhou maior dimensão à medida que a Susepe cada vez menos atende às necessidades nas cadeias, como roupas, calçados, materiais de higiene e medicamentos, forçando o Judiciário a autorizar saques não só para os detentos que ganharam liberdade, mas também para presos trabalhadores ainda encarcerados.

O que diz a Susepe

Por meio da assessoria de comunicação, a superintendência informou que se manifestaria a partir desta segunda-feira.”

(Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/01/procuram-se-apenados-que-seriam-donos-de-r-8-milhoes-4943494.html)

Os fatos noticiados são suficientemente representativos dos riscos inerentes ao sistema de controle atualmente adotado pelos Fundos Rotativos Prisionais de Santa Catarina. Além disto, é possível identificar que posteriormente o Estado do Rio Grande do Sul logrou êxito na abertura de contas individuais para cada preso, sendo este, portanto, um referencial para que a Secretaria de Justiça e Cidadania procure regularizar a situação no nosso Estado, o que será objeto de determinação.

Considerando que a determinação sugerida pelo Relator foi acolhida pelo Pleno por meio do item 6.2.2 da Decisão n. 0306/2017, proferida no processo RLA n. 14/00442211, entendo pela determinação à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para que adote providências imediatas visando à abertura de contas correntes individualizadas para o depósito do pecúlio dos detentos, em atendimento à legislação de regência.

1.7.                Ausência de evidenciação contábil dos recursos depositados em contas correntes bancárias destinados às remunerações dos detentos, em afronta aos arts. 85 e 89 da Lei n. 4.320/64, bem como ao art. 6º da Resolução n. 750/93 do Conselho Federal de Contabilidade, alterada pela Resolução n. 1.367/11 do Conselho Federal de Contabilidade

O item 4.1.6.1 da proposta de encaminhamento e achado 7 do Relatório DCE n. 502/2014 verificou que os recursos recebidos pelo Fundo Rotativo da Penitenciária Sul eram depositados pelas entidades conveniadas ao Fundo diretamente em contas correntes bancárias específicas, sem os necessários registros contábeis, em ofensa aos arts. 85 e 89 da Lei n. 4.320/64, bem como ao princípio da oportunidade, insculpido no art. 6º da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade n. 750/93.

Foram apontados como responsáveis os Srs. Deiveison Querino Batista, Soraya Costa Elias e Everaldo Elias Vieira.

O responsável Deiveison Querino Batista alegou (fl. 593) que “elimina-se a responsabilidade e a posse do Fundo sobre tais compromissos nos registros contábeis, por meio dos lançamentos a crédito nas contas ora citadas”, uma vez que configurariam contas do setor de pecúlio de cada unidade, sendo destinadas única e exclusivamente ao depósito de pagamento pelos serviços prestados pelos apenados.

Informou, ainda, que o depósito de 75% já era estipulado no termo de cooperação com as empresas, não se confundindo com o valor do Fundo, concluindo que a imputação não prospera, face à previsão contratual para que os valores destinados aos apenados fossem devidamente depositados nas contas informadas pela auditoria.

O responsável Everaldo Elias Vieira frisou, inicialmente (fl. 516), que a contabilidade de todos os Poderes e Órgãos Estaduais é efetuada por meio do Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Fiscal (SIGEF), que é o sistema oficial de planejamento, orçamento, finanças e contabilidade do Estado de Santa Catarina. Desse modo, em função de a contabilidade estar atrelada ao SIGEF, todos os registros contábeis (automáticos/manuais) seriam realizados por meio de informações presentes no sistema.

Em seguida, traçou as seguintes explicações pormenorizadas do funcionamento do sistema de registros (fls. 516-521):

No caso em tela, a contabilidade evidencia 25% dos recursos recebidos, que são depositados na conta arrecadação do Fundo Rotativo Sul pelas entidades conveniadas. A partir do ingresso destes recursos na conta arrecadação a contabilidade passará a evidenciar os atos de gestão que dependam de execução orçamentária e financeira que é controlada e evidenciada pelo SIGEF.

Os 75% dos recursos restantes, que competem aos detentos com a finalidade de ressarcimento dos trabalhos realizados, são depositados diretamente nas contas pecúlio pelas entidades conveniadas.

Acontece que os domicílios bancários citados no item 2.7 do Relatório 502/2014, não são controlados pelo SIGEF. Ou seja, a movimentação nestas contas não é realizada através de execução orçamentária e financeira no SIGEF, nem transita de forma extra orçamentária no SIGEF.

Os domicílios bancários referentes às contas pecúlio são abertos pelo Banco do Brasil no CNPJ do Fundo Rotativo, atrelados ao cadastro de um gestor com poderes para movimentá-la, geralmente, o responsável pelo setor de pecúlio dos fundos rotativos. A movimentação na conta pecúlio ocorre sem passar pelos processos de execução orçamentária e financeira do órgão.

Neste caso, como os 75% dos recursos não transitam pela conta arrecadação do fundo, não há de se falar em evidenciação contábil destes valores como Ativo – Caixa ou equivalente de caixa e Passivo – Obrigações.

A partir do momento que os 75% dos recursos transitarem pela conta arrecadação do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, à contabilidade passará a evidenciar a entrada dos recursos como um Ativo – Caixa ou equivalente de Caixa e a contrapartida como Receita para posterior empenhamento (execução orçamentária) ou – dedução da receita – para transferência destes recursos para as contas pecúlio, dependendo na padronização dos procedimentos que forem adotados pela Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania já que hoje não existe padronização alguma.

Contudo, no passado, em alguns fundos rotativos, houve uma tentativa da contabilidade em registar a movimentação das contas pecúlio – independentemente destes recursos transitarem ou não pela conta arrecadação – com o objetivo de demonstrar o saldo do passivo do Fundo Rotativo para com os detentos, porém os registros, principalmente os referentes à saída dos recursos, não apresentavam suporte documental. Em alguns Fundos, inclusive, a contabilidade não tinha acesso aos extratos bancários.

Nesse caso, a contabilidade evidenciava, além do que já se registra atualmente, o saldo das contas pecúlios como um Passivo - Depósito Diversas Origens - DDO.

O saldo em DDO evidencia que o Estado recebeu por algum motivo o recurso, mas atua apenas como depositário, tendo que em um momento futuro devolver o recurso para o beneficiário, neste caso, o detento. Porém, tal registro não era revestido de confiabilidade e tempestividade, tampouco agregava qualidade da informação contábil, visto que:

a) a movimentação das contas pecúlio não é realizada por meio de execução orçamentária e financeira, tampouco com documento emitido pelo SIGEG;

b) o contador, na maioria das vezes, não recebia os extratos bancários, e mesmo quando recebia em tempo hábil, os extratos bancários para efetuar o lançamento dos saldos, o mesmo não apresentava informação suficiente para respaldar os lançamentos;

c) os extratos bancários evidenciam apenas entradas e saídas de recursos, não demonstram os credores, tampouco os favorecidos em cada pagamento;

d) pelo fato do gestor da conta possuir poderes para movimentá-la, uma saída de recurso demonstrada no extrato poderia ser referente ao pagamento de um, de vários ou até mesmo de nenhum detento.

e) para se obter o saldo da conta como DDO era preciso lançar todas as entradas de recursos, presumindo que se referiam aos depósitos das empresas conveniadas, e em seguida proceder ao estorno do DDO  com o somatório das saídas no período, presumindo também, que se referiam ao pagamento dos detentos, ou seja, uma mera movimentação contábil sem documentação hábil;

f) com o valor do saldo remanescente da conta de passivo - DDO, não se tem a informação individualizada do valor devido a cada detento.

Portanto, por falta de documentação hábil, a diretoria de Contabilidade Geral em conjunto com os contadores responsáveis pelos Fundos Rotativos, decidiram por não mais realizar tal procedimento, até que houvesse mudanças nos procedimentos que permitissem homogeneidade e fidedignidade das informações.

Considerando que para proceder ao registro na contabilidade de um fato é necessário que ele seja confiável e tempestivo (oportuno), como o contador não dispõe de informações com tais atributos se torna inviável o registro da informação, conforme menciona a Resolução n. 1367/20 do Conselho Federal de Contabilidade:

"Artigo 6º O Princípio da Oportunidade refere-se ao processo de mensuração e apresentação dos componentes patrimoniais para produzir informações íntegras e tempestivas.

Parágrafo único. A falta de integridade e tempestividade na produção e na divulgação da informação contábil pode ocasionar a perda de sua relevância, por isso é necessário ponderar a relação entre a oportunidade e a confiabilidade da informação." (destaque nosso)

Um registro contábil deverá ser baseado ainda em alguns atributos da informação contábil, que é a confiabilidade e a tempestividade, conforme previsto na Resolução n. 1.121/2008:

"Para ser útil, a informação deve ser confiável, ou seja, deve estar livre de erros ou vieses relevantes e representar adequadamente aquilo que se propõe a representar. Uma informação pode ser relevante, mas a tal ponto não confiável em sua natureza ou divulgação que o seu reconhecimento pode potencialmente distorcer as demonstrações contábeis."

"Quando há demora indevida na divulgação de uma informação, é possível que ela perca a relevância. A Administração da entidade necessita ponderar os méritos relativos entre a tempestividade da divulgação e a confiabilidade da informação fornecida."

Em suma, o frágil controle nas contas pecúlios inviabiliza o registro contábil de sua movimentação.

A falta de controle nas contas pecúlios dos Fundos Rotativos do Estado de Santa Catarina já foi alvo de Auditoria Interna realizada pela Secretaria de Estado da Fazenda por meio da Diretoria de Auditoria Geral -- DIAG.

Fruto desta auditoria surgiu a Informação DÏAG n° 0167/2012, que faz referência a fragilidade, por parte dos Gestores do Fundo, do controle em fichas de papel ou até mesmo em excel, do valor devido a cada apenado, bem como do valor depositado em uma conta única - pecúlio, ficando sob a guarda e gerenciamento de um responsável, gerando sérias fragilidades em termos de procedimentos, controles, evidenciação e transparência.

Desta forma, para que haja registro contábil confiável e tempestivo, faz-se necessário que os Gestores dos Fundos criem melhorias nos procedimentos de controles, evidenciação e transparência.

Em seguida, o responsável destacou (fl. 521) a existência de Informação DIAG n. 0167/2012 visando “às boas práticas para o controle do trabalho dos reeducandos, bem como o controle da remuneração”, destacando iniciativa promovida pelo Governo do Estado de Minas Gerais no sentido de implementação de processo de pagamento eletrônico dos reeducandos, atrelado à legislação sobre o tema.

Informou, ainda (fl. 522), a inexistência de padronização no que tange aos procedimentos relativos à execução dos recursos provenientes do labor dos apenados, ressaltando o início de projeto piloto na Unidade de Florianópolis. Ao final, registrou que o pleito que ressai do apontamento da auditoria é inviável, tendo em vista o modus operandi adotado pela gestão dos fundos rotativos.

A responsável Soraya Costa Elias apresentou argumentos nos mesmos e exatos termos em que referido acima (fls. 527-536).

Em que pesem os fatos narrados e os argumentos apresentados, as informações obtidas apenas confirmam os apontamentos efetuados pela equipe de auditoria, tendo em vista que a falta de documentação hábil e o controle deficiente dos recursos prejudicam o registro contábil, em violação ao disposto nos arts. 85 e 89 da Lei n. 4.320/64 e no art. 6º da Resolução n. 750/93 do Conselho Federal de Contabilidade, alterada pela Resolução n. 1.367/11 do Conselho Federal de Contabilidade.

Como bem expôs a Diretoria de Controle da Administração Estadual (fl. 653v):

Assim como em diversas outras áreas do Estado, os registros contábeis são realizados com base em registros gerenciais. Entende-se necessário tornar o registro gerencial confiável para gerar uma contabilidade confiável. Necessariamente a contabilidade deve buscar a verdade dos fatos e não optar por omitir a informação nas demonstrações contábeis.

Estando, assim, a administração dos recursos da conta pecúlio sob responsabilidade do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, é imprescindível -  e não mera opção – a sua evidenciação contábil.

Mesmo diante das justificativas dos responsáveis, em especial no que se refere à notícia de que estaria em implantação um projeto piloto para regularização do sistema de contabilidade, conjuntura a qual, em um primeiro momento, afasta a aplicação de multas aos gestores, vejo como necessária a determinação e estipulação de prazo, por parte dessa Corte de Contas, para que o Fundo Rotativo da Penitenciária Sul adote providências para estabelecimento de uma metodologia de controle que permita a realização dos registros contábeis da conta pecúlio.

Dessa maneira, entendo – nos moldes em que disposto no item 6.3 da Decisão n. 0306/2017, proferida no processo RLA n. 14/00442211 – pela fixação de prazo para que a Secretaria de Estado da Fazenda, por meio da Diretoria de Contabilidade Geral (DCOG), comprove a adoção de procedimentos com vistas a realizar o registro contábil dos valores do pecúlio prisional pelo Fundo Rotativo da Penitenciária Sul.

1.8.                Não exploração das potencialidades de geração de receita em desacordo com o art. 37 da CRFB/88 e com os arts. 1º, 28 e 31 da Lei de Execuções Penais

O item 4.1.7.1 da proposta de encaminhamento e achado 8 do Relatório DCE n. 502/2014 considerou que o potencial de arrecadação de receitas pertinentes ao Fundo Rotativo da Penitenciária Sul seria maior do que os valores que vinham sendo arrecadados, alertando sobre a necessidade da adoção de providências para o aumento da receita originária dos serviços prestados pelos reeducandos às empresas privadas.

Foram apontados como responsáveis pela irregularidade os Srs. Leandro Antônio Soares Lima, Deiveison Querino Batista e Arlindo Pagnan.

O responsável Leandro Antônio Soares Lima alegou (fl. 559) que a feitura e celebração de convênio entre o Estado e as instituições públicas e privadas, visando à abertura de postos de trabalho aos condenados, passam por um nível de competência superior. Argumentou tratar-se de um nível de competência política atrelada aos titulares dos cargos estruturais à organização política, de modo que somente a tais agentes competiria a “formação da vontade superior do Estado”.

Mais uma vez, o responsável baseou-se (fl. 560) nos ditames dos arts. 6º e 7º, inciso IV, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, bem como no art. 74 da Lei de Execuções Penais, buscando afastar o ônus de sua responsabilidade, reiterando (fl. 561) toda a teia argumentativa já expendida e reproduzida nos itens anteriores deste parecer.

Os responsáveis Arlindo Pagnan e Deiveison Querino Batista apresentaram, em síntese, as mesmas justificativas e argumentos referidos acima (fls. 574-576 e 594-595, respectivamente).

A respeito das responsabilidades definidas ao decorrer da instrução, entendo que se pode imputá-la tanto a Secretários de Estado da Justiça e Cidadania – pela competência para celebração dos convênios – como também a Diretores, seja Penitenciário ou do Departamento de Administração Prisional, – pela gestão e fiscalização da Unidade. Isso porque o fato de a competência para abrir novos postos de trabalho estar atrelada à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania não afasta o dever dos gestores de identificar os problemas e reportá-los ao ente competente para adoção das providências cabíveis.

Entretanto, a irregularidade em questão não se reveste de gravidade suficiente para aplicação de sanção pecuniária aos responsáveis, sendo razoável uma recomendação à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania para que verifique a necessidade de aumento dos postos de trabalho e, caso positiva, adote providências para celebração de novos convênios com empresas interessadas em ofertar novos serviços dentro desses estabelecimentos.

1.9.                Ausência de Controle Interno, em desacordo com o art. 62, § 1º, da Constituição Estadual, os arts. 29 e 30, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, o art. 2º, inciso II, do Decreto Estadual n. 2.056/09, bem como com os Decretos Estaduais n. 772/12 e n. 1.670/13

O item 4.1.8.1 da proposta de encaminhamento e achado 9 do Relatório DCE n. 502/2014 constatou a ausência de qualquer constituição de controle interno do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, frustrando os objetivos de verificar a exatidão e fidelidade dos dados orçamentários, financeiros, operacionais, patrimoniais e contábeis, relacionados às receitas e despesas.

A presente irregularidade foi atribuída aos Srs. Deiveison Querino Batista, Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca.

Em suas alegações de defesa, o responsável Deiveison Querino Batista alegou (fl. 596) que a competência para designar servidor público responsável pelo controle interno seria exclusiva dos titulares ou dirigentes máximos dos órgãos da administração do Poder Executivo estadual.

Transcreveu (fl. 596) o disposto no art. 1º do Decreto n. 1.670/13, concluindo que dele decorreria a competência do Secretário de Estado da Justiça e Cidadania para designar servidor responsável pelo controle interno, por meio de portaria. Nesse sentido, informou que a Portaria n. 0554/GEPES/DIAF/SJC/2014 teria designado o servidor Jonas Santana Martins para responder pelo controle interno da Penitenciária Sul, acumulando, “ainda que informalmente, também a função de controle interno do Fundo Rotativo da Penitenciaria Sul”.

Os responsáveis Sadi Beck Júnior e Ada Lili Faraco de Luca, conforme já exaustivamente referido, apesar de regularmente notificados, não apresentaram quaisquer manifestações de defesa.

No relatório técnico inicial (fl. 492v), a Diretoria de Controle da Administração Estadual assinalou a presente irregularidade destacando a importância da implementação de um sistema de controle interno nos órgãos públicos e aduzindo, entretanto, que “não se percebeu qualquer constituição do controle interno do Fundo Penitenciário Rotativo Sul com foco nas receitas e despesas da Unidade em 2013 (fl. 392)”.

Tal documento de fl. 392 é cópia de excerto do Diário Oficial do Estado n. 19.891 (01.09.2014), do qual se sublinhou a nomeação do Sr. Jonas Santana Martins para responder pelo controle interno do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul em 27.08.2014.

Agora, no relatório técnico final, estranhamente a instrução trouxe a seguinte conclusão (fl. 656):

O sr. Deiveison Querino Batista, trouxe em sua defesa, que fora designado por meio da portaria nº 554/2014, expedida em 27/08/2014, o Sr. Jonas Santana Martins para exercer função de controle interno da unidade.

Cópia da referida portaria foi encaminhada pela defesa e anexada na fl. 623 destes autos, sendo a sua publicação objeto de confirmação por esta Instrução, que constatou que a mesma ocorreu na data de 01/09/2014 (DOE nº 19.891 – pg. 2).

A indicação de pessoa responsável pelo controle interno da unidade, elide nesta oportunidade, a irregularidade inicialmente anotada. Contudo, importante lembrar que a responsabilidade dos gestores e também do servidor nomeado, não se finda, e a atuação mediante fiscalização, acompanhamento e orientação e controle dos atos e fatos de natureza orçamentária, financeira, operacional, patrimonial e contábil devem ser perseguidos, em obediência a legislação de regência.

Ora, nota-se clara divergência entre os posicionamentos da equipe técnica em seus relatórios. Inicialmente, a restrição, da maneira como anotada, referia-se ao fato de não haver qualquer controle interno na unidade no ano de 2013, porquanto referiu-se – e destacou – que o servidor em questão havia sido nomeado para a função somente em 01.09.2014. Por outro lado, concluiu a instrução, no último relatório, que tal nomeação – que justamente havia sido considerada para embasar a irregularidade – serviria para demonstrar que a restrição estaria elidida.

De qualquer maneira, apesar de tal problemática, este órgão ministerial entende que, diante da detida análise de todo o contexto do presente caso concreto, não houve irregularidade suficiente a apenar os responsáveis com pena de multa, restando a relevante questão do controle interno, aparentemente, observada no Fundo Rotativo da Penitenciária Sul.

2.     Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se:

2.1.                pela IRREGULARIDADE, na forma do art. 36, § 2º, alínea “a, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, dos seguintes atos:

2.1.1. Realização de despesas, no montante de R$ 44.747,40, com recursos do Fundo Rotativo da Penitenciária Sul, fora das finalidades previstas na Lei Estadual n. 5.455/78 e no Decreto Estadual n. 2.312/97, alterado pelo Decreto Estadual n. 132/99;

2.1.2. Ausência de licitação para realização de despesas com aquisições de ração animal, uniformes e acessórios para agentes penitenciários e manutenção e conservação de veículos, durante o exercício de 2013, cujos valores são superiores ao montante em que é dispensável a licitação, em afronta ao art. 37, inciso XXI, da CRFB/88, bem como aos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.666/93;

2.2. pela APLICAÇÃO DE MULTAS aos responsáveis, na forma prevista no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, diante das irregularidades acima referidas nos itens 2.1.1 e 2.1.2 desta conclusão, da seguinte maneira:

2.2.1. aos Srs. Deiveison Querino Batista, Diretor da Penitenciária Sul à época dos fatos, Leandro Antônio Soares Lima, Diretor do Departamento de Administração Prisional à época dos fatos, e à Sra. Ada Lili Faraco de Luca, Secretária de Estado da Justiça e Cidadania à época dos fatos, em face da irregularidade elencada no item 2.1.1 da conclusão deste parecer;

2.2.2. ao Sr. Deiveison Querino Batista, Diretor da Penitenciária Sul à época dos fatos, em face da irregularidade elencada no item 2.1.2 da conclusão deste parecer;

2.3. pelas DETERMINAÇÕES constantes dos itens 3.3.1 a 3.3.3 à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania e do item 3.4 à Secretaria de Estado da Fazenda, dispostas na conclusão do Relatório DCE n. 002/2016 (fls. 656v-657), para adoção de providências no prazo a ser estipulado por essa Corte de Contas;

2.4. pelas RECOMENDAÇÕES à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, anotadas nos itens 3.5.1 e 3.5.2 da conclusão do Relatório DCE n. 002/2016 (fl. 657).

Florianópolis, 3 de outubro de 2017.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] Foram despendidos R$ 44.747,40, vinculados ao Fundo Rotativo, para atender despesas do DEAP, na sua nova sede em Palhoça, bem como para despesas da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, tais como aquisição de cadeiras, divisória Eucatex, perfis e porta com todos os acessórios para a sede do DEAP, camisetas para os funcionários, e aquisição de uniformes e calçados para os servidores da Penitenciária Sul, conforme detalhado às fls. 475v-479v.

[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 805.

[3] Foram identificadas despesas com aquisições de ração animal, material de construção para reforma de presídios, uniformes e acessórios para agentes penitenciários e manutenção e conservação de veículos.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005.

[5] CITADINI, Antonio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. São Paulo: Max Limonad, 1999.

 

[6] “Formação de Pregoeiros, Licitações e Contratos Administrativos” e “Treinamento nos Sistemas LIC e e-LIC” (fls. 599-602).

[7] Processo RLA n. 14/00442211, originado de auditoria in loco realizada no Fundo Rotativo da Penitenciária de Florianópolis, abrangendo a apuração de possíveis irregularidades na aplicação de recursos do Fundo, noticiadas nos processos REP n. 13/00696807 e PDA n. 13/00707930, com as receitas e despesas atinentes ao trabalho dos reeducandos no exercício de 2013 e eventualidades de 2012 e 2014, considerando-se a vigência dos contratos auditados, em cumprimento à programação de auditoria do período de abril de 2014 a março de 2015.